Da possibilidade do exercício do direito de greve pelos funcionários públicos: STF simboliza o recente fim da histórica polêmica

Resumo: Há mais de vinte anos, Doutrina e Jurisprudência debatem arduamente um dos mais polêmicos temas da história, a possibilidade do exercício de greve pelo funcionário público, de acordo com a Constituição de 1988. Direito previsto na Carta Magna em seu artigo 37, inciso VII, possui a exigência de regulamentação por lei específica que, até hoje, ainda não foi promulgada. Após ventilar o tema e expostos aspectos teóricos e casuísticos, serão pontuados diversos argumentos, desembocando na nova e muito recente tese adotada pelo Supremo Tribunal Federal, que já era suscitada por doutrinadores, diversos tribunais, consentindo com sua aplicabilidade. Os atuais projetos de lei, assim como o posicionamento do atual do governo quanto ao assunto também serão contemplados.


Palavras-chave: Direito de Greve, Funcionário Público, Possibilidade, Doutrina, Jurisprudência.


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Abstract: For over twenty years, Doctrine e Jurisprudence discusses hardly about one of the most controversial topics in history, the possibility of exercise of the strike’s right by public functionary in accordance with the Constitution of 1988.Right provided for the Magna Carta in his article 37, Clause VII, has a command for regulation by specific law that, until now, has not yet been promulgated. After airing the theme and exposed practical and theoretical aspects, will be punctuated several arguments, leading to the new and too recent thesis adopted by Supreme Court, witch was raised by indoctrinators and a lot of courts, consented for it’s applicability. Current projects of law for the theme, as well as the positioning of currency government will also be covered.


Keywords: Strike’s Right, Public Functionary, Possibility, Jurisprudence, Doctrine.


Sumário: 1. Introdução. 2. Do conceito de greve. 3. Servio público – breve explanação. 4. O direito de greve no funcionalismo público ao redor do mundo. 5. Evolução legislativa sobre a greve no serviço público no Brasil. 6. A eficácia do direito de greve a partir da Constituição Federal de 1988. 6.1 Direito de Greve com Eficácia Limitada 6.2 Direito de Greve com Eficácia Contida 6.3 Do mandado de Injunção – O remédio 7. Da atual sistemática do direito de greve no serviço público. 8. Projetos de lei para regulamentação da matéria. 8.1 Posicionamento do atual Governo 9. Conclusões.


Que é esse fenômeno da greve, que rompe as leis mais elementares do direito privado e desconcerta os juristas e os juízes? Que há no fundo dessa realidade misteriosa que é a greve? (Paul Bureau)


1. INTRODUÇÃO


Mais de vinte anos se passaram após a promulgação da Constituição Federal da República; Milhares de julgados foram desferidos a respeito do mesmo tema, com díspares interpretações sobre um mesmo ponto; Dezenas de escritores exauriram as discussões e argumentações sobre o assunto; Hoje, é possível afirmar que, de forma inédita, há coesa convergência entre Doutrina e Jurisprudência, com o novo e tardio entendimento do Supremo Tribunal Federal a respeito da questão.


Após, de forma didática, discorrer sobre os aspectos intrínsecos ao tema, aprofundar-se-á pelos meandros da matéria, alcançando os pontos polêmicos que, hoje, parecem ter diminuídas suas arestas rumando ao patamar de concordância doutrinária e juriprudencial.


2. DO CONCEITO DE GREVE


Nascida sob o arcabouço material da Revolução Industrial e filosófico da Revolução Francesa, a Greve se revela um dos mais utilizados meios de pressão para a classe trabalhadora buscar suas pretensões. O termo “greve” remete à “Praça de Grève”, na França, onde se encontravam operários e sindicalistas para debaterem idéias e encampar lutas em prol das garantias de suas classes.


No âmbito político-social, o conceito de greve demonstra em si a necessidade da paralisação das atividades para que o empregador possa observar a real importância da categoria, e que ceda a exigências que, por fim, demonstrarão pura e simplesmente a necessidade de respeito às garantias fundamentais daqueles que movem os meios de produção. É como afirma Mozart Victor Russomano (1979, p. 39):


“A ação conjunta dos trabalhadores, a soma dos atos individuais traduzidos em uma coerente abstenção de trabalhar, que configura a greve, faz com que se deva ver nela um direito coletivo que os trabalhadores exercem e, como conseqüência, a atitude legítima desses, porquanto se encontra admitida, regulada e, inclusive, sancionada pelo legislador como direito, ao qual se reconhece até mesmo, hierarquia constitucional.”.


O conceito de greve, no âmbito jurídico, é disciplinado na Doutrina sem muitas controvérsias, como sendo a paralisação coletiva e temporária de determinado grupo de empregados com o fim de obter, pela pressão do movimento, as reivindicações da categoria.


Revela-se, para uns, o exercício de um direito potestativo – o objeto do direito de greve é a sua própria realização, pondo em posição de mera sujeição, sem possibilidade de oposição, o empregador. Essa espécie de autotutela reflete o caráter proposto por Ihering na sua obra a “A Luta pelo Direito”, quando defendeu que o direito existe quando se luta por ele, seu exercício é quem o consolida.


Há quem situe o direito de greve no âmbito do Direito Natural, agregando-lhe o valor de norma superior. Como se servisse de paradigma, de vetor para as normas supervenientes. Em alguns países considera-se o instituto como ilícito penal, como na China.


No mundo fático, o que se observa, é que a greve é meio, e não fim. Os principais motivos que desencadeiam uma greve são: remuneração, redução do quadro funcional e ausência de consulta ou negociação coletiva. Os trabalhadores, com sua força unida e centrada, arrancam “a fórceps” suas pretensões, fazendo o empregador reconhecer a importância e poder que possuem e acate responsavelmente seus deveres para com o bem-estar e integridade dos seus funcionários.


3. SERVIÇO PÚBLICO – BREVE EXPLANAÇÃO


A título meramente explicativo, trar-se-á aqui a noção de funcionário público, ao qual serão depositadas as atenções, quando se tratar de forma genérica do “serviço público”.


Os “funcionários públicos”, na verdade, servidores estatutários, são ocupantes de cargos públicos, sujeitos ao regime estatutário previamente implantado pela Administração para qual prestam serviço. É deles que trata o Art. 37, VII, do qual se debate. Têm seus direitos regidos pelo Regime Administrativo, e prestam serviço à Administração Direta ou Indireta, providos, de regra, por concurso público.


Paralelamente, há o conceito de empregados públicos, que regidos pela CLT, possuem o mesmo tratamento legal que os empregados comuns, não deixando dúvidas, portanto, ao seu direito de greve, previsto obviamente pela lei 7.783. Fica mais fácil aplicar analogicamente a Lei de Greve àqueles cuja disciplina laboral é oferecida por um Contrato de Trabalho, similar aos contratos praticados pelos particulares.


Esse é o entendimento majoritaríssimo do Supremo Tribunal de Justiça, ao qual será acatado, trazendo para os funcionários públicos, ocupantes de cargos públicos o foco da discussão.


4. O DIREITO DE GREVE NO FUNCIONALISMO PÚBLICO AO REDOR DO MUNDO


Na França, assim como na Espanha, o direito de greve é tido como fundamental, presente na Carta política daqueles países como garantia a todos os cidadãos, incluindo os funcionários públicos. Do mesmo modo entendem a Noruega, Canadá, Portugal e Suécia.


Na Argentina, é cabido apenas aos Sindicatos. Na Itália, é permitido a todos os cidadãos, mas de forma comedida quanto aos funcionários públicos. Na Alemanha, há omissão constitucional a respeito, embora na legislação esparsa se observe sua permissão, sendo seu uso o admitido como último recurso cabível e, ainda, de forma moderada.


Nos Estados Unidos, país que adota o Common Law, a Constituição não pauta quaisquer direitos trabalhistas, sendo presente o instituto da greve apenas no Wagner Act e na Lei Taft-Hartley, onde se estipula o direito como procedente, e alerta sobre a proibição aos servidores públicos.


5. EVOLUÇÃO LEGISLATIVA SOBRE A GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO NO BRASIL


As Cartas de 1891, 1924 e 1934 nada continham a respeito da greve, até aparecer na Constituição brasileira de 1937, quando surgiu vista com maus olhos pelo legislador pátrio. Era tida como “recurso anti-social, nocivo ao trabalho e ao capital, assim como incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional” [1]– visão coadunada pela classe dominante, que compunha as casas legislativas. A própria CLT, quando lançada em 1943, trazia diversas penalidades e formas coativas para punir aqueles que parassem o serviço sem autorização dos Tribunais Trabalhistas.


Só na Carta de 1946, que fora visto como direito legítimo aos operários[2], tendo Lei complementar para sua integração promulgada em 1964, a Lei 4.330, que em seu artigo 4º vedava o exercício de greve no Serviço Público. Na Carta de 1967, embora mantida a contemplação à greve, observou-se duas limitações: proibição da paralisação de serviços públicos e atividades essenciais[3], com regulamentação expressa no Decreto-lei 1.632/87 e na Lei 6.620/78.


Por fim, na atual Constituição, o direito de Greve não só é reconhecido, como também disciplinado pela Lei 7.783/89, a chamada Lei de Greve. Quanto aos funcionários públicos, embora haja previsão constitucional para o exercício desse direito, há a exigência de lei específica para tal[4]. Exigência essa que recebe críticas de estrondosa magnitude tanto pela doutrina como pela jurisprudência, já que até hoje, passados mais de vinte anos permanece completamente omisso o legislador!


6. A EFICÁCIA DO DIREITO DE GREVE A PARTIR DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988


Artigo 37, inciso VII, Constituição Federal: O direito de Greve será exercido nos termos e nos limites definidos em lei específica.(Grifo nosso).


Lendo com mais atenção a parte em destaque supra, observa-se que o constituinte deixou limitada a aplicabilidade da norma. Antes da Emenda Constitucional 19/98, lembra-se que era lei complementar que limitaria o exercício do direito de greve, tornando mais rígida e limitada sua aplicabilidade.


 José Afonso da Silva, que, em 1967 tratou de forma sistemática o tema da “eficácia das normas constitucionais e sua aplicabilidade”, classificou-as de eficácia plena, contida e limitada. De forma resumida, parafraseando Pedro Lenza (2009, p.135), ao resumir as linhas de J. Afonso:


De eficácia plena são as que receberam do constituinte normatividade suficiente à sua incidência imediata (…). Não necessitam de providência normativa ulterior para usa aplicação. Criam situações subjetivas de vantagem ou de vínculo, desde logo exigíveis


As de eficácia contida possuem aplicabilidade direta e imediata, mas possivelmente não integral. A lei infraconstitucional limitará a sua eficácia e a aplicabilidade(…).


E, finalmente, as de eficácia limitada, são aquelas de aplicabilidade mediata e reduzida, dependentes de lei posterior integrativa. Produzem um efeito mínimo; ao menos, de vincular o legislador infraconstitucional aos seus vetores, os aplicadores do sentido teleológico, enfim, de um caráter secundário, já que é a lei infraconstitucional quem lhe trará o efeito dispositivo”.


6.1. Direito de Greve com Eficácia Limitada


Entendimento até pouco tempo consolidado pelo STF e pelo próprio José Afonso da Silva, hoje sente mais que abaladas suas bases de sustentação. Os autores que defendem essa tese alegam que é expresso o sentido da norma, que só, e somente só, terá vigor quando integrada por lei específica. Assim, como esta ainda não existe (a lei de greve é destinada ao âmbito privado), fica em descoberto o direito dos funcionários públicos.


Essa tese possuía força de indubitável consistência quando ainda havia a necessidade de regulamentação por “lei complementar”, alterada em 1998 pela Emenda nº 19 para “lei específica”, o que flexibilizou a interpretação e também a aplicação.


Nesse sentido coadunam José Cretella Junior, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Orlando Teixeira da Costa, dentre outros. A seguir, o mais festejado acórdão àqueles que defendiam a eficácia limitada. Ele foi um divisor de águas na Jurisprudência que decidia caoticamente sobre o tema. Puderam ser vistos votos que assemelhavam tratados, que praticamente esgotavam o assunto. A decisão não foi unânime, e aqui, na Ementa, se observa o teor dos votos vencidos.


MANDADO DE INJUNÇÃO COLETIVO – DIREITO DE GREVE DO SERVIDOR PÚBLICO CIVIL – EVOLUÇÃO DESSE DIREITO NO CONSTITUCIONALISMO BRASILEIRO – MODELOS NORMATIVOS NO DIREITO COMPARADO – PRERROGATIVA JURÍDICA ASSEGURADA PELA CONSTITUIÇÃO (ART. 37, VII) – IMPOSSIBILIDADE DE SEU EXERCÍCIO ANTES DA EDIÇÃO DE LEI COMPLEMENTAR – OMISSÃO LEGISLATIVA – HIPÓTESE DE SUA CONFIGURAÇÃO – RECONHECIMENTO DO ESTADO DE MORA DO CONGRESSO NACIONAL – IMPETRAÇÃO POR ENTIDADE DE CLASSE – ADMISSIBILIDADE – WRIT CONCEDIDO. DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO: O preceito constitucional que reconheceu o direito de greve ao servidor público civil constitui norma de eficácia meramente limitada, desprovida, em conseqüência, de auto-aplicabilidade, razão pela qual, para atuar plenamente, depende da edição da lei complementar exigida pelo próprio texto da Constituição.


A mera outorga constitucional do direito de greve ao servidor público civil não basta – ante a ausência de auto-aplicabilidade da norma constante do art. 37, VII, da Constituição para justificar o seu imediato exercício[5]. (Grifo Nosso)


6.2. Direito de Greve com Eficácia Contida


Esse é o atual entendimento do STF (desde 2007), e já era do STJ, vários TRF’s e célebres nomes da doutrina. Observam que a Lei de Greve, dada a inaceitável inércia legislativa e incontestável necessidade de regulamentação, pode ser sim aplicada aos funcionários públicos, observadas, obviamente, as peculiaridades e as devidas vênias.


De uma forma sucinta e clara de doer os olhos, os Acórdãos infra resumem a idéia de argumentação para a tese aqui suscitada:


“CONSTITUCIONAL. MANDADO DE SEGURANÇA. FUNCIONÁRIO PÚBLICO. DIREITO DE GREVE. DESNECESSIDADE DE REGULAMENTAÇÃO PARA SEU EXERCÍCIO IMEDIATO.


1. A CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ROMPENDO COM A SISTEMÁTICA ANTERIOR, DÁ AO SERVIDOR PÚBLICO O DIREITO DE GREVE (CF, ART. 37, INCISO VII). TRATA-SE DE ‘NORMA DE EFICÁCIA CONTIDA’. ISSO QUER DIZER QUE LEI COMPLEMENTAR ESTABELECERÁ LIMITES PARA O EXERCÍCIO DO DIREITO DE GREVE, EMBORA NÃO POSSA DIFICULTÁ-LO EXCESSIVAMENTE. MAS, ENQUANTO NÃO VIEREM TAIS LIMITAÇÕES, O SERVIDOR PÚBLICO PODERÁ EXERCER SEU DIREITO. NÃO FICA JUNGIDO AO ADVENTO DA LEI COMPLEMENTAR REGULAMENTADORA. (…)”.[6] (Grifo nosso).


“RMS – CONSTITUCIONAL – ADMINISTRATIVO – FUNCIONÁRIO PÚBLICO – GREVE PARALISAÇÃO – DESCONTO – A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA GARANTE O DIREITO DE GREVE AOS FUNCIONARIOS PUBLICO, “NOS LIMITES DEFINIDOS EM LEI COMPLEMENTAR” (ART. 37, VII). ESSA LEGISLAÇÃO NÃO PODERÁ RECUSAR A PARALISAÇÃO DA ATIVIDADE, ESSÊNCIA DA GREVE, UNIVERSALMENTE RECONHECIDA. ALÉM DISSO, SÃO PASSADOS QUATRO ANOS DE VIGÊNCIA DA CARTA POLÍTICA. O LEGISLADOR MANTÉM-SE INERTE. ESSES DOIS DADOS CONFEREM LEGALIDADE AO EXERCICIO DO DIREITO, OBSERVANDO-SE, ANALOGICAMENTE, PRINCÍPIOS E LEIS EXISTENTES. CASO CONTRARIO, CHEGAR-SE-IA A UM ABSURDO: A EFICÁCIA DA CONSTITUIÇÃO DEPENDENTE DE NORMA HIERARQUICAMENTE INFERIOR. NÃO OBSTANTE A LEGALIDADE, INCENSURÁVEL O DESCONTO DOS DIAS PARADOS. A CONSEQUENCIA É PRÓPRIA DA GREVE, NOS ESTADOS DE DIREITO DEMOCRATICO. ÔNUS TIPICO DO MOVIMENTO. O PAGAMENTO DEPENDE DE NEGOCIAÇÃO.” [7](Grifo nosso)


É nesse sentido o argumento, hoje, majoritário e pacífico ao tema. Talvez tenha se firmado pela injustiça de se ver reprimido o exercício de um direito tido por muitos como fundamental dos movimentos coletivos[8] e que pela irresponsabilidade de determinados parlamentares continuava em branco, vazio, sem aplicabilidade. Foi assim que, passadas mais de duas décadas, cansado de “segurar a barra” pelo legislador, o Supremo Tribunal Federal acatou a reprimenda social e destinou à greve dos funcionários públicos o tratamento, onde couber, da Lei de Greve.


Carlos Henrique Bezerra Leite, assim como Sérgio Pinto Martins, Octávio Bueno Magano, Antônio Soares da Silva, o Min. Marco Aurélio, ecoam a idéia acima prostrada.


A Lei de Greve, embora não se classifique como específica ao caso, já que não abrange o funcionário público, abrange o direito de greve em sentido amplo, que pode e deve lhes ser estendido. Ocorreu o fenômeno da eficácia construtiva da norma constitucional, em que, por analogia, carreou-se aplicabilidade imediata, mesmo com óbices estruturais (funcionário público e não-público), mas que vivifica a norma, apagada pela inércia do legislador.


6.3. Do mandado de Injunção – O remédio


Sendo o instrumento próprio para efetivar direitos fundamentais previstos pela Constituição, mas que, por omissão legislativa, possuem aplicabilidade reduzida, limitada, ou mesmo nula, o Mandado de Injunção vem se consolidando na Jurisprudência Brasileira como um excelente remédio à doença da “preguiça legislativa”.


No caso do direito de Greve do Servidor público, substrato inegável para a utilização do instrumento em análise, utiliza-se sua forma coletiva, com a finalidade de viabilizar, em favor dos membros ou associados de instituições sindicais, o exercício de direitos assegurados pela Constituição para sua categoria.


Já foram julgados, em tribunais de todas as instâncias, Mandados de Injunção para garantir o exercício do Direito de Greve no Serviço Público ao redor de todo o país. Médicos, Garis, Professores, enfim, diversas categorias de trabalhadores que, inconformados com a situação em que veem sucumbir seus direitos, ensejam a paralisação dos serviços para pressionar o próprio poder público a intervir na situação. Esse direito, quando posto em xeque pelas forças locais, se embasa no Mandado de Injunção Coletivo para sua efetivação.


É muito discutido pela doutrina o caráter legiferante dos tribunais, que seria como uma verdadeira invasão de poderes, um abuso. Ora, o que fazer quando a dinâmica social pede uma resposta que o legislador não pôde oferecer? É expresso na Constituição o direito à inafastabilidade da jurisdição, art. 5º, inciso XXXV, que prevê, in verbis, que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Os tribunais, portanto, têm o dever de apreciar as questões pautadas pela sociedade quando os procura, sendo de praxe, que sejam situações de real necessidade.


Hoje, com a nova hermenêutica dispensada pelo STF, talvez não seja necessário descer tão a fundo para exercer a greve no âmbito público. Com a eficácia ora garantida, pode a Lei de Greve regular subsidiariamente a matéria, oferecendo a base legal para contemplação do exercício do direito. Deixando os sindicatos e suas respectivas categorias a par dos limites e regramentos para se trilhar pelo meio da greve.


7. DA ATUAL SISTEMÁTICA DO DIREITO DE GREVE NO SERVIÇO PÚBLICO


O Plenário do STF em 25/10/2007, por unanimidade, no julgamento dos mandados de injunção MI 670, 708 e 712, declarou a omissão legislativa quanto ao dever constitucional de editar lei que regulamente o exercício do direito de greve no setor público e, por maioria, decidiu aplicar ao setor, no que couber, a lei de greve vigente ao setor privado.


Quanto à parte do “no que couber”, se prendeu o Egrégio Tribunal à relevância indubitável do princípio da continuidade do Serviço Público e da Supremacia do Interesse Público, que prezam justamente pelo não-prejuízo da coletividade.


É bastante claro que, se médicos de determinado hospital público se abstiverem de trabalhar, os prejuízos aos cidadãos serão incalculáveis. Por isso que, como mesmo já determina a Lei de Greve, determinados serviços ou atividades essenciais não podem ter paralisação completa, deixando uma porcentagem de seus pares trabalhando. É assim que prevê o Art. 10 e ss. da referida norma:


“Artigo 10 – São considerados serviços ou atividades essenciais:


I – tratamento e abastecimento de água; produção e distribuição de energia elétrica, gás e combustíveis;


II – assistência médica e hospitalar;


III – distribuição e comercialização de medicamentos e alimentos;


IV – funerários;


V – transporte coletivo;


VI – captação e tratamento de esgoto e lixo;


VII – telecomunicações;


VIII – guarda, uso e controle de substâncias radioativas,equipamentos e materiais nucleares;


IX – processamento de dados ligados a serviços essenciais;


X – controle de tráfego aéreo;


XI – compensação bancária.


Artigo 11 – Nos serviços ou atividades essenciais, os sindicatos, os empregadores e os trabalhadores ficam obrigados, de comum acordo, a garantir, durante a greve, a prestação dos serviços indispensáveis ao atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.


 Parágrafo único – São necessidades inadiáveis, da comunidade aquelas


que, não atendidas, coloquem em perigo iminente a sobrevivência, a saúde ou a segurança da população.”


A greve, que possui presunção juris tantum de legitimidade, não necessita de autorização ou tutela do Poder Judiciário para que inicie, essa tutela será exercida somente se fugir da finalidade ou houver abusos, violência, enfim, um descaminho da sua verdadeira essência.


8. PROJETOS DE LEI PARA REGULAMENTAÇÃO DA MATÉRIA


O Projeto de Lei nº 4.497/2001, de autoria da então deputada federal Rita Camata, Relator deputado Luciano Castro, se destina a integrar justamente o inciso VII do art. 37 da Constituição Federal, contemplando o espaço em branco deixado para “lei específica”. Abarca em si órgãos da administração direta e indireta de todos os entes federativos, além de suas respectivas autarquias.


 Encontram-se apensadas ao projeto cinco outras proposições, lembre-se que todas buscam regulamentar o exercício do direito de greve pelos servidores civis, fazendo-o em termos bastante próximos ao do projeto principal, como o Projeto de Lei nº 5.662, de 2001, de autoria do Deputado Airton Cascavel.


O Projeto de Lei nº 6.032, de 2002, foi enviado pelo Poder Executivo com o mesmo escopo. Difere, no entanto, quando determina a obrigatoriedade de manutenção de percentual mínimo de 50% de servidores em atividade, podendo o Poder Público postular liminarmente a fixação de percentual superior;


O Projeto de Lei nº 6.141, de 2002, da Deputada Iara Bernardi, também apresenta dispositivos semelhantes aos das proposições anteriores, inovando, contudo, em alguns pontos, como: obrigatoriedade de instalação de processo de negociação, sob pena de crime de responsabilidade da autoridade pública responsável, no prazo de dez dias após a apresentação da pauta de reivindicações dos servidores, podendo o Poder Judiciário fixar multa diária pelo descumprimento dessa obrigação;


No Projeto de Lei nº 6.668, de 2002, da Deputada Elcione Barbalho, tal como os demais, cabe destacar, entre seus aspectos particulares, a possibilidade de composição dos conflitos por meio de arbitragem, cabendo às partes, em comum acordo, a escolha do árbitro.


O Projeto de Lei nº 6.775, de 2002, oriundo da Comissão de Legislação Participativa, buscando também regulamentar o direito constitucional de greve dos servidores públicos civis, diferindo quando oferece previsão de que a Justiça do Trabalho, por iniciativa de qualquer das partes ou do Ministério Público do Trabalho, decida sobre a procedência das reivindicações dos servidores;


De forma supletiva, há ainda, o Projeto de Lei n.º 1.950, de 2003, do Deputado Eduardo Paes, que pretende disciplinar a matéria no âmbito da administração pública federal.


Os citados Projetos de Lei já foram aprovados pela Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público e estão em vias de promulgação apensos ao principal.


8.1. Posicionamento do atual Governo


O ministro do Planejamento, Paulo Bernardo, sob consulta à ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, e o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou que o Governo apresentará anteprojeto para regulamentar o direito constitucional de greve dos servidores públicos e que este já tem pelo menos três pontos definidos: o servidor público em greve não recebe salário; servidor público armado não pode fazer greve; respeitadas certas regras, cabe negociação coletiva.


Esse último quesito faz parte da Convenção nº 151 da OIT e é bastante suscitado por Centrais Sindicais, como a Central Única dos Trabalhadores (CUT), para que seja ratificado pelo Estado brasileiro. O quesito anterior não só é auto-justificável, como adotado pela total maioria dos países, quando proíbe absolutamente a greve de militares das forças armadas. Quanto ao fato de não receber salário, isso não será aplaudido pelos próprios servidores que, ao exercerem o direito de greve não incorreram em falta funcional ou ausência do trabalho, mas remeteram a um direito previsto pela própria atividade laboral. Há ainda, nesse ponto, muitas divergências, não propensas a discussão nesse momento.


9. CONCLUSÕES


Com o aval dos principais tribunais do país, com tácita aceitação do governo e com festejados nomes da doutrina o Direito de Greve no Serviço Público se vê libertado das correntes fincadas pela inércia do legislador pátrio. Fora esse o principal motivo para se “aproveitar” lei não-destinada à matéria, mas que pela urgência e gritante necessidade, tenha sido adaptada, ressalve-se, no que couber, à realidade em pauta.


Pelo Brasil afora são incontáveis os casos de greve no serviço público. Num âmbito menor, no Rio Grande do Norte, por exemplo, já se observaram paralisações de professores, garis, médicos, rodoviários, e tantas outras classes que, buscando as melhorias nas condições laborais, forçaram o Governo a acatar as reinvidicações da categoria cruzando os braços.


Após os turbilhões e ciclones que devastavam o tema, hoje se observa mansa brisa pairando sobre as letras doutrinárias e decisos ao redor do país. Faz quase dois anos que o Supremo Tribunal Federal expediu o Leading Case responsável pela nova interpretação ao Artigo 37, inciso VII da Carta Magna. Enfim, os funcionários públicos possuem sim o direito de entrar em greve, ressalvados, agora, os limites definidos na Lei 7.783, onde couber.


 


Referências

ALVES JR., Luís Carlos Martins. O mandado de injunção . Jus Navigandi, Teresina, ano 11, n. 1249, 2 dez. 2006. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=9235>. Acesso em: 19 maio 2009.

DA SILVA, José Afonso . Aplicabilidade das Normas Constitucionais. 7 Ed. São Paulo:Malheiros, 2007

______. Curso de Direito Constitucional Positivo. 31 Ed. São Paulo: Malheiros, 2008.

LEITE, Carlos Henrique Bezerra. A greve do servidor público civil e os direitos humanos . Jus Navigandi, Teresina, ano 6, n. 54, fev. 2002. Disponível em:<http://jus2.uol.com.br/

doutrina/texto.asp?id=2612>. Acesso em: 11 de maio 2009.

LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 13 Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.

MARTINS, Sergio Pinto. Direito do Trabalho. 24. Ed. São Paulo: Atlas, 2008.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25 Ed.

São Paulo: Malheiros, 2008.

RUSSOMANO, Mozart Victor; CABANELLAS Guillermo. Conflitos Coletivos de Trabalho. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1979.


Notas:

[1] Art. 139, segunda parte, in verbis, Constituição Brasileira de 1937.

[2] Art. 158, in verbis, “é reconhecido o direito de greve, cujo exercício a lei regulará”. CF/1946

[3] Art. 158, inciso XXI, combinado com o Art. 157, §7º, acrescido pela Emenda nº 01 de 1969.

[4] A Emenda nº 19/98 alterou o termo “Lei Complementar” para “Lei específica”, sendo, portanto, legítimo o direito, mas sem eficácia absoluta. O legislador acabou “trocando seis por meia-dúzia”, já que nem editou lei complementar, nem muito menos específica.

[5] SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. mandado de injunção coletivo nº 20/DF, Pleno. Min. Celso de Mello j. 19/05/1994, DJU 22-11-96, p. 1139″

[6] TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL. Remessa Ex Officio em mandado de segurança nº 400164019 (200772020037972), 4ª Turma. Marga Inge Barth Tessler. j. 16/04/2008, DJU 05/05/2008, p. 139.

[7] TRIBUNAL REGIONAL FEDERAL Recurso ordinário em Mandado de Segurança nº 2675/SC (199300074903), 6ª Turma. Luiz Vicente Cernicchiaro. j. 08/06/1993, DJU :09/08/1993 p. 15237.

[8] É óbvio que não se pode falar em direito de greve como fundamental a cada cidadão, já que, não se dá a greve quando um único servidor deixa de trabalhar, mas sim o conjunto, o coletivo, com sua força coesa que recebe o tratamento normativo de direito fundamental plúrimo.

Informações Sobre o Autor

Fernando Lucena Pereira dos Santos Junior

Mestrando em Direito Constitucional pela Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Advogado.


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Equipe Âmbito Jurídico

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