Como corolário republicano, a instrumentalidade do processo norteia toda a própria entrega da tutela jurisdicional, pois, a sua adequada compreensão jurídica justifica até mesmo a esperada entrega jurisdicional.
De fato, o comando constitucional do artigo 5º, inciso XXXV da Lei Maior apresenta o princípio da inafastabilidade da jurisdição, enquanto garantia democrática destinada a todos os jurisdicionados.
Notória e lúcida neste tocante, a lição do Professor Cássio Scarpinella Bueno:
“Mas o principio da efetividade do processo pode ser entendido mais amplamente. Também é por ele que se pode entender necessário buscar a redução do binômio “direito e processo”, reconhecendo-se o processo como instrumento de e para realização concreta do direito material”.[1]
Logo, sem instrumentalidade inexiste exercício de qualquer direito.
A este basilar aspecto, válida aqui a abordagem acerca da acessibilidade jurisdicional no tocante ao instituto da Desaposentação.
De fato, incorreta a compreensão da Judicatura a respeito, reprimindo e restringindo sobremaneira o adequado procedimento perquirido pelos jurisdicionados, em especial quanto a simplista análise do valor da causa.
Neste ínterim a Desaposentação enquanto instrumento de evolução da técnica previdenciária protetiva há de ser melhor aferida quando de sua instrumentalidade, no tocante a exatidão do valor dado a causa.
É que o valor a causa colocará a ação dentro do abreviado rito do Juizado Especial Federal ou a inserirá no rito da Justiça Federal Comum.
A uma primeira análise, se valendo dos parâmetros da norma processual, fica nítido que a aferição do valor que será dado a causa, é de simples cálculo matemático, conforme preceitua o artigo 260 do CPC, prática esta corrente, habitual e distorciva na aplicação deste instituto.
É que o instituto da Desaposentação possui uma sensível complexidade que lhe é peculiar, dada as nuanças de sua abordagem.
Ora, fazendo o uso da análise fria do dispositivo processual, certamente e na maioria das situações a causa remontará ao Juizado Especial Federal, já que o cômputo das diferenças entre o novo benefício e o atual, multiplicado por doze, o resultado obtido não ultrapassará o limite objetivo de sessenta salários mínimos da alçada do JEF.
Entretanto, outras análises devem ser feitas, a afirmar, com clareza, que a Desaposentação não pode ser tramitada no âmbito dos juizados especiais, como fruto da verificação do valor que deve ser dado a causa, ante a simplificação das fórmulas que natura o JEF.
Temerário assim, no início da demanda, já objetivar com clareza, o exato valor da causa em termos da desaposentação.
Primeiramente, que sua complexidade jurídica é evidente, pois seus meandros são diversos, como, por exemplo, a própria aceitação jurídica; a necessidade ou não do protocolo administrativo; a polêmica questão da devolução ou não dos atrasados; o marco inicial de concessão da nova aposentadoria, se da distribuição da ação ou da citação e mesmo, se a partir da prolação da sentença ou ainda, se a contar do trânsito em julgado; o valor da nova aposentadoria e seus consectários, enfim, a dedução em juízo envolve diversas questões de alto relevo técnico, que revela sua incontroversa complexidade.
Logo, a uma primeira vista, se mostra incompatível com o rito concentrado e de simplicidade das fórmulas preconizado do Juizado Especial Federal.
Portanto, a própria quantificação do valor atribuído à causa não pode ser absoluta e pré-determinada, tampouco ajustada aos moldes da previsão do estatuto processual vigente, pois, o valor da nova aposentadoria perseguida é questão controvertida nos autos, que demandará, certamente, de análise pericial contábil, ante o constitucional princípio do equilíbrio atuarial.
Lado outro, sabido que as ações previdenciárias possuem elástico tempo de duração perante o Judiciário, seja pelas prerrogativas processuais da Fazenda Pública, seja pela notória quantidade de feitos até então existentes, o que prolonga e muito a ocorrência do trânsito em julgado.
Por isto, o valor dado como nova aposentadoria pode sofrer sensíveis alterações durante este longo período de demanda, pois, certamente, quando da ordem da implantação, seu valor financeiro será outro, influenciado pelos reajustes legais da política governamental e pelos consectários de uma condenação judicial, sem prejuízo das necessárias inserções de todas as contribuições vincendas no período de tramitação processual.
Assim, fácil aferir que o valor da aposentadoria almejada com seus certos efeitos futuros e pretéritos é questão por demais controvertida, podendo afirmar que o valor dado a causa, por estas singularidades, não possui conteúdo econômico imediato, capaz de invocar, com precisão, as hipóteses do artigo 259 e 260 do CPC.
Sob outro aspecto, a quantificação econômica alocada na Lei 10.259/2001 não se trata de norma processual absoluta a avocar todas as demandas previdenciárias que se sujeitam a esta valoração monetária de 60 (sessenta) salários mínimos, ou seja, deve ser compreendido com certo tempero jurídico.
É que, cabe ao jurisdicionado fazer a opção pelo rito processual preconizado, ou seja, adequar sua dedução jurídica aos regramentos existentes, mas, observando cada caso, a singularidade jurídica de cada pretensão que não são uniformes e equivalentes.
Neste sentido, o patamar de 60 (sessenta) salários mínimos não deve ser usado de maneira ampla, irrestrita, genérica, como regra absoluta de distribuição processual, devendo cada caso ser observado de maneira acurada, sempre, perquirindo a natureza da causa de pedir.
Neste sentido, cabe ressaltar que a Comissão Nacional de Interpretação da Lei 9.099/95, coordenada pela Escola Nacional da Magistratura, sedimentou em sua quinta conclusão que, vale estender ao JEF, pela similitude dos ritos:
“O acesso ao Juizado Especial Cível é por opção do autor”.
Esta natureza optativa do foro, já que se trata de competência relativa, também foi reconhecida por ampla maioria no I Congresso Brasileiro de Direito Processual de Santa Catarina, em agosto de 1997, além de ser defendida pela Escola Nacional da Magistratura, OAB/SP e pelos Juristas Cândido Rangel Dinamarco e Antonio Rafhael Silva.
O colendo STJ, que faz a interpretação dos diplomas federais, de igual forma já se posicionou a respeito, senão vejamos:
“…a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça decidiu, por unanimidade, que cabe aos autores de um processo escolher entre os Juizados Especiais e a Justiça Comum como a jurisdição competente para o julgamento de suas ações, conforme dispõe a Lei 9.099/95”. (STJ – Resp 151.703/RJ – 05/1998)
Portanto, a escolha do rito do JEF é mera liberalidade processual a ser manifestada pelo jurisdicionado, pouco importando o valor que atribuiu a causa, podendo aqui invocar a análise acurada dos dispositivos da Lei 9.099/95, pela principiologia, já que, se trata de incontroversa fonte supletiva do JEF e não há qualquer incompatibilidade a respeito.
Por fim, a discussão acerca da impugnação ao valor dado à causa, cabe exclusiva iniciativa da parte suplicada, que deve aviar, se for o caso, o incidente processual da impugnação, onde certamente, a questão será melhor debatida sem ocasionar a suspensão da causa principal, incidente, aliás, que no anti-projeto de reforma do CPC será extinto, para ser alocado tão somente como preliminar de defesa.
A propósito, recente entendimento jurisprudencial confirma toda a explanação ora ventilada:
“APOSENTADORIA – DESAPOSENTAÇÃO – VALOR DA CAUSA – RITO DOS JEFS – OBSERVAÇÃO – (…) No caso em tela, a pretensão do autor não pode ser valorada com exatidão no momento do ajuizamento da ação, pois, o proveito econômico almejado não é o valor da aposentadoria percebida no Regime Geral, mas, pelo contrário, o cancelamento ou a renúncia dele, pela desaposentação, para galgar uma posterior aposentadoria mais vantajosa”. (TRF 2ªR. – AG 2010.02.01.007778-0 – 01ª T.Esp. – Rel. Juiz Federal Marcello Ferreira de Souza Granado – 28/01/2011)
Outro norte, também pode se usado pelo intérprete a respeito, aliás, advindo mais uma vez da jurisprudência, que contribui sobremaneira com a interpretação da ciência jurídica.
É que o benefício atual, recebido pelo desaposentando, será extinto por sua renúncia manifesta, ou seja, desaparecerá do mundo dos fatos e da seara jurídica, não podendo assim, a análise do valor que será dado a causa, tão simplória e restritiva como defende alguns.
Assim, o seguinte precedente a respeito,
“DESAPOSENTAÇÃO”. VALOR DA CAUSA. Nas ações de “desaposentação”, o benefício que o segurado vem recebendo, porquanto objeto de renúncia, deixa de subsistir, não podendo, ser considerado no valor da causa”. (TRF – 4ª Região, AI Nº 2009.04.00.044291-7/PR, 08/06/2010)
Importante aludida aferição, sobretudo de que das decisões proferidas pelo JEF só cabem recursos para os Colégios Recursais, o que prejudica e muito o acesso recursal até o Colendo STJ, que sedimentou a questão, inclusive pela desnecessidade da devolução de qualquer valor, razão da importância do adequado direcionamento da ação, dentre outros motivos.
Logo, a costumeira prática judicante acerca da análise fria e tão somente matemática do valor da causa, com ação de ofício, desprezando os pormenores do caso, na verdade, acaba demonstrando restrição dos pronunciamentos jurisdicionais, cuja limitação o Poder Originário não almejou.
Nota:
[1] BUENO, Cássio Scarpinella. Curso Sistematizado de Direito Processual Civil. 5ª ed. São Paulo: Saraiva. 2011. p.187.
Professor de TGP, Processo Civil, Direito Previdenciário e Advogado do Núcleo de Prática Jurídica do Curso de Direito do Centro Universitário de Itajubá – FEPI. Advogado em MG. Escritor. Professor do IBEP/SP. Especialista pela EPD/SP e PUC/SP
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