Resumo: O presente trabalho teve por objeto a análise do instituto da desconsideração da personalidade jurídica aplicada às sociedades limitadas e responsabilidade civil dos sócios administradores. Com base em pesquisas doutrinárias, jurisprudenciais e legislação pertinente, a escolha do tema baseou-se na importância do instituto da desconsideração da personalidade jurídica principalmente no âmbito empresarial, como garantidor de relações comerciais íntegras, pois coíbe o mau uso da pessoa jurídica, afastando momentaneamente a autonomia patrimonial, dessa forma preservando esse princípio tão importante para as sociedades empresárias, impedindo que se cometam atos ilícitos sob o véu da personalidade jurídica. Especificamente aplicado à sociedade limitada devido ao fato de ser o tipo societário mais adotado atualmente se tratando de sociedades empresárias. Primeiramente, será abordado o conceito de pessoa jurídica, a sociedade limitada e em seguida adentrando no tema da personalização e desconsideração da personalidade jurídica, bem como o procedimento para desconsideração e a responsabilidade dos sócios-administradores para com a sociedade em caso de desconsideração. [1]
Palavras-chave: Pessoa Jurídica. Personalidade Jurídica. Sociedade Limitada. Desconsideração. Responsabilidade Civil.
Sumário: 1. Introdução. 2. Pessoa jurídica. 2.1 Classificação das Pessoas Jurídicas. 3. Sociedades limitadas. 4. Personalização. 4.1 Princípio da Autonomia Patrimonial. 5. Desconsideração da personalidade jurídica. 5.1 Histórico da Desconsideração da Personalidade Jurídica. 5.2 A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Brasil. 5.3 Características da Desconsideração. 5.4 Teoria Menor. 5.5 Teoria Maior. 5.6 Causas de Desconsideração. 5.6.1 Dolo e Fraude. 5.6.2 Desvio de Finalidade. 5.6.3 Confusão Patrimonial. 6. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica: cpc 2015. 7. Responsabilidade civil dos sócios. 7.1 O Sócio-Administrador. 8. Considerações finais.
1 INTRODUÇÃO
É incontestável a importância do Direito Empresarial nas relações sociais, pois não só afeta as sociedades empresárias, mas todos os envolvidos direta e indiretamente. Tratando-se de relações comerciais, nem sempre aqueles que estão à frente dessas sociedades agem de forma proba, por este motivo a importância do Direito Empresarial para regular as relações comerciais.
Assim, o presente estudo aborda a desconsideração da personalidade jurídica da sociedade limitada e a responsabilidade civil dos sócios administradores. A sociedade limitada é a forma mais comum de sociedade empresária, sendo por este motivo pertinente o estudo da desconsideração aplicado a este tipo societário. Muitas vezes os sócios fazem mau uso da pessoa jurídica, agindo de forma abusiva e fraudulenta, utilizando do princípio da autonomia patrimonial garantido às sociedades personalizadas para cometer atos ilícitos.
Justifica-se assim a escolha do tema tratado no presente estudo, pois as relações no âmbito comercial nem sempre são baseadas em atos honestos, trazendo prejuízos para aqueles que estão envolvidos nessas relações, cabendo ao Direito Empresarial estabelecer as sanções aplicáveis nestes casos.
O objetivo geral da pesquisa é demonstrar a importância da desconsideração da personalidade jurídica para o âmbito empresarial, desta forma faz-se necessário o estudo da desconsideração, pois este é um instituto criado para coibir os atos ilícitos praticados pelos sócios das sociedades empresárias sob o véu da personalidade jurídica.
Para tanto, o estudo foi feito a partir de importantes doutrinas, como as de Gladston Mamede, Fabio Ulhoa Coelho e, Rubens Requião, doutrinador que trouxe na década de 60 a teoria da desconsideração da personalidade jurídica para o Brasil. Serão apresentados os objetivos específicos, que consistem em analisar o conceito de pessoa jurídica, as características da sociedade empresária limitada, os efeitos da personalização, a história do instituto da desconsideração da personalidade jurídica e as características materiais e processuais, bem como a responsabilidade civil dos sócios-administradores.
A pessoa jurídica, por meio da personalização, passa a figurar no mundo jurídico, e assim adquire direitos e deveres. Com a personalização se consagra o princípio da autonomia patrimonial, onde o patrimônio da sociedade e o patrimônio dos sócios são distintos, ou seja, o patrimônio dos sócios não responde por dívidas da sociedade e vice versa.
A sociedade limitada é um tipo de sociedade onde a responsabilidade dos sócios é limitada ao valor de sua quota-parte, ou seja, em caso de responsabilização o sócio responderá pelo valor equivalente à sua quota na sociedade. Decorre do princípio da autonomia patrimonial, a separação do patrimônio de sócios e sociedade. Porém, muitas vezes ocorre o abuso da personalidade jurídica, mediante a fraude, desvio de finalidade e confusão patrimonial, sendo necessária a desconsideração da personalidade jurídica, ferramenta para punir àqueles que fazem mau uso da pessoa jurídica.
A desconsideração da personalidade jurídica não visa extinguir a pessoa jurídica, mas preservá-la, afastando momentaneamente a sua personalidade e consequentemente a autonomia patrimonial, para que sócios respondam pelos atos praticados indevidamente.
O princípio da autonomia patrimonial é um estímulo para criações de novas sociedades empresárias, já que garante aos sócios que os seus patrimônios não serão comprometidos caso os negócios não tenham êxito e a sociedade venha a contrair dívidas, motivo pelo qual não poderia ser extinto devido ao mau uso da pessoa jurídica. Desta forma, a desconsideração da personalidade jurídica preserva também o princípio da autonomia patrimonial.
A jurisprudência nos tribunais brasileiros tem aplicado de forma mais contundente a teoria menor, conforme veremos mais adiante, essa era uma forma equivocada de se aplicar a desconsideração, porém, atualmente o procedimento é regulado pelo NCPC, evitando que se aplique a teoria menor e consequentemente traga eventuais prejuízos tanto para a sociedade, sócios ou credores.
Assim, é mister que o instituto da desconsideração da personalidade jurídica seja entendido principalmente no âmbito empresarial, que não seja visto como prejudicial e sim como garantia de que a sociedade empresária atinja sua função social de forma lícita e satisfatória, sendo estímulo para constituição de novas sociedades.
Este estudo busca apresentar o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, a sua aplicação na sociedade limitada, e sua importância no âmbito empresarial para que não haja equívocos na sua interpretação, pois o mesmo assegura que atos ilícitos praticados pelos sócios-administradores por meio da sociedade sejam punidos.
2 PESSOA JURÍDICA
Toda pessoa é um ser capaz de direitos e deveres na ordem civil, conforme pode ser observado no art. 1º do CC. Assim leciona Gladston Mamede (2012, v. 2, p. 20) “Pessoa, para o direito, é o sujeito capaz de titularizar direitos e deveres.”
Para Fabio Ulhoa Coelho (2014, v. 2, p. 28) “os sujeitos de direito podem ser, inicialmente, distinguidos em dois grupos: de um lado, a pessoa física e o nascituro; de outro, a pessoa jurídica e as demais entidade despersonalizadas”.
Atualmente a pessoa jurídica está vinculada à ideia de coletividade: a universitates personarum, ou seja, coletividade de pessoas, que podem estar organizadas para fins econômicos ou não, além da universitates bonorum, isto é, coletividade de bens. Sobre essas coletividades, o Direito atribui a personalidade, fazendo que sejam compreendidas como uma pessoa, como unidade subjetiva (MAMEDE, 2012).
No âmbito privado, o sujeito personalizado pode fazer tudo que não seja proibido juridicamente e o sujeito despersonalizado, somente pode fazer o essencial ao cumprimento de sua função ou atos expressamente permitidos. Pode-se então, conceituar a pessoa jurídica como sujeito de direito inanimado personalizado (COELHO, 2014).
A pessoa jurídica é totalmente distinta da pessoa dos sócios, da mesma forma o patrimônio da pessoa jurídica também não se confunde com o patrimônio dos sócios (MAMEDE, 2012).
2.1 Classificação das Pessoas Jurídicas
Inicialmente, de acordo com o art. 40 do Código Civil, podemos classificar as pessoas jurídicas em pessoas jurídicas de direito público e de direito privado.
Segundo Celso Marcelo de Oliveira (2005), são pessoas jurídicas de direito público: União, Estados, DF, Territórios, Municípios, autarquias e fundações públicas; e ainda, de direito público externo: Estados estrangeiros e todas as pessoas que forem regidas pelo direito internacional público. E as pessoas jurídicas de direito privado dividem-se em estatais e particulares. Como particulares temos: fundações, associações e sociedades.
A sociedade se divide em duas espécies: simples e empresária. A sociedade simples explora atividades econômicas sem empresarialidade e a sua disciplina jurídica se aplica subsidiariamente à das sociedades contratuais e às cooperativas (COELHO, 2014).
Segundo Fabio Ulhoa Coelho (2014), a sociedade empresária é aquela que explora a empresa, que desenvolve atividade econômica de produção ou circulação de bens ou serviços.
Assim, as sociedades simples são sociedades não empresárias, e com estrutura mais simplificada do que a empresária, que, ao contrário da simples sempre terá o objeto social explorado com empresarialidade. Há somente duas exceções a essa regra, que podem ser observadas no art. 982 do Código Civil: “independentemente do seu objeto, considera-se empresária a sociedade por ações; e, simples, a cooperativa”.
Na sociedade limitada, a responsabilidade de cada sócio é restrita ao valor de suas quotas. Sua regulamentação está prevista no Código Civil, artigo 1.052 ao 1.087. Já a sociedade anônima é a chamada sociedade por ações, que podem ser de capital aberto ou fechado, é regulada por lei especial, 6.404/76.
É relevante neste caso o estudo da sociedade empresária, do tipo sociedade limitada, a qual em regra, é passível de aplicação da teoria da desconsideração da personalidade jurídica.
3 SOCIEDADES LIMITADAS
Esse tipo societário está previsto no Código Civil, artigos 1.052 a 1.087, que regula desde a constituição da sociedade limitada, a administração até a sua dissolução. De forma subsidiária, aplicam-se as regras da sociedade simples, exceto se o contrato social fizer opção pela aplicação subsidiária da lei das sociedades anônimas (MAMEDE, 2012).
Segundo Fabio Ulhoa Coelho (2014), a sociedade limitada pode ser de pessoas ou de capital, de acordo com o previsto no contrato social. Por serem contratuais o instrumento disciplinar das relações é o contrato social.
A sociedade limitada é constituída por dois ou mais sócios e tem o capital dividido por quotas, sendo cada sócio responsável pelas quotas que integralizou ao capital social, podendo esta ser feita em dinheiro ou em bens, é vedada por prestação de serviços. Porém todos os sócios respondem solidariamente pela integralização do capital social, conforme artigo 1.052 do Código Civil.
Gladston Mamede (2012, v. 2, p. 209) afirma que “na sociedade limitada, os sócios são responsáveis apenas pelo valor da quota ou quotas sociais que subscreveram e devem integralizar”, portanto, o sócio é responsável por realizar o pagamento da sua quota-parte na sociedade e a sua responsabilidade será referente ao valor total dessas quotas.
Caso algum sócio não integralize as quotas que subscreveu, será considerado sócio remisso, este sócio poderá ser notificado pela sociedade a cumprir com sua parte e responder por danos ou ainda poderá ser excluído da sociedade, observado a existência de cláusula de exclusão por justa causa no contrato social, com a proporcional redução do capital. Além dessas possibilidades, podem os demais sócios suprirem o valor da quota ou transferi-la a terceiros (ALMEIDA, 2009).
Desse modo, se não houver a total integralização do capital social, os sócios serão solidariamente responsáveis pela importância que faltar, perante a sociedade e terceiros. Essa obrigação confere mais segurança aos credores, isto porque, em caso de falência, poderão exigir de qualquer sócio a integralização do capital social, e caso o capital não seja integralizado e a sociedade não possuir bens para a satisfação de eventual crédito, os bens dos sócios serão penhorados para satisfazer o crédito (NEGRÃO, 2005).
Ou seja, enquanto 100% (cem por cento) do capital não estiver integralizado, todos os sócios respondem solidariamente entre si, mesmo aquele que já integralizou sua quota ao capital social pode ser responsabilizado pelo montante que outro sócio ainda não tenha integralizado (MAMEDE, 2012).
No que tange ao nome empresarial, a sociedade limitada pode adotar firma social ou denominação, sendo indispensável a palavra limitada ou sua abreviação, sob pena de tornar ilimitada a responsabilidade dos sócios (MAMEDE, 2012).
Como a sociedade é pessoa jurídica e não age por si, é necessário que pessoas físicas representem a sociedade nos seus atos. Essa representação é chamada administração societária, cabendo ao administrador a regência da coletividade social, a prática dos atos registrais e a representação social. O administrador é um mandatário da sociedade, aplicadas as regras do mandato no que couber (MAMEDE, 2012).
Importante destacar que a sociedade limitada é atualmente o tipo societário mais adotado no Estado de Santa Catarina, conforme dados da JUCESC até outubro de 2016:
Como pode ser visto, por ser o tipo societário mais adotado, faz-se pertinente o estudo da desconsideração da personalidade jurídica aplicado especificamente à sociedade limitada.
4 Personalização
A personalização da sociedade empresária inicia com o registro dos seus atos constitutivos no respectivo registro. Assim é estabelecido no art. 45 do Código Civil:
“Art. 45: Começa a existência legal das pessoas jurídicas de direito privado com a inscrição do ato constitutivo no respectivo registro, precedida, quando necessário, de autorização ou aprovação do Poder Executivo, averbando-se no registro todas as alterações por que passar o ato constitutivo.”
A partir do momento em que a pessoa jurídica é devidamente registrada e passa a figurar no mundo jurídico, é reconhecida sua capacidade para que exerça todos os atos permitidos em lei. Essa capacidade decorre naturalmente da personalidade a ela conferida, pois passa a ser sujeito de direito e obrigações (OLIVEIRA, 2005).
A personalização confere à pessoa jurídica a titularidade de direitos e obrigações. Nas palavras de Fabio Ulhoa Coelho (2014, vol. 2, p. 32), “três exemplos ilustram as consequências da personalização da sociedade empresária: a titularidade obrigacional, a titularidade processual e a responsabilidade patrimonial.”
A titularidade obrigacional diz respeito à autonomia para a atividade empresarial, celebrando negócios jurídicos pertinentes ao desenvolvimento da empresa; a titularidade processual nada mais é do que a possibilidade de estar em juízo defendendo seus direitos e interesses; e a responsabilidade ou titularidade patrimonial significa que a sociedade responde com seu patrimônio pelas obrigações que contrair, sendo este distinto do patrimônio dos sócios (GONÇALVES, 2012).
Decorre dessa distinção o princípio da autonomia patrimonial, pois tendo a empresa personalidade própria e consequentemente responsabilidade patrimonial conferida pela personalização, não há que confundi-la com a pessoa dos sócios.
Sócio e sociedade não são a mesma pessoa, e, como não cabe, em regra, responsabilizar alguém por dívida de outrem, a responsabilidade patrimonial pelas obrigações da sociedade empresária não é dos seus sócios (COELHO, 2014).
Portanto, em regra, prevalece o princípio da autonomia patrimonial da pessoa jurídica, mas caso algum sócio venha a utilizar indevidamente a pessoa jurídica, esse princípio é afastado, e presentes os requisitos, pode ocorrer a desconsideração da personalidade jurídica.
4.1 Princípio da Autonomia Patrimonial
Sobre o princípio da autonomia patrimonial, em Ramos (2009, p. 323):
“O princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, consagrado no art. 1.024 do CC, constitui-se numa importantíssima ferramenta jurídica de incentivo ao empreendedorismo, na medida em que consagra a limitação de responsabilidade – a depender do tipo societário adotado – e, consequentemente, atua como importante redutor do risco empresarial”.
Conforme visto anteriormente, o princípio da autonomia patrimonial confere à sociedade patrimônio distinto dos sócios, por este motivo o patrimônio dos sócios não pode ser executado por dívidas da sociedade.
Fabio Ulhoa Coelho (2014, vol. 2, p. 61 e 62), a respeito da autonomia patrimonial, nos traz:
“O princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, observado em relação às sociedades empresárias, socializa as perdas decorrentes do insucesso da empresa entre seus sócios e credores, propiciando o cálculo empresarial relativo ao retorno dos investimentos.”
O princípio da autonomia patrimonial, apesar de sua importância, não é absoluto, pois será afastado se houver a desconsideração pelo mau uso da pessoa jurídica, decorrente de fraude ou abuso dos sócios.
A desconsideração da personalidade jurídica não visa extinguir a autonomia patrimonial, e sim preservar o instituto, pois o desvirtuamento do mesmo poderia vir a comprometê-lo (COELHO, 2014).
Ou seja, o princípio da autonomia patrimonial necessita ser resguardado, e não pode ser extinto por atos de sócios que usam indevidamente a pessoa jurídica, por este motivo também é importante que haja uma ferramenta para impedir que estes atos comprometam a autonomia patrimonial, cabendo então a desconsideração da personalidade jurídica.
5 DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA
5.1 Histórico da Desconsideração da Personalidade Jurídica
Segundo ensina Rubens Requião (2014), a desconsideração é vista inicialmente em jurisprudências inglesas e norte-americanas, e é conhecida no direito comercial como a doutrina do Disregard of Legal Entity.
O primeiro caso acerca da teoria da desconsideração da personalidade jurídica ocorreu em 1897. O caso foi registrado na Inglaterra, envolvendo a Salomon versus Salomon & Co. Ltd.
Conforme é observado em Ramos (2014), a respeito do caso Salomon e Salomon & Co. Ltd.:
“A sentença de 1.° grau entendeu pela possibilidade de desconsideração da personalidade jurídica da Salomon & Co. Ltd., após reconhecer que Mr. Salomon tinha, na verdade, o total controle societário sobre a sociedade, não se justificando a separação patrimonial entre ele e a pessoa jurídica. Essa decisão é considerada, pois, a grande precursora da teoria da desconsideração, não obstante tenha sido posteriormente reformada pela Casa dos Lords, a qual entendeu pela impossibilidade de desconsideração, fazendo prevalecer a separação entre os patrimônios de Mr. Salomon e de sua sociedade e, consequentemente, a sua irresponsabilidade pessoal pelas dívidas sociais”.
Ainda, em Ramos (2014), no plano doutrinário, o principal precursor da disregard doctrine foi Rolf Serick, em sua tese de doutorado defendida no ano de 1953 na Universidade de Tübigen, onde se baseou na jurisprudência americana.
Foi então firmado, a possibilidade de afastar os efeitos da personalização da sociedade nos casos em que fosse utilizada de forma abusiva em prejuízo ao interesse dos credores. Porém, segundo André Santa Cruz Ramos (2014), a desconsideração pelo abuso da personalidade jurídica só era possível quando comprovada a fraude. Adotada a concepção subjetivista, onde a prova da fraude era elemento imprescindível para a desconsideração da personalidade jurídica.
Atualmente, adota-se uma concepção objetivista, que busca estabelecer critérios seguros para desconsideração mesmo que não se prove o ato fraudulento, como por exemplo, a caracterização do abuso da personalidade pelo desvio de finalidade e a confusão patrimonial, conceitos que serão abordados posteriormente (RAMOS, 2014).
5.2 A Desconsideração da Personalidade Jurídica no Brasil
Segundo a doutrina, a teoria da desconsideração da personalidade jurídica chegou ao Brasil com Rubens Requião, na década de 60, que defendia a teoria diante da ausência do tema na legislação (COELHO, 2014).
O STJ em julgado no ano de 2001, assim decidiu:
“Processual civil e direito comercial. Falência. Extensão dos efeitos. Comprovação de fraude. Aplicação da teoria da desconsideração da pessoa jurídica. Recurso especial. Decisão que decreta a quebra. Natureza jurídica. Necessidade de imediato processamento do especial. Exceção à regra do art. 542, § 3.° do CPC. Dissídio pretoriano não demonstrado. I – Não comporta retenção na origem o recurso especial que desafia decisão que decreta a falência. Exceção à regra do § 3.°, art. 542 do Código de Processo Civil. II – O dissídio pretoriano deve ser demonstrado mediante o cotejo analítico entre o acórdão recorrido e os arestos paradigmáticos. Inobservância ao art. 255 do RISTJ. III – Provada a existência de fraude, é inteiramente aplicável a Teoria da Desconsideração da Pessoa Jurídica a fim de resguardar os interesses dos credores prejudicados. IV – Recurso especial não conhecido” (citado por José Lamartine Corrêa Oliveira, A dupla crise da pessoa jurídica. São Paulo: Saraiva, 1979, pp. 519 e segs.)
A primeira regulamentação do instituto da despersonalização no Direito Brasileiro foi no Código de Defesa do Consumidor em 1990, que traz em seu art. 28: “O juiz poderá desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade quando, em detrimento do consumidor, houver abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social.”
Após isso, a desconsideração da pessoa jurídica foi sendo abordada em outras leis do nosso ordenamento jurídico, a seguir as legislações com maior destaque:
Assim determina a Lei Antitruste, n. 8.884/94, no seu artigo 18, vejamos:
“Art. 18: A personalidade jurídica do responsável por infração da ordem econômica poderá ser desconsiderada quando houver da parte deste abuso de direito, excesso de poder, infração da lei, fato ou ato ilícito ou violação dos estatutos ou contrato social. A desconsideração também será efetivada quando houver falência, estado de insolvência, encerramento ou inatividade da pessoa jurídica provocada por má administração.”
Igualmente, a Lei de Crimes Ambientais, n. 9.605/98, regulamentada pelo Decreto 3.179/99, no art. 4º: “poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento dos prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.”
Consolidando a teoria no Direito brasileiro, o Código Civil de 2002 trouxe em seu artigo 50:
“Art. 50: Em caso de abuso da personalidade jurídica, caracterizado pelo desvio da finalidade, ou pela confusão patrimonial, pode o juiz decidir, a requerimento da parte, ou do Ministério Público, quando lhe couber intervir no processo, que os efeitos de certas e determinadas relações de obrigações sejam estendidos aos bens particulares dos administradores ou sócios da pessoa jurídica”.
Mais recentemente, na Lei nº 12.843/2013, art. 14, é possível conferir que a personalidade jurídica poderá ser desconsiderada sempre que utilizada com abuso do direito para facilitar, encobrir ou dissimular a prática dos atos ilícitos ou para provocar confusão patrimonial.
E finalmente, a Lei 13.105/15 que regula o novo Código de Processo Civil, trouxe pela primeira vez o procedimento para a aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, previsto nos artigos 133 a 137, que será abordado mais adiante, com destaque no tópico 6.
5.3 Características da Desconsideração
Como já visto anteriormente, à sociedade personalizada é conferida a autonomia patrimonial, entretanto, esta sociedade precisa atender ao disposto no contrato social ou estatuto. Assim leciona Gladston Mamede (2012, vol. 2, p. 157):
“A atribuição de personalidade para os contratos e estatutos societários é um artifício jurídico cunhado, ao longo da evolução social, econômica e jurídica da humanidade, para otimizar a marcha desenvolvimentista das relações interindividuais. É essa a função social do instituto. Seu manejo doloso, seu uso com imprudência ou negligência, assim como seu exercício em moldes que excedem manifestamente os limites impostos pelo seu fim econômico ou social, pela boa-fé ou pelos bons costumes, constituem ato ilícito. E se há uso ilícito da personalidade jurídica […], daí decorrendo danos a terceiros, é preciso responsabilizar civilmente aquele(s) que deu(ram) causa eficaz a tais prejuízos.”
Segundo Tarcísio Teixeira (2016, p. 307) “Algumas vezes o objeto social da sociedade não é cumprido pelos sócios e/ou administradores da empresa, utilizando-o de forma fraudulenta e ilícita, o que prejudica a autonomia patrimonial estabelecida pela personalidade jurídica.”
Conforme André Santa Cruz Ramos (2014), embora seja de extrema importância o princípio da autonomia patrimonial das pessoas jurídicas para a economia e, consequentemente, para o direito empresarial, ele não pode ser visto como um princípio indiscutível, porque, muitas vezes, pode ser utilizado de forma abusiva ou fraudulenta, servindo de instrumento para a blindagem do patrimônio de empresários inescrupulosos e prejudiciais ao meio empresarial.
Assim, para banir o uso ilícito da personalidade jurídica, criou-se o instituto da desconsideração da personalidade jurídica, onde a personalidade é afastada e com ela também se afasta a autonomia patrimonial.
Segundo o doutrinador Rubens Requião (2014, p. 476) “Não se trata, é bom esclarecer, de considerar ou declarar nula a personificação, mas de torná-la ineficaz para determinados atos”.
Desse modo, a desconsideração da personalidade jurídica atende ao princípio da preservação da empresa, conforme se observa em Fabio Ulhoa Coelho (2014), que por apenas suspender a eficácia do ato constitutivo, no episódio sobre o qual recai o julgamento, sem invalidá-lo, a teoria da desconsideração preserva a empresa, que não será necessariamente atingida por ato fraudulento de um de seus sócios, resguardando-se, desta forma, os demais interesses que gravitam ao seu redor, como o dos empregados, dos demais sócios, da comunidade etc.
Para Maria Gabriela Venturoti Perrot e Victor Eduardo Rios Gonçalves (2012, vol. 21, p. 145), “A teoria da desconsideração da personalidade jurídica é, portanto, um valioso instrumento de coibição do mau uso da sociedade por atitude fraudulenta dos sócios.”
Em caso de o juiz desconsiderar a personalidade jurídica da sociedade, o patrimônio pessoal dos sócios é atingido, de forma ilimitada, até que sejam adimplidas as obrigações assumidas com terceiros (GONÇALVES, 2012).
Ou seja, os sócios respondem direta e pessoalmente pelas dívidas da sociedade em caso de desconsideração da personalidade jurídica, tornando-se assim ilimitada a responsabilidade.
Não há limite de valor para a responsabilização, todo o patrimônio particular do sócio pode ser sujeito à penhora, ressalvado o bem de família que é impenhorável (TEIXEIRA, 2016).
É esse o entendimento sobre a execução, em decisão do STJ:
“RECURSO ESPECIAL – DIREITO CIVIL – ARTIGOS 472, 593, II e 659, § 4º, DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL – FUNDAMENTAÇÃO DEFICIENTE – INCIDÊNCIA DA SÚMULA 284/STF – DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA SOCIEDADE EMPRESÁRIA – MEDIDA EXCEPCIONAL – OBSERVÂNCIA DAS HIPÓTESES LEGAIS – ABUSO DE PERSONALIDADE – DESVIO DE FINALIDADE – CONFUSÃO PATRIMONIAL – DISSOLUÇÃO IRREGULAR DA SOCIEDADE – ATO EFEITO PROVISÓRIO QUE ADMITE IMPUGNAÇÃO – BENS DOS SÓCIOS – LIMITAÇÃO ÀS QUOTAS SOCIAIS – IMPOSSIBILIDADE – RESPONSABILIDADE DOS SÓCIOS COM TODOS OS BENS PRESENTES E FUTUROS NOS TERMOS DO ART. 591 DO CPC – RECURSO ESPECIAL PARCIALMENTE CONHECIDO E, NESSA EXTENSÃO, IMPROVIDO. I – A ausência de explicitação precisa, por parte do recorrente, sobre a forma como teriam sido violados os dispositivos suscitados atrai a incidência do enunciado n. 284 da Súmula do STF. II – A desconsideração da personalidade jurídica é um mecanismo de que se vale o ordenamento para, em situações absolutamente excepcionais, desencobrir o manto protetivo da personalidade jurídica autônoma das empresas, podendo o credor buscar a satisfação de seu crédito junto às pessoas físicas que compõem a sociedade, mais especificamente, seus sócios e/ou administradores. III – Portanto, só é admissível em situações especiais quando verificado o abuso da personificação jurídica, consubstanciado em excesso de mandato, desvio de finalidade da empresa, confusão patrimonial entre a sociedade ou os sócios, ou, ainda, conforme amplamente reconhecido pela jurisprudência desta Corte Superior, nas hipóteses de dissolução irregular da empresa, sem a devida baixa na junta comercial. Precedentes. IV – A desconsideração não importa em dissolução da pessoa jurídica, mas se constitui apenas em um ato de efeito provisório, decretado para determinado caso concreto e objetivo, dispondo, ainda, os sócios incluídos no pólo passivo da demanda, de meios processuais para impugná-la. V – A partir da desconsideração da personalidade jurídica, a execução segue em direção aos bens dos sócios, tal qual previsto expressamente pela parte final do próprio art. 50, do Código Civil e não há, no referido dispositivo, qualquer restrição acerca da execução, contra os sócios, ser limitada às suas respectivas quotas sociais e onde a lei não distingue, não é dado ao intérprete fazê-lo. VI – O art. 591 do Código de Processo Civil é claro ao estabelecer que os devedores respondem com todos os bens presentes e futuros no cumprimento de suas obrigações, de modo que, admitir que a execução esteja limitada às quotas sociais levaria em temerária e indevida desestabilização do instituto da desconsideração da personalidade jurídica que vem há tempos conquistando espaço e sendo moldado às características de nosso ordenamento jurídico. VII – Recurso especial parcialmente conhecido e, nessa extensão, improvido”. (grifo meu) (STJ – REsp: 1169175 DF 2009/0236469-3, Relator: Ministro MASSAMI UYEDA, Data de Julgamento: 17/02/2011, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 04/04/2011)
Portanto, havendo a desconsideração da personalidade jurídica, o sócio não responde somente com o valor correspondente às suas quotas para o adimplemento de suas obrigações, como pode ser observado na jurisprudência, não há restrições legais acerca de a execução ser limitada às respectivas quotas.
É totalmente admissível a penhora de estabelecimento comercial, conforme prevê a súmula 451 do STJ: “É legítima a penhora da sede do estabelecimento comercial.”
Nas causas que envolvam a desconsideração da personalidade jurídica não há questão constitucional a ser examinada, como pode ser visto em julgado do Supremo Tribunal Federal:
“AGRAVO REGIMENTAL EM RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA DA EMPRESA. REDIRECIONAMENTO DA EXECUÇÃO AOS SÓCIOS-ADMINISTRADORES. AUSÊNCIA DE QUESTÃO CONSTITUCIONAL. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal já assentou que não há questão constitucional a ser examinada nas causas que envolvem pedido de desconsideração da personalidade jurídica de empresa. Dissentir das conclusões adotadas pela origem e decidir acerca da viabilidade do redirecionamento da execução e da desconsideração personalidade jurídica demandaria o reexame do acervo provatório constante dos autos, providência vedada nesta fase processual Agravo regimental a que se nega provimento”. (grifo meu) (STF – ARE: 778701 RS, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 14/10/2014, Primeira Turma, Data de Publicação: DJe-224 DIVULG 13-11-2014 PUBLIC 14-11-2014)
Ainda, importante destacar que a desconsideração da personalidade jurídica só é cabível quando a ilicitude do ato apenas se configura se desconsiderada a personalidade jurídica, ou seja, os atos praticados são lícitos, mas existe a ocultação da fraude, e somente o afastamento da autonomia patrimonial pode revelar o ato oculto atrás do véu da personalidade jurídica. Dessa forma, se o ato ilícito inicialmente já pode ser identificado como ato do administrador ou sócio não cabe a desconsideração (COELHO, 2014).
Sobre a aplicação da desconsideração, há duas teorias, conhecidas como “maior” e “menor”, adiante veremos essas teorias existentes na doutrina sobre a desconsideração da personalidade jurídica e qual a teoria adotada pela jurisprudência para aplicar a desconsideração da personalidade jurídica.
5.4 Teoria Menor
Na teoria menor, aplica-se a desconsideração da personalidade jurídica simplesmente pela insolvência da pessoa jurídica, que é o requisito objetivo, não necessitando o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial que são os requisitos subjetivos (NEGRÃO, 2005).
Para Fabio Ulhoa Coelho (2014), a teoria menor é uma distorção da desconsideração da personalidade jurídica, não se preocupa com o instituto da pessoa jurídica, é a simples eliminação do princípio da separação entre pessoa jurídica e sócios.
Ou seja, independe de fraude ou abuso a desconsideração da personalidade jurídica, é necessário apenas provar o prejuízo do credor. Nesse sentido, a desconsideração da personalidade jurídica é adotada no Código de Defesa do Consumidor e Direito Ambiental.
Na jurisprudência, pode-se ver a aplicação da teoria menor nos casos que envolvam consumidor e também questões ambientais:
“Responsabilidade civil e Direito do consumidor. Recurso especial. Shopping Center de Osasco-SP. Explosão. Consumidores. Danos materiais e morais. Ministério Público. Legitimidade ativa. Pessoa jurídica. Desconsideração. Teoria maior e teoria menor. Limite de responsabilização dos sócios. Código de Defesa do Consumidor. Requisitos. Obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. Art. 28, § 5º. – Considerada a proteção do consumidor um dos pilares da ordem econômica, e incumbindo ao Ministério Público a defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, possui o Órgão Ministerial legitimidade para atuar em defesa de interesses individuais homogêneos de consumidores, decorrentes de origem comum. – A teoria maior da desconsideração, regra geral no sistema jurídico brasileiro, não pode ser aplicada com a mera demonstração de estar a pessoa jurídica insolvente para o cumprimento de suas obrigações. Exige-se, aqui, para além da prova de insolvência, ou a demonstração de desvio de finalidade (teoria subjetiva da desconsideração), ou a demonstração de confusão patrimonial (teoria objetiva da desconsideração). – A teoria menor da desconsideração, acolhida em nosso ordenamento jurídico excepcionalmente no Direito do Consumidor e no Direito Ambiental, incide com a mera prova de insolvência da pessoa jurídica para o pagamento de suas obrigações, independentemente da existência de desvio de finalidade ou de confusão patrimonial. – Para a teoria menor, o risco empresarial normal às atividades econômicas não pode ser suportado pelo terceiro que contratou com a pessoa jurídica, mas pelos sócios e/ou administradores desta, ainda que estes demonstrem conduta administrativa proba, isto é, mesmo que não exista qualquer prova capaz de identificar conduta culposa ou dolosa por parte dos sócios e/ou administradores da pessoa jurídica. – A aplicação da teoria menor da desconsideração às relações de consumo está calcada na exegese autônoma do § 5º do art. 28, do CDC, porquanto a incidência desse dispositivo não se subordina à demonstração dos requisitos previstos no caput do artigo indicado, mas apenas à prova de causar, a mera existência da pessoa jurídica, obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados aos consumidores. – Recursos especiais não conhecidos.” (grifo meu) (STJ – REsp: 279273 SP 2000/0097184-7, Relator: Ministro ARI PARGENDLER, Data de Julgamento: 04/12/2003, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: –> DJ 29/03/2004 p. 230RDR vol. 29 p. 356)
Importante destacar, que na Justiça do Trabalho, a desconsideração da personalidade jurídica tem sido muito aplicada, pois o trabalhador sendo hipossuficiente em relação ao empregador, não pode ser prejudicado pela inadimplência da empresa, independentemente do que tenha levado à essa situação. Assim, em relação às dívidas trabalhistas é aplicada a teoria menor (TEIXEIRA, 2016).
5.5 Teoria Maior
Na teoria maior a autonomia patrimonial é afastada em caso de fraude ou abuso da sociedade. Atualmente, é esta a teoria adotada pelo Código Civil para aplicação da desconsideração da personalidade jurídica (TEIXEIRA, 2016).
Ou seja, na teoria maior é necessária a presença dos pressupostos para a desconsideração, a mera insolvência do devedor não enseja motivo para desconsiderar a pessoa jurídica.
Em Fabio Ulhoa Coelho (2003, p. 35), pode-se observar a presença dos requisitos para aplicar a desconsideração, “[…] a teoria maior, pela qual o juiz é autorizado a ignorar a autonomia patrimonial das pessoas jurídicas, como forma de coibir fraudes e abusos praticados através dela”.
A teoria maior é amplamente aceita, pois assegura a atividade empresarial, sendo desconsiderada a personalidade jurídica quando presentes os requisitos do art. 50 do CC. Assim é o entendimento da jurisprudência, vejamos:
“PROCESSUAL CIVIL E CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA. EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. OMISSÃO, CONTRADIÇÃO OU OBSCURIDADE. NÃO OCORRÊNCIA. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. INVIABILIDADE. INCIDÊNCIA DO ART. 50 DO CC/02. APLICAÇÃO DA TEORIA MAIOR DA DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. ALCANCE DO SÓCIO MAJORITÁRIO. NECESSIDADE DE DEMONSTRAÇÃO DO PREENCHIMENTO DOS REQUISITOS LEGAIS. 1. Ausentes os vícios do art. 535 do CPC, rejeitam-se os embargos de declaração. 2. A ausência de decisão acerca dos argumentos invocados pelo recorrente em suas razões recursais impede o conhecimento do recurso especial. 3. A regra geral adotada no ordenamento jurídico brasileiro, prevista no art. 50 do CC/02, consagra a Teoria Maior da Desconsideração, tanto na sua vertente subjetiva quanto na objetiva. 4. Salvo em situações excepcionais previstas em leis especiais, somente é possível a desconsideração da personalidade jurídica quando verificado o desvio de finalidade (Teoria Maior Subjetiva da Desconsideração), caracterizado pelo ato intencional dos sócios de fraudar terceiros com o uso abusivo da personalidade jurídica, ou quando evidenciada a confusão patrimonial (Teoria Maior Objetiva da Desconsideração), demonstrada pela inexistência, no campo dos fatos, de separação entre o patrimônio da pessoa jurídica e os de seus sócios. 5. Os efeitos da desconsideração da personalidade jurídica somente alcançam os sócios participantes da conduta ilícita ou que dela se beneficiaram, ainda que se trate de sócio majoritário ou controlador. 6. Recurso especial parcialmente conhecido e, nesta parte, provido”. (grifo meu) (STJ – REsp: 1325663 SP 2012/0024374-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 11/06/2013, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 24/06/2013)
Para Fabio Ulhoa Coelho (2014), as provas no processo de desconsideração da personalidade jurídica são complexas, e por isso podem trazer dificuldades ao autor quando este deve comprovar que os pressupostos de aplicação da desconsideração estão presentes, por este motivo pode haver a inversão do ônus da prova bem como presunções. Assim, existe uma formulação objetiva, onde o pressuposto da desconsideração está basicamente na confusão patrimonial, que é mais facilmente comprovado.
A formulação objetiva deve auxiliar na aplicação da teoria da desconsideração, devendo-se presumir a fraude quando houver confusão patrimonial, porém, não se deixa de aplicar a desconsideração da personalidade jurídica somente porque o demandado demonstrou não existir a confusão, pois a fraude ainda pode ser caracterizada por outros meios.
Segundo Coelho (2014, vol. 2, p. 70), “a evolução do tema na jurisprudência brasileira não permite mais falar-se em duas teorias distintas, razão pela qual esses conceitos de maior e menor mostram-se agora, felizmente ultrapassados.”
É o que se observa em André Santa Cruz Ramos (2014, p. 385):
“Sobre a distinção entre o art. 50 do CC e as demais regras legais que tratam da desconsideração da personalidade jurídica, foi aprovado o Enunciado 9 da I Jornada de Direito Comercial do CJF, com o seguinte teor: “Quando aplicado às relações jurídicas empresariais, o art. 50 do Código Civil não pode ser interpretado analogamente ao art. 28, § 5.°, do CDC ou ao art. 2.°, § 2.°, da CLT”.
Portanto, para garantir a correta aplicação da desconsideração da personalidade jurídica, devem ser observados os pressupostos da desconsideração no âmbito do Direito Civil, evitando-se assim a banalização do instituto; dispensáveis os pressupostos excepcionalmente, como já observado em jurisprudência citada, nos casos que envolvam o Direito do Consumidor e Direito Ambiental.
5.6 Causas de Desconsideração
Como foi observado, existem diferentes causas possíveis de desconsideração da personalidade jurídica, e são esses os pressupostos para desconsiderar a personalidade jurídica, a seguir estão elencadas as causas.
5.6.1 Dolo e Fraude
O comportamento doloso e fraudulento é uma hipótese de desconsideração, porém, conforme Gladston Mamede (2012) é indispensável o dolo, a simples prática de ato ilícito pela sociedade não é hipótese de despersonificação.
No mesmo entendimento, Fabio Ulha Coelho (2014), pressuposto inafastável da despersonalização episódica da pessoa jurídica, no entanto, é a ocorrência da fraude por meio da separação patrimonial. Não é suficiente a simples insolvência do ente coletivo, hipótese em que, não tendo havido fraude na utilização da separação patrimonial, as regras de limitação da responsabilidade dos sócios terão ampla vigência.
Como pode ser visto em Ricardo Negrão (2005), um exemplo de comportamento doloso é a dissolução e liquidação da sociedade de forma irregular, ou seja, o simples desaparecimento da sociedade do mundo jurídico, ensejando assim responsabilidade pessoal.
Portanto conforme os doutrinadores ora mencionados, o comportamento doloso e fraudulento caracteriza abuso da personalidade jurídica, sendo assim uma das causas possíveis para aplicar-se a desconsideração.
5.6.2 Desvio de Finalidade
Conforme podemos observar em Gladston Mamede (2012, v.2, p. 160), “A pessoa jurídica é um ser finalístico: é constituída para determinada finalidade, para certo objeto, como se apura em seu ato constitutivo. Sua atuação só é regular quando respeita as normas e princípios jurídicos, incluindo o ato constitutivo”.
Assim leciona Ricardo Negrão (2014, p. 46) sobre desvio de finalidade, “Haverá desvio de finalidade quando o objeto social é mera fachada para exploração de atividade diversa”. Ou seja, não pode a sociedade empresária exercer atividade diversa daquela prevista no contrato social.
Qualquer ato que não atenda ao objeto social da empresa é caracterizado como desvio de finalidade, e é, portanto, ilícito. Esse ato não pode ser vinculado à pessoa jurídica e sim a quem o executou, sendo compreendido como ultra vires. Nesse caso cabe a desconsideração da personalidade jurídica para que o responsável pelo ato desviado responda por eventuais danos (MAMEDE, 2012).
5.6.3 Confusão Patrimonial
Sócios e o administrador da sociedade devem tratar o patrimônio de forma lícita, reservando direitos e interesses de todas as partes envolvidas: a própria sociedade, os sócios e terceiros (MAMEDE, 2012).
Ainda, em Gladston Mamede (2012, v. 2, p.160) :
“A verificação de confusão patrimonial caracteriza abuso no uso da personalidade jurídica, autorizando a desconsideração, para reconhecer a responsabilidade do sócio, administrador ou entidade coligada de fato ou de direito.”
A confusão patrimonial é a mistura de patrimônio da sociedade com o dos sócios, ou seja, quando a sociedade paga dívidas do sócio e vice-versa, quando bens de uso do sócio estão em nome da sociedade, dentre outras hipóteses. A confusão caracteriza abuso no uso da personalidade jurídica (MAMEDE, 2012).
A desconsideração da personalidade jurídica se aplica não só para atingir os bens dos sócios, como também bens do administrador da sociedade, mesmo que este não faça parte do quadro societário (TEIXEIRA, 2016).
É possível ainda que haja a desconsideração da personalidade jurídica por confusão patrimonial entre entidades coligadas de fato ou de direito. Esse entendimento pode ser observado em decisão do STJ:
“PROCESSO CIVIL. FALÊNCIA. EXTENSÃO DE EFEITOS. POSSIBILIDADE. PESSOAS FÍSICAS. ADMINISTRADORES NÃO-SÓCIOS. GRUPO ECONÔMICO. DEMONSTRAÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. CITAÇÃO PRÉVIA. DESNECESSIDADE. AÇÃO REVOCATÓRIA. DESNECESSIDADE. 1. Em situação na qual dois grupos econômicos, unidos em torno de um propósito comum, promovem uma cadeia de negócios formalmente lícitos mas com intuito substancial de desviar patrimônio de empresa em situação pré-falimentar, é necessário que o Poder Judiciário também inove sua atuação, no intuito de encontrar meios eficazes de reverter as manobras lesivas, punindo e responsabilizando os envolvidos. 2. É possível ao juízo antecipar a decisão de estender os efeitos de sociedade falida a empresas coligadas na hipótese em que,verificando claro conluio para prejudicar credores, há transferência de bens para desvio patrimonial. Inexiste nulidade no exercício diferido do direito de defesa nessas hipóteses. 3. A extensão da falência a sociedades coligadas pode ser feita independentemente da instauração de processo autônomo. A verificação da existência de coligação entre sociedades pode ser feita com base em elementos fáticos que demonstrem a efetiva influência de um grupo societário nas decisões do outro, independentemente de se constatara existência de participação no capital social. 4. O contador que presta serviços de administração à sociedade falida, assumindo a condição pessoal de administrador, pode ser submetido ao decreto de extensão da quebra, independentemente de ostentar a qualidade de sócio, notadamente nas hipóteses em que, estabelecido profissionalmente, presta tais serviços a diversas empresas, desenvolvendo atividade intelectual com elemento de empresa. 5. Recurso especial conhecido, mas não provido.” (grifo meu) (STJ – REsp: 1266666 SP 2009/0196940-9, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 09/08/2011, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 25/08/2011)
Como pode ser verificado, a confusão patrimonial pode ocorrer não só entre sócios e sociedade como também entre sociedades coligadas, além disso, pode também o administrador da sociedade ser responsabilizado caso tenha obtido vantagens com o ato ilícito praticado na administração da sociedade.
6 O INCIDENTE DE DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA: CPC 2015
O instituto da desconsideração da personalidade jurídica, mesmo previsto no direito material, não era regulado processualmente, cabendo à jurisprudência dar forma à desconsideração (THEODORO JR., 2016).
Humberto Theodoro Jr (vol. 2, p. 406, 2016) sobre o processo de desconsideração antes do Novo Código de Processo Civil:
“Demonstrando o credor estarem presentes os requisitos legais, o juiz deveria levantar o véu da personalidade jurídica para que o ato de expropriação atingisse os bens particulares de seus sócios, de forma a impedir a concretização de fraude à lei ou contra terceiros. Somente após a desconsideração, os sócios eram chamados a integrar a lide e interpor os recursos cabíveis.”
Dessa forma, o contraditório e ampla defesa eram realizados a posteriori, conferindo prejuízo às sociedades despersonalizadas, pois como os sócios só ingressavam em grau de recurso não era possível garantir plenamente a defesa amparada pelo devido processo legal (THEODORO JR, 2015).
Uma parte da doutrina afirmava que estando presentes os requisitos para a desconsideração e se o credor os provasse de forma incidental, seria desnecessário um processo autônomo. Era esse o entendimento prestigiado pelo STJ, fundado nos princípios da celeridade e economia processual (NEVES, 2016).
Atualmente no Capítulo IV do Novo Código de Processo Civil – NCPC, temos o Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica. Ficando regulado o procedimento para desconsideração da personalidade jurídica, e respeitado o contraditório e ampla defesa, garantias constitucionais previstas no art. 5º, LV da CF, que não teriam motivo para não ser aplicadas também ao procedimento de desconsideração da personalidade jurídica.
O NCPC pôs fim a discussão na doutrina sobre o momento para a desconsideração, estabelecendo que a desconsideração da personalidade jurídica é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial, conforme o art. 134 “O incidente de desconsideração é cabível em todas as fases do processo de conhecimento, no cumprimento de sentença e na execução fundada em título executivo extrajudicial” (NEVES, 2016).
Conforme fluxograma de Humberto Theodoro Jr (2015, vol. 1, p. 411), apresentado de forma clara o procedimento do incidente de desconsideração da personalidade jurídica:
Figura 1 – Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica
Fonte: THEODORO JR. (2015)
Quando a desconsideração da personalidade é requerida junto com a petição inicial, dispensa-se instauração de incidente, o autor ao ajuizar a ação apresenta as provas de que os pressupostos para desconsideração se aplicam ao caso concreto, após promoverá a citação do sócio ou pessoa jurídica para ingressar à lide e apresentar contestação. Se requerida a desconsideração como incidente, o processo ficará suspenso (THEODORO JR, 2015).
Porém, segundo Daniel Amorim Assumpção Neves (2016), o §4º do art. 134 do NCPC prevê que cabe ao requerente demonstrar presentes os pressupostos para desconsideração, mas é equivocado, pois o requerente não precisará apresentar prova pré-constituída e liminarmente demonstrar o cabimento de desconsideração, devendo apenas alegar a presença dos pressupostos e assim ter direito à produção de provas para provar o alegado.
Da decisão interlocutória que julgar o incidente de desconsideração, cabe agravo de instrumento, conforme o art. 136 caput e 1.105, IV. Código de Processo Civil. Caso seja resolvido em sede recursal caberá agravo interno (THEODORO JR, 2015).
Importante ressaltar que a partir do momento em que for acolhido o pedido de desconsideração da pessoa jurídica, é ineficaz a alienação ou oneração de bens como meio de fraude à execução. Humberto Theodoro Jr (2015, vol. 1, p. 409):
“Antes mesmo que se verifique a penhora, os credores serão acautelados com a presunção legal de fraude, caso ocorram alienações ou desvios de bens pelas pessoas corresponsabilizadas. Como a penhora só será viável depois da decisão do incidente, a medida do art. 137 resguarda, desde logo, a garantia extraordinária que se pretende alcançar por meio da desconsideração”.
Portanto, apesar de algumas críticas quanto à necessidade de um incidente para aplicar a desconsideração, devido à demora para resolução e eventual oportunidade de desvio de bens, não é algo que mereça preocupação ou críticas, pois são assegurados ao credor meios para evitar fraudes além de tutela de urgência caso haja risco de fraude (THEODORO JR, 2015).
7 RESPONSABILIDADE CIVIL DOS SÓCIOS
A natureza jurídica da sociedade determina o tipo de sócio e a extensão da responsabilidade, que poderá ser limitada ou ilimitada. Na sociedade limitada, a responsabilidade dos sócios é limitada à sua quota parte no capital (REQUIÃO, 2014).
Os sócios possuem responsabilidade subsidiária em relação à sociedade, portanto, enquanto não esgotar o patrimônio social, não se pode comprometer o patrimônio do sócio para satisfazer dívidas da sociedade (COELHO, 2014).
Na figura abaixo, Ricardo Negrão (2005) apresenta de forma mais didática a responsabilidade dos sócios no capital social da sociedade limitada:
O sócio que ingressa diretamente ou por via de cessão, responde por sua quota-parte. Aquele que se retira por divergir sobre o contrato social obterá o reembolso da sua quota-parte, ficando obrigado às prestações correspondentes às cotas respectivas, se necessárias para pagamento das obrigações contraídas até a alteração definitiva do contrato social. Em caso de falência a responsabilidade será apurada no juízo da falência, independentemente da liquidação do ativo e passivo para verificar se é insuficiente para cobrir o passivo (REQUIÃO, 2014).
Conforme Fabio Ulhoa Coelho (2014, v. 2, p. 50), sobre a responsabilidade dos sócios:
“A responsabilidade dos sócios pelas obrigações sociais, além de subsidiária pode ser limitada ou ilimitada. Em determinadas condições, os sócios respondem sem qualquer limitação, arcando com o valor integral da dívida da sociedade. Em outras, eles respondem pelas obrigações sociais dentro de um limite, relacionado ao valor do investimento que propuseram a realizar”.
A desconsideração é pertinente quando a responsabilidade não puder ser diretamente imputada ao sócio, controlador ou representante legal da pessoa jurídica; assim, se tais pessoas provocarem danos a terceiros por conta de comportamento ilícito, serão pessoalmente responsáveis, pois a pessoa jurídica em si não pratica atos ilícitos (OLIVEIRA, 2005).
Essa forma de responsabilização faz com que haja uma motivação aos empreendedores, pois se todo o patrimônio do sócio pudesse ser comprometido quando iniciasse uma atividade empresária, acabaria reduzindo a criação de novas empresas, e assim provocaria uma desaceleração na economia (COELHO, 2014).
7.1 O Sócio-administrador
A sociedade limitada possui somente sócios de responsabilidade limitada. Geralmente o sócio administrador é definido e nomeado no contrato social, pode-se também nomear um administrador que não faça parte do quadro societário, desde que haja a unanimidade dos sócios se o capital social não estiver integralizado, ou pela decisão de 2/3 dos sócios se o capital estiver integralizado (ALMEIDA, 2009).
Segundo Amador Paes de Almeida (2009, p. 126 e 127) “a responsabilidade pela integralização do capital social, em princípio, libera os sócios de qualquer responsabilidade, quer para com terceiros, quer para com a sociedade”.
Porém, segundo Fabio Ulhoa Coelho (2014, v. 2, p. 441) “a limitação da responsabilidade é preceito destinado ao estímulo de atividades econômicas, e não pode servir para viabilizar ou acobertar práticas irregulares”.
Conforme entendimento de Rubens Requião (2014), agindo de forma ilícita, praticando na qualidade de sócio, atos contrários à lei ou ao contrato social, torna-se pessoal e ilimitadamente responsável pelas consequências de tais atos.
O Supremo Tribunal Federal, em julgado de apelação assim decidiu:
“PROCESSUAL CIVIL. EXECUÇÃO. DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. RESPONSABILIDADE PESSOAL DE SÓCIA MINOwRITÁRIA. IMPOSSIBILIDADE. AUSÊNCIA DE COMPROVAÇÃO DE PRÁTICA DE ATOS DE GESTÃO E DE ATOS ILÍCITOS. 1. Cuida-se de apelação de sentença que, proferida em sede de embargos à execução, determinou a exclusão da embargante, sócia minoritária da empresa executada, do polo passivo da Ação de Execução de Título Extrajudicial por considerar não restar configurada a sua responsabilidade pela gerencia da sociedade e pela prática dos atos irregulares. 2. A magistrada "a quo", baseando-se em provas carreadas aos autos, assim como na análise dos dispositivos relevantes à matéria, considerou não restar configurada a responsabilidade pessoal da apelada, em razão desta dispor de pequena participação na sociedade, e não possuir poder de gerência. 3. A qualidade de sócio não autoriza, por si só, a sua responsabilidade pessoal, pois imprescindível o nexo causal entre a conduta ilícita (má administração) e a consequência de ter que responder pela obrigação devida. 5. A cláusula 6 do Contrato Social (fls. 20/22) atribui expressamente ao sócio DENIS WILSON FERREIRA DE QUEIROZ a responsabilidade pela gerência e administração da empresa. Ademais, a assinatura do cheque objeto de cobrança da ação de execução (fls. 30) é do mencionado sócio,fundamentando o entendimento de que este é o único que deve ser responsabilizado pelas obrigações contraídas de maneira irregular pela empresa. 6. Inexiste nos autos prova de que houve qualquer deliberação, ou a anuência expressa da apelada com relação à desconstituição irregular da empresa, razão pela qual não persiste o argumento de que sua responsabilidade pessoal deve advir da pratica da mencionada irregularidade. 7. Destarte, acosta-se ao entendimento da magistrada "a quo" de que não cabe a responsabilização da apelada pela dívida em empresa, visto que "não foi coligada nenhuma prova de que a embargante tenha agido com abuso ou desvio de finalidade, mesmo porque, somente detinha 0,1% do capital social, sem poder de gerência ou administração". 8. No tocante às alegações de prescrição e nulidade da execução por falta de citação que foram formuladas pela autora na inicial e impugnadas novamente pela apelante, entende-se não merecerem maiores ressalvas, visto que foram argumentos expressamente repelidos pela sentença recorrida. Apelação improvida”. (grifo meu) (TRF-5 – AC: 00027811220134058100 AL, Relator: Desembargador Federal José Maria Lucena, Data de Julgamento: 15/01/2015, Primeira Turma, Data de Publicação: 22/01/2015)
Ou seja, conforme se observa na doutrina e jurisprudência, a responsabilidade do sócio se torna ilimitada somente quando resultar de algum ato que infrinja a lei ou o contrato social.
Assim, em caso de o sócio administrador ser demandado por dívida da sociedade, ele pode nomear bens da sociedade desde que não estejam em qualquer impedimento, para pagamento do débito, valendo-se desta forma do beneficium excussionis personalis (ALMEIDA, 2009).
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A desconsideração da personalidade jurídica é instituto essencial para combater as fraudes praticadas por meio de pessoas jurídicas afastando a autonomia patrimonial entre sócios e sociedade, dessa forma o caráter absoluto da autonomia patrimonial restou superado diante da constatação de que ela poderia ser utilizada para fins ilícitos. Assim, a desconsideração da personalidade jurídica contribui para o aperfeiçoamento da pessoa jurídica, pois permite afastar os efeitos da personificação para um caso específico, sem extingui-la.
O resultado da pesquisa reforçou que a separação patrimonial estabelecida entre a sociedade empresária e seus sócios constitui um incentivo essencial para a iniciativa privada e, consequentemente, para a propulsão da atividade econômica. Portanto, assim como não visa extinguir a pessoa jurídica, a desconsideração também não visa extinguir a autonomia patrimonial, muito pelo contrário, o objetivo é assegurar que a pessoa jurídica seja utilizada para atender ao seu objeto social, em toda sua plenitude, sem que haja deturpação da sua finalidade por meio de fraudes.
Entretanto, ao mesmo tempo em que não se pode permitir que a autonomia patrimonial decorrente da personalização, seja usada de escudo para a prática de atos ilícitos, também, não se deve permitir a aplicação desenfreada e abusiva da desconsideração, desvinculada dos seus fundamentos, o que provocaria o desvirtuamento da teoria e do próprio instituto da pessoa jurídica, motivo pelo qual no âmbito do Direito Civil se aplica a teoria onde para desconsiderar a personalidade jurídica é indispensável a prova de fraude, desvio de finalidade e confusão patrimonial, ou seja, a ausência de patrimônio da sociedade, por si só, não é motivo suficiente para ensejar a aplicação da superação da autonomia patrimonial da pessoa jurídica e a consequente responsabilização dos seus sócios ou administradores.
O art. 50 do Código Civil fixou expressamente a necessidade de existência do abuso do direito para a declaração de desconsideração, e elegeu como circunstâncias caracterizadoras deste abuso o desvio de finalidade ou a confusão patrimonial.
Contudo, a utilização do instituto é possível quando presentes os pressupostos previstos em lei, ou seja, devendo ser observado se o caso concreto é passível de desconsideração da personalidade jurídica, pois quando não estão presentes os pressupostos para desconsideração ou quando for possível a responsabilização direta do sócio administrador por ato praticado, não é cabível a desconsideração da personalidade jurídica.
Destaca-se ainda a importância de o instituto estar devidamente formalizado processualmente, diminuindo os riscos de ser aplicado de forma errônea e consequentemente trazendo prejuízos, seja para o credor, seja para o sócio administrador atingido pela desconsideração da personalidade jurídica, e ainda, baseado no contraditório e ampla defesa observando o devido processo legal.
Por meio do presente estudo, se infere que o estudo da desconsideração da personalidade jurídica aplicada à sociedade limitada é extremamente relevante, pois este tipo societário é o mais comumente adotado, principalmente pela responsabilidade limitada dos sócios, porém conforme observado nas doutrinas estudadas, mesmo nas sociedades limitada podem os sócios responder ilimitadamente em casos de prática de atos ilícitos mobilizados por meio da pessoa jurídica.
Necessário esclarecer, que os resultados desta pesquisa não se constituem em uma generalização, mas em uma sinalização de que o objeto da sociedade empresária se atinge por meio da atividade econômica, visando o lucro, porém, não se pode permitir que para tanto, sócios ajam dolosamente praticando atos ilícitos utilizando as sociedades empresariais, trazendo prejuízos para terceiros e, para a própria sociedade brasileira.
Portanto, a desconsideração da personalidade é uma forma eficaz de coibir fraudes e ainda assim preservar a pessoa jurídica, sendo elemento essencial no nosso ordenamento jurídico que merece constantes estudos para que haja cada vez mais a consciência de que a desconsideração da personalidade jurídica é uma forma eficaz de se coibir o abuso da pessoa jurídica, por ser um mecanismo no qual o patrimônio dos sócios é atingido para satisfazer os prejuízos decorrentes desses eventuais abusos.
Bacharel em Direito pela UNIASSELVI/FAMEG
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