Direito Administrativo

Controle Das Contratações em Tempo de Escassez

Morgana Bellazzi de Oliveira Carvalho

Resumo

Este artigo analisa o controle realizado pelo Tribunal de Contas sobre as licitações e contratos. A questão central é entender como a Corte de Contas deve realizar esse controle no Estado contemporâneo cuja tônica é a escassez e a contenção dos gastos públicos. Neste contexto, o trabalho discorreu sobre temas relativos aos atuais desafios do Estado contemporâneo; à ideia de  escassez sob alguns prismas, correlacionando a gestão da escassez não só com o problema da produção ou distribuição das riquezas, mas com as escolhas fundamentais da sociedade; ao modo como a atuação dos Tribunais de Contas pode contribuir com a boa governança das licitações e contratos, combatendo desperdícios de recursos públicos e desvios, o que permitirá com que o Estado possa, ainda em tempos de crise, realizar o máximo com mínimo de recursos disponíveis.

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Palavras chave: Estado. Escassez. Eficiência. Controle. Contratos.

Abstract

This article analyzes the control carried out by the Court of Auditors on bids and contracts. The central issue is to understand how the Court of Auditors should carry out this control in the contemporary state whose main emphasis is the scarcity and containment of public expenditures. In this context, the work discussed themes related to the current challenges of the contemporary State; to the idea of ​​scarcity under some prisms, correlating the management of scarcity not only with the problem of the production or distribution of wealth, but with the fundamental choices of society; to the way in which the Courts of Accounts can contribute to the good governance of bids and contracts, combating waste of public resources and deviations, which will allow the State, even in times of crisis, to carry out the maximum with minimum resources available.

Keywords: State. Scarcity. Efficiency. Control. Contracts.

 

Sumário: Introdução 1 Atuais desafios do Estado pós-moderno. 2 A escassez como tônica da contemporaneidade. 3 Os dilemas da sociedade atual e a gestão da escassez. 4 Princípio da eficiência na Administração Pública. 5 Controle das Contratações públicas. 5.1 A justificativa do modelo de contratação. 5.2 A remuneração do contratado. 5.3 A exigência de padrões de sustentabilidade nos editais. 6 Considerações Finais. Referências.

 

INTRODUÇÃO

O presente ensaio insere-se na linha de pesquisa “Governança nas licitações e contratos” e se concentra em sugerir pistas acerca dos parâmetros de controle das contratações públicas, o que poderá servir para fixar os limites da atuação do Estado de Direito em tempos de escassez na elaboração de políticas públicas.

Trata-se de texto teórico, cuja abordagem é ancorada na doutrina, especialmente jurídica, mas, construída, também, sob uma perspectiva prática, em que se defende que a busca da eficiência na gestão pública no Estado de escassez é uma meta inarredável, porém, tangível e alcançável, especialmente por meio da governança nas licitações e contratos, área sensível ao desperdício de recursos e vulnerável a desvios, razão pela qual os controles incidentes sobre ela devem ser objeto de constante reflexão e aperfeiçoamento em nome, inclusive, da efetivação do princípio da eficiência na Administração Pública.

 

1 ATUAIS DESAFIOS DO ESTADO PÓS-MODERNO

Mesmo considerando o contexto de crise que atualmente passa a economia mundial, cuja globalização tem papel significativo, ainda hoje é possível verificar o funcionamento eficaz de Estados Sociais em países nórdicos (Suécia, Dinamarca, Noruega e Finlândia). Igual não ocorre, por exemplo, nos Estados Unidos e Inglaterra, cuja visão neoliberal tem predominado, sob a defesa de um modelo de Estado que deve intervir minimamente na economia, sendo, apenas, um regulador das questões econômicas e sociais, deixando ao terceiro setor o papel assistencialista. Tal visão tem fomentado em outros países (a exemplo do Brasil), grande discussão, jurídica inclusive, sobre a necessidade de renovação do Estado Social.

Nas palavras de Jean‑Claude Juncker[1], “a renovação do Estado Social significa uma evolução política e econômica do Estado de Wohlfahrt für alle (previdência para todos) para o Estado de Wohlstand für alle (prosperidade para todos). Para ele, um elemento concreto de renovação do Estado Social “pode ser o que o economista político belga Philippe Van Parijs chama rendimento básico, de modo a evitar uma tragédia social. Porém, é preciso buscar consenso quanto à proteção social, ultrapassando os conflitos entre Estados e mercados, trabalho e capital, coletivismo e individualismo, trabalhadores e empresários, pois o mais importante, para Juncker: “já não é o Estado ou a economia: é o ser humano! E ainda todas as comunidades humanas: casais, famílias com filhos, amigos, comunidades locais, regiões, nações e até mesmo a humanidade como comunidade última de um conjunto de comunidades.”

De fato, o Estado, hoje, luta contra os ataques a si próprio, decorrentes do neocapitalismo/neoliberalismo, da globalização econômica, da verticalização da economia que gera o impacto negativo nas fontes de custeio, e de outros fatores que limitam os investimentos como a crise econômica e a escassez de recursos. O grande desafio do Estado neste sentido é duplo: justificar-se e superar a crise de legitimidade democrática, pois o Estado não pode voltar a ser um problema como historicamente a sociedade já experimentou.

Para isso é preciso: cumprir as promessas da pós-modernidade (Estado tem de ser eficiente para dar as prestações à sociedade com cada vez menos recursos); e promover o desenvolvimento da sociedade garantindo a sustentabilidade (econômica, ambiental e social) e (re)distribuindo riquezas e oportunidades para combater as desigualdades e a pobreza[2].

Portanto, resistir à retomada do liberalismo e da ideia de Leviatã são missões vitais do Estado contemporâneo. Para ter êxito nessas missões, é preciso atenuar as distâncias entre Estado e sociedade[3]. Estado e sociedade devem cada vez se aproximar mais e firmar inter-relações e parcerias, do que são exemplos as Parcerias Público-Privadas no âmbito das obras de infraestrutura e de serviços[4], e a cooperação cada vez mais estreita entre as organizações do terceiro setor e a Administração Pública[5] (designadamente nos domínios da educação, assistência social e saúde), tudo isso em busca de uma satisfação dinâmica, eficaz e eficiente do interesse público[6].

Por essa razão não é crível que a sociedade prescindirá algum dia do Estado. Talvez, em algum futuro, o Estado – como realidade social e política – possa ser superado por outra forma de estruturação da sociedade e do interesse coletivo, mas a verdade é que a história já mostrou que tanto o projeto capitalista (superação do Estado pelo mercado), quanto o comunista (superação do Estado pela coletividade) não conseguiram provar a desnecessidade do Estado, ao revés, as estruturas estatais ficaram cada vez maiores e mais poderosas em ambas as realidades.

A história também já mostrou que o mercado não é capaz de garantir condições mínimas de igualdade tanto moral quanto material, ou de resolver o problema do mínimo social ou das parcelas distributivas.[7]

E não é só. A proliferação de interesses coletivos e difusos, cuja característica é exatamente não possuírem ou possibilitarem uma apropriação ou tutela individual, amplia, ou melhor, clama pela titularidade de um ente que atue em nome da sociedade. Neste sentido, é difícil imaginar a defesa, por exemplo, do meio ambiente sem a tutela atuante do Poder Público.

Assim, deve ser imperativo que o Estado se transforme, se refunde. E essa refundação, requer não o retorno das ideias liberais, mas, sim, a criação de um novo modelo de políticas públicas que garantam a redescoberta da igualdade como condição de justiça[8], que seja adequado à capacidade limitada de recursos e aos padrões de sustentabilidade, e que reafirme os valores essencialmente democráticos.

Além disso, é preciso criar critérios seguros de controle dessas políticas, a fim de garantir a eficiência e evitar o desvio de recursos públicos, o desperdício e a corrupção.

Outro ponto imprescindível é o orçamento, que deve estabelecer diretrizes políticas compatíveis com as prioridades constitucionais. Com efeito, as discussões sobre o orçamento são importantes no Estado atual, por isso o Legislativo deve dialogar com o Executivo sobre as alocações orçamentárias, e a sociedade também deve participar dessas discussões, seja para conhecer quais as prioridades eleitas, seja para opinar sobre quanto está disposta a pagar para garantir determinadas condições mínimas para cada indivíduo.

Por fim, para completar o elenco dos atuais desafios do Estado pós-moderno cita-se a necessidade de aperfeiçoamento dos mecanismos de governança dos gastos públicos, fator determinante para controle da alocação dos recursos e da concretização dos direitos sociais em tempos de escassez.

Erigir parâmetros de controle, pelos Tribunais de Contas, sobre as licitações e contratos, dentro da perspectiva do Estado da escassez e do princípio da eficiência na Administração Pública, é, repita-se, o objetivo desse ensaio.

 

2 A ESCASSEZ COMO TÔNICA DA CONTEMPORANEIDADE

A ideia de escassez em sentido genérico é o oposto da abundância ou fartura. Significa a falta de um bem ou um serviço em relação à sua procura. É escasso tudo aquilo que não existe para satisfazer as demandas de todos, sejam elas básicas, econômicas ou mesmo psicológicas.

Gustavo Amaral classifica a escassez como natural (severa e suave), quase-natural e artificial. A escassez natural severa aparece quando não há nada que alguém possa fazer para aumentar a oferta. A escassez natural suave ocorre quando não há nada que se possa fazer para aumentar a oferta a ponto de atender a todos. As reservas de petróleo são um exemplo, a disponibilização de órgãos de cadáveres para transplante é outra.

A escassez quase-natural ocorre quando a oferta pode ser aumentada, talvez a ponto da satisfação, apenas por condutas não coativas dos cidadãos. A oferta de crianças para adoção e de esperma para inseminação artificial são exemplos.

A escassez artificial surge nas hipóteses e que o governo pode, se assim decidir, tornar o bem acessível a todos, a ponto da satisfação. A dispensa do serviço militar e a oferta de vagas em jardim de infância são exemplo.[9] Observe-se que nestes exemplos normalmente é atribuição do direito fornecer o critério geral e a regra individual por meio da qual se fará a distribuição dos recursos.

Esses esclarecimentos confirmam que a escassez nas sociedades complexas, afora estar associada à falta de recursos econômicos e financeiros, está delimitada pelas expectativas individuais e coletivas, locais e gerais da comunidade, afinal também existe a escassez de produção cultural e artística, de atividades de desporto, de liberdade de expressão, de informação qualificada e isenta, de leitos, de aparelhos médicos avançados, de profissionais de saúde habilitados, de liberdade religiosa, de igualdade material, inclusive de oportunidades, etc., se for considerado que tais expectativas são reconhecidas como direitos sociais relevantes.

Logo, se para determinada sociedade ou grupo a escassez é, aparentemente, apenas de comida, para outros pode ser de políticas públicas capazes de viabilizar a igualdade substantiva do acesso à educação, superando obstáculos de gênero, raça, classe social ou situação econômica.

Num outro giro, o problema da escassez de recursos naturais não diz respeito apenas à inexistência de recursos renováveis na natureza em quantidade de reposição igual ou superior àquelas utilizadas pela humanidade pelos padrões atuais de consumo, mas, também, à necessidade de repensar e reconstruir outro modelo de produção e consumo ecologicamente sustentável, pois, se a sociedade prosseguir com esse padrão de consumo, em breve haverá escassez de produtos recicláveis ou de espaço para o descarte. Nesta seara intervém, por exemplo, o direito ambiental trabalhando com conceitos como responsabilidade intergeracional para regular ou restringir o acesso a bens a vida.

Portanto, o alcance do conceito de escassez, e de seu tratamento pelo Direito, pressupõe um mínimo de consenso acerca do que é necessário para o presente e para o futuro, pois a responsabilidade intergeracional não é uma variável facultativa ou descartável, ao contrário, constitui mais um componente nas complexas fórmulas de extração das normas individuais que afetam o patrimônio jurídico dos sujeitos de direito.

Essas digressões são importantes, porque é necessário correlacionar a gestão da escassez com as escolhas fundamentais da sociedade, a fim de encontrar parâmetros que possam balizar o controle da eficiência das contratações públicas na sociedade contemporânea. O que de fato é necessário adquirir com recursos públicos? Que bens e serviços são essenciais? Como devem ser contratados para se atestar que a contratação atendeu à mensagem do princípio da eficiência?

E mais: sob que ótica deve ser feita a gestão da escassez: a ótica individual ou coletiva? Esse assunto, estruturante para o Direito, será tratado no item seguinte.

 

3 OS DILEMAS DA SOCIEDADE ATUAL E A GESTÃO DA ESCASSEZ

Para responder à última indagação do item anterior é preciso, dentre os dilemas da sociedade atual que ameaçam o futuro harmônico da humanidade, já que corroem os alicerces do direito, destacar a disputa entre individualistas e coletivistas.

As perspectivas individuais e coletivas também representam uma escolha difícil para a sociedade contemporânea e, por via de consequência, para o Direito.

Com efeito, a sedução da ótica individualista com sua promessa de liberdade (poder escolher todos os desejos, todas as possibilidades, todas as opções, etc.), não consegue esconder que toda e qualquer liberdade de escolha somente pode existir em comunidade (inclusive a liberdade de escolher a vida). Por outro lado, o homem isolado é mera abstração utilizada para argumentos de retórica, porque despojado das relações intersubjetivas e, portanto, de direitos e deveres, inexistiria juridicamente. Afinal, o Direito só floresce no cotejo de relações intersubjetivas entre humanos, e esta condição pressupõe a vida em sociedade.

Já a concepção essencialmente coletivista, com seus acenos utópicos de harmonia plena, não é capaz de superar a realidade de que toda transformação somente ocorre pela mão do homem, ainda que, muito rara e esporadicamente, agindo sozinho. Dessa forma, ignorar o indivíduo em suas dimensões é desconhecer a história da humanidade, e ser condenado a repeti-la – outro caminho sem saída para o direito.

O problema é que a vida do gênero humano gira, perpetuamente, em torno de dois valores: indivíduo e coletividade, como descreve Marcus Acquaviva[10], que defende que o equilíbrio entre eles ainda não foi alcançado: ora predomina um, ora outro. E esse predomínio reflete na feição do Estado, pois, na prática, se aplicam os conceitos de individual e de coletivo como opostos que se hostilizam, como se a liberdade excluísse a igualdade ou ampliasse a desigualdade, e, ainda, como se não pudessem coexistir.

Por este aspecto, a concepção individualista excessiva ensejaria a eliminação dos mais fracos pelos mais fortes, acentuaria as desigualdades naturais ou artificiais e, consequentemente, as desigualdades sociais, e a concepção coletivista exacerbada chegaria a extremos de supressão de individualidades. Assim, ambos os caminhos não revelam saídas para o Direito cumprir sua missão na sociedade.

Com efeito, individualismo e coletivismo isoladamente acarretariam males para a vida em sociedade, não constituindo alternativas válidas e eficazes para a construção do significado jurídico, razão pela qual devem coexistir para sopesarem-se/limitarem-se em prol da realização do bem comum[11]. Afinal, ninguém existe por si próprio, como tampouco através de si mesmo.

Pelo contrário, cada um vive através dos outros e, ao mesmo tempo, pelos outros. A vida humana gira em torno do individual e do todo, e a natureza tem como finalidade a existência da humanidade (as realizações do indivíduo e da coletividade). “Toda a nossa cultura, toda a nossa história repousa na valorização da existência humana individual para os fins da coletividade. Não há vida humana que exista meramente para si”[12] e, como denuncia o título da obra de Jhering, não há como dissociar esta dimensão da compreensão do Direito, por sua vinculação a sua finalidade, mais relevante critério para buscar o sentido e o significado de sua essência.

O que se quer demonstrar com esta breve análise é que a gestão da escassez é relevante e de responsabilidade de todos, inclusive do Estado, mas não só dele. É uma questão a ser enfrentada pelo Direito com toda a legitimação que puder alcançar por meio do diálogo entre os atores. No entanto, na divergência entre critérios individuais ou coletivos, a gestão da escassez se torna ainda mais visível, a exemplo da definição e aplicação de políticas públicas em que é preciso fazer opções que, diuturnamente, enfrentam escolhas entre visões individualistas e coletivistas, que, no enquadramento do público, não podem ser dissociadas, sendo um grande desafio para o Estado solucionar, afinal, não há liberdade pessoal sem segurança pública, e não há bem-estar individual sem justiça social.

Por outro lado, como visto no item antecedente, é indiscutível que a concretização de direitos está associada à disponibilidade de recursos financeiros, que, ao revés das necessidades e vontades humanas, são limitados. Assim, a escassez relativa – inexistência de recursos públicos para atender a todos e a todas as demandas – constitui limite fático à efetivação de qualquer direito, independentemente da classificação, seja negativo ou positivo[13], mas, especialmente dos direitos sociais, que implicam maiores custos prestacionais na implementação de políticas públicas[14].

Neste contexto, apropriado é o comentário de Ana Paulo Barcellos[15] quando sustenta que não se pode ignorar a contingência da limitação de recursos, “sob pena de divorciar o discurso jurídico da prática de tal forma que o jurista pode até prosseguir confiante por quilômetros de distância, mas quando olhar para trás e para os lados perceberá que está sozinho”. Por esta razão, para evitar o risco aventado – de o jurista dissociar-se da vida real, vagando sozinho no mundo da fantasia – é que a escassez de recursos públicos precisa ser enfrentada como realidade[16], não como escudo ou justificação para não realização de direitos, mas como elemento que deve ensejar maior planejamento e racionalização nas escolhas alocativas e na eleição de prioridades, harmoniosas com os direitos amparados na Constituição, ou seja, buscando os caminhos juridicamente sustentáveis para que a solução seja construída em conformidade com o Direito, suas normas e princípios.

Assim, para exercício de suas funções, o Estado não poucas vezes precisa impor restrições à iniciativa privada/indivíduos, por exemplo, quando uma fábrica que causa poluição é obrigada a minorar o mal causado ou encerrar suas atividades; quando por conta de risco de epidemia ou para controlar proliferação de doenças, o Estado impõe a vacinação obrigatória; ou quando surgem restrições à fruição irrestrita do direito de propriedade, em nome da função social.

Mas isso ocorre porque o Estado precisa atender aos interesses coletivos e garantir a proteção social de forma mais completa possível, e precisa, também, conciliar a autonomia privada e as exigências de solidariedade e humanismo em prol de realizar a justiça social.

E, em tempos de recursos escassos, o Poder Público não pode perder de vista que a prioridade é definir como pode ser melhor garantida a utilidade social de cada unidade monetária pública gasta.

 

4 O PRINCÍPIO DA EFICIÊNCIA NA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA

Desde o século passado, ante aos questionamentos da manutenção do Estado Social, tendo em vista: crescimento das tendências de liberalização da economia, privatização do setor público, protagonismo do mercado, e tentativa de diminuir o tamanho do Estado, e, sobretudo, com o quadro de escassez de recursos disponíveis (inclusive com medidas significativas de austeridade financeira como leis de teto de gastos públicos e decretos de contingenciamentos)[17], o Estado passou a dar maior atenção à ideia de value for money, que convoca os critérios de economia, eficiência e eficácia e que, por sua vez, concretizam o princípio da racionalidade das despesas.[18]

A exigência de racionalização das despesas se impõe como verdadeiro desafio para o Estado contemporâneo, que precisará guiar as escolhas de onde e como gastar, analisando os custos e os respectivos benefícios dos gastos efetivados, em nome do dever da boa gestão financeira[19]. Esse dever passou a incluir, também, aspectos de otimização, celeridade, e simplificação de procedimentos em prol de realizar gastos de acordo com padrões de eficiência.

Essa tendência de enfatizar a análise de custo-benefício na gestão financeira, deflagrada inicialmente no modelo gerencial de Estado entre as décadas de 80 e 90 nos Estados Unidos, com a gestão do Presidente Regan, e no Reino Unido, com a Primeira Ministra Margaret Thatcher, espraiou-se por muitos países europeus e sulamericanos, designadamente Portugal e Brasil, inclusive em nível constitucional, como princípio da eficiência, implícito ou explícito.

Em Portugal, a Constituição não traz expressamente no art. 266º, nº 1 a eficiência como princípio fundamental da Administração Pública, porém, há uma referência implícita ao princípio no art. 81º, quando inclui entre os deveres do Estado assegurar a plena utilização das forças produtivas designadamente zelando pela eficiência do setor público. E, de outro lado, pode se interpretar de maneira sistêmica, que uma conduta administrativa ineficiente viola a opção lusitana de Estado, consagrada no art. 2º da Constituição Portuguesa. Logo, inadmissível no Estado de Direito Democrático de Direito, baseado na soberania popular, no pluralismo de expressão e organização político-democráticas, no respeito e na garantia de efetivação dos direitos e liberdades fundamentais e na separação e interdependência de poderes, e que visa a realização da democracia econômica, social e cultural e o aprofundamento da democracia participativa, a gestão financeira ineficiente, posto que contrário à proteção dos direitos e interesses legalmente dos cidadãos.

Fernanda Oliveira e José Eduardo Figueiredo Dias complementam a perspectiva da eficiência no ordenamento jurídico português, salientando que a introdução no novo Código de Processo Administrativo (artigo 5º) do princípio da boa administração segundo o qual a Administração deve pautar-se por critérios de eficiência. Segundo esses autores:

A eficiência tem precisamente a ver com a relação entre os custos de uma determinada ação (os meios ou recursos utilizados) e o fim perseguido (o benefício esperado com a ação), procurando alcançar-se o máximo benefício com a menor quantidade possível de meios empregues. (…) Nestes termos, deve entender-se que o princípio da eficiência faz hoje parte do “bloco de juridicidade” que constitui o princípio da juridicidade, que exprime de uma forma mais geral a submissão da Administração à lei e ao Direito, não podendo o direito administrativo renunciar ao critério da eficiência.[20]

Segundo Paulo Nogueira da Costa, “a problemática da eficiência não pode ser compreendida de forma isolada; ela tem de ser perspectivada à luz da unidade constitucional”. Para ele, o princípio da eficiência indica que a atuação do Estado deve resultar o máximo de utilidade social, a qual se pode traduzir, designadamente, na otimização da garantia dos direitos e liberdades fundamentais dos cidadãos, bem como da igualdade material e da justiça. Porém, ele ressalta que essa otimização deve ser conseguida com o menor custo social possível.

No Brasil, a eficiência foi positivada, a partir da Emenda Constitucional nº 19/98, como princípio constitucional ao lado dos outros princípios norteadores da ação da Administra Pública, enunciados no art. 37, caput, da CF. Isso quer dizer que o conteúdo jurídico da eficiência é de um valor prezado pelo Direito Administrativo[21]. Com isso, o compromisso do Estado brasileiro com a eficiência passou a ser exigência constitucional, o que não significa que antes da positivação não o fosse. A eficiência já era tida como valor do ordenamento jurídico brasileiro desde o Decreto-Lei nº 200/67, que consagrava a eficiência como dever funcional dos agentes públicos e obrigação de controle dos resultados da ação administrativa (artigos. 13 e 25, V). Afora isso, como destacado por Ulisses Jacoby[22], antes da consagração em nível constitucional do princípio da eficiência já havia no Brasil outras leis para o dever de eficiência, a exemplo da Lei 8.078/90 (código de defesa do consumidor) e Lei 8.987/95 (lei de concessões e permissões de serviços públicos), quando fixavam que os serviços públicos devem ser contínuos, adequados, atuais, eficientes e seguros. De acordo com Hely Lopes Meirelles[23], existem três principais deveres do administrador público: o dever de probidade, o dever de prestar contas e o dever de eficiência.

Assim, é possível definir eficiência[24] como aptidão para obter o máximo ou o melhor resultado ou rendimento, com a menor perda ou o menor dispêndio de esforços. Eficiência liga-se à ideia de ação, de produção de resultados da melhor forma possível (mais rapidamente, mais economicamente e de forma mais assertiva). Traduzindo para a seara da Administração Pública, significa que o administrador público além de pautar sua conduta de escolhas de prioridades nos princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, terá de demonstrar que produziu resultados que satisfaçam as demandas dos administrados de maneira célere, econômica e precisa.

Paulo Modesto conceitua o princípio da eficiência como a “exigência jurídica, imposta à administração pública e àqueles que lhes fazem as vezes, de atuação idônea, econômica e satisfatória na realização das finalidades públicas que lhe forem confiadas por lei ou por ato ou contrato de direito público[25]. Lucas da Rocha Furtado afirma que “a eficiência requer que a atuação administrativa procure a melhor relação custo/benefício[26]. Fernanda Marinela entende que “a eficiência requer a procura de produtividade e economicidade e que esses devem ser balizas para o emprego de recursos públicos[27]. Maria Sylvia Zanella Di Pietro pondera que “a eficiência é princípio que se soma aos demais princípios impostos à Administração, não podendo sobrepor-se a nenhum deles, especialmente o da legalidade, sob pena de causar sérios riscos à segurança jurídica e ao próprio Estado de Direito[28].

De fato, em nome da eficiência, a legalidade não deve ser sacrificada. A legalidade deve ser resguardada, ela é a baliza e limite para aplicação do princípio da eficiência. Ambos os princípios devem conciliar-se, buscando atuação com eficiência sem desbordar da legalidade, que, para Administração Pública, significa fazer o que a lei permitir, não sendo admitida a noção de que os fins justificam os meios, ou a justificativa de que a atuação administrativa pode ser contrária à lei, desde que seja eficiente.

Nesta perspectiva, Fernando Vernalha Guimarães pontua que a noção de eficiência se prende com a maximização de resultados, é um valor prezado pelo Direito Administrativo. Ao agente público não é dado contentar-se com a mera utilidade dos meios com vistas ao atingimento da finalidade normativa. Deve perseguir o melhor resultado possível, pois, “o Estado tem o dever de atuar eficientemente na condução dos interesses da coletividade, agindo de molde a atingir melhores resultados a partir da racionalização dos meios[29].

Como defendido por Paulo Modesto, “eficiência não é apenas o razoável ou correto aproveitamento dos recursos e meios disponíveis em função dos fins prezados, mas, também, diz respeito tanto à otimização dos meios quanto à qualidade do agir final[30].

Daí tem-se que a eficiência não é mera opção administrativa, é um dever que o Estado está obrigado a atender, principalmente quando realiza gastos públicos em tempos de recursos escassos. Afinal, a eficiência traduz não apenas considerações de ordem técnica, mas, também, pressupõe uma racionalidade econômica da gestão pública e é uma diretriz da governança[31] de gastos públicos.

E a governança é um dos grandes desafios da Administração Pública brasileira, especialmente na área sensível à desperdícios e desvios que e a área das licitações e contratos, o que implica aprimoramento constante.

 

5 CONTROLE DAS CONTRATAÇÕES PÚBLICAS

Excetuando a folha de pessoal, a maior parte da aplicação dos recursos públicos se dá por meio de contratações públicas decorrentes, em regra, de procedimentos licitatórios. Assim, o acompanhamento das licitações e contratos pelos Tribunais de Contas produz efeitos relevantes, especialmente o controle preventivo, que evita que a desídia do contratado provoque prejuízos irreversíveis ou de difícil ou onerosa reparação para o ente público. Dessa forma, o gerenciamento dos contratos pelo controle externo trata-se de medida essencial para a proteção do interesse público. Afinal, cada vez mais é necessário pensar as políticas públicas e as compras administrativas de forma econômica.

Nesta linha, é possível que, fiscalizando uma determinada contratação pública, o Tribunal de Contas identifique várias irregularidades que demonstram ineficiência na gestão dos recursos, dentre elas uma pode ser justamente a falta de justificativa para o modelo de contratação adotado, como pode ocorrer nos contratos de Parceria Público Privada (PPP); outra pode ser a falta de adequação, criatividade e inovação na elaboração da equação que mantém o equilíbrio econômico-financeiro do contrato, como pode ocorrer nos contratos de coleta de lixo urbano; uma terceira é a não atenção aos padrões técnicos de análise do ciclo de vida dos produtos adquiridos pelo Estado, em absoluta descompromisso com os imperativos de sustentabilidade, o que pode ser corrigido por meio de editais de licitação que valorizem essa preocupação.

5.1 A justificativa do modelo de contratação

A PPP que deve ser a última opção do Poder Público, quando não existirem recursos para a implantação de serviços e obras fundamentais para o país e não for viável a transferência para o contratado do risco econômico dos empreendimentos de interesse público por meio de contratos administrativos comuns de concessão.

De acordo com Fernando Vernalha Guimarães:

A diretriz que impõe à Administração Pública eficiência no cumprimento das missões de Estado e no emprego dos recursos da sociedade a propósito da celebração de PPPs talvez (inciso I do art. 4º da Lei nº 11079/2004) seja a norma que melhor traduza a vocação desse modelo de contrato[32].

Com efeito, a PPP surgiu fundamentalmente como forma de permitir à Administração Pública novas vias contratuais que alcançassem maior eficiência tanto no cumprimento das demandas estatais como no emprego de recursos públicos.

Assim, quando não estiver presente o estudo de viabilidade econômico-financeira da contratação, que fundamente a opção pela forma de contratação via PPP, o Tribunal de Contas deve apontar a irregularidade, pois a contratação sem a demonstração da viabilidade econômico-financeira pode estar encobrindo o fato de aquela não ser a melhor opção (mais eficiente) de contratação, podendo com a má escolha gerar prejuízo ao Estado, expor desnecessariamente em risco o erário e causar desperdício de recursos que poderiam ser alocados em outras prioridades públicas. Esta, porém, é uma análise formal e procedimental, cuja correção, a princípio, requer apenas a inclusão no processo do necessário estudo de viabilidade.

Com efeito, a inclusão do estudo pode não ser suficiente, pois o atendimento do requisito formal não implica no atendimento do interesse público no plano material, notadamente em termos de eficiência, razão pela qual o Tribunal de Contas pode e deve também avaliar a consistência econômica de tais estudos, pois desta análise pode surgir tanto a inadequação do modelo proposto, quanto a existência de outros modelos de negócio ou relação entre o público e o privado mais adequados ou apropriados, aspectos a serem abordados pela ótica da eficiência, inclusive com o aproveitamento da experiência adquirida nas contratações anteriores.

A eficiência da Administração pública demanda também o aperfeiçoamento de sua ação, motivo pelo qual a atuação do Tribunal de Contas deve ater-se aos aspectos formais e materiais dos atos administrativos, para identificar não conformidades, mas também a busca da aprendizagem com os acertos e erros, de forma, por exemplo, que cada nova contratação de PPP aproveite o know-how adquirido nas anteriores, que pode ser consolidado em recomendações do Tribunal de Contas aos gestores.

O controle do Tribunal de Contas nas contratações, neste exemplo, deve valer-se da oportunidade oferecida pelos requisitos formais da pactuação para alcançar a eficiência administrativa, coibindo contratações inadequadas e gerando o feedback em tecnologia institucional para a melhoria da gestão.

O controle do Tribunal de Contas também deve se ocupar nas contratações públicas da definição do objeto, um dos maiores desafios ao gestor público, que, via de regra, adquire bens e serviços cuja essência não domina, e suas implicações sobre a eficiência. A experiência dos Tribunais de Contas demonstra que grande parte dos problemas da Administração em contratação advém da imprecisão ou inadequação do objeto das quais resultam preços altos por bens de qualidade inferior, à revelia das regras de mercado[33]. O controle, por esta razão, deve examinar, seja para apontar irregularidades, seja para orientar situações futuras, a relação do objeto com o interesse público real.

5.2 A remuneração do contratado

Conforme comenta Onofre Batista Júnior, “intrínseco à noção de eficiência, proveniente dos domínios das Ciências Econômicas e da Administração, reforça-se a noção de economicidade pelo art. 70 da CRFB/88, que o coloca como verdadeiro vetor para a sindicância da boa ou má administração[34], em termos de verificação da regular gestão dos recursos públicos, sob o ângulo e enfoque econômico-financeiro.

Portanto, o conteúdo do princípio da economicidade deriva da noção de eficiência: uma gestão econômica traduz um comportamento eficiente dos gestores. E, dentro dessa perspectiva, deve-se buscar a maximização dos resultados nas alocações de recursos públicos, ampliando ganhos e reduzindo desperdício por meio das contratações públicas.

E, nesse caso, o controle dos Tribunais de Contas pode – e deve – estender-se até sobre a forma de remuneração pactuada, pois, acaso mal definida, esta pode gerar não apenas ineficiência, como resultados opostos aos pretendidos pela contratação e antieconômicos.

Um exemplo disso, pode ser visto no âmbito da contratação, pelo Estado, de empresas para coleta de resíduos sólidos, que é remunerada em muitos países com base no peso em toneladas dos resíduos transportados. Tal critério de pagamento não viola nenhum aspecto formal da contratação, mas é ineficiente, pois se o lixo for molhado no trajeto da coleta (pela chuva ou pelo homem), o custo da mesma carga e do mesmo serviço variará significativamente gerando distorção no equilíbrio do contrato pela inadequada forma de remunerar o particular.

Mas não é só isso. Este tipo de remuneração coloca em polos diametralmente opostos os interesses: público e privado, pois a empresa não terá o menor interesse em reduzir (promovendo a reciclagem, por exemplo) o material transportado. O Estado pagará por mais resíduos, quando lhe interessa menos lixo nas ruas.

Com efeito, não há dúvida que simplesmente pesar os resíduos transportados é mais simples para aferição do quantum devido, mas seja pela imprecisão do valor da própria contratação (sujeito a variações decorrentes da intensidade pluviométrica, entre outros), seja pela necessidade de obter-se com a contratação o que efetivamente interessa ao Poder Público – uma cidade limpa – é de todo recomendável que a contratação se dê por outros critérios de remuneração.

Afinal, se o contrato visa à limpeza urbana, esse é o seu objeto e, não, o peso de lixo transportado/coletado.

Assim, o que demonstrará que o contrato está sendo eficiente não é a tonelagem de lixo, mas, sim, o resultado alcançado: ruas limpas. Logo, o Tribunal de Contas poderá apontar que esse contrato de limpeza urbana, cujo pagamento do privado estaria indexado pelo peso do lixo, é um contrato ineficiente, inclusive por não prestigiar a economicidade.

Saber escolher a forma de remuneração do particular em um contrato (que envolve serviços de grande relevância social e ambiental e que exigem grandes aportes de recursos em longo prazo) faz parte da governança das licitações e contratos e da boa gestão de recursos públicos em tempos de escassez.

5.3 A exigência de padrões de sustentabilidade nos editais

No que tange à compatibilidade dos editais de licitação às normas aplicáveis é preciso destacar que o art. 3º da Lei nº 8.666/93 já traz como princípio norteador das licitações o desenvolvimento nacional sustentável, senão vejamos:

Art. 3º – A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (Grifos aditados)

A compra pública sustentável contribui para a promoção do desenvolvimento nacional sustentável, mediante a inserção de critérios sociais, ambientais e econômicos nas aquisições de bens, contratações de serviços e execução de obras, gerando benefícios socioambientais ao reduzir os impactos ambientais. Segundo o Ministério do Meio Ambiente, no processo de aquisição de bens deve-se observar:

  1. a) Custos ao longo de todo o ciclo de vida: é essencial ter em conta os custos de um produto ou serviço ao longo de toda a sua vida útil – preço de compra, custos de utilização e manutenção, custos de eliminação;
  2. b) Eficiência: as compras e licitações sustentáveis; permitem satisfazer as necessidades da administração pública mediante a utilização mais eficiente dos recursos e com menor impacto socioambiental;
  3. c) Compras compartilhadas: por meio da criação de centrais de compras é possível utilizar-se produtos inovadores e ambientalmente adequados sem aumentar-se os gastos públicos;
  4. d) Redução de impactos ambientais e problemas de saúde: grande parte dos problemas ambientais e de saúde a nível local é influenciada pela qualidade dos produtos consumidos e dos serviços que são prestados;
  5. e) Desenvolvimento e Inovação: o consumo de produtos mais sustentáveis pelo poder público pode estimular os mercados e fornecedores a desenvolverem abordagens inovadoras e a aumentarem a competitividade da indústria nacional e local.

Além disso, deve ser considerada a análise do ciclo de vida dos produtos, que deve englobar a análise dos impactos ambientais das aquisições desde a produção até o descarte do bem. Muitos órgãos públicos já se preocupam com as licitações sustentáveis a exemplo do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, da Advocacia Geral da União e da Justiça do Trabalho.

No Tribunal de Contas da União (TCU), a política institucional de sustentabilidade foi formalizada mediante a Resolução – TCU nº 268, de 04 de março de 2015, esta política compõe-se de iniciativas institucionais nas dimensões logística sustentável e gestão de pessoas, abrangendo aspectos físicos, tecnológicos e humanos da organização e orienta-se pelas seguintes diretrizes:

  • promoção e adoção de práticas de consumo sustentável, considerando o ciclo de vida dos produtos adquiridos pela instituição;
  • aderência aos padrões internacionais e nacionais de sustentabilidade, bem como ao sistema de gestão socioambiental;
  • aplicação de critérios socioambientais em toda a cadeia de valor da organização, para controlar e mitigar eventuais impactos socioambientais negativos advindos das atividades institucionais, bem como para promover as devidas compensações; • preferência pela utilização de tecnologias não nocivas ao meio ambiente, com uso e aplicação de materiais e equipamentos recicláveis ou reutilizáveis;
  • estímulo ao desenvolvimento contínuo de tecnologias eficientes em termos socioambientais, com vistas à otimização dos recursos naturais; participação institucional em iniciativas de outras entidades ou esferas de governo que contribuam para a preservação do meio ambiente; e
  • escolha, sempre que possível, pela execução da ação institucional mais aderente aos requisitos de sustentabilidade.

Com efeito, conforme consta do Portal do TCU, na Sessão Transparência, a sustentabilidade na dimensão gestão de pessoas visa atender as necessidades dos servidores e demais colaboradores do TCU no que se refere à acessibilidade, à qualidade de vida no ambiente de trabalho e ao desenvolvimento pessoal e profissional, de modo a aumentar a produtividade e o bem-estar no trabalho. A Política de Gestão de Pessoas, definida pela Resolução-TCU nº 187, de 5 de abril de 2006, alinha-se à Política Institucional de Sustentabilidade, em especial, para promover a qualidade de vida no ambiente de trabalho, o desenvolvimento pessoal e profissional. A Política Institucional de Sustentabilidade e a de Gestão de Pessoas integram-se e harmonizam-se com a Política de Acessibilidade do Tribunal, disposta pela Resolução-TCU nº 283, de 21 de setembro de 2016.

Neste sentido, os Tribunais de Conta já avançaram na matéria, editando atos e firmando protocolos de cooperação técnica, visando a conjugação de esforços entre os partícipes para a implementação de programas e ações interinstitucionais de responsabilidade socioambiental. Entretanto, ainda cabe recomendar, na medida do possível e no que couber, que a Administração Pública observe as normas que tratam das aquisições sustentáveis quando da elaboração dos editais de licitação.

Outrossim, cabe aos Tribunais de Contas, no âmbito de suas políticas institucionais, implementar programas em prol da sustentabilidade, a fim de contribuir para o processo coletivo de conscientização do cidadão, dos servidores e dos gestores públicos diante do imperativo do desenvolvimento ecológica e socialmente sustentável. Nesta linha, sugere-se a inserção de ações que prestigiem a sustentabilidade no Planejamento Estratégico e Plano de Diretrizes Anuais do Tribunal, seja na dimensão da logística (preocupação com o ciclo de vida dos produtos adquiridos), seja na dimensão de gestão de pessoas (melhoria na qualidade de vida).

 

6 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado contemporâneo enfrenta muitos desafios, dentre os quais, designadamente a administração da escassez de recursos públicos para atendimento das necessidades sociais básicas. Nesta circunstância, revela-se inadmissível que a Administração Pública, por conta de deficiências nas suas estruturas e mecanismos de controle interno ou por falta de planejamento na utilização de recursos, realize despesas que poderiam ser evitadas (ou racionalizadas), por não trazerem nenhum proveito ao interesse social a ser perseguido pelo Estado no desempenho da função administrativa, ou por significarem desperdício ou prejuízo ao erário.

A partir da consagração da eficiência como dever, inclusive constitucional em alguns ordenamentos, impõe ainda mais desafios a essa via, em que todos devem estar comprometidos e empenhados: Estado, agentes públicos, entidades de controle, comunidade, pois o nível de controle de gestão de uma sociedade reflete o grau de democratização, acesso à informação e participação social.

Com efeito, no atual contexto de recessão econômica e crise fiscal do Estado, a adoção de medidas por parte dos órgãos públicos competentes para que sejam implementados mecanismos que possibilitem o controle dos gastos públicos é a única via aceitável para a boa gestão financeira.

Neste sentido, os exemplos aqui trazidos e detalhados podem servir tanto de base para a verificação da conformidade da gestão fiscalizada como para inspirar a gestão futura a ter um comportamento mais eficiente, inovador, responsável e comprometido com a qualidade substantiva dos gastos públicos, conduta indispensável em tempos de escassez, e para a qual os Tribunais de Contas podem e devem contribuir, exigindo dos jurisdicionados a maximização da utilização social dos recursos, objetivo que deve ser vencido da forma mais ampla, sustentável, criativa e inovadora possível.

 

REFERÊNCIAS

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[1]Jean‑Claude JUNCKER é um político luxemburguês, foi primeiro-ministro do Luxemburgo, de 20 de janeiro de 1995 até dezembro de 2013, em um governo de grande longevidade. A opinião mencionada no texto foi extraída do prefácio do livro de Filipe Carreira da SILVA, O futuro do estado social, Fundação Francisco Manuel dos Santos, Lisboa, 2016.

[2]Para compreender as dimensões do Estado pós-moderno indica-se Jacques CHEVALLIER, O Estado pós-moderno. Trad. de Marçal Justen Filho, Fórum, Belo Horizonte, 2009.

[3]Odete MEDAUAR. Direito administrativo moderno. Revista dos Tribunais, São Paulo, 2015, p. 46.

[4]Para maior aprofundamento sobre PPP´s recomenda-se a leitura de: MARTINS, Licínio Lopes. Empreitada de obras públicas: o modelo normativo do regime do contrato administrativo e do contrato público. Coimbra: Almedina, 2015; JUSTEN FILHO, Marçal e SCHWIND, Rafael Wallbach (Coords.). Parcerias Público-privadas: reflexões sobre os 10 anos da Lei 11.079/2004. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015; FARIAS, Luciano Chaves de. O Controle extrajudicial das parcerias públicos privadas. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2008; SUNDFELD, Carlos Ari (Coord.). Parcerias público-privadas. São Paulo: Malheiros, 2005; e ZYMLER, Benjamim, ALMEIDA Guilherme de La Roque. O controle externo das concessões de serviços públicos e das parcerias público-privadas. Belo Horizonte: Fórum, 2005.

[5]Para maior compreensão do alcance dessa relação com as instituições particulares de solidariedade social leia-se MARTINS, Licínio Lopes. As instituições particulares de solidariedade social. Coimbra: Almedina, 2009.

[6] OLIVEIRA, Fernanda Paula, DIAS, José Eduardo Figueiredo. Noções fundamentais de direito administrativo. Coimbra: Almedina, 2016, p. 35.

[7]Expressão extraída do título do capítulo V do livro de RAWLS, John. Uma Teoria da Justiça. Trad. por Almiro Pisetta e Lenita Esteves, Trad. de A Theory of law, São Paulo: Martins Fontes, 1997, p. 285, em que ele faz alguns comentários sobre os sistemas econômicos e sobre o papel dos mercados e tenta mostrar que a análise das parcelas distributivas pode explicar o lugar dos preceitos da justiça ditados pelo senso comum.

[8]Essa expressão é o título do artigo escrito por Rolf KUNTZ, in FARIA, José Eduardo (Org.) Direitos Humanos, Direitos Sociais e Justiça, São Paulo: Malheiros, 2002, p. 144-155.

[9] AMARAL, Gustavo, Danielle MELO. <Há direitos acima dos orçamentos?> in SARLET, Ingo Wolfgang, et al (Orgs.) Direitos Fundamentais: orçamento e reserva do possível, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 87-88.

[10] ACQUAVIVA, Marcus Cláudio. Teoria Geral do Estado. São Paulo: Saraiva, 2000, p. 84/85.

[11]Cada sociedade, em diferentes épocas, adota uma tábua de valores para os bens e a altera conforme novas circunstâncias/necessidades (a exemplo do valor dado, historicamente, aos bens: conchas do mar, sal, especiarias, açúcar, café, ouro, petróleo, tecnologia da informação, velocidade de comunicação…), no entanto, quando se trata de bem comum embora não se possa atemporal e universalmente exemplificar o que seja, para toda sociedade, a qualquer tempo significará os interesses de todos convergindo para um mesmo ponto.

[12] JHERING, Rudolf von. A finalidade do direito. Trad. por Heder Kofmann, Trad. de Bookseller, Campinas, 2002, pp. 35, 52 e 65.

[13]Apesar de se reconhecer que há doutrina que entende que a escassez de recursos é inerente apenas às prestações positivas do Estado, a exemplo de Gustavo Amaral em sua tese Direito, escassez e escolha: uma busca de critérios para lidar com a escassez de recursos as decisões trágicas, 2001, p. 180.

[14]Corroboram com esta linha de raciocínio, Thiago Lima BREUS. Políticas públicas no Estado constitucional. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 231, e Ingo Wolfgang SARLET. A eficácia dos direitos fundamentais. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2007, p. 303.

[15] BARCELLOS, Ana Paula. A eficácia jurídica dos princípios constitucionais: o princípio da dignidade humana. Rio de Janeiro: Renovar, 2008, p. 271.

[16]Araken de Assis, desembargador brasileiro do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, chama essa questão de princípio da realidade, segundo o qual não se pode pretender o impossível sendo os recursos orçamentários escassos.

[17] Oliveira, Dias, Noções fundamentais de direito administrativo, op. cit., p. 32.

[18] COSTA, Paulo Nogueira da. O Tribunal de Contas e a boa governança: contributo para a reforma do controle financeiro externo em Portugal. Coimbra, 2014, p. 296.

[19]No quadro da governança europeia, a boa gestão financeira é designada como princípio, e está consagrado no art. 27º do Regulamento Financeiro (CE, Euratom) nº 1605/2002 do Conselho, de 25 de junho de 2002.

[20] Oliveira, Dias, Noções fundamentais de direito administrativo, op. cit., p. 33.

[21]A expressão é de VERNALHA, Fernando. Parceria Público-Privada. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 2013, p. 227.

[22] JACOBY, Jorge Ulisses. Tribunal de Contas do Brasil. 3ª ed., Belo Horizonte: Fórum, 2012, p. 76.

[23] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 24ª ed., São Paulo: Malheiros, 1999, p. 91.

[24]Eficiência não se confunde com eficácia nem com efetividade no Direito Administrativo. A eficiência está relacionada exatamente ao modo pelo qual se adota determinada decisão administrativa, diz respeito à conduta dos agentes; eficácia tem relação com os meios e instrumentos utilizados pelos agentes; e efetividade liga-se aos resultados obtidos com a decisão administrativa.

[25] MODESTO, Paulo <Notas para um debate sobre o princípio da eficiência>, in Revista de Direito Administrativo e Econômico, Juruá, Curitiba, 2001, p. 45.

[26] FURTADO, Lucas da Rocha. Curso de direito administrativo. Belo Horizonte: Fórum, 2007, p. 112.

[27] MARINELA, Fernanda. Direito Administrativo. Salvador: Jus Podivm, 2005, p. 41.

[28] PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo. 22ª ed., São Paulo: Atlas, 2009, p. 83.

[29]Vernalha Guimarães, Parceria Público-Privada, op. cit., p. 227/228.

[30] Modesto, <Notas para um debate sobre o princípio da eficiência>, op. cit., p. 45.

[31]Hoje, governança é a “ponte conceitual inter e transdisciplinar de quase todos os esquemas referenciais do direito, da economia e das finanças”, como afirma GOMES CANOTILHO, <O Tribunal de Contas como instância dinamizadora do princípio republicano>, Revista do Tribunal de Contas, nº 49, Lisboa, janeiro-junho, 2008, p. 29.

[32] Vernalha Guimarães, Parceria Público-Privada, op. cit., p. 220.

[33]De fato, seguindo as regras de mercado, o Estado – comprando em maior quantidade quase todos os bens – deveria obter melhores produtos, preços e condições de pagamento, isto sem nem mesmo se valer da prerrogativa de ditar unilateralmente os termos dos contratos administrativos. Todavia, ocorre exatamente o oposto, não necessariamente pela corrupção do procedimento, mas, em diversas ocasiões, pela dificuldade de o Estado saber definir adequadamente o que quer, premissa de uma boa contratação.

[34] BATISTA JÚNIOR, Onofre. Princípio constitucional da eficiência administrativa. Belo Horizonte: Mandamentos, 2004, p. 229.

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