Direito Constitucional

Do Direito Fundamental à Liberdade Religiosa: Testemunhas de Jeová

Josiane Silva Souza – Bacharel em Direito. (E-mail: josiane.estudos@gmail.com)

Profª. Orientadora: Mariana Sá Mutiz, Mestre em Direito e Garantias Fundamentais pela FDV. Professora Universitária. (E-mail: marymutiz@hotmail.com)

Profª. Orientadora: Marianne Rios de Souza Martins, Advogada, Mestre em Direito e Garantias Fundamentais pela FDV. Professora Universitária. (E-mail: mriosmartins@terra.com.br)

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Resumo: Pretende-se nesse artigo trabalhar o conflito gerado entre a liberdade religiosa e o direito à vida, abordando a perspectiva de ambos os lados sobre o assunto. Neste sentido, de um lado há o direito dos que são Testemunhas de Jeová de não aceitar a transfusão de sangue, mesmo em caso de risco de vida, devido a sua liberdade religiosa. De outro lado há o direito à vida que deve ser assegurado pelo Estado. Nesse sentido foi feito o uso de pesquisas bibliográficas, exame de doutrinas, artigos científicos, religiosos e jurisprudências a fim de responder em que medida a recusa da transfusão de sangue pela convicção religiosa das Testemunhas de Jeová, entra em conflito com os Direitos e Garantias fundamentais. Concluindo que a partir do momento que o direito a liberdade religiosa é sobreposto pelo direito à vida, direitos estes, garantidos pela Constituição Federal, são violadas suas escolhas feitas através da religião.

Palavras-chaves: Direito à Liberdade religiosa; Direito à vida; Conflito entre Direitos fundamentais; Testemunhas de Jeová; Transfusão de sangue.

Abstract: This article intends to work on the conflict generated between religious freedom and the right to life, approaching the perspective of both sides on the subject. In this sense, on the one hand there is the right of those who are Jehovah’s Witnesses not to accept blood transfusion, even in case of life-threatening, because of their religious freedom. On the other hand, there is the right to life that must be guaranteed by the state. In this sense, bibliographic research, doctrinal examination, scientific, religious articles and jurisprudence were used to answer the extent to which the refusal of blood transfusion by the religious conviction of Jehovah’s Witnesses conflicts with fundamental Rights and Guarantees. Concluding that from the moment that the right to religious freedom is overridden by the right to life, these rights, guaranteed by the Federal Constitution, violate their choices made through religion.

Keywords: Right to religious freedom; Right to life; Conflict between fundamental rights; Jehovah’s Witnesses; Blood transfusion.

Sumário: Introdução. 1. Direitos Fundamentais. 1.1. Dos Princípios Constitucionais com orientadores da Interpretação Constitucional. 1.1.1 Da Dignidade da pessoa humana. 1.1.2. Dos direitos de personalidade. 1.2 Dos direitos fundamentais: direto à vida e liberdade de crença. 1.2.1 O direito à vida e à vida digna. 1.2.2. O direito à liberdade e à liberdade religiosa. 2. Teoria dos Direitos Fundamentais: Conflito/Colisão entre os Direitos. 2.1. Colisão entre os Direitos Fundamentais. 3. A Recusa da Transfusão Sanguínea no caso das Testemunhas de Jeová: viola o Direito fundamental ou à Vida? 3.1. Breve história das Testemunhas de Jeová e sua crença. 3.2. Métodos alternativos para a recusa da Transfusão Sanguínea. 3.3. O entendimento dos Tribunais. Conclusão. Referências.

Introdução

O presente trabalho pretende discorrer sobre as Testemunhas de Jeová e, tendo como base a Constituição Federal de 1988, abordando o conflito gerado entre a liberdade religiosa e o Direito à Vida.

A pesquisa nada mais é do que a averiguação da liberdade religiosa, escolha garantida por lei, e a consequência que esta pode ter quando há a recusa da transfusão sanguínea, fazendo com que aquele crente abdique-se muitas vezes do Direito à vida, que deve ser garantido pelo Estado Constitucionalmente.

O que se pretende demonstrar com a pesquisa é que a prática da religião deve ser aceita pelo Estado, que quando se impõe negativamente em favor da religião fere a garantia de liberdade religiosa defendida pelo mesmo. A não aceitação da transfusão sanguínea está no direito das Testemunhas, mas estão dispostos a aceitar outros meios de tratamento, ou seja, não estão abdicando-se de suas vidas, mais querendo tratamentos alternativos, sem comprometer sua crença.

Sendo assim, o tema do trabalho será: uma verdade por trás da religião das Testemunhas de Jeová. Para atender a pesquisa, indaga-se: em que medida a recusa da transfusão de sangue pela convicção religiosa das Testemunhas de Jeová, entra em conflito com os Direitos e Garantias Fundamentais?

A pesquisadora interessou-se pelo tema devido à vulnerabilidade das Testemunhas de Jeová, haja vista, que a Constituição Federal pode incidir sobre sua liberdade religiosa e consequentemente, em sua vida.

A presente pesquisa apresenta grande relevância social, visto que a sociedade, cada vez mais julga a fé dos referidos fiéis, sem buscar conhecer o verdadeiro motivo de tal opção aderida por estes.

A relevância jurídica também se faz presente. Atualmente, os operadores do direito não têm uma opinião unânime sobre o tema, o que acaba trazendo uma grande discussão sobre a recusa da transfusão de sangue e suas consequências.

A fim de se atingir os objetivos deste trabalho foi utilizado a pesquisa teórico dogmática, tendo em vista que serão abordados conceitos doutrinários e jurisprudenciais para tratar o problema apresentado na tentativa de encontrar uma solução para o tema.

O setor de conhecimento abrangido pela presente pesquisa apresentara caráter disciplinar, com incidência de investigação contida na Ciência do Direito, tais como o Direito Constitucional. No campo do Direito Constitucional, destaca-se a referência dos Direitos e Garantias Fundamentais.

O artigo está dividido em três capítulos. O primeiro deles, intitulado “Direitos Fundamentais” no qual são abordados os princípios Constitucionais, a dignidade da pessoa humana, o Direito da pessoa humana, o Direito a vida entre outros. O segundo capítulo, sob o título “Teoria dos Direitos Fundamentais: conflito/colisão entre os Direitos” aborda os conflitos gerados entre os direitos fundamentais, sendo eles a liberdade religiosa e o direito a vida. Por fim, o capítulo final, tendo por título “A recusa da transfusão sanguínea no caso das testemunhas de jeová”, tendo como enfoque fazer uma correlação entre os temas até então apresentados, abordando a história das testemunhas de Jeová e suas concepções religiosas, trazendo também métodos alternativos quanto a transfusão e os entendimentos diante dos Tribunais.

 

1. DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais, conforme afirma Norberto Bobbio (1992), são direitos históricos, direitos esses que foram adquiridos com grandes lutas, tendo como objetivo em defesa de novas liberdades contrapoderes antigos, com o passar da época e de lugar, no qual, vêm conquistando paulatinamente todo o ordenamento jurídico.

A própria denominação, determina que os direitos fundamentais são considerados essenciais à pessoa humana, neste sentido nota-se a grande importância dos direitos do homem no ordenamento jurídico de um Estado, porém não basta que estes direitos sejam assegurados, pois é fundamentalmente necessário que tenham efetividade. Assim, ensina Moraes (2008), que os direitos fundamentais são mais antigos que a ideia de constitucionalismo, que apenas ratificou a necessidade de gravar um rol mínimo de direitos humanos em um documento escrito, provindo de forma direta da suprema vontade da população.

Diante disso, o progresso dos direitos fundamentais no Brasil aconteceu sob a influência direta do movimento constitucionalista que crescia dentro da Europa no final do século XVIII (PESTANA, 2017). Segundo o constitucionalista Silva (2004), diz que apesar de as outras constituições brasileiras já dirigirem em seu corpo, os direitos fundamentais só passaram a ter de fato um destaque com a criação da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.

Os Direitos e Garantias individuais e coletivos, conforme previstos no artigo 5° da Constituição Federal, têm extrema importância para composição da identidade do cidadão. Sendo assim, os conflitos entre os direitos fundamentais serão observados nos próximos capítulos deste trabalho.

 

1.1 DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS COM ORIENTADORES DA INTERPRETAÇÃO CONSTITUCIONAL

Os princípios executam uma função sistemática e normogenética, assim sendo, um fundamento de norma jurídica e tem uma grande competência que lhes permite cimentar objetivamente todo o sistema constitucional. (CANOTILHO,2000, p. 1163).

O Doutrinador Silva (2004), conceitua os princípios no âmbito do jurídico, no plural, no qual quer significar os requisitos primordiais instituídos como base ou as normas elementares, como alicerce de alguma coisa. Sendo assim, princípios indicam o conjunto de preceitos ou regras, que se fixaram para servir de paradigmas a toda linhagem de ação jurídica, traçando, assim, a conduta a ser tida em qualquer operação jurídica.

O constitucionalista Tavares (2006, p. 99), enfatiza seu entendimento acerca dos princípios constitucionais, ressaltando que, os princípios são normas presentes na Constituição que se aplicam às demais normas constitucionais. Ressalta ainda, que os princípios constitucionais, portanto servem de vetores para a interpretação válida da Constituição.

 

1.1.1 Da dignidade da pessoa humana

A dignidade da pessoa humana é um dos princípios fundamentais do constitucionalismo contemporâneo e encontra-se presente em grande parte dos textos constitucionais da atualidade. Na interpretação contemporânea, tem origem bíblica, religiosa: o homem-feito à imagem e semelhança de Deus. Com a centralidade e o Iluminismo do homem, para a filosofia, tem por fundamento a capacidade, a autodeterminação do indivíduo e a razão de valoração moral (BARROSO, 2010).

Segundo o doutrinador Nunes (2010, p. 59) a dignidade da pessoa humana é o principal direito fundamental garantido pela Constituição e responsável por todo sistema constitucional.

O mestre Nunes, ressalta ainda em sua obra (2010, p. 60) que: “A dignidade é garantida por um princípio; logo, é absoluta, plena, não pode sofrer arranhões nem ser vítima de argumentos que a coloquem num relativismo”.

 

1.1.2 Dos direitos de personalidade

A Constituição Federal de 1988 trouxe junto com ela os direitos da personalidade e um princípio julgado fundamental na Constituição, o princípio da Dignidade da Pessoa Humana.

É ratificada na constituição a certificação de que a pessoa é possuidora de direitos inerentes à sua personalidade, conforme entendimento do doutrinador Monteiro “São características que configuram pressupostos da própria existência da pessoa”.

O Código Civil Brasileiro de 2002 trouxe, em sua Parte Geral, um capítulo destinado somente aos Direitos da Personalidade. Maria Helena Diniz os definem como:

Direitos subjetivos da pessoa de defender o que lhe é próprio, ou seja, a sua integridade física (vida, alimentos próprio, corpo vivo ou morto, corpo alheio vivo ou morto, partes separadas do corpo vivo ou morto); a sua integridade intelectual (liberdade de pensamento, autoria científica, artística e literária); e a sua integridade moral (honra, recato, segredo profissional e doméstico, identidade pessoal, familiar e social). (2002, p. 135).

É estabelecido no art. 11 do Código Civil que, “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

 

1.2 Dos direitos fundamentais: direto à vida e liberdade de crença

1.2.1 O direito à vida e à vida digna

O direito à vida está estabelecido no caput do artigo 5º da Constituição Federal de 1988, no qual aduz, vejamos: “todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade”.

De acordo com o constitucionalista Pinho (2009, p. 81), é necessário garantir um direito a vida digna com o máximo de qualidade. Não basta apenas assegurar um mero direito à vida.

É previsto na Constituição Federal em seu art. 5.º, caput, que o Direito à vida envolve continuar vivo, ter uma vida digna e não simplesmente o de não ser morto. (Lenza, 2012, p.518).

1.2.2 O direito à liberdade e à liberdade religiosa

O direito a liberdade é protegido, sem limitações ou coações, assim permitindo fazer tudo aquilo que a lei não condene, conforme Constituição Federal.

O doutrinador Paulo Gustavo Gonet Branco (2009, p. 402), define que “as liberdades são proclamadas partindo-se da perspectiva da pessoa humana como ser em busca da sua autorealização”.

Segundo o Constitucionalista Silva (2012, p. 233), ensina que “o conceito de liberdade humana deve ser expresso no sentido de um poder de atuação do homem em busca de sua realização pessoal, de sua felicidade”.

Depois de toda explicação e conceituação dos Direitos Fundamentais e seus princípios, aborda-se o ponto dos conflitos gerados entre esses direitos, em seguida observando-se ambos os lados e seus direitos, verificando sempre como e quando determinado direito pode afetar o outro, no caso específico, o das Testemunhas de Jeová.

2 TEORIA DOS DIREITOS FUNDAMENTAIS: CONFLITO/COLISÃO ENTRE OS DIREITOS

Será abordado a seguir o conflito gerado entre os direitos fundamentais, sendo eles o direito a liberdade religiosa e o direito à vida, mostrando quando e como um desses determinados direitos afeta um ao outro.

 

2.1 COLISÃO ENTRE OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

A colisão entre os direitos fundamentais surge quando uma das partes necessita fazer uso de um desses para sua defesa, em outro extremo, outrem se vê aparada por outro direito fundamental, exemplo desse labor onde há dois direitos fundamentais em conflito, sendo o direito à vida e o direito à liberdade religiosa.

O constitucionalista Canotilho em sua lição caracteriza a colisão de direitos fundamentais nos seguintes termos:

De um modo geral, considera-se existir uma colisão de direitos fundamentais quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular. Aqui não estamos diante de um cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um choque, um autêntico conflito de direitos (1999, p. 1191).

Canotilho assevera ainda que, quando o exercício de um direito fundamental por parte do seu titular colide com o exercício do direito fundamental por parte de outro titular, considera-se assim, existir uma colisão autêntica de direitos fundamentais. Aqui não há cruzamento ou acumulação de direitos (como na concorrência de direitos), mas perante um ‘choque’, um autêntico conflito de direitos” (1992, p. 293).

Os direitos fundamentais têm caráter de princípio, que provém do mandado típico dos enunciados/disposições das normas de direitos fundamentais. Como os princípios podem entrar em colisão, esse caráter de princípio implica a máxima da proporcionalidade, com as suas três máximas parciais: adequação; necessidade ou idoneidade do meio (meio mais benigno); proporcionalidade em sentido estrito (ponderação). Logo, do mandado contido nos enunciados/disposições das normas de direitos fundamentais se deduz o caráter de princípio dos direitos fundamentais, e desse caráter se deduz a máxima da proporcionalidade, como critério de solução de eventual entre princípios de direitos fundamentais (JEVEAUX, 2008, p. 357).

O conflito entre princípios e direitos fundamentais é decidido através de critérios de qual possui o maior valor no caso concreto, sendo as leis jurídicas vistas igualitariamente. (PINHO, 2009, p. 83).

O doutrinador Barroso (2009, p. 329) assevera que: “não existe hierarquia em abstrato entre princípios, devendo a precedência relativa de um sobre o outro ser determinada à luz do caso concreto”.

Nesse sentido, é interessante analisar, caso necessite decidir em um caso concreto, onde há dois princípios protegidos pela Constituição Federal, sendo o direito à vida e o direito à liberdade. Seria possível decidir diante desses dois direitos, totalmente em conflito, qual tem maior valor e qual prevaleceria? Como decidir se o direito à vida é o bem jurídico que deve ser protegido quando o possuidor deste tal direito não quer sua proteção?

Segundo a lição da doutrina, na hipótese de conflito entre direitos fundamentais, o intérprete deverá realizar um juízo de ponderação, consideradas as características do caso concreto. Conforme as peculiaridades da situação concreta com que se depara o aplicador do Direito, um ou outro direito fundamental prevalecerá. É possível que, em um caso em que haja conflito entre os direitos “X” e “Y”, prevaleça a aplicação do direito “X” e, em outra ocasião, presentes outras características, a colisão dos mesmos direitos “X” e “Y” resolva-se pela prevalência do direito “Y”. (PAULO; ALEXANDRINO, 2008, p. 100).

Cabe ressaltar que o direito à vida, mencionado no artigo 5º da Constituição Federal aparece junto com outros direitos, discutidos no mesmo nível, como a igualdade, a segurança, a propriedade e a liberdade, em que o próprio direito à liberdade, inciso VI do mesmo artigo, esforça-se na inviolabilidade religiosa. Sendo assim as características dos direitos fundamentais não possuem caráter absoluto, e por isto, não há como afirmar, nem dimensionar de forma abstrata o peso dos direitos fundamentais.

Os direitos mencionados no artigo 5º, não tem nenhum tipo de nível de hierarquia, sendo diferente do que acontece com o princípio da dignidade da pessoa humana, tal princípio nomeado como principal fundamento da República, no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal:

Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I – a soberania;

II – a cidadania;

III – a dignidade da pessoa humana;

IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;

V – o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

Nesta toada, verifica-se que nenhum dos direitos referidos no artigo 5º possui proteção absoluta, pois só são tutelados na medida em que entra em conflito com a dignidade da pessoa humana.

A Constitucionalista Regina Maria Macedo Nery Ferrari, aduz:

Portanto, não se trata apenas de sacrificar um dos direitos em jogo, ou de subsumir o fato à norma, mas de solucionar a colisão a partir dos cânones da interpretação constitucional, da aplicação do princípio da proporcionalidade e da argumentação jusfundamental. É pela ponderação que se poderá chegar à solução da colisão entre direitos fundamentais ou entre estes e os bens constitucionalmente protegidos, de modo a conferir equilíbrio aos direitos tensionados. (2011, p. 545).

Wilson Antônio Steinmetz discorre que:

Os limites imanentes são uma construção dogmática para explicar a necessidade e justificar a possibilidade de limitação ou restrição a direito fundamental conferido por norma constitucional escrita sem reserva de lei. (2001, p.62-63).

Neste sentido, conforme exposto acima antes de adotar a ponderação, fazendo sobressair um princípio sobre o outro, é necessário buscar solucionar o caso de conflito/colisão através da harmonização entre os princípios envolvidos. Conforme afirma Sarmento (2002, p. 99): “proceder a interpretação dos cânones envolvidos, para verificar se eles efetivamente se confrontam na resolução do caso, ou se, ao contrário, é possível harmonizá-los”.

O constitucionalista Alexy (2001, p.295) aduz que: “Quando há dois princípios equivalentes abstratamente, prevalecerá, no caso concreto, o que tiver maior peso diante das circunstâncias. A tensão entre ambos os princípios não pode ser resolvida com a atribuição de prioridade absoluta de um sobre o outro”.

Contudo, a necessidade de ponderação deve ocorrer quando há conflito entre o direito à vida e a liberdade religiosa, buscando em caso concreto sempre que possível harmonizar a situação de modo que ela precise demonstrar adequadamente a vontade da Constituição (BARROSO, 2010, p. 24).

 

3 A RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA NO CASO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ: VIOLA O DIREITO FUNDAMENTAL OU À VIDA?

Será abordado a seguir um pouco da história, crenças e finalidades da religião das Testemunhas de Jeová, apontados pontos que criticam a posição das Testemunhas em relação ao recebimento da transfusão. Mostrados tratamentos alternativos haja vista, o direito protegido constitucionalmente do livre arbítrio na escolha da religião.

 

3.1 BREVE HISTÓRIA DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ E SUA CRENÇA

Este grupo deu seus primeiros indícios no fim do século XIX (1870) no Estado americano da Pensilvânia, iniciaram seus trabalhos com um pequeno número de pessoas com a mesma finalidade, estudar a Bíblia, sendo reputados pela sua persistência de evangelização de porta em porta e nas ruas, e pelo seu entendimento peculiar da Bíblia (GEOCITIES, 1974).

A partir dos ensinamentos de Charles Russell, que com alguns amigos formou um grupo de estudos não seguidor da Bíblia, intitulado de “Estudos Bíblicos Aurora do Milênio”. Com o passar dos tempos, Russell começou a publicar seus estudos em jornais, livros e em uma revista chamada “A Sentinela”, a qual continuou sendo impressa pelas Testemunhas de Jeová, onde queria mostrar suas considerações/interpretações como a verdade da Bíblia (GEOCITIES, 1974).

A revista “A Sentinela”, tem o objetivo de divulgar o Reino de Jeová Deus o Pai da Humanidade e do Universo, este, publicado nas primeiras páginas da revista, com as palavras a seguir:

Esta revista, A Sentinela, honra a Jeová Deus, o Governante do Universo. Consola as pessoas com as boas novas de que o Reino celestial de Deus em breve acabará com toda a maldade e transformará a Terra num paraíso. Incentiva a fé em Jesus Cristo, que morreu para que pudéssemos ter vida eterna e que já está gorvenando como Rei do Reino de Deus. Esta revista, publicada sem interrupção desde 1879, não é política. Ela tem a Bíblia como autoridade. (A SENTINELA, 2008, p.2)

A denominação explica seu nome por meio da passagem bíblica de Isaías 43:10, que de acordo com a Tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas, aduz:

Vós sois as minhas testemunhas, é a pronunciação de Jeová, sim, meu servo a quem escolhi, para que saibais e tenhais fé em mim, e para que entendais que eu sou o mesmo. Antes de mim não foi formado nenhum Deus e depois de mim continuou a não haver nenhum.

A tradução do Novo Mundo das Escrituras Sagradas é uma interpretação da Bíblia sendo de uso exclusivo das Testemunhas de Jeová, pertence legalmente a Sociedade Torre de Vigia de Bíblias e Tratados. A principal diferença da Tradução do Novo Mundo de outras Bíblias é a restauração do nome Jeová, que é mostrado cerca de 7 mil vezes nas escrituras Aramaicas e Hebraicas, que foi trocado ou retirado inúmeras vezes por “Senhor” ou outros nomes.

Fica claro que as Testemunhas de Jeová interpretam de maneira bastante literal a Bíblia, fazendo com que baseiem suas teorias citadas anteriormente e justificando a recusa da transfusão sanguínea.

Neste sentindo, será analisado até que ponto as Testemunhas de Jeová, chegam com suas crenças.

Diante deste tema tão polêmico que gera tantos discursos, é imprescindível destacar o direito à vida, que nada mais é, do que um direito do cidadão garantido constitucionalmente como seu direito a viver, assim como é garantido seu direito de escolher uma religião e seguir livremente.

Por prezarem a vida como sendo um presente de Deus, as Testemunhas de Jeová se esforçam em fazer o melhor que podem para viver de acordo com o livro que acreditam ser ‘inspirado por Deus’, a Bíblia. (2 Timóteo 3:16, 17; Revelação [Apocalipse] 4:11) Ela incentiva os adoradores de Deus a evitar práticas e hábitos que prejudicam a saúde ou que colocam a vida em risco, como comer e beber em excesso, fumar ou mascar tabaco e se drogar. — Provérbios 23:20; 2 Coríntios 7:1. Por mantermos nosso corpo e o ambiente à nossa volta limpos, e praticarmos atividades físicas para ter uma boa saúde, estamos agindo em harmonia com os princípios bíblicos. (Mateus 7:12; 1 Timóteo 4:8) Quando as Testemunhas de Jeová ficam doentes, elas mostram razoabilidade por procurar assistência médica e aceitar a grande maioria dos tratamentos disponíveis. (Filipenses 4:5) É verdade que obedecem à ordem bíblica de ‘persistir em abster-se de sangue’ e, por isso, insistem em receber tratamento médico sem sangue. (Atos 15:29) E essa opção, em geral, resulta num tratamento de melhor qualidade (JW, 2019).

Fato este que faz pensar, por que as Testemunhas de Jeová recusam o tratamento sanguíneo, que em muitos casos é fundamental para sua recuperação e para sua própria sobrevivência ou a de outro paciente sobre sua responsabilidade, tal decisão seria por causa da religião escolhida, ou teriam outros motivos mais plausíveis a argumentar para a não aceitação do tratamento? Assim, explicam:

As Testemunhas de Jeová são bem conhecidas por tomarem a peito essas ordens bíblicas. Elas rejeitam todas as transfusões de sangue total ou dos quatro componentes primários do sangue — glóbulos vermelhos, plasma, glóbulos brancos e plaquetas. Quanto às várias frações derivadas desses quatro componentes, e produtos que contenham tais frações, a Bíblia não faz nenhum comentário. Por isso, cada Testemunha de Jeová toma sua decisão pessoal sobre esses assuntos (JW, 2019).

As Testemunhas de Jeová tem seus fundamentos encontrados nas passagens bíblicas das Escrituras Sagradas do Novo Mundo, por exemplo:

Gênesis 9: 3-6: 3 Todo animal movente que está vivo pode servir-vos de alimento. Como no caso da vegetação verde, deveras vos dou tudo, 4 Somente a carne com a sua alma – seu sangue – não deveis comer. 5 E, além disso, exigirei de volta vosso sangue das vossas almas. Da mão de cada criatura vivente o exigirei de volta; e da mão do homem, da mão de cada um que é seu irmão exigirei de volta a alma do homem. 6 Quem derramar o sangue do homem, pelo homem será derramado o seu próprio sangue, pois a imagem de Deus fez ele o homem. Levítico 17:14. Não deveis comer o sangue de qualquer tipo de carne, porque a alma de todo tipo de carne é seu sangue. Quem o comer será decepado da vida.

Explicam que, para Deus, esta no sangue a vida, ou a alma, que Lhe pertencem. Apesar dessa lei ter sido predeterminada apenas à nação de Israel, ela frisa a relevância que Deus dava a não comer sangue.

 

As Testemunhas de Jeová acreditam que o sangue é sagrado e por isso são contra as transfusões. “Essa postura não tem nada a ver com ignorância ou fanatismo religioso”, explica o professor e testemunha de Jeová Walter Freoa. Ele diz que as Testemunhas de Jeová discordam que a transfusão seja a única alternativa e entendem que há riscos à saúde de quem recebe sangue. “Muitos dos problemas de saúde, como doenças de Chagas e Aids, podem ser transmitidas pela transfusão (CREMESP, 2010).

 

O Direito de recusar tratamento terapêutico à base de sangue, é também protegido pelo Código Civil, Artigo 15, no qual diz: “Ninguém pode ser constrangido a submeter-se, com risco de vida, a tratamento médico ou a intervenção cirúrgica”.

 

A transfusão de sangue é considerada um procedimento de alto risco, por não ser 100% segura, mesmo com a determinação do Ministério da Saúde em realizar testes sorológicos, antes da transfusão, o paciente está sujeito a ser contaminado por vários tipos de doenças infecciosas.

 

O Ministério da Saúde determina que, para cada doação efetivada, sejam realizados testes sorológicos para os seguintes patógenos: HIV1 e HIV2, HTLV I e HTLV II, HCV, HBV, T. cruzi, Treponema pallidum, Plasmodium em áreas endêmicas de malária e CMV para pacientes imunossuprimidos. Essa triagem laboratorial não garante 100% de segurança quanto à possibilidade de transmissão dos patógenos, permanecendo um risco residual infeccioso, que se deve a alguns fatores, entre eles, a existência de um período de tempo entre o momento em que o individuo se torna infectado e aquele em que o teste detecta a infecção, conhecido como janela imunológica do teste. (Junior, Garcia, 2017, p. 93)

 

Mesmo com a recusa, por parte das Testemunhas de Jeová, elas apresentam vários métodos alternativos a serem utilizados ao invés do uso de sangue.

 

3.2 MÉTODOS ALTERNATIVOS PARA A RECUSA DA TRANSFUSÃO SANGUÍNEA

Outrora as opções terapêuticas eram consideradas extremistas pelos médicos, porém com o passar das décadas, estes passaram a atentar-se quanto aos meios alternativos à transfusão sanguínea, repudiada pelas Testemunhas de Jeová.

A medicina tem evoluído cada vez mais, a ponto de proporcionar diversos métodos alternativos para a substituição da transfusão sanguínea. Diante desse problema que as Testemunhas de Jeová encararam durante muitos anos, o corpo governante das Testemunhas de Jeová, criou o arranjo das Comissões de Ligação com Hospitais – COLIHS, tendo como intuito, beneficiar as Testemunhas com tratamentos cirúrgicos sem o uso de sangue.

Os membros das COLIHs têm como lema “dialogo, cooperação e não-confrontação”. São treinados a defender intransigentemente o princípio de tratar a pessoa inteira e o respeito pelos princípios religiosos da família. São feitas atualizadas listas de médicos que aceitam realizar tratar as Testemunhas. Os membros das COLIHs procuram evitar médicos não cooperadores. Procuram estabelecer contatos com médicos, enfermeiros, magistrados judiciais, administrações hospitalares e assistentes sociais. Coordenam ainda o trabalho dos Grupos de Visita a Pacientes (GVP). Defendem que esta posição é uma decisão de consciência de cada Testemunha baseada no seu estudo da Bíblia [ isto é, que não existe nenhuma imposição por parte da liderança da religião, nenhuma sanção congregacional, nenhum tipo de controlo ou de coação, seja direta ou indireta ]. (JW, 2019)

A revista Heart, Lung and Circulation publicou um artigo no ano 2010, onde aponta que: “a cirurgia sem sangue não deveria se limitar apenas às Testemunhas de Jeová, mas fazer parte integral da prática cirúrgica básica”. Muitos médicos ao redor do mundo ao se depararem com cirurgias com alto teor de complexidade, se utilizam de técnicas de conservação de sangue ao invés da transfusão sanguínea. Tais opções terapêuticas são usadas inclusive em países emergentes e são solicitadas por diversos pacientes os quais sequer são Testemunhas de Jeová (ARAÚJO, 2013).

Como em qualquer família, os adeptos da denominação Testemunhas de Jeová, também vão em busca do melhor tratamento médico para si e seus entes queridos quando ficam doentes, lançando mão de sua liberdade religiosa em relação a não transfusão de sangue, haja vista que atualmente, com o avanço significativo da medicina e da ciência, possuímos uma enorme bagagem e variedade de possíveis tratamentos médicos.

A revista VEJA (DA REDAÇÃO, 2011) publicou em uma de suas edições, que de acordo com uma pesquisa realizada em três hemocentros no Brasil, abrangendo o período entre 2007 e 2008, “o risco de contrair HIV em transfusões de sangue no Brasil é 20 vezes maior do que nos Estados Unidos”. Um parecer feito neste mesmo estudo calcula inclusive que: “1 em cada 100 mil bolsas de sangue do país pode estar contaminada pelo vírus causador da Aids. Nos EUA, a relação é de 1 para cada 2 milhões de bolsas”.

A transfusão sanguínea é a segunda maior causa de HIV (vírus da AIDS) na Nigéria e em algumas áreas da África do Sul. Uma publicação médica informa os diversos riscos decorrentes da transfusão de sangue:

As transfusões são perigosas. Podem causar reações do tipo hemolítico, leucoaglutinante e alérgico. O perigo principal é a infecção induzida pela transfusão sendo o maior perigo a transmissão da hepatite não-A, não-B. Calcula-se que de 5% a 15% dos doadores voluntários são portadores deste vírus. Os testes laboratoriais prévios à doação, para detectar os anticorpos contra o”core” da hepatite B, permitem detectar entre 30% e 40% dos portadores do vírus da hepatite não-A, não-B. A vasta maioria dos casos de hepatite pós-transfusional são subclínicos, visto que a enfermidade evolui durante vários anos. (BRUMLEY; DEL CLARO; DE ANDRADE, 1999, p. 09.)

O diretor da Unidade de Medicina Transfusional e do Banco de Sangue da Universidade de Rochester, de Nova York, E.U.A., Dr. Neil Blumberg, num parecer conservador, assegurou que o número de mortos gira em torno dos 10.000 a 50.000 anuais em seu país devido às infecções provindas das transfusões (ASSOCIAÇÃO TORRE DE VIGIA, 1990).

Nesse sentido, a transfusão sanguínea poderá ajudar a salvar uma vida, entretanto, poderá gerar riscos a saúde de quem recebe. Devido a estes riscos, a Presidential Commission on the Human Immunodefidiency Vírus Epidemic (E.U.A.), orientou que antes de realizar uma transfusão sanguínea, o médico deve adquirir o consentimento de seu paciente, e que o processo deve incluir uma explicação dos riscos que o paciente está sujeito ao aceitar a transfusão sanguínea, entre eles a possibilidade de contrair o HIV, bem como informações sobre terapias alternativas à transfusão de sangue homólogo (MARINI, 2005).

Visando um melhor entendimento e com o intuito de disseminar o conhecimento para os adeptos Testemunhas de Jeová em relação aos tratamentos alternativos às transfusões sanguíneas e ajudá-los a na escolha de qual tratamento utilizar, as Testemunhas apresentam uma tabela na publicação: Como encaro as frações de sangue e os procedimentos médicos que envolvem o uso de meu próprio sangue‖ transcrita a seguir:

SUA DECISÃO PESSOAL

PROCEDIMENTOS QUE ENVOLVEM O USO MÉDICO DE SEU PRÓPRIO SANGUE

*Observação: Os métodos de aplicação de cada um desses procedimentos médicos podem variar de médico para médico. Peça a seu médico que lhe explique o que exatamente está envolvido em qualquer procedimento que ele oferecer, certificando-se de que o método usado esteja em harmonia com princípios da Bíblia e com suas próprias decisões à base de sua consciência.

NOME DO TRATAMENTO

O QUE REALIZA

Escolhas que você deve NOME DO O QUE REALIZA fazer. (converse com o médico antes de aceitar TRATAMENTO ou não o procedimento).
RECUPERAÇÃO

INTRA-OPERATÓRIA DE CÉLULAS

Reduz a perda de sangue. Durante a cirurgia, o sangue de ferimentos ou de uma cavidade do corpo é recuperado. Ele é lavado, filtrado e após isso, é devolvido ao paciente, talvez em um processo contínuo.

Aceito

Talvez aceite*

Recuso

HEMODILUIÇÃO Reduz a perda de sangue. Durante a cirurgia o sangue é desviado para bolsas e substituído por expansores de volume que não contêm sangue. Desse modo, o sangue que ainda resta no paciente é diluído, contendo menos glóbulos vermelhos. Durante a cirurgia ou no término dela, o sangue desviado é devolvido ao paciente.

Aceito

Talvez aceite*

Recuso

MÁQUINA CORAÇÃO-PULMÃO Mantém a circulação. O sangue é desviado para uma máquina coração-pulmão artificial onde é oxigenado e devolvido ao paciente.

Aceito

Talvez aceite*

Recuso

DIÁLISE Funciona como um órgão. Na hemodiálise, o sangue circula em uma máquina, onde é filtrado e depurado antes de retornar ao paciente.

Aceito

Talvez aceite*

Recuso

TAMPÃO SANGUÍNEO PERIDURAL Impede a perda do líquido espinhal. Uma pequena quantidade do sangue do próprio paciente é injetada na membrana em volta da medula espinhal. Esse procedimento é utilizado para fechar um ponto de punção em que há vazamento do líquido espinhal.

Aceito

Talvez aceite*

Recuso

PLASMAFÉRESE Trata doenças. O sangue é retirado do paciente e filtrado para remover o plasma. Um substituto do plasma é adicionado e o sangue é devolvido ao paciente. Alguns médicos talvez usem o plasma de outra pessoa para substituir o do paciente. Quando este é o caso, essa opção é inaceitável para os cristãos.

Aceito

Talvez aceite*

Recuso

TÉCNICA DE MARCAÇÃO Diagnostica e trata doenças. Parte do sangue é retirada, misturada a medicamentos e devolvida ao paciente. O tempo que o sangue fica fora do corpo do paciente pode variar.

Aceito

Talvez aceite*

Recuso

GEL DE PLAQUETAS AUTÓLOGAS “FEITO DE SEU PRÓPRIO SANGUE” Fecha ferimentos, reduz a hemorragia. O sangue é retirado e concentrado em uma solução rica em plaquetas e glóbulos brancos. Essa solução é aplicada nos locais de cirurgia ou ferimentos. Observação: Em algumas fórmulas usa-se um fator de coagulação do sangue de bovinos.

Aceito

Talvez aceite*

Recuso

Fonte: https://wol.jw.org/pt/wol/d/r5/lp-t/202006400.

Após analisar profundamente as crenças e os fundamentos científicos implicados na não aceitação da transfusão sanguínea pelas Testemunhas de Jeová, nota-se que as Testemunhas prezam pelo bem de sua vida e de seus familiares, buscando sempre métodos alternativos que não a transfusão de sangue.

Conforme apontado previamente, diversos tratamentos com base científica e que comprovadamente funcionam, podem ser utilizados como substitutos a transfusão sanguínea. Contudo, estes tratamentos por vezes, não são disponibilizados e muitos médicos enfatizam a necessidade da utilização do sangue, muitas vezes por não estarem preparados para estes tratamentos alternativos. Isso ocorre principalmente em países emergentes como o Brasil.

 

3.3 O ENTENDIMENTO DOS TRIBUNAIS

As Testemunhas de Jeová são submetidas a inúmeros processos quando o assunto é a transfusão de sangue, seja como vítima ou como acusado. Ao resolver um processo cautelar, o Desembargador Maia da Cunha faz uma reflexão sobre a sobreposição do direito à vida sobre a liberdade religiosa:

Processo cautelar. Ação cautelar inominada. Embora a regra seja de que a cautelar seja preparatória, admite-se, excepcionalmente, tenha natureza satisfativa quando a liminar, necessária diante do risco de dano irreparável, esgota o objeto da ação principal. Preliminar rejeitada. Ação cautelar inominada. Hospital que solicita autorização judicial para realizar transfusão de sangue em paciente que se encontra na UTI, com risco de morte, e que se recusa a autorizá-la por motivos religiosos. Liminar bem concedida porque a Constituição Federal preserva, antes de tudo, como bem primeiro, inviolável e preponderante, a vida dos cidadãos. Jurisprudência deste TJSP. Recurso improvido (TJ-SP, 2003).

Segundo o Desembargador Maia da Cunha:

E é sintomático que assim seja porque não há bem maior a ser preservado do que a vida, tal como vem mencionado no “caput” do art. 5º da Constituição Federal, sendo importante destacar que, depois de garantir a igualdade entre os cidadãos, inicia a sequência dos bens invioláveis exatamente pela vida. Daí a conclusão inevitável, e saudável, de que a vida, bem supremo, prepondera sobre a liberdade religiosa ou sobre qualquer outro direito individual dos cidadãos (TJ-SP, 2003).

O Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul também se dispôs em relação ao tema quanto ao direito à vida em detrimento ao direito à liberdade religiosa, nesse sentido, vejamos:

CAUTELAR. TRANSFUSÃO DE SANGUE. TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. NÃO CABE AO PODER JUDICIÁRIO, NO SISTEMA JURÍDICO BRASILEIRO, AUTORIZAR OU ORDENAR TRATAMENTO MÉDICO CIRÚRGICOS E/OU HOSPITALARES, SALVO CASOS EXCEPCIONALÍSSIMOS E SALVO QUANDO ENVOLVIDOS OS INTERESSES DE MENORES. SE IMINENTE O PERIGO DE VIDA, É DIREITO E DEVER DO MÉDICO EMPREGAR TODOS OS TRATAMENTOS, INCLUSIVE CIRÚRGICOS, PARA SALVAR O PACIENTE, MESMO CONTRA A VONTADE DESTE, E DE SEUS FAMILIARES E DE QUEM QUER QUE SEJA, AINDA QUE A OPOSIÇÃO SEJA DITADA POR MOTIVOS RELIGIOSOS. IMPORTA AO MÉDICO E AO HOSPITAL E DEMONSTRAR QUE UTILIZARAM A CIÊNCIA E A TÉCNICA APOIADAS EM SÉRIA LITERATURA MÉDICA, MESMO QUE HAJA DIVERGÊNCIAS QUANTO AO MELHOR TRATAMENTO. O JUDICIÁRIO NÃO SERVE PARA DIMINUIR OS RISCOS DA PROFISSÃO MÉDICA OU DA ATIVIDADE HOSPITALAR. SE TRANSFUSÃO DE SANGUE FOR TIDA COMO IMPRESCINDÍVEL, CONFORME SÓLIDA LITERATURA MÉDICOCIENTÍFICA (NÃO IMPORTANDO NATURAIS DIVERGÊNCIAS), DEVE SER CONCRETIZADA, SE PARA SALVAR A VIDA DO PACIENTE, MESMO CONTRA A VONTADE DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ, MAS DESDE QUE HAJA URGÊNCIA E PERIGO IMINENTE DE VIDA (ART. 146, § 3º, INC. I, DO CÓDIGO PENAL). CASO CONCRETO EM QUE NÃO SE VERIFICAVA TAL URGÊNCIA. O DIREITO À VIDA ANTECEDE O DIREITO À LIBERDADE, AQUI INCLUÍDA A LIBERDADE DE RELIGIÃO; É FALÁCIA ARGUMENTAR COM OS QUE MORREM PELA LIBERDADE POIS, AÍ SE TRATA DE CONTEXTO FÁTICO TOTALMENTE DIVERSO. NÃO CONSTA QUE MORTO POSSA SER LIVRE OU LUTAR POR SUA LIBERDADE. HÁ PRINCÍPIOS GERAIS DE ÉTICA E DE DIREITO, QUE ALIÁS NORTEIAM A CARTA DAS NAÇÕES UNIDAS, QUE PRECISAM SE SOBREPOR AS ESPECIFICIDADES CULTURAIS E RELIGIOSAS; SOB PENA DE SE HOMOLOGAREM AS MAIORES BRUTALIDADES; ENTRE ELES ESTÃO OS PRINCÍPIOS QUE RESGUARDAM OS DIREITOS FUNDAMENTAIS RELACIONADOS COM A VIDA E A DIGNIDADE HUMANAS. RELIGIÕES DEVEM PRESERVAR A VIDA E NÃO EXTERMINÁ-LA (TJ-RS, 1995).

Existem também julgamentos favoráveis às Testemunhas de Jeová, em que se possibilita no caso concreto o uso das técnicas alternativas mencionadas anteriormente. Exemplo esse onde o Desembargador Alberto Vilas Boas, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais assim julgou:

PROCESSO CIVIL. CONSTITUCIONAL. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. TUTELA ANTECIPADA. CASO DAS TESTEMUNHAS DE JEOVÁ. PACIENTE EM TRATAMENTO QUIMIOTERÁPICO. TRANSFUSÃO DE SANGUE. DIREITO À VIDA. DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. LIBERDADE DE CONSCIÊNCIA E DE CRENÇA. – No contexto do confronto entre o postulado da dignidade humana, o direito à vida, à liberdade de consciência e de crença, é possível que aquele que professa a religião denominada Testemunhas de Jeová não seja judicialmente compelido pelo Estado a realizar transfusão de sangue em tratamento quimioterápico, especialmente quando existem outras técnicas alternativas a serem exauridas para a preservação do sistema imunológico. – Hipótese na qual o paciente é pessoa lúcida, capaz e tem condições de autodeterminar-se, estando em alta hospitalar (SOUZA, 2016)

Nesta toada, o Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso julgou o recurso interposto por uma Testemunha, acolhendo o pedido da parte para a realização, caso viável, de uma das diferentes técnicas frente ao tratamento realizado com sangue:

TESTEMUNHA DE JEOVÁ – PROCEDIMENTO CIRÚRGICO COM POSSIBILIDADE DE TRANSFUSÃO DE SANGUE – EXISTÊNCIA DE TÉCNICA ALTERNATIVA – TRATAMENTO FORA DO DOMICÍLIO – RECUSA DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – DIREITO À SAÚDE – DEVER DO ESTADO – RESPEITO À LIBERDADE RELIGIOSA – PRINCÍPIO DA ISONOMIA – OBRIGAÇÃO DE FAZER – LIMINAR CONCEDIDA – RECURSO PROVIDO. Havendo alternativa ao procedimento cirúrgico tradicional, não pode o Estado recusar o Tratamento Fora do Domicílio (TFD) quando ele se apresenta como única via que vai ao encontro da crença religiosa do paciente. A liberdade de crença, consagrada no texto constitucional não se resume à liberdade de culto, à manifestação exterior da fé do homem, mas também de orientar-se e seguir os preceitos dela. Não cabe à administração pública avaliar e julgar valores religiosos, mas respeitá-los. A inclinação de religiosidade é direito de cada um, que deve ser precatado de todas as formas de discriminação. Se por motivos religiosos a transfusão de sangue apresenta-se como obstáculo intransponível à submissão do recorrente à cirurgia tradicional, deve o Estado disponibilizar recursos para que o procedimento se dê por meio de técnica que dispense-na, quando na unidade territorial não haja profissional credenciado a fazê-la. O princípio da isonomia não se opõe a uma diversa proteção das desigualdades naturais de cada um. Se o Sistema Único de Saúde do Estado de Mato Grosso não dispõe de profissional com domínio da técnica que afaste o risco de transfusão de sangue em cirurgia cardíaca, deve propiciar meios para que o procedimento se verifique fora do domicílio (TFD), preservando, tanto quanto possível, a crença religiosa do paciente (TJ-MT, 2006).

Convêm salientar que são raríssimas as decisões em favor as Testemunhas de Jeová, entretanto fica clara a importância de ambos os princípios, sendo necessária na maioria das vezes, conforme julgados citados acima, verificar a condição psicofísica do paciente, fazendo com que cada decisão seja tomada de forma proporcional conforme cada situação e/ou necessidade. Assim, não tem como dizer qual direito se sobrepõe em relação ao outro, pois se depende de cada situação ou entendimento do juiz.

 

Conclusão

Os fundamentos utilizados pelas testemunhas de Jeová em recusar a transfusão de sangue ao ter que escolher entre a vida e a morte, é baseado num entendimento bíblico, em nome da fé. Nesse sentido observa-se uma grande polêmica diante dos pacientes Testemunhas de Jeová quando se trata da recusa da transfusão de sangue.

No primeiro capítulo deste artigo, são abordados os conceitos dos direitos fundamentais, os princípios constitucionais, o direito da dignidade da pessoa humana e o direito da personalidade, fica claro que é o Estado àquele quem tem que proteger o direito a vida, enfatizando que o direito a vida não é simplesmente o direito de ficar vivo, e sim, o direito a se ter uma vida com dignidade.

Nessa toada, conclui-se que o Estado é laico, assim, não interferindo em questões de âmbito religioso, onde não toma posição em prol ou contra qualquer religião, mas garante o direito a liberdade religiosa, pois esta é fundamental no Estado Democrático de Direito.

No segundo capítulo são estudados os conflitos/colisões existentes entre direitos fundamentais, sendo eles o direito à vida e o direito à liberdade religiosa em que a norma compreende ser necessária a cautela, buscando entre eles uma conciliação, pois hierarquicamente são iguais, todavia, em casos concretos, observa-se sempre o prevalecimento do direito à vida.

O último capítulo aborda o contexto histórico das concepções religiosas das Testemunhas de Jeová, para então chegar ao ponto principal deste artigo onde é mostrado o embasamento religioso que as Testemunhas têm quanto ao motivo para a recusa do tratamento com sangue, o qual de acordo com eles é proibido por Deus.

A recusa da transfusão de sangue pela convicção religiosa das Testemunhas de Jeová entra em conflito com os Direitos e Garantias fundamentais, a partir do momento que o direito a liberdade religiosa é sobreposto pelo direito à vida, direitos estes, garantidos pela Constituição Federal.

Contudo, são raríssimas as decisões em favor as Testemunhas de Jeová, entretanto fica clara a importância de ambos os princípios, sendo necessária na maioria das vezes, conforme julgados citados anteriormente, verificar a condição psicofísica do paciente, fazendo com que cada decisão seja tomada de forma proporcional conforme cada situação e/ou necessidade. Assim, não tem como dizer qual direito se sobrepõe em relação ao outro, pois se depende de cada situação ou entendimento do juiz.

 

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