Por Luiz Quevedo, especialista em Direito do Trabalho*
Embora uma gama de setores claramente se beneficiem pelo sistema da Previdência Social, os problemas intrínsecos a esse mesmo sistema só podem ser impactados por alterações que cheguem a atingir a maior parte da população, o que nunca é benéfico do ponto de vista individual. Por isso, o histórico de reformas brasileiras sempre se deu no sentido do “arrocho”. Dessa vez não é diferente. Ainda assim, é urgente e necessário evitar o colapso, no curto prazo, do sistema como um todo.
Assim como todas as demais reformas da Previdência promovidas pelos governos brasileiros que se sucederam à Constituição de 88, a atual também surgiu sob a ideia de vir a ser “a reforma definitiva” para, com o tempo, tornar-se “a reforma possível”.
Um dos pontos que exemplificam essa trajetória do “definitivo” ao “possível” diz respeito ao polêmico sistema de capitalização. No texto original, previa-se que uma lei complementar instituísse um novo regime no qual as contribuições dos trabalhadores iriam para uma conta que cobriria os benefícios no futuro; possibilidade removida pelo relator atendendo ao apelo das ruas.
É válido atentar ao fato de que, por pior que aparente ser, o futuro de todos os sistemas de previdência é a capitalização. Isso ocorre porque a Previdência só se sustenta diante da perspectiva de que, no futuro, haverá mais trabalhadores contribuindo do que aposentados recebendo. Contudo, todas as projeções das curvas censitárias apontam para o cenário contrário atualmente.
Ocorre que a capitalização, neste momento, significaria uma alteração total e completa do sistema vigente, o que gera uma enorme dificuldade no período de transição e na guarda de recursos. Deste modo, se a maturidade política para discutir a integração entre esferas estatuais e municipais não foi alcançada a tempo, a retirada da mudança é uma decisão acertada. Ainda assim, a transformação será inevitavelmente enfrentada nos próximos anos.
Vale observar ainda que as regras de transição nunca se encerram efetivamente com a reforma, haja vista a recorrência, na reinterpretação pelos Poderes Executivo e Judiciário daquilo que foi “imaginado” pelo Poder Legislativo. É quando a “reforma dentro da reforma” acontece. Surpreendentemente, as regras de transição propostas na atual reforma previdenciária são explícitas e mantém coerência com os precedentes criados no enfrentamento das regras de transição previstas nas reformas anteriores.
Quanto tempo levará para que a “reforma possível” dê lugar à “reforma definitiva” é uma incógnita que permanecerá no horizonte e que talvez só se dissipe com a chegada do próximo ciclo histórico de reforma da Previdência. E com ele, mais uma vez, a insatisfação individual será um ingrediente inevitável a se apresentar.
* Luiz Quevedo, sócio do Giamundo Neto Advogados, atua na área trabalhista desde 2002. É professor em cursos de pós-graduação em Direito do Trabalho e autor de ensaios sobre o tema. Em 2017, foi reconhecido pelo The Legal 500 (Labor Law) como um dos principais advogados do setor no país. Especializou-se em Direito do Trabalho em 2003 e recebeu o título de Mestre na mesma área em 2008, sempre pela USP.
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