Resumo: A desigualdade social tem sido amplamente denunciada. Em que pese existirem poucas ações em termos práticos que visem a reduzir o abismo existente entre ricos e pobres, o tema tem sido incessantemente discutido. No caso Brasileiro, observa-se uma desigualdade absurda conforme os dados disponíveis. Pouquíssimas pessoas concentram, praticamente, toda a riqueza nacional. Na visão de Thomas Piketty, não existe fator natural que diminua a desigualdade. Sem a interferência de fatores externos, a desigualdade tende a se acentuar. Em um cenário tão desolador, no momento em que surgem normas jurídicas que retiram direitos sociais daqueles que já não possuem quase nada, inevitável o agravamento do problema levantado. A desigualdade social incontrolada no caso brasileiro, levará ao surgimento de uma nova modalidade de servidão, desta vez econômica, caracterizando a submissão plena de uma classe social em relação à outra, com fortes impactos na dignidade das pessoas e no contexto social.
Palavras – chave: Desigualdade Social. Agravamento. Reforma Trabalhista no Brasil. Servidão.
Abstract: Social inequality has been widely denounced. Although there are few practical actions aimed at reducing the gap between rich and poor, the issue has been unceasingly discussed. In the Brazilian case, one observes an absurd inequality according to the available data. Very few people concentrate practically all the national wealth. In Thomas Piketty's view, there is no natural factor that reduces inequality. Without the interference of external factors, inequality tends to accentuate. In such an unequal scenario, at the moment when juridical norms that withdraw social rights from those who already have almost nothing, inevitably the aggravation of the problem raised. Uncontrolled social inequality in the Brazilian case will lead to the emergence of a new mode of servitude, this time economic, characterizing the full submission of one social class in relation to the other.
Key – words: Social inequality. Aggravation. Labor Reform in Brazil. Bondage.
Sumário: Introdução. 1. A Ação Civil Pública. 2. O Termo de Ajustamento de Conduta. Conclusão. Referências.
1 INTRODUÇÃO
No dia 11 de novembro de 2017, entrou em vigor a lei 13.467/17, a chamada reforma trabalhista. Aprovada no Congresso Nacional em tempo recorde, a referida norma trouxe profundas mudanças na estrutura jurídica trabalhista, alterando substancialmente as relações de trabalho, em especial, a relação de emprego, até então forte instrumento de proteção social. A lógica protetiva que vigorou durante décadas, garantia ao empregado, em princípio hipossuficiente, os benefícios de uma ordem jurídica acolhedora.
No conturbado contexto político nacional, com reflexos econômicos visíveis, os “defensores da reforma” alegaram a necessidade de modernização da legislação trabalhista, tudo com a finalidade “nobre” de geração de emprego e renda. Com a reforma trabalhista, suprimindo direitos até então positivados, novas oportunidades e novos postos de trabalho surgiriam, quase que em uma relação de causa e consequência. No entanto, a aprovação do texto legal, sem um embate social legítimo, não parece a melhor solução para os problemas econômicos vigentes. Da forma como tal em vigor, tudo leva a crer que a legislação apontada aprofundará o nosso retrocesso social, aumentando, de forma demasiada, a desigualdade social.
Compartilhamos aqui o posicionamento do aclamado autor Thomas Piketty, referencial teórico do presente artigo, que tantas vezes será chamado a intervir no pensamento aqui exposto. Na visão do autor, a desigualdade social deve estar no centro do debate econômico, sendo imprescindível a sua análise. (PIKETTY, 2014, p. 22). Não que a desigualdade seja um mal em si. Mas a desigualdade em níveis acentuados gera problemas sociais e econômicos quase que insolucionáveis.
No Brasil, talvez nunca tenha se denunciado tanto a desigualdade social. Somos um país desigual, eis a constatação. O capital está extremamente concentrado nas mãos de poucos. Instrumentos de controle passam a ser essenciais. No momento que a nova norma trabalhista surge para suprimir direitos daqueles que menos possuem, caminhamos em sentido contrário, ou seja, agravamos o problema noticiado. A lógica é sim subversiva. Com forte desigualdade social e menos direitos sociais, é possível imaginar que a relação de sujeição de um grupo social a outro, adquira contornos dramáticos, relembrando épocas remotas.
A presente obra busca analisar os impactos da reforma trabalhista, efetuando-se um paralelo com tema extremamente atual e de debate essencial, qual seja, a desigualdade social. O principal objetivo é identificar se os efeitos da reforma trabalhista e o aumento da distância entre ricos e pobres levarão a sociedade brasileira a um novo tipo de servidão econômica, com forte impacto na dignidade das pessoas que se sujeitarão à dominação econômica evidenciada.
2 A DESIGUALDADE
Em sua obra denominada “O CAPITAL no século XXI”, o autor Thomas Piketty realizou um trabalho sistemático de análise de dados, efetuando o levantamento de grande parte dos dados disponíveis, identificando a origem e a evolução da desigualdade. Analisou-se especialmente os países europeus, sobretudo a França, país que possuía a maior base de dados disponíveis. Outros países de grande relevância econômica também foram objeto de estudo como, por exemplo, Estados Unidos e Japão.
Piketty afirmou que não existe fato ou fenômeno que diminua a desigualdade de forma natural.[1] Na história recente, observou-se a redução da desigualdade somente com a influência de fatores externos. Destaca-se a interferência das grandes guerras mundiais e também das políticas sociais, fatores externos que ocasionaram a redução. Através da análise de dados históricos, o autor se contrapôs a economistas, cujas teses não se comprovaram no decorrer do tempo[2]. Como conclusão no que se refere ao estudo da desigualdade, o autor demonstrou que a mesma está crescendo de forma demasiada em praticamente todas as partes do mundo. Os níveis de concentração de capital e renda se aproximam dos níveis observados na Europa no período conhecido como a Belle Epoque, que se iniciou no final do século XIX, perdurando até o início da primeira guerra mundial em 1914.
2.1 A DESIGUALDADE SOCIAL NO BRASIL
O Brasil é um país desigual, e ponto. Os dados são estatísticos, públicos e acessíveis a todo cidadão interessado. Para melhor compreensão dos dados, utilizaremos aqui a divisão percentual proposta por Piketty, baseada em décimos. Desta forma, dividiremos a sociedade brasileira em percentuais, quais sejam. “10% mais ricos, os 40% do meio, os 50% da base”. (PIKETTY, 2014, p. 247). Dentro dos 10% mais ricos, ainda destacaremos o 1% mais abastados. A divisão proposta pelo autor francês é mais adequada uma vez que se evita possíveis estereótipos em denominações popularmente utilizadas como, por exemplo, classes inferiores, superiores, classe A, B, C, etc. Esta classificação também possibilita melhor a compreensão em termos matemáticos e estatísticos.
O instituto Oxfam Brasil divulgou, recentemente, dados quase que inacreditáveis em relação à desigualdade no Brasil. Em estudo denominado “a distância que nos une – um retrato das desigualdades brasileiras”, vários aspectos referentes à desigualdade foram tratados. No que se refere à desigualdade de riqueza, destaca-se:
“No Brasil, a desigualdade de riqueza – bens materiais como imóveis ou propriedades, e bens financeiros como aplicações e ações – é ainda maior que a desigualdade de renda. O 1% mais rico concentra 48% de toda a riqueza nacional e os 10% mais ricos ficam com 74%. Por outro lado, 50% da população brasileira possui cerca de 3% da riqueza total do País. Hoje, seis brasileiros possuem a mesma riqueza que a soma do que possui a metade mais pobre da população, mais de 100 milhões de pessoas”. (OXFAM BRASIL, 2017. p.30).
Os dados são alarmantes. Em situação normal de consciência seria difícil imaginar uma sociedade tão desigual assim. Sim, ela existe, falamos do Brasil. Em resumo, constatar que os 50% pertencentes à base possuem menos de 3% da riqueza nacional, é afirmar que mais de 100 milhões de brasileiros não possuem absolutamente nada, ou, até mesmo, possuem patrimônios negativos. Por outro lado, os integrantes do centésimo superior possuem praticamente metade da riqueza nacional. Para piorar, os dados divulgados demonstram que seis brasileiros juntos possuem a riqueza de mais de 100 milhões de pessoas. A nosso ver, a presente constatação causa certa repugnância. Diante de um cenário tão desolador, é mais que natural, é quase uma relação de consequência que exista uma dominação econômica concreta, que se manifestará em formato de sujeição, submissão, e porque não, de humilhação.
Em outro plano, a nosso ver, a desigualdade social descontrolada gerará um ambiente extremamente hostil por razões óbvias. Dominador e dominado terão que conviver em determinados momentos da vida social. Ainda que a classe dominante possua mecanismos de controle, a aceitação da submissão, por certo, possui limites[3]. O resultado provável é o estímulo ao ódio, a proliferação da violência e a desordem pública.
Se a tese do autor francês Thomas Piketty se confirmar, no sentido de que não existem forças naturais que diminuam a desigualdade, o cenário brasileiro passa a ser sombrio. Por certo, esperam-se atitudes governamentais de combate à desigualdade social, seja no aspecto tributário[4], seja no aspecto social[5]. Mas, no momento em que um governo ilegítimo aprova leis trabalhistas que restringem direitos daqueles que menos possuem, temos como consequência o aumento da desigualdade, mais retrocesso social.
2.2 A REFORMA TRABALHISTA NO BRASIL
Como já observado, foi editada a lei 13.467/17, que entrou em vigor no dia 11 de novembro de 2017. O referido ato normativo alterou substancialmente a estrutura jurídica trabalhista no cenário nacional. Ao todo, mais de 100 artigos da CLT foram modificados.
Não está aqui a se demonizar por completo a reforma trabalhista. Uma análise mais detalhada constatará que existem instrumentos úteis no texto legislativo, adequados ao cenário atual. No entanto, em aspectos gerais, ao se considerar o conjunto da obra, conclui-se que estamos diante de uma fonte de divergência plena[6], ou seja, a reforma trabalhista irá contribuir para o aumento da desigualdade social. Não constitui objeto do presente artigo a análise pormenorizada de toda a reforma trabalhista, o que, por certo, necessitaria de um estudo aprofundado a ser realizado em outra oportunidade. O que se evidencia aqui, são fortes indícios que contribuirão com a tese de que a presente reforma trabalhista aumentará a desigualdade social. Isso se verificará com a análise de alguns pontos específicos que passamos a discorrer.
Maior segurança jurídica para a terceirização, possibilidade de negociação livre entre empregador e empregado com a prevalência do acordado sobre o legislado, enfraquecimento de entidades sindicais, fracionamento de férias, possibilidade de rescisão contratual em acordo, instrumentos que visam a interferir no processo judicial, dificultando o acesso à justiça, regulamentação do teletrabalho sem controle de jornada e regulamentação do trabalho intermitente, são apenas alguns exemplos da lógica subversiva denunciada. Menos direitos sociais, mais desigualdade social, por óbvio. E, se já existe descontrole pleno na desigualdade nacional, por certo a subtração de direitos sociais não nos parece o melhor caminho. Tal raciocínio também se aplica à iminente reforma previdenciária, que será tratada em outra oportunidade. Em resumo, retira-se de quem praticamente já não tem nada. Permite-se o aprimoramento da exploração com a destruição de um direito construído por décadas, sem que ocorra a efetiva discussão social a respeito do tema.
Ao permitir que os “acordos” entabulados entre patrão e empregado se sobreponham à norma e tenham validade plena, coloca-se o trabalhador em uma posição ainda mais submissa (artigos 444 e 611A da CLT). Por óbvio, é natural que o obreiro aceite tudo o que lhe é imposto, como forma de preservar o seu trabalho. Não existirá negociação, mas sim imposição. Não é plausível conceder aos detentores do capital um grupo de trabalhadores hipossuficientes, carentes muitas vezes dos mais básicos direitos e pensar, de fato, que exista qualquer possibilidade de negociação. O hipossuficiente não possui condição de negociar cláusulas contratuais que lhe garantam uma troca justa pela venda de sua força de trabalho. O trabalhador, que até então possuía um ordenamento jurídico protetivo, passa a ser refém dos efeitos incontroláveis do capitalismo selvagem. A positivação da exploração é o que se observa.
Com a reforma trabalhista, cria-se uma lógica de apoio ao empreendedorismo e ao exercício da liberdade para negociar como base de sustentação da estrutura trabalhista. Na visão de Márcio Pochmann, observaremos o fim do trabalho como conhecemos, da sociedade salarial iniciada na década de 1930. Vão sair de cena os assalariados com carteira assinada, e entrar os PJs, os autônomos, os “empreendedores”. Ocorrerá a extinção da classe média assalariada. (Pochmann, 2018).
Dentro da nova lógica estabelecida, os homens são livres para renunciar direitos e se adequar às relações de trabalho existentes. Como pensar assim se o cenário nacional aponta para a verdadeira divisão de classes onde, poucos possuem tudo e muitos não possuem nada? Qual a liberdade possui um hipossuficiente para se ajustar? Experiência atual norte americana de liberdade para renúncia de direitos trabalhistas[7], por certo contribuirá com o aumento da desigualdade. Piketty constatou que a concentração de riqueza e renda norte americana cresce de maneira constante (PIKETTY, 2014, p. 338).
Importante também ressaltar a positivação do nefasto trabalho intermitente. Talvez a maior fonte desestruturante da sistemática trabalhista anteriormente vigente. De forma simples e objetiva, criou-se uma modalidade de trabalho onde o trabalhador receberá pelo tempo efetivo de trabalho, modalidade essa diferente da anterior que previa a segurança jurídica de vínculo e remuneração correspondente à referência mensal, 30 dias. O trabalho se dará mediante convocação prévia, artigo 452 A, da CLT. Assim, como em um passe de mágica, cria-se a possibilidade jurídica de contratação de trabalhador sem horários fixos, jornada mínima estabelecida, muito menos remuneração mínima garantida.
Nos termos do parágrafo terceiro do artigo 443 da CLT:
“Considera-se como intermitente o contrato de trabalho no qual a prestação de serviços, com subordinação, não é contínua, ocorrendo com alternância de períodos de prestação de serviços e de inatividade, determinados em horas, dias ou meses, independentemente do tipo de atividade do empregado e do empregador, exceto para os aeronautas, regidos por legislação própria.” (NR)
O trabalho intermitente proporciona uma relação de submissão infinita na medida em que condiciona o exercício do trabalho à conveniência e horários prévios estabelecidos pelo empregador. Se não existir o trabalho ou se não for de interesse do empregador, o empregado permanecerá em casa sem o recebimento de qualquer valor ou garantia, suspensão plena do contrato de trabalho. Quando for conveniente, existirá a convocação dos inúmeros trabalhadores intermitentes com vínculo. Provavelmente vários aceitarão a convocação, tendo em vista a oferta de mão de obra disponível e a necessidade de sobrevivência dos necessitados.
Garantia mínima, nem pensar. Se um trabalhador laborar por 20 horas em um determinado mês, receberá a quantia ínfima correspondente, tudo dentro da legalidade. Se fiquei à disposição do empregador por um dia inteiro, incluindo o tempo com deslocamento, e trabalhei efetivamente apenas 30 minutos, mais que natural que se receba pelos 30 minutos trabalhados, está na lei. Quantos empregos na modalidade de trabalho intermitente são necessários para que o trabalhador perceba uma remuneração correspondente a um salário mínimo, que lhe permitirá pelo menos ter acesso à proteção da previdência social?[8] Quantos empregos necessários para que se receba uma remuneração digna?
O trabalho intermitente é a materialização do domínio do capital sobre o ser humano. Passa a ser outorgado ao detentor do capital o poder discricionário sobre o trabalhador, considerando-se que este passará a se colocar em situação de extrema vulnerabilidade, situação de verdadeira submissão econômica. O senhorio detentor do capital passa ter o controle pleno sobre a forma de trabalho. Tal como ligar e desligar uma máquina, o trabalhador será alocado conforme critérios de conveniência e oportunidade.
Direitos sociais positivados como o direito à greve, limitação de jornada, sindicalização, preservação de garantias mínimas, foram conquistas sociais desenvolvidas para equilibrar a relação entre partes substancialmente desiguais, aqueles que detém o capital e aqueles que possuem como única ferramenta, a força de trabalho. Como já salientado, não é objeto do presente abordar todas as alterações ocorridas na legislação trabalhista nacional. O que aqui se busca, é trazer exemplos pontuais que confirmarão a tese inicial, qual seja, se a desigualdade social no contexto nacional é alarmante, legislação que restrinja garantias a direitos sociais, contribuirá para o aumento da desigualdade, eis a constatação. Em um cenário de discrepância econômica absurda, existirá separação de classe e dominação exercida por poucos. Dominador e dominado necessariamente sobreviverão sob o mesmo território, sendo difícil prever os contornos dramáticos que tal convivência trará, caso não existam políticas públicas de controle da desigualdade.
2.3 DE VOLTA À SERVIDÃO?
Na década de 80, popularizou-se nos Estados Unidos a prática bizarra intitulada “arremesso de anão”, onde pessoas de estatura normal, reunidas em bares, se deleitavam com a sensação de arremessar um ser humano portador de nanismo. Por óbvio, a moda norte americana conquistou vários adeptos, rompendo fronteiras, sendo “admirada” também no continente europeu, sobretudo na França. De um lado, pessoas normais em um momento de distração, dispostas a aproveitar intensamente a reunião, na maioria das vezes movidas a álcool ou outros estimulantes, sem nenhum tipo de incômodo, eram capazes de rebaixar e talvez humilhar um ser humano fisicamente diferente. Do outro lado o anão, consciente e anuente, teoricamente, exercendo a sua “autonomia de vontade”. Por certo, o anão envolvido, tal como qualquer outro ser humano, necessita de recursos para a sua sobrevivência. É difícil imaginar que o anão se sujeitaria a tal “brincadeira” se o mesmo não precisasse de dinheiro.
A “diversão” intitulada “arremesso de anão” sofreu diversas críticas de setores da sociedade que enxergaram na situação uma afronta à dignidade da pessoa humana. Em algumas cidades a prática foi considerada ilegal por legislação local. Em 27 de setembro de 2002, a Comissão das Nações Unidas para os Direito Humanos julgou pela legalidade da proibição da prática, decisão embasada em preceitos de preservação da dignidade da pessoa humana[9].
O famoso caso do “arremesso de anão” foi aqui evidenciado apenas com o intuito de demonstrar que, em uma sociedade baseada na desigualdade e no domínio financeiro exercido por poucos, inexistirão limites para a dependência econômica. Cada vez mais se aprofundará um abismo, separando os que possuem recursos, daqueles que não possuem. Necessitando de condições básicas de sobrevivência, é mais do que natural que os hipossuficientes se sujeitem a todo e qualquer tipo de trabalho ou exploração. A desigualdade social acentuada é sombria, produzindo também consequências graves em relação à violência, à criminalidade, ao racismo, ao ódio, dentre tantas outras mazelas sociais.
Uma vez identificado que poucos possuem muito, ou talvez tudo, é óbvio que os dominadores se apropriarão não só do trabalho, mas também dos corações e mentes dos dominados. Ou será que em algum momento existirá naturalmente uma crise de consciência humana no sentido da necessidade de distribuição de capital e renda? Seria utópico pensar assim.
Então, temos três constatações. Primeiro, o Brasil é um país extremamente desigual, dados públicos e disponíveis. Segundo que, conforme tese defendida por Thomas Piketty, referencial teórico da presente obra, não existe fator natural que reduza a desigualdade (PIKETTY, 2014, p. 31). Sendo assim, a mesma tende a se acentuar se não existir intervenção externa. Terceiro, as fontes externas que poderiam agir como forças convergentes[10], atuam exatamente em sentido oposto ao idealizar reformas estruturais como, por exemplo, a reforma trabalhista e a reforma previdenciária.
Levando-se em consideração as constatações acima, o resultado lógico é a instituição de uma nova forma de servidão, uma servidão econômica. A relação é quase que matemática. Explica-se. Se em um grupo de 100 pessoas, apenas 10 possuem acesso a bens e recursos financeiros, e cada vez mais, e de forma ilimitada, qual seria a situação fática das outras 90? Servir, por certo, pois necessitam da bondade e da oportunidade materialmente inerente ao grupo dos 10 mais abastados em lhe oferecer recursos mínimos ou migalhas para que possam sobreviver, simples assim.
E, se por ventura o grupo dos 90 não estejam dispostos a servir? Por certo buscarão outras formas de sobrevivência, afastando-se dos limites da civilidade, ocasionando violência, apologia ao ódio, segregação, convulsão social, entre outros fatores.
Em uma sociedade onde poucos tem tudo e muitos não tem nada, servir é a palavra chave. A servidão econômica se distinguirá da servidão feudal apenas pelo fato de que, teoricamente, no contexto da servidão econômica, os seres humanos são livres para ir e vir e se expressar. Em termos da sujeição de membros de um grupo social a outro, temos uma identidade assustadora.
Dentro do contexto da sobrevivência, o grupo dos 90 necessitarão servir. Claro que todo e qualquer trabalho merece respeito. No entanto, a constatação é de que os limites da dignidade já são ultrapassados nas diversas formas de trabalho já praticadas. E isso tende a se intensificar. Já se verifica a existência do pagador de promessa de aluguel, aquele indivíduo que vai até um determinado local pagar promessa alheia tendo em vista que o real promissor tem coisas mais importantes a fazer. Entre outras pérolas, passeador de cachorro de aluguel e a mula humana. De forma mais dramática, aumento na prostituição, sobretudo infantil, venda de órgãos, etc. Serão cada vez mais comuns anúncios do tipo: precisa-se de babá, magra, branca e de boa aparência, afinal de contas os senhorios necessitam ser bem servidos de acordo com as suas escolhas pessoais. Os limites da submissão são inimagináveis. E até quando os mais vulneráveis estarão dispostos a servir? Quais os limites?
Por outro lado, verifica-se também o aumento avassalador de indivíduos, não dispostos a servir, que simplesmente preferem viver a margem, na condição de indigente ou transgressor. O aumento no número de moradores de rua é perceptível nas grandes cidades. O aumento da violência é notório em todo o Brasil. O debate a respeito da desigualdade social já não pode ser conteúdo teórico acadêmico, acessível a poucos em nosso país, mas sim, um instrumento urgente e necessário, sob pena de adentrarmos em verdadeiro colapso social.
3 CONCLUSÃO
O aumento da desigualdade social é um fenômeno observado em todo o mundo. O caso brasileiro é alarmante. É difícil conceber a ideia de que praticamente toda a riqueza nacional é controlada por um seleto grupo e que mais de 50% da população não possui praticamente nada. Atenuar o problema através de políticas públicas adequadas é o que se espera. Concentrar as ações governamentais nas chamadas fontes de convergência, buscando a distribuição de riqueza e renda, efetuar mecanismos de controle do capital, além de primar pela difusão do conhecimento, são medidas mais que essenciais e urgentes.
A constatação de que o Brasil talvez caminhe no sentido inverso, de forma a acentuar o problema anunciado é um contrassenso. A promulgação de leis que restringem direitos dos mais pobres, em especial a reforma trabalhista, trata-se de retrocesso social. Sem o controle da desigualdade, a dignidade das pessoas será afetada, pois, a necessidade de sobrevivência, levará os menos favorecidos ao limite, quase sempre dispostos a servir. Em um contexto de dominação econômica, é natural que exista forte impacto na sociedade. Não se descarta o colapso social.
Advogado Militante. Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Contador. Bacharel em Ciências Contábeis pela Universidade Federal de Minas Gerais. Pós Graduado em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Universidade Gama Filho. Aluno de disciplinas isoladas de Mestrado na Bacharel em direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais
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