Prolongamento ou relaxamento da Quarentena? Desde o início do combate à Pandemia (COVID-19) no Brasil têm sido travados inúmeros debates entre aqueles que defendem o isolamento horizontal e os que acreditam na modalidade vertical como a melhor escolha. Muitos são os argumentos que cada um dos lados expõe na tentativa de marcar sua posição. Mas apesar das divergências, há um ponto comum em qualquer uma das narrativas, seja de defensores ou detratores da Quarentena: o consenso quanto à utilização de dados para basear as decisões de impacto.
Dados são informações, estatísticas, características ou atributos de algo ou alguém, cuja interpretação, conforme a liberdade do analista, suporta determinada conclusão ou apenas registra um acontecimento. Nos termos da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei 13.709/2018), ainda que não em vigor, quando um dado, por si só, ou associado a outro tipo de informação permite identificar uma pessoa natural ou facilita uma posterior identificação, este será um dado pessoal. Ressalte-se que, nesta era da informação, dados pessoais são valiosos, na medida em que agregam assertividade a qualquer tipo de algoritmo.
Como não poderia deixar de ser em um momento como este, a comunicação dos casos suspeitos e prováveis de COVID-19 às autoridades de saúde governamentais é compulsória. É o Estado, portanto, quem detém um importante contingente de dados sobre a Pandemia. Nesse panorama, e considerando que se tratam de dados abertos, o Governo (união, estados e municípios) tem divulgado informações geradas no âmbito da Pandemia, inclusive de maneira estruturada, utilizando-se de arquivos com formato responsivo.
Esse tipo de divulgação não só atinge objetivos informacionais da população, como também fomenta a produção científica de inúmeros epidemiologistas e demais profissionais dedicados ao estudo da COVID-19. Não se discute, pois, a imprescindibilidade da divulgação desses dados. O que merece cuidado, todavia, é a correta avaliação das características dos dados divulgados. Há dados pessoais na base ofertada à comunidade? Provavelmente sim. E com o adiamento da vigência da LGPD formalizado pela MP 959/2020, não temos ainda um instrumento normativo dotado de força suficiente para impor aos agentes de tratamento de dados a observância de padrões de conduta quando das atividades de tratamento.
Neste momento de absoluta crise mundial, é incontestável que a preocupação e alocação de recursos dos entes públicos e privados deva ser com o bem-estar da população em geral e dos colaboradores empresariais. Esta, inclusive, seria uma das razões invocadas para dar suporte às propostas de adiamento da vigência da LGPD. Por outro lado, não se deve perder de vista que a proteção à privacidade e dados pessoais é item essencial à manutenção de liberdades individuais.
Em recente decisão proferida pela Ministra Rosa Weber no bojo da ADIn 6387, o STF suspendeu liminarmente a eficácia da MP 954/2020, medida que impunha às “telecoms” o dever de disponibilizar ao IBGE relação estruturada com nomes, números de telefone e endereço de seus clientes. Citando Constituição da República e também a LGPD, a Ministra sustentou que dados pessoais “integram (…) o âmbito de proteção das cláusulas constitucionais assecuratórias da liberdade individual (art. 5º, caput), da privacidade e do livre desenvolvimento da personalidade (art. 5º, X e XII)”. Nessa linha, e advertindo faltar à medida provisória maiores justificativas quanto à finalidade do tratamento, bem como indicação de mecanismos de salvaguarda para a manipulação dos dados compartilhados, a decisão reforça a relevância do tema “proteção de dados pessoais e LGPD”, ainda mais no contexto da Pandemia em que a coleta de dados tende a ser genericamente justificada.
Vale, ainda, salientar que, historicamente, sempre esteve disponível grande quantidade de dados, mas de forma esparsa. Naturalmente, a tecnologia foi o impulso e meio necessários para a aglutinação e estruturação desses dados em bases, o que viria a potencializar o incremento da ciência de dados. Em contrapartida, como hoje se sabe, a exponencial capacidade de armazenamento de dados por ambientes eletrônicos pode gerar, assim como a produção industrial, resíduos indesejados, posto que nem sempre uma grande quantidade de dados implica em precisão ou qualidade quanto às informações, sendo necessária implementação de política de descarte para aquilo que já atingiu sua finalidade, evitando-se, também, que baseiem futuras decisões equivocadas sobre o titular dos dados. Daí porque a evolução dos novos negócios e modificação comportamental dos indivíduos pedem por legislações de abordagens como a da LGPD.
Tal como a edição do Código de Defesa do Consumidor promoveu uma adaptação das empresas desde a concepção de produtos até a respectiva oferta, originando uma saudável preocupação com o público consumidor, acredita-se que a LGPD e seus princípios possa vir a ser elemento crucial para que a comunidade (pessoas, empresas e Governo) desenvolva uma cultura de privacidade e proteção aos dados, de modo a criar uma consciência individual quando da manipulação de dados pessoais. A criação desta consciência é o que se pretende, em última análise, com a edição da LGPD.
Nagib Barakat é especialista em Direito Empresarial e sócio do Urbano Vitalino Advogados
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