MPMT indefere pedido para instauração de inquérito civil
A 7ª Promotoria de Justiça Cível do Núcleo de Defesa da Cidadania de Cuiabá indeferiu, na tarde desta quarta-feira (18), pedido de instauração de inquérito civil para apurar conduta que fere a “coletividade cristã” com a divulgação do vídeo “Especial de Natal – A Primeira Tentação de Cristo”, da produtora de vídeos de comédia Porta dos Fundos. O autor da reclamação encaminhada ao Ministério Público do Estado de Mato Grosso pediu ainda que fosse proposta ação civil pública com pedido de liminar para remoção imediata do vídeo disponível no canal de streaming Netflix.
Na decisão, o promotor de Justiça Alexandre de Matos Guedes considerou que “nem o vídeo nem a empresa Porta dos Fundos está impedindo ou perturbando o acesso do reclamante ou da “coletividade cristã” a atos de exercício de seu culto e nem está atentando contra a prática de liturgias e/ou acesso aos locais de culto, na medida em que se trata de uma manifestação artística que só pode ser acessada por assinantes da empresa Netflix e, mesmo dentre estes, somente os que livremente optarem por assistir a esse audiovisual especifico”.
Observou ainda que, a mesma plataforma de vídeos abriga os filmes biográficos de denominação evangélica, como o do bispo Edir Macedo, o que mostra a neutralidade religiosa desse serviço de streaming. “Em outras palavras, só assiste o vídeo do “Especial de Natal” do Porta dos Fundos os que pagarem para tanto; os que assim não o quiserem não estão obrigados a assisti-lo; os cultos, rezas e orações cristãs permanecem sendo realizados normalmente em todo o país por quem assim o deseje”, afirmou.
Ainda conforme o promotor de Justiça, o inciso IX do artigo 5º da Constituição Federal estabelece que toda atividade artística é livre, independentemente de censura. Assim, “fica evidente que qualquer retirada do vídeo em questão iria de fato vulnerar os direitos constitucionais dos seus criadores, eis que, em razão de crenças alheias, seriam impedidos de veicular obra de sua autoria, concepção esta que a Constituição não permite”, explica Alexandre Guedes.
De acordo com o promotor de Justiça, também não cabe ao Ministério Público a defesa da “coletividade cristã”, pois, como integrante do Estado, ele não pode e não deve tomar qualquer medida de proteção a religiões específicas, por mais majoritárias que sejam. “Deste modo, não cabe a esta Promotoria a defesa da ‘coletividade cristã’ ou qualquer outra relativa a uma fé religiosa específica; o que o Ministério Público defende em diversas ações são os direitos humanos de praticantes de qualquer religião que esteja sob ataque de outrem, nos termos precisos do inciso VIII do art. 5º”, garantiu, lembrando que a República Federativa do Brasil é um Estado laico.
Homoafetividade – Segundo o reclamante, “dentre as inúmeras cenas de cunho pejorativo, a produção apresenta ‘Jesus’ como homossexual, em um relacionamento com uma figura que seria do ‘Diabo’. Além disso, apresenta ‘Deus Pai’, ‘José’ e ‘Maria’ como participantes de um triângulo amoroso, o que atenta à fidelidade no casamento pregada pela teologia Cristã. Como se não bastasse, apresenta ‘Jesus’ utilizando substâncias alucinógenas, etc.”.
Contudo, o promotor Alexandre Guedes destaca que de acordo com os artigos 1º e 5º da Constituição não se pode aceitar que a homoafetividade seja considerada como “pejorativa” a quem quer que se refira. “Ressalte-se que a condição LTBQ não é considerada doença ou característica infamante aos olhos da Constituição, não podendo essa condição servir de motivo juridicamente válido para repreensão estatal, através de ação judicial, como pedido na reclamação. Deve-se dizer que mesmo no campo religioso cristão a homoafetividade não é mais considerada de forma depreciativa”, argumentou, acrescentando que o pedido só teria guarida em sociedades totalitárias, onde não seria admissível o riso ou a ironia dos símbolos considerados como sagrados.
Ironia – Na decisão, o promotor enfatizou ainda ser preciso entender que a ironia e a sátira de figuras santas ou divinas não se constituem por si só em violação da liberdade de crença, até porque os indivíduos continuam livres para acreditar neles. Ou seja, o vídeo combatido não impede quaisquer pessoas de querer continuar acreditando em Jesus e certamente não as força a abandonar sua fé.
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