Direito Civil

Direito de Vizinhança e as Obrigações “Propter Rem”

Débora Garcia Santos – graduanda na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul (UEMS), membro efetivo da Empresa Junior e do Núcleo de pratica jurídica da mesma Universidade (deh.2511@gmail.com)

Mestre Delaine Souto – professora na Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul, bem como na Faculdade Integrada de Paranaíba (FIPAR), coordenadora dos núcleos de pratica jurídica de ambas as faculdades (dradelaine@hotmail.com)

 

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RESUMO: O presente trabalho versa sobre os ramos do Direito Civil fundamentando uma relação entre o Direito de vizinhança e o Direito das Obrigações. Assim sendo, a obrigação de fazer e de não fazer, bem como direito de vizinhança serão expostos e relacionados, com base nos preceitos legais inerentes a questão de passagem forçada, passagem de cabos e tubulações, águas comuns, árvores limítrofes, linha divisória, direito de tapagem e auxílio mutuo. A natureza jurídica destes direitos encontra-se fundada nas obrigações “propter rem”, “da própria coisa”.

Palavras- chave: direito civil; direito das coisas; direito de vizinhança; obrigações propter rem

 

Abstract:: The present work deals with the branches of Civil Law grounding a relationship between the Law of Obligations and the Right of Things. Therefore, the obligation to do and the right of neighborhood will be exposed and related based on the legal precepts inherent in the issue of forced passage and cables and pipes, common waters, border trees, dividing line and right of capping and mutual aid. The legal nature of these rights is based on the obligations propter rem, “of the thing itself”.

Keywords: Civil right; right of things; neighborhood right; obligation “propter rem”

 

SUMÁRIO: Introdução.  1.  Direito das Coisas.  2.  Direito de Vizinhança.  3.  Institutos do Direito de Vizinhança.  3.1. Arvores limítrofes.  3.2.  Passagem Forçada. 3.2.1.  Distinção entre passagem forçada e servidão de passagem.  3.3.  Passagem de cabos e tubulações.  3.4.  Águas comuns.  3.4.1.  Do curso natural das águas.  3.4.2.  Curso artificial das águas em prédio superior para o inferior.  3.4.3. Da Construção de Represamento D’Água e de aquedutos 3.5.  Linha divisória e direito de tapagem.  3.6.  Direito de construir.  3.7. Auxílio mutuo.  Considerações finais.  Referências bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

Este presente artigo, de natureza reflexiva, tem por finalidade última tecer e abordar algumas características do direito de vizinhança, uma vez que, o mesmo é matéria do cotidiano de inúmeras pessoas. Propriedade, em suma, se trata do direito real que proporciona a uma pessoa (proprietário) a posse de uma coisa, em todas as relações que a englobe, aqui está inserido o conceito de imóvel residencial. É inegável que a vizinhança entre imóveis de donos diferentes é causa de contenda. A lei tem que intervir, regulamentando vários aspectos que a mesma considerou importante.

Estabelece-se, portanto, uma vasta gama de relações jurídicas. Ledo engano se pensar que houve exagero do legislador ao abordar diversos aspectos, já que existem inúmeras lides envolvendo questões de vizinhança. Por detrás de fatos simples como árvores, escoamento ou acesso escondem-se verdadeiros conflitos que tender a perturbar a ordem social.

A criação e o amparo dos Direitos de Vizinhança nascem da inerente necessidade de se limitar a propriedade, havendo uma condição de subordinação de seu uso a respeito da propriedade de terceiros, isto é, se faz necessária a verificação do indivíduo na questão do uso seu imóvel para que esta utilização de forma alguma não invada os limites que possam afetar negativamente, direito de um terceiro.

A metodologia de pesquisa utilizada no presente trabalho tem como base uma vasta pesquisa bibliográfica contida em literaturas especializadas, quadros comparativos, doutrinadores consagrados e especialistas acerca do tema tratado, somado a uma gama de recursos e materiais digitais elucidativos e também uma observação mais atenta do cotidiano das relações de vizinhança aqui especificamente, tratadas.

O primeiro capítulo do artigo tratará do conceito do direito das coisas, sua fundamentação enquanto ramo do direito civil, bem como, a função social exercida pela propriedade e sua fundamentação legal.

Já o segundo capitulo versará sobre o conceito de direito de vizinhança trazendo seu conceito e se aprofundando nas questões que permeiam tal tema, assim como sua fundamentação e características inerentes.

Enquanto o terceiro capitulo abordará os institutos do direito de vizinhança: árvores limítrofes, passagem forçada, passagem de cabos e tubulações, águas comuns, linha divisória e o direito de tapagem, direito de construir e auxílio mutuo.

 

  1. DIREITO DAS COISAS

O direito das coisas consiste em um ramo do direito civil que tem por intuito regular as relações jurídicas entre particulares, referentes a bens moveis e imóveis, bem como suas formas de transmissão. O direito real se porta enquanto fundamento do direito das coisas, uma vez que,  em suma, consiste no conjunto de normas que regulam as relações jurídicas referentes aos bens imateriais ou materiais passiveis de apropriação pelo homem (suscetíveis de valor econômico)

Um importante e complexo instituto contido no direito das coisas é o de propriedade, um direito real sobre a coisa própria. Dentro da óptica capitalista quanto mais se protege a propriedade, em regra, mais se estimula o trabalho e a produção de riquezas em toda a sociedade, portanto, negar esse direito representaria um enfraquecimento no desenvolvimento socioeconômico. Porém, exercício do mesmo tem limites, já que, seria extremamente caótico e contrário a ordem social se tal faculdade fosse exercida plenamente por particulares, como bem salienta Cristiano Chaves:¨tais limites são legalmente estabelecidos embasados no interesse público¨.

Para Carlos Roberto Gonçalves, o direito de propriedade, embora um dos mais amplos, não é absoluto, como expressa: “O direito de propriedade, malgrado seja o mais amplo dos direitos subjetivos concedidos ao homem no campo patrimonial, sofre inúmeras restrições ao seu exercício, impostas não só no interesse coletivo, senão também no interesse individual. Dentre as últimas destacam-se as determinadas pelas relações de vizinhança.” (2008, p.325)

A função social da propriedade se concretiza através do exercício da posse. Tal direito é garantido constitucionalmente portando-se como um direito fundamental. Normas que tutelam o cumprimento da função social e as que penalizam seu descumprimento integram o conjunto que representa a instituição da  propriedade no direito brasileiro. O Art.1228, CC fala desapropriação do propriedade para utilidade pública ou interesse social.

 

  1. DIREITO DE VIZINHANÇA

Inserido em tal contexto, o direito de vizinhança, tratado no presente artigo, é uma clara expressão da limitação do exercício do direito de propriedade, como bem salienta  Washington de Barros Monteiro: “A propriedade deve ser usada de tal maneira que torne possível a coexistência social. Se assim não se procedesse, se os proprietários pudessem invocar uns contra os outros seu direito absoluto e ilimitado, não poderiam praticar qualquer direito, pois as propriedades se aniquilariam no entrechoque de suas várias faculdades”. (2010, p.135)

Os direitos de vizinhança são normas legais que têm por finalidade regular a relação jurídica e social já existente entre os titulares de direito real sobre imóveis, uma vez que, a proximidade geográfica entre os prédios ou entre apartamentos num condomínio de edifícios é concreta e presente.

Ao tratar dos deveres jurídicos que originam as relações de vizinhança, salienta-se os de tolerância, ou seja, são obrigações impostas a um determinado proprietário em relação a interferência de outros em sua esfera jurídica vindo a realizar atos que ele teria possibilidade de rechaçar. Quanto aos demais, se portam como deveres de abstinência, ou seja, privações de atos que poderiam atingir o bem jurídico ou o particular vizinho.

Como já dito exaustivamente, o direito de vizinhança se porta como um ramo do direito civil que se ocupa com os conflitos existentes entre os particulares que possuem propriedades próximas. Em suma, não existe a necessidade de os imóveis serem contíguos, basta serem próximos e que haja uma interferência, sendo está proibida pelas regras que tutelam o direito de vizinhança. Explica de forma elucidativa tal fato Washington de Barros Monteiro: “A vizinhança é um fato que, em Direito, possui o significado mais largo do que na linguagem comum. Consideram-se prédios vizinhos os que podem sofrer repercussão de atos propagados de prédios próximos ou que com estes possam ter vínculos jurídicos. São direitos de vizinhança os que a lei estatui por força desse fato”. (2010, p. 143)

A vizinhança é fonte de inúmeros conflitos cotidianamente, para isso, viu-se a necessidade de estabelecer regras que limitem a faculdade de usar e gozar por parte de proprietários e possuidores de prédios vizinhos. Esse conjunto de regras compreende o direito de vizinhança, que visa, portanto, a satisfação de interesses de proprietários opostos, efetivando-se por meio das limitações ao uso e gozo.

 

  1. PARTE ESPECIAL DO DIREITO DE VIZINHANÇA

Alguns institutos estão inseridos no Direito de Vizinhança e merecem destaque, dentre eles se pode salientar as arvores limítrofes, passagem forçada, cabos e tubulações, águas comuns, linha divisória e o direito de tapagem, direito de constituir, bem como o auxílio mútuo. Estes possuem uma relação intrínseca com o direito das obrigações, uma vez que podem ser classificados como obrigações ambulatórias ou “propter rem”, ou seja, elas seguem as coisa, independe do seu titular, as mesmas restringem o exercício do direito de propriedade.

A parte especial do direito de vizinhança está especificada no Código Civil de 2002 e versa sobre os temas que implicam em consequências concretas e não remotas aos particulares intitulados vizinhos.

 

3.1. Arvores limítrofes

Dentre tais institutos a questão das arvores limítrofes, onde se presume co-propriedade ou condomínio das árvores cujos troncos se encontrem nos limites de dois imóveis, merece destaque. Ademais, ainda se faz relativa a citação de duas regras: a de cortar raízes e galhos que possam vir a invadir a propriedade vizinha e a titularidade dos frutos produzidos pela árvore.

Os artigos 1283 e 1284, do Código Civil, afirmam que é de direito do proprietário que tiver sua propriedade invadida por ramos e galhos vir a cortá-los, sempre observando a ressalva das leis ambientais. Fabio Ulhôa Coelho, em sua doutrina afirma: “Quando o tronco está na divisa de duas propriedades, isto é, situa-se parte no imóvel de um sujeito e parte no de outro, a árvore, presume-se da propriedade comum deles (CC, art. 1.282). Da comunhão decorre que nenhum dos proprietários, sem o consentimento do outro, poderá derrubá-la (art. 1.297, § 2º) ou mesmo cotar-lhe os ramos ou as raízes. Decorre também que devem repartir as despesas com a manutenção da planta, como as relacionadas à poda, adubagem, combate a fungos e outras. Além do mais, é consequência da comunhão a repartição dos frutos por ela gerados em partes iguais para os dois, independentemente de quem os colha ou de onde venham a cair naturalmente. Derrubada de comum acordo, por fim, dividirão os comunheiros a madeira”. (2006, p. 172).

Quanto aos frutos, a lei afirma que enquanto os mesmos estiverem na árvore, pertencerão ao possuidor da propriedade em que encontram-se fundadas as raízes da arvore. No direito civil temos o princípio da gravitação jurídica, que bem se aplica, onde, em regra, o bem acessório segue o bem principal, a previsão legal do mesmo encontra-se no artigo 92 do Código Civil. Carlos Roberto, na parte geral, no livro dos bens, em sua doutrina de Direito Civil aponta duas importantes regras decorrentes da questão do bem acessório que acompanha o principal: “A) A natureza do acessório é a mesma do principal. Se o solo é imóvel, a árvore a ele anexada também o é. Trata-se do princípio da gravitação jurídica, pelo qual um bem atrai outro para sua órbita, comunicando-lhe seu próprio regime jurídico. B) O acessório acompanha o principal em seu destino. Assim, extinta a obrigação principal, extingue-se também a acessória; mas o contrário não é verdadeiro.” (2010, p. 286)

Uma ressalva deve ser feita acerca dos frutos se os mesmos caírem naturalmente em solo distinto daquele detentor das raízes os mesmos pertencerão aos proprietários do solo em questão, já aqueles que não caírem naturalmente em solo distinto do que abriga as raízes, não pertencerão a aquele que provocou a queda dos mesmos, bem como, se os frutos caírem, ainda que naturalmente, em uma propriedade de domínio público, ainda sim, pertencerão ao detentor da propriedade em que a raiz encontra-se findada.

 

3.2. Passagem forçada

A passagem forçada, de que se fala no art. 1285 do Código Civil Brasileiro: “ O dono do prédio que não tiver acesso a via pública, nascente ou porto, pode, mediante pagamento de indenização cabal, constranger o vizinho a lhe dar passagem, cujo rumo será judicialmente fixado, se necessário”. Trata-se de direito do proprietário ao qual o vizinho não é dotado do direito de se opor. Proprietário, usufrutuário, usuário, habitador ou possuidor tem legitimidade para pedir passagem.

Segundo Roberto de Ruggiero, a passagem obrigatória é “uma das mais fortes limitações derivadas de vizinhança” (2005, p. 497) já que tende a obrigar o proprietário a deixar o vizinho, que tem seu prédio encravado, passar pela sua propriedade. O direito de passagem forçada encontra-se embasado na questão da solidariedade: “deve presidir as relações de vizinhança e a necessidade econômica de se aproveitar devidamente o prédio encravado. O interesse social exige que se estabeleça passagem para que o imóvel não se torne improdutivo”. (MONTEIRO, 2003, p. 141)

 

3.2.1.  Distinção entre passagem forçada e servidão de passagem.

Vale a pena diferenciar a passagem forçada da servidão de passagem, para bem se compreender. A primeira diferenciação pode ser feita de acordo com a natureza jurídica, enquanto o primeiro se porta como um instituto do direito de vizinhança o segundo se porta como um direito real na coisa alheia de gozo ou fruição.

Outra diferença crucial, que deve ser exposta, é a questão de a passagem forçada ser possuidora de um caráter obrigacional, pois, o mesmo tem previsão legal, ou seja, força de lei. Enquanto, a servidão de passagem é possuidora de uma caráter facultativo, uma vez que, trata-se de um direito real concretizado através de um negócio jurídico que emana da vontade das partes.

Assim sendo, haverá um pagamento de caráter indenizatório na questão do descumprimento da passagem forçada, algo previsto legalmente, já na questão da servidão de passagem uma contraprestação onerosa dependerá do acordado entre as partes, podendo ser, gratuita.

Outra diferença significativa reside no fato de que na passagem forçada exige, necessariamente, um prédio encravado, ou seja, aquele que não possui acesso a via pública, porto ou nascente; Já na servidão de passagem essa situação não necessariamente, ocorre, uma vez que acordados podem institui-la para simplesmente, facilitar um acesso a um outro imóvel ou via pública.

Por fim, outro aspecto relevante diz respeito a questão processual, uma vez que, a ação que visa criar a passagem forçada é chamada de ação de passagem forçada; já a ação que visa instituir a servidão de passagem é chamada de ação confessória.

 

3.3.  Passagem de cabos e tubulações.

O Código Civil, em seu artigo 1286, versa sobre a questão da passagem de cabos e tubulações, embasado na lógica da função social da propriedade, advertindo que, quando a passagem, for de interesse público e indispensável, de cabos, tubulações e outros condutos subterrâneos de serviços de utilidade pública (esgoto, rede elétrica, telefonia etc), a mesma será obrigatória. Versa a respeito do tema Luis Gonzaga Adolfo: ‘O proprietário é obrigado a admitir a passagem através de seu imóvel por se tratar de serviços públicos essenciais, tais como água, luz, telefonia e gás. Novamente, prepondera o interesse social dos vizinhos; no entanto, a utilidade pública só se estabelecerá quando de outro modo não for possível, ou excessivamente onerosa, e não se estenderá ao espaço aéreo ou à superfície”. (2017, p. 05-06.)

A passagem dos cabos e tubulações é passível indenização, com o detalhe de que esta também deve compreender a desvalorização da área remanescente. Portanto, a indenização engloba tanto as questões imediatas (área efetivamente ocupada) como as restrições mediatas (desvalorização da área remanescente).

A quantia indenizatória deverá ser proporcional à desvalorização sofrida pelo imóvel ou ainda ao prejuízo sofrido em função da impossibilidade de se poder desfrutar da propriedade em questão para se perpetuar o bem- estar do proprietário, se reduzido o potencial do prédio bem como pela produção de ruídos ou até pela emissão de gases decorrentes das tubulações. Maria Helena Diniz o que “o proprietário prejudicado pode exigir que a instalação seja de modo menos gravoso ao prédio onerado, bem como, depois, seja removida, à sua custa, para outro local do imóvel”. (2011, p. 234).

Como bem salienta Farias Rosenval acerca da questão indenizatória: “A Indenização decorre de responsabilidade objetiva, assim sendo, sendo bastante o prejuízo derivado da passagem de cabos, podendo somar-se ao valor da indenização o eventual prejuízo pela desvalorização da área remanescente do imóvel”. (2011, p. 197)

A passagem deve ser feita com a menor onerosidade possível ao prédio em questão e, se vier a oferecer risco grave, é de direito do proprietário do prédio onerado exigir a realização de obras de segurança (art. 1.287), fato esse que pode ser obtido por meio de uma ação dano infecto.

 

3.4. Águas comuns

A água é um dos bens cada vez mais preciosos da humanidade e deverá ser entendida sempre como um bem ambiental, na forma do art. 225 da CF/88. Para Carlos Roberto Gonçalves: “Importância das águas, não só no cotidiano das cidades, como especialmente na zona rural papel de relevo que a água desempenha na economia e na vida das pessoas fez com que, desde os tempos mais antigos, as grandes cidades se desenvolvessem às margens de algum rio”. (2012, p. 363)

Maria Helena Diniz, em sua ilustre doutrina, tece comentários que levam a acreditar que a mesma concorda com Gonçalves ao informar que: “Ante o grande valor das águas pelo papel que têm na satisfação das necessidades humanas e no progresso de uma nação, impõe-se a existência de normas idôneas para atender a esses reclamos e solucionar os conflitos que, porventura, surgirem.” (2011, p. 264)

Os direitos e obrigações concernentes às águas também são passíveis de regulamentação e vale a pena salientar. O regime das águas é legalmente estabelecido pelo Código de Águas de 1934, tal é constituído por normas que criam direitos e deveres para seus proprietários sob a ótica de uma política que tem por finalidade harmonizar os interesses, função do lugar onde as águas nascem e passam.

Ainda sobre o assunto, a Constituição de 1988 alterou o regime anterior, fazendo com que o domínio das águas passasse a ser público, da União ou dos Estados, se faz importante ainda mencionar papel que deve ser exercido pelos municípios, relativo a proteção e uso das águas.  Existe todo um aparato jurídico que deve ser levado em consideração acerca do direito das águas.

O Código Civil regulamente acerca do tema nos artigos 1288 a 1296 estabelecendo os direitos e deveres presentes entre o proprietário de um terreno que se situa geograficamente acima de outro prédio (prédio superior e prédio inferior). Regula também o direito de construção de aquedutos para o represamento e aproveitamento de águas bem como, o direito de passagem das tubulações pelos prédios contíguos e vizinhos. Em cada um dos casos especificados, a lei estabelece se haverá ou não indenização, dentre outras regras específicas.

 

3.4.1. Do curso natural das águas

Por uma questão gravitacional, a água tende a percorrer um caminho que começa em uma montanha ou relevo mais alto e vai transitando até um ponto mais baixo, em que o relevo é menos acidentado. Assim sendo, estabelece o Código Civil que o proprietário do prédio situado no relevo menos acidentado, ou seja, o prédio inferior, é obrigado a receber as águas que transitam de maneira natural. Por se tratar de uma questão que tem força da natureza envolvida, tal fato, não assiste princípio indenizatório. O proprietário do local em que se abriga a nascente ou solos em que caem águas pluviais, ao sanar seu consumo, fica compelido, por força de lei a desviar o curso das mesmas para prédios inferiores. Ainda dentro do curso natural da água, estabelece o artigo 1.291: “Art 1.291.Possuidor do imóvel superior não poderá poluir as águas indispensáveis às primeiras necessidades da vida dos possuidores dos imóveis inferiores; as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas”

Carlos Roberto Gonçalves acredita que a referida regra representa uma importante inovação, pois proíbe a poluição, e, se esta ocorrer, obriga o poluidor a recuperar as águas poluídas, sob pena de pagamento de indenização. Entretanto, Tartuce crítica a última parte do dispositivo legal: “A parte final do último dispositivo é altamente criticável, pois expressa que as demais, que poluir, deverá recuperar, ressarcindo os danos que estes sofrerem, se não for possível a recuperação ou o desvio do curso artificial das águas. Ora, a lei está admitindo, em sua literalidade, a possibilidade de poluição de águas, tidas como não essenciais, algo inadmissível em tempos atuais, diante da constante preocupação com o Bem Ambiental, o que culmina na adoção dos princípios da precaução e da prevenção. Nesse contexto, o dispositivo acaba por ferir a ampla proteção legislativa do meio ambiente, sobretudo a que consta do art. 225 da Constituição e da Lei 6.938/1981”.(2015, p.247)

Um dos maiores problemas deste século está relacionado à água, cada vez mais escassa, no ano de 2014 foi necessário diminuir o gasto de água pela maior parte da população brasileira uma vez que a falta de chuva causou a redução de água nos reservatórios de distribuição. Várias pessoas acreditam ser um bem inacabável, portanto, a água é muitas vezes utilizada de maneira irregular e até mesmo interrompida em seu curso natural. Assim sendo, não se mostra cabível uma interpretação aberta do dispositivo, o mesmo não poderia de maneira alguma, em sua redação deixar a entender que se pode poluir.

 

3.4.2. Curso artificial das águas em prédio superior para o inferior

Quando se trata de um desvio artificial, a situação muda e o Código Civil em seu Art. 1289, parágrafo único salienta que:” Art. 1298. Quando as águas, artificialmente levadas ao prédio superior, ou aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste reclamar que se desviem, ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer. Parágrafo único. Da indenização será deduzido o valor do benefício obtido”

Ou seja, qualquer atuação antrópica em que as águas, artificialmente sejam levadas ao prédio superior, ou aí colhidas, correrem dele para o inferior, poderá o dono deste reclamar que se desviem, ou se lhe indenize o prejuízo que sofrer. Da indenização será deduzido o valor do benefício obtido cursos de água em direção ao prédio inferior, concede ao seu morador o direito de exigir que elas sejam desviadas ou, ainda, caso as aceite, receba um princípio indenizatório pelos possíveis prejuízos que sofra e pela desvalorização do imóvel.

Entretanto, deverá ser abatido na indenização o valor do benefício obtido pelo proprietário do prédio inferior, corriqueiramente em decorrência do excedente do volume de água que possa irrigar a plantação ou dessedentar o gado.

 

3.4.3.  Construção de Represamento D’Água e de Aquedutos

Salienta o Código Civil em seu artigo 1292 que: “O proprietário tem direito de construir barragens, açudes, ou outras obras para represamento de água em seu prédio; se as águas represadas invadirem prédio alheio, será o seu proprietário indenizado pelo dano sofrido, deduzido o valor do benefício obtido”.

Tal diz respeito ao represamento e a construção de aquedutos. O primeiro se realiza através da construção de barragens e açudes para represar a água. Obviamente, que se esta água vier a atingir imóvel alheio e causar danos ao seu proprietário, este deverá ser indenizado. Como bem alerta Flávio Tartuce: “não pode gerar danos ao meio ambiente, havendo necessidade de fiscalização das atividades pelas autoridades administrativas, com o Estudo de Impacto Ambiental e o Relatório de Impacto ao Meio Ambiente” (2015, p. 320).

O direito de construção do aqueduto é disciplinado no art. 1.293 do CC, que assim prescreve: É permitido a quem quer que seja, mediante prévia indenização aos proprietários prejudicados, construir canais, através de prédios alheios, para receber as águas a que tenha direito, indispensáveis às primeiras necessidades da vida, e, desde que não cause prejuízo considerável à agricultura e à indústria, bem como para o escoamento de águas supérfluas ou acumuladas, ou a drenagem de terrenos

Vale salientar que ao proprietário prejudicado cabe sim ressarcimento dos danos provenientes da infiltração ou irrupção das águas, bem como da deterioração das obras destinadas a canalizá-las. Embasado do princípio da menor onerosidade pode o proprietário prejudicado fazer a exigência de que seja subterrânea a canalização que atravessa áreas edificadas, pátios, hortas, jardins ou quintais, portanto, deve o aqueduto ser construído de maneira que cause o menor prejuízo aos proprietários dos imóveis vizinhos.

Maria Helena Diniz trata da questão das aguas pluviais, ou seja, aquelas advindas das chuvas e lembra que: “Se as águas pluviais caírem em área pública pertencerão ao domínio da coletividade e, desta maneira, serão de uso comum, podendo ser usadas pelo proprietário ou possuidor de todo e qualquer terreno por onde passarem nos limites do art. 107 do Código das Águas, vedado o represamento destas, salvo pela Administração Pública”. (2011, p. 304)

Com relação às águas pluviais, o Código de Águas estabelece que pertencem ao prédio em que caírem diretamente, podendo o dono do terreno dispor livremente, salvo existindo direito alheio em sentido contrário, nem podendo ser estas águas desviadas de seu curso natural, estando o infrator sujeito a responder por perdas e danos e ser compelido a desfazer as obras erguidas para o desvio da água.

 

3.5.  Linha divisória e direito de tapagem

O artigo 1.297 que estabelece o direito de tapagem e impõe obrigações aos confinantes no sentido de contribuírem para a exata demarcação dos terrenos contíguos: “O proprietário tem direito a cercar, murar, valar ou tapar de qualquer modo o seu prédio, urbano ou rural, e pode constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas’

Segundo Nelson Rosenvald e Cristiano de Farias Chaves: “Não se cogita das razões do proprietário, suficiente é o desejo de realizar a obra. A tapagem concretiza o atributo da exclusividade da propriedade”(2011.p 197). Em termos mais simples, é o direito de cercar, murar ou tapar o prédio, em consonância com as normas administrativas.

Além disso, o artigo 1.297 também assegura o direito ao proprietário de: “Constranger o seu confinante a proceder com ele à demarcação entre os dois prédios, a aviventar rumos apagados e a renovar marcos destruídos ou arruinados, repartindo-se proporcionalmente entre os interessados as respectivas despesas”.

 

3.6. Direito de construir

O direito de construir, fixa, no artigo 1.299, como regra geral, a possibilidade de o dono do imóvel levantar a construção que lhe aprouver. De início, o mesmo pode construir como quiser, desde que, respeitas as normas gerais de direito de vizinhança, bem como, regulamentos de nível municipal relativos ao controle de zoneamento e de definição daquela propriedade em questão.

Acerca dos limites de se construir, observa Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald: ‘Há muito já sucumbiu o cenário em que o proprietário arbitrariamente definia quando, como e o quê construir. Não tardará o momento em que o direito de construir será destacado do direito subjetivo de propriedade, para se converter em uma concessão da municipalidade, ao delinear o regime jurídico de utilização do solo. Para o civilista conservador esta afirmação seria uma agressão, pois não se poderia conceber a propriedade desfalcada da essência de umas de suas maiores faculdades, o que implicaria em um “soco no estômago” da autonomia privada de seu titular” (2011, p.209)

Venosa afirma que a construção de prédio pelo proprietário é direito seu, inserido no‘ius fruendi’(2012, p.198).No entanto, o direito individual deve ser equacionado com o direito social, o direito de construir deve sofrer limitações, uma vez que, que representar prejuízo à segurança, sossego e saúde da vizinhança.

Estas limitações e restrições não são representadas apenas pelas determinações dos direitos de vizinhança, mas também pelas regras administrativas, que cabem ao Município já que cada um possui suas particularidades. (ex: há a proibição de construção de prédios com mais de “x” metros de altura – a depender de cada cidade – pois em caso de incêndios, o Corpo de Bombeiros não estaria habilitado a agir, por não estar equipado para lidar com esta altura).

Para se defender de construções que infringirem normas regulamentares e preceitos de direito civil, pode o prejudicado, no prazo decadencial de ano e um dia, após a conclusão da obra, propor ação demolitória.

O juiz, caso verifique ser impossível conservar ou adaptar a obra aos regulamentos administrativos, ou ainda verificar a existência de vícios insanáveis, ordenará a demolição da obra, como medida de último caso. Além da demolição, deverá ser fixada a indenização em perdas e danos, caso pedida.

Conclui-se, finalmente, que o proprietário poderá edificar em sua propriedade como bem entender, mas não poderá, sob nenhum argumento, prejudicar o direito de outrem retirando a sua paz, sossego ou afrontando a saúde dos que vivem nas proximidades da sua obra.

 

3.7. Auxilio mútuo

O Artigo 1313 do Código Civil afirma que:

“ O proprietário ou ocupante do imóvel é obrigado a tolerar que o vizinho entre no prédio, mediante prévio aviso, para: I – dele temporariamente usar, quando indispensável à reparação, construção, reconstrução ou limpeza de sua casa ou do muro divisório; II – apoderar-se de coisas suas, inclusive animais que aí se encontrem casualmente. § 1o O disposto neste artigo aplica-se aos casos de limpeza ou reparação de esgotos, goteiras, aparelhos higiênicos, poços e nascentes e ao aparo de cerca viva. § 2o Na hipótese do inciso II, uma vez entregues as coisas buscadas pelo vizinho, poderá ser impedida a sua entrada no imóvel. § 3o Se do exercício do direito assegurado neste artigo provier dano, terá o prejudicado direito a ressarcimento”

A tolerância deve ser baseada nos seguintes requisitos: deve ser temporário, mediante a aviso prévio e indispensável o ingresso na propriedade vizinha. Se o tal ingresso vir a causar algum dano ou perturbação cabe o princípio indenizatório.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Os problemas que envolvem vizinhos são mais antigos do que se pode imaginar, uma vez que, a propriedade advém desde os primórdios das civilizações, e consequentemente, também seus problemas. O ser humano, por viver em sociedade, em função do pacto social, é obrigado a obedecer os preceitos legais necessários que viabilizam uma pacifica convivência social.

Através do conteúdo explanado, a respeito da propriedade fica claro que o direito não é total e pleno, estando assim, o proprietário mitigado pelo direito de vizinhança sendo obrigado a observar as normas do direito privado bem como os regulamentos administrativos.

O trabalho teve como pressuposto conhecer os temas mais comuns relacionados ao âmbito do direito de vizinhança, bem como seus regras e fundamentações legais inerentes a propriedade, ou seja, as obrigações “proper rem” que neste foram esplanadas. Os chamados direitos de vizinhança, decorrem da convivência, uma vez que a proximidade de imóveis é inevitável, nascem com a apropriação da terra e conservam suas origens.

Pelo presente estudo foi possível perceber que as relações de vizinhança implicam em direitos e deveres; de um lado há o direito de uso, gozo e usufruto da propriedade, e de outro o dever de utiliza-la de forma lícita, regular e normal. Os direitos de vizinhança, portanto, são instituídos para definir os critérios de licitude do uso da propriedade, além de dirimir os conflitos que porventura surjam das relações de proximidade e do exercício deste direito.

O direito do proprietário é limitado pelo direito do proprietário vizinho, assim sendo, é de competência do ordenamento jurídico determinar o quê cada um pode fazer e o quê cada um pode impedir. A esse respeito, a técnica legislativa se embasa em preceitos e costumes de cunho milenar.

Sempre que o exercício do direito de propriedade do imóvel se chocar com o exercício do direito de outrem surge para os legisladores o problema de técnica jurídica fundamentado na existência de interesses agregados, ou seja, interesses conflitantes. A solução deve ser no sentido de se limitarem, por um lado, a faculdade de exercício e, por outro, a de exclusão. Daí nascerem direitos e deveres de vizinhança, bem como as obrigações “propter rem”.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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