Resumo: Nesta pesquisa realizou-se um breve estudo acerca das diretivas antecipadas, instrumento que pode assegurar a vontade do paciente terminal em morrer com dignidade. Para tanto, foi tratado o conceito e origem das diretivas antecipadas; as situações nas quais este documento pode ser utilizado; e análise do projeto de lei n.524/2009, o qual legaliza as diretivas antecipadas.
Sumário: 1. Origem e conceito de diretivas antecipadas; 2. Relação médico-paciente e diretivas antecipadas nas situações de terminalidade da vida; 3. O Projeto de Lei n. 524/2009.
1 ORIGEM E CONCEITO DE DIRETIVAS ANTECIPADAS
Frente aos grandes avanços na Medicina, principalmente com o desenvolvimento de tratamentos que visam prolongar o evento morte, discute-se acerca do direito do paciente em manifestar a sua vontade em relação a estes em situações de incapacidade.
Corrobora-se, assim, a possibilidade de se constituir um instrumento que conste o interesse ou não do indivíduo em se submeter a terapêuticas médicas, o qual tenha validade caso o paciente esteja incapaz de manifestar a sua vontade.
Neste sentido, surgiu as Diretivas Antecipadas, que se vinculam a possibilidade do paciente manifestar previamente sua vontade acerca de quais tratamentos médicos quer ou não se submeter caso futuramente estiver em estado de incapacidade.
As Diretivas Antecipadas, denominadas de Advences Directives, estão previstas na PSDA – The Patient Self-Determination Act ou Ato de Auto-Determinação do Paciente, lei aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos que entrou em vigor a partir de 1º de dezembro de 1991.
Esta lei reconhece a recusa do tratamento médico, reafirmando a autonomia do paciente, em que da sua entrada nos centros de saúde, serão registradas as objeções e opções de tratamento em caso de incapacidade superveniente do doente. Estas manifestações de vontade, diretivas antecipadas, são realizadas de três formas: o living will (testamento em vida), documento o qual o paciente dispõe em vida os tratamentos ou a recusa destes quando estiver em estado de inconsciência; o durable power of attorney for health care (poder duradouro do representante para cuidados com a saúde), documento no qual, por meio de um mandato, se estabelece um representante para decidir e tomar providências em relação ao paciente; e o advanced core medical directive (diretiva do centro médico avançado), que consiste em um documento mais completo, direcionado ao paciente terminal, que reúne as disposições do testamento em vida e do mandato duradouro, ou seja, é a união dos outros dois documentos.
O termo living will, cuja tradução literal para o português corresponde a “testamento vital”, surgiu nos EUA, em 1967. O testamento vital prevê os procedimentos médicos aos quais o paciente não gostaria de se submeter, se algum dia estiver incapaz de manifestar sua vontade, seja por estar inconsciente ou por estar em um estado terminal, do qual poderá decorrer a incapacidade.
Entrementes, critica-se o termo “testamento vital”, devido ao sentido de testamento no Brasil. Visto que este instrumento trata-se de um ato unilateral de vontade, com eficácia pós morte, não seria a nomenclatura correta, considerando que o testamento vital possui eficácia em vida.
Adota-se, portanto, a nomenclatura “declaração prévia de vontade”, sugerida por Luciana Dadalto Penalva (2009).
2 RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE E DIRETIVAS ANTECIPADAS NAS SITUAÇÕES DE TERMINALIDADE DA VIDA
A relação médico-paciente consiste precipuamente em um contrato de prestação de serviços, no qual são estabelecidos direitos e obrigações entre as partes, em que o profissional médico, via de regra, utilizará de todos os recursos e meios necessários para restabelecer a saúde do paciente que requer os seus cuidados.
Ocorre que esta relação vai além de um vínculo contratual, pois os deveres do médico para com o paciente devem ser sempre pautados na ética e no respeito à pessoa, já que o objeto do contrato é o próprio paciente.
Neste contexto, aplica-se a Bioética na relação médico-paciente, a qual surge intrinsecamente ligada ao conhecimento biológico, “(…) buscando o conhecimento a partir do sistema de valores” (SÁ; NAVES, 2009, p.2).
Hoje, de paciente passou-se à cliente, aquele que sabe e exige os seus direitos, que participa na tomada de decisões junto ao profissional médico.
Como nem sempre avanço e evolução estão ligados somente a benefícios, com este rápido desenvolvimento da tecnologia na área médica, surgiu uma desproporção entre os conhecimentos técnicos adquiridos e os aspectos humanísticos e éticos na formação do profissional médico.
Elio Sgreccia (1996, p.111) trata desta desproporção, ao explicar o problema da falta da humanização da medicina. Segundo o autor, há quem entenda essa expressão como a importância da relação intersubjetiva entre o paciente e o pessoal da saúde diante da invasão da tecnologia ou da massificação dos hospitais.
Todavia, deve-se entender que o dever de salvar vidas não é salvá-la a qualquer custo, mas garantir a dignidade do doente, tratando-o como pessoa.
Neste sentido, as diretivas antecipadas entram na relação médico-paciente como meio para que a autonomia privada do paciente, antes de um possível estado de incapacidade, possa ser exercida, assegurando a sua dignidade e autodeterminação. Ainda, direcionará o profissional médico e sua equipe para que seja empregado o tratamento e cuidados previamente escolhidos pelo próprio paciente.
Deve-se ressaltar que as diretivas antecipadas servirão de meio hábil a resguardar o médico de eventual responsabilização ao fazer ou não fazer uso dos tratamentos e cuidados dispensados pela escolha prévia do paciente ainda capaz.
Nesta seara, o Novo Código de Ética Médica, a Resolução n. 1.931 de 24 de setembro de 2009, em vigor desde 13 de Abril de 2010, trouxe significativas inovações, principalmente em alguns artigos, onde se subentende a possibilidade da formalização e validade das diretivas antecipadas entre médico e paciente, conforme a seguir:
“Capítulo I
XXI – No processo de tomada de decisões profissionais, de acordo com seus ditames de consciência e as previsões legais, o médico aceitará as escolhas de seus pacientes, relativas aos procedimentos diagnósticos e terapêuticos por eles expressos, desde que adequadas ao caso e cientificamente reconhecidas. (grifo nosso) […]
É vedado ao médico
Art. 24. Deixar de garantir ao paciente o exercício do direito de decidir livremente sobre sua pessoa ou seu bem-estar, bem como exercer sua autoridade para limitá-lo. (grifo nosso) […]
Art. 41. Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.
Parágrafo único. Nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal. (grifo meu) […]” (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2009).
Vislumbra-se, portanto, ante o exposto, da aplicabilidade das diretivas antecipadas na relação médico-paciente, tornando este último partícipe da tomada de decisões acerca da sua própria saúde, pois ninguém melhor que o próprio paciente-cliente, sujeito e detentor de autonomia, para decidir acerca de qual tratamento ou não deseja submeter-se em um possível estado de incapacidade.
Para tanto, devido o paciente não possuir conhecimento técnico-científico, faz-se mister que o médico lhe fornece e esclareça todas informações para que possa tomar a decisão mais adequada, por meio do consentimento informado livre e esclarecido[1], o qual consiste na exposição pelo médico de todas as terapêuticas possíveis a que o paciente possa se submeter, informando-lhe os riscos e benefícios em linguagem acessível, para que o paciente livremente possa escolher se quer ou não se submeter aquele determinado tratamento. O consentimento informado deve ser, via de regra, escrito, para a segurança de ambas as partes.
Neste sentido, não se deve entender que o dever de salvar vidas não é salvá-la a qualquer custo, mas garantir a dignidade do doente, tratando-o como pessoa, e não como instrumento de uma terapêutica inútil e que cause mais dores e sofrimentos ao paciente terminal, configurando a distanásia.
A Constituição da República de 1988 nos revela que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do nosso Estado. Desta forma, na medida em que a estes doentes não tem mais chance de cura, e para evitar tratamentos que lhe causem mais dores e sofrimentos que somente prolongam a morte, deve ser-lhes dado o direito de morrer com dignidade[2].
É importante ressaltar que em um determinado momento o paciente em estado terminal ficará inconsciente ou incapaz de manifestar sua vontade. Nesse ponto, destaca-se a importância das Diretivas Antecipadas como instrumento pelo qual o indivíduo poderá declarar previamente sua vontade quanto à submissão ou não a determinados tratamentos médicos que vão somente prolongar a sua morte causando-lhe mais dores e sofrimentos inúteis, facultando-lhe, portanto, em optar por um morrer digno.
3 O PROJETO DE LEI N. 524/2009
O projeto de lei do Senado brasileiro n. 524/2009, de autoria do senador Gerson Camata, visa dispor sobre os direitos em fase terminal de doença. Este documento tem objetivo de regulamentar a prática da ortotanásia, via devido processo legislativo, ampliando a participação do Parlamento brasileiro no assunto.
O referido projeto basicamente possui os mesmos dispositivos da Resolução n. 1.805/2006 do CFM, porém de forma mais detalhada.
No que tange às diretivas antecipadas o projeto de lei em seu artigo 6º dispõe que:
“Art. 6º Se houver manifestação favorável da pessoa em fase terminal de doença ou, na impossibilidade de que ela se manifeste em razão das condições a que se refere o § 1º do art. 5º, da sua família ou do seu representante legal, é permitida, respeitado o disposto no § 2º, a limitação ou a suspensão, pelo médico assistente, de procedimentos desproporcionais ou extraordinários destinados a prolongar artificialmente a vida.
§ 1º Na hipótese de impossibilidade superveniente de manifestação de vontade do paciente e caso este tenha, anteriormente, enquanto lúcido, se pronunciado contrariamente à limitação e suspensão de procedimentos de que trata o caput, deverá ser respeitada tal manifestação.
§ 2º. A limitação ou a suspensão a que se refere o caput dever ser fundamentada e registrada no prontuário do paciente e será submetida a análise médica revisora, definida em regulamento”. (SENADO, 2009).
Assim, pelo disposto no artigo 6º, §1º, caso o paciente tenha se manifestado contrário à limitação ou suspensão do tratamento antes de se tornar incapaz, esta vontade deverá ser respeitada. O próprio artigo 6º trata da autonomia privada do paciente, retratando a diretiva antecipada.
Por conseguinte, entende-se que, caso o paciente tenha se pronunciado previamente em relação à recusa aos procedimentos extraordinários ou desproporcionais, tal pronunciamento deve ser considerado como válido. Desse modo, caso o paciente, em estado terminal e inconsciente tenha manifestado anteriormente sua rejeição a um determinado procedimento, sua vontade deverá ser respeitada.
Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito Público pelo IEC PUC Minas. Advogado e membro da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/MG. Biotécnico. Professor universitário.
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