Direito Comercial

Fashion Law: Análise prática da Proteção Jurídica referente ao Limite entre a Criação e a Imitação

Gabriella Tavares Yang – Bacharela em Direito pela Faculdade Damas da Instrução Cristã. Advogada. Pós-graduanda em Direito Constitucional e em Direito Previdenciário. (E-mail: gabriella_y@yahoo.com)

Resumo: Diante do crescimento da indústria da moda o presente artigo tem por objeto o estudo sobre o direito autoral com ênfase em casos práticos que abordam o direito da moda e a concorrência desleal. Os litígios explicitados tiveram o objetivo de detalhar casos concretos em que alguns empreendimentos foram prejudicados material e/ou moralmente por concorrentes. Nessa senda o estudo do direito autoral na indústria fashion se mostra relevante, em razão da grande quantidade de concorrência ilícita ocorrente, com empresas almejando utilizar-se de pesquisa, pioneirismo e investimentos alheios. Visando essa finalidade foi realizada uma pesquisa descritiva, com análise bibliográfica e documental, método dedutivo e natureza qualitativa com o intuito de proteger produtos distintivos que vão além do sentido utilitário.

Palavras-chave: Direito do autor. Proteção à criação. Distinção. Imitação.

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Abstract: In view of the growth of the fashion industry, this article aims to study copyright, with an emphasis on practical cases that address fashion law and unfair competition. The disputes made explicit were intended to detail specific cases in which some projects were materially and/or morally harmed by competitors. Along this path, the study of copyright in the fashion industry is relevant, due to the large amount of illicit competition that has occurred, with companies aiming to use research, pioneering and other people’s investments. Aiming at this purpose, a descriptive research was carried out, with bibliographical and documentary analysis, deductive method and qualitative nature in order to protect distinctive products that go beyond the utilitarian sense.

Keywords: Copyright. Creation protection. Distinction. Imitation.

 

Sumário: Introdução. 1 Surgimento do Fashion Law. 2 Da Concorrência Desleal. 3 A linha tênue entre a criação e a imitação. 4 Análise prática. 4.1 Louboutin vs. YSL 4.2 Monange vs. Victoria’s Secret. 4.3 Hermès vs. Village 284. 4.4 A cor da Tiffany. 4.5 Caso do biquíni de crochê baiano. Conclusão. Referências bibliográficas.

 

Introdução

Este artigo pretende apresentar uma visão exemplificada sobre o Fashion Law, também conhecido como Direito da Moda. Essa indústria cresce cada vez mais e suas tendências costumam surgir e desaparecerem com bastante frequência, aumentando assim a quantidade de empresas especializadas em fast fashion.

Diante disso busca-se explicar conceitos e entendimentos sobre o direito na moda, abordando a necessidade de proteção a quem cria e aos meios de comercialização, também conhecido como direito autoral, visando a não concorrência desleal.

Sob esse viés é pretendido diferenciar uma inspiração à criação de uma imitação, a qual é danosa moral e economicamente ao criador, prejudicando empresas e artesãos que produzem verdadeiras obras de arte e os veem plagiados rapidamente.

Para isso será analisado casos litigiosos nacionais e internacionais importantes acerca do assunto com o intuito de atualizar os colegas sobre esse mercado competitivo e agressivo que cresce a todo momento e que muitas pequenas e médias empresas não têm conhecimento.

O estudo foi feito através da análise de artigos, livros e leis sobre o tema. Ademais a pesquisa é descritiva, com método dedutivo, natureza qualitativa com análise bibliográfica e documental, objetivando a obtenção do máximo de informações possíveis sobre esse tema multidisciplinar.

 

1 Surgimento do Fashion Law

O Direito da Moda, também conhecido como Fashion Law é um ramo do Direito multidisciplinar que vem crescendo cada vez mais. Ele pretende principalmente a proteção de direitos relativos aos autores de produtos da indústria da moda.

É oportuno salientar que hodiernamente a indústria da moda vem trazendo cada vez mais “tendências” e essas, por sua vez, são rapidamente ultrapassadas. Dessa forma, grandes empresas que passam por processos rigorosos de criação e produção de seus produtos acabam tornando-se vítimas de empresas “fast fashion”, que produzem produtos “do momento” a preços mais acessíveis para uma vultosa quantidade de consumidores.

É nesse cenário que o direito da moda se mostra essencial. Ele busca justamente proteger interesses de quem dispôs de grandes quantias monetárias (ou não) para criar e distinguir seus produtos dos demais e é prejudicado por imitações e/ou concorrência desleal, por exemplo. Outrossim, mostra-se necessária a consciência de que é através do direito autoral que se busca por indenizações em razão da usurpação de direitos de quem criou algo.

Essa vertente do direito recebeu maior atenção com um litígio na corte americana entre as marcas Louboutin e Yves Saint Laurent (YSL), na qual a primeira buscava retirar de circulação sapatos de sua concorrente que tinham o solado vermelho, alegando ser esse um diferencial distintivo de sua grife. A discussão mostra-se muito interessante pois questiona-se se uma marca teria ou não direito ao monopólio de uma característica, que no caso é um solado de cor vermelha. Tal caso será abordado em momento oportuno, bem como sua resolução.

Visando um melhor entendimento sobre o tema é interessante uma noção sobre direito autoral que segundo Bittar (2003) é uma vertente do Direito especializada em proteger autores e suas obras, bem como seus interesses econômicos. Seguindo esse viés o direito autoral seria um meio de proteger quem cria, para que essa pessoa possa ser recompensada e valorizada por sua obra, além de evitar que outrem se aproveite de criação alheia para auferir vantagem, seja ela econômica ou moral.

 

 2 Da Concorrência Desleal

A concorrência desleal é uma conduta ilícita em que comerciantes se utilizam de meios ilegais para obter mais clientes em detrimento de outros concorrentes que foram lesados.

Essa classificação da concorrência caracteriza-se por desonestidade e má-fé em que muitas vezes o próprio cliente não entende com clareza sua situação e, não raramente, é induzido ao erro, tornando-se tão vítima quanto o empreendedor lesado. Com uma análise atenta a casos concretos nota-se que há situações em que o empreendedor também não percebe a condição em que se encontra, até por ser tal proteção considerada “nova”, mas cabe enfatizar que tal prática é condenada civil e criminalmente.

Ademais a Lei da Propriedade Industrial – Lei 9.279/96 em seu art. 195 exemplifica situações em que se observa a concorrência desleal:

Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

I – publica, por qualquer meio, falsa afirmação, em detrimento de concorrente, com o fim de obter vantagem;

II – presta ou divulga, acerca de concorrente, falsa informação, com o fim de obter vantagem;

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

IV – usa expressão ou sinal de propaganda alheios, ou os imita, de modo a criar confusão entre os produtos ou estabelecimentos;

V – usa, indevidamente, nome comercial, título de estabelecimento ou insígnia alheios ou vende, expõe ou oferece à venda ou tem em estoque produto com essas referências;

VI – substitui, pelo seu próprio nome ou razão social, em produto de outrem, o nome ou razão social deste, sem o seu consentimento;

VII – atribui-se, como meio de propaganda, recompensa ou distinção que não obteve;

VIII – vende ou expõe ou oferece à venda, em recipiente ou invólucro de outrem, produto adulterado ou falsificado, ou dele se utiliza para negociar com produto da mesma espécie, embora não adulterado ou falsificado, se o fato não constitui crime mais grave;

IX – dá ou promete dinheiro ou outra utilidade a empregado de concorrente, para que o empregado, faltando ao dever do emprego, lhe proporcione vantagem;

X – recebe dinheiro ou outra utilidade, ou aceita promessa de paga ou recompensa, para, faltando ao dever de empregado, proporcionar vantagem a concorrente do empregador;

XI – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos, informações ou dados confidenciais, utilizáveis na indústria, comércio ou prestação de serviços, excluídos aqueles que sejam de conhecimento público ou que sejam evidentes para um técnico no assunto, a que teve acesso mediante relação contratual ou empregatícia, mesmo após o término do contrato;

XII – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de conhecimentos ou informações a que se refere o inciso anterior, obtidos por meios ilícitos ou a que teve acesso mediante fraude; ou

XIII – vende, expõe ou oferece à venda produto, declarando ser objeto de patente depositada, ou concedida, ou de desenho industrial registrado, que não o seja, ou menciona-o, em anúncio ou papel comercial, como depositado ou patenteado, ou registrado, sem o ser;

XIV – divulga, explora ou utiliza-se, sem autorização, de resultados de testes ou outros dados não divulgados, cuja elaboração envolva esforço considerável e que tenham sido apresentados a entidades governamentais como condição para aprovar a comercialização de produtos.

Pena – detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, ou multa.

  • 1º Inclui-se nas hipóteses a que se referem os incisos XI e XII o empregador, sócio ou administrador da empresa, que incorrer nas tipificações estabelecidas nos mencionados dispositivos.
  • 2º O disposto no inciso XIV não se aplica quanto à divulgação por órgão governamental competente para autorizar a comercialização de produto, quando necessário para proteger o público”.

Assim, com base nesse artigo é possível imaginar várias situações reais atuais em que há concorrência desleal. É muito comum empresas tentarem fazer confusões entre objetos e marcas, falsificarem produtos, denegrirem a imagem seus concorrentes, divulgar-se alegando vantagens que não possuem, dentre tantas outras formas em que é buscado a captação de cliente alheio de modo ilegal.

 

3 O limiar entre a criação e a imitação

O mundo da moda tem mudanças a todo instante, a cada dia que passa existem mais coleções com tendências diferentes. Com isso, as lojas de fast fashion vêm crescendo, visto serem “especializadas” a lançarem produtos “parecidos” com os que estão na moda, ou seja, parecidos com produtos que grandes grifes investiram para criar e vender.

A busca do consumidor por produtos cada vez mais similares com originais faz com que empresas como essas fast fashion busquem imitar tais produtos. O problema é que a imitação é crime, porém uma mera inspiração não o é, mas como se inspirar e criar algo diferente sem copiar?

Certamente empresas que copiam artigos de moda têm profissionais competentes, até porque plagiar produtos requer minuciosidade em detalhes mínimos que clientes fazem questão. Portanto não é por falta de capacidade que empresas plagiam, mas por comodidade e por almejarem tirar vantagem de criações que “já deram certo” e que os consumidores querem comprar.

Outrossim, o plágio pode ser criativo, como por exemplo copiando um modelo de evento, uma característica peculiar, como tantos outros modos possíveis de se tentar agregar valor de outra marca em sua própria. Diante disso o direito de autor recebe relevância, por buscar resguardar todo o investimento e criatividade de quem criou algo, visando a não cópia e assim a não obtenção de vantagem e credibilidade indevida.

Ademais, deve-se levar em conta que no ramo da moda muitos itens utilitários passam a ter proteção legal pois suas funções vão além de vestir ou calçar, por exemplo. Esses itens servem como objeto de luxo, obra de arte, ou até meio de ostentação, devendo assim serem protegidos legalmente.

 

 4 Análise prática

Diante do conteúdo abordado, é interessante a análise de casos práticos do ramo fashion, vertente do direito que vem crescendo e acrescentando cada vez mais jurisprudências.

Ressalta-se ainda ser o Fashion Law um tema cada vez mais discutido, porém sem respostas definitivas, pois cada caso deve ser avaliado com a legislação vigente no País e com suas peculiaridades. Assim, os seguintes litígios mostram-se apropriados para um melhor aprimoramento do tema.

 

4.1 Louboutin vs. YSL

Esse foi o famoso litígio que deu “origem” ao direito da moda. A seguinte disputa judicial foi entre duas grandes grifes: Louboutin e Yves Saint Laurent (YSL). Ambas são muito reconhecidas, contudo acontece que a primeira contém a característica de ter seus sapatos com solado vermelho, chamando assim bastante atenção e sendo muito utilizado entre celebridades. Destaca-se ainda que o solado vermelho foi registrado nos Estados Unidos, sendo, portanto, registrada tal característica da Louboutin nesse País.

Em 2011, alguns anos após o registro, a YSL relançou uma coleção de sapatos monocromáticos que entre outras cores havia o vermelho, dessa forma lançaram um sapato estilo salto alto vermelho com solado da mesma cor. Entretanto a característica do solado vermelho, como mencionado, remete a ideia de ser um Louboutin, ensejando então num processo em que a YSL é acusada de falsificação, violação e diluição de marca registrada, concorrência desleal e origem falsa. Em sua contestação com reconvenção a grife negou todas as acusações e requereu o cancelamento do registro do solado vermelho.

Em primeira instância o juízo entendeu que a YSL poderia sim continuar fabricando seus sapatos monocromáticos e decidiu acatar que o registro do solado vermelho fosse cancelado (IBAIXE; SABÓIA, 2014). Isso posto a Louboutin entrou com recurso no tribunal e conseguiu ter seus alegados direitos reconhecidos, sendo também mantido seu registro em razão do solado. Com essa nova decisão a YSL entrou também com um recurso e obteve o direito de permanecer com seus sapatos monocromáticos.

Pontua-se algumas das particularidades da sentença como ter ficado evidente que o solado vermelho é realmente uma característica distintiva da marca Louboutin e ser a grife reconhecida “de longe” ao se avistar um solado vermelho. É também notável que a empresa investiu vultosa quantia para conquistar uma ótima reputação e tal reconhecimento, devendo ser tal criação protegida, até porque houve registro de marca.

Outrossim foi discutida a questão do famoso solado ter adquirido outro sentido, em razão da marca a qual remete. Diante de diversas pesquisas foi decidido que realmente o modelo de sapatos criados pela Louboutin é distintivo, merecendo proteção legal. Contudo a YSL comprovou que antes mesmo da Louboutin registrar sua marca e estar associada com sapatos com solado vermelho ela já havia lançado calçados monocromáticos, entre eles de cor vermelha. Com isso, conseguiu o direito de continuar a produzir e comercializar tais modelos.

 

4.2 Monange vs. Victoria’s Secret

O Monange Dream Fashion Tour foi um grande evento realizado pela agência Mega Model com parceria da Rede Globo e patrocinada pela Monange. Tal evento caracterizou-se por ser um desfile que passava por diversas capitais nacionais com show ao vivo da banda Capital Inicial ao mesmo tempo em que reconhecidas modelos brasileiras desfilavam vestidas de lingeries e asas de anjo, tais como Adriana Lima, Alessandra Ambrósio, Isabeli Fontana e Izabel Goulart.

Acontece que a descrição do Monange Dream Fashion Tour se assemelhava demais com o Victoria’s Secret Fashion Show, evento que também conta com show ao vivo de artistas muito famosos, modelos de lingerie e com asas de anjo. Ainda, para assemelhar-se mais e causar confusão ao consumidor, o Monange Dream Fashion Tour contratou diversas modelos da Victoria’s Secret, causando um grande índice de similaridade.

Diante dessa situação a Victoria’s Secret processou a Monange e as empresas envolvidas pelo evento por concorrência desleal, alegando plágio nos desfiles dos réus.

Como mencionado, a concorrência desleal é um ato ilícito, devendo ser evitada e punida. Nesse sentido, destaca-se a Lei 9.279/96 em seu art. 2º, inciso V, e seu art. 195, inciso III:

“Art. 2º A proteção dos direitos relativos à propriedade industrial, considerado o seu interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País, efetua-se mediante:

[…]

V – repressão à concorrência desleal.

[…]”.

 

“Art. 195. Comete crime de concorrência desleal quem:

[…]

III – emprega meio fraudulento, para desviar, em proveito próprio ou alheio, clientela de outrem;

[…]”.

Ademais, o art. 5º, XXIX da CRFB/1988 expõe:

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

[…]

XXIX – a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País;

[…]”.

Analisando o caso exposto e a legislação vigente percebe-se que realmente o evento da Monange parece ser muito similar ao da autora do processo. Além de que observando as imagens dos 02 (dois) eventos que foram acostadas aos autos nota-se de imediato a reprodução, tornando-se praticamente impossível distinguir os dois eventos em razão da similaridade.

Nessa senda, é de conhecimento público que a parte autora foi fundada em 1977, na Califórnia e logo tornou-se uma marca referência em seus produtos, que abrangem principalmente lingeries e cosméticos. Sendo assim foi criado o Victoria’s Secret Fashion Show, um evento anual em que as mais famosas modelos do mundo desfilavam de lingerie, com asas de anjo, sendo por isso chamadas de “angels da Victoria’s Secret”. Tudo isso ao som de alguns dos melhores cantores mundiais do momento e com diversas celebridades na plateia e com altíssima cobertura da mídia.

Dessa forma não é difícil de imaginar que o evento é um grande sucesso, fazendo com que o desfile da marca americana seja televisionado para que milhões de pessoas possam assistir. Todavia, para que esse evento considerado imperdível por muitos telespectadores seja possível, há um alto investimento pela parte autora do processo, que dispõe de recursos desde os planejamentos, até o marketing, a manutenção da imagem, e os desfiles, que custam milhões de dólares.

A Victoria’s Secret afirma no processo que as asas de anjo fazem parte de sua identidade, sendo utilizadas ostensivamente em seus meios de comunicação, relacionando sempre as asas (referindo-se às angels) com sua marca por mais de 10 (dez) anos (MIGALHAS, 2011b).

A marca também pontua que o uso de seus símbolos distintivos por sua concorrente causa uma valorização da Monange sem ela ter investido, como fez a autora. Dessa forma, a empresa americana acusa a brasileira de se apropriar do investimento feito pela a autora, causando confusão entre os produtos e até influindo numa diluição dos clientes na Victoria’s Secret. Assim, do modo como a autora aborda a situação, haveria um enriquecimento ilícito por parte dos réus.

Ressalta-se ainda a afirmação da parte autora de que o modo como o evento da Monange foi realizado poderia induzir os consumidores a acreditar haver vinculação entre as marcas, o que acarreta em direto prejuízo para a autora, que não tem loja física no Brasil, mas a maioria dos brasileiros quando visitam suas  lojas no exterior acabam tornando-se consumidores da mesma. Isso sem contar nas pessoas que mesmo no Brasil preferem pagar o frete para obter produtos da marca americana.

Diante disso, a Victoria’s Secret pediu a análise de reportagens e comentários de experts da moda para que fosse possível observar a semelhança dos eventos. Isso além de proibir suas modelos de desfilarem nos eventos da Monange.

As rés, por sua vez, negaram a concorrência desleal e o plágio, afirmando não haver proteção aos direitos alegados pela autora. A Rede Globo, que também é réu, alegou ser os desfiles inspirados na “fauna, flora, guerreiras, trevas e luz” e que não houve lançamento de produtos novos e assim não poderia haver desvio de clientes.

Assim, o juízo decidiu que o evento da Monange foi lesivo aos direitos da parte autora de modo que a juíza Maria da Penha Nobre Mauro confirmou que as asas de anjo foram incorporadas na imagem da autora. Desse modo elas tornaram-se um sinal distintivo seu, merecendo então proteção legal, visando a não concorrência desleal e a não confusão entre as marcas. A juíza também pontuou que houve uma inspiração prejudicial no evento americano, visto o grau de similaridade, que pode chegar a ser proveitoso para uma parte, em detrimento da outra, fato que não pode ser permitido (MIGALHAS, 2013).

Nessa senda, o juízo decidiu que os eventos do Monange Dream Fashion Tour fossem impedidos de utilizar-se de símbolos distintivos da parte autora, como suas asas de anjo, ou qualquer outra característica que remeta a Victoria’s Secret. Ademais, foi decidido que as rés deveriam retirar imediatamente de suas redes socias qualquer foto ou alusão à parte autora, sob pena de multa diária de R$ 50.000,00 (cinquenta mil reais) e que seria devido o valor de R$ 100.000,00 (cem mil reais) a título de indenização à empresa americana (MIGALHAS, 2011b; MIGALHAS, 2013).

Em razão da decisão a acessoria de imprensa da Monange afirmou que iriam seguir as decisões da Justiça e que isso não influenciaria nos eventos. Porém, anos após o ocorrido, percebe-se que o evento da empresa brasileira não mais ocorre, ao contrário do evento da empresa americana.

 

4.3 Hermès vs. Village 284

A seguinte disputa judicial diz respeito a indústria de bolsas. Sabe-se que a Hermès é uma grife francesa reconhecida mundialmente por seus itens de luxo e por sua fabricação praticamente artesanal. Desse modo, suas bolsas custam milhares de dólares possuindo ainda alguns de seus itens mais exclusivos valores exorbitantes em razão de serem cravejados com diamantes e confeccionados com pele de crocodilo.

A Village 284, por sua vez, é uma acessível marca brasileira de fast fashion conhecida por vender produtos “da moda” e inspirados em itens desejados por seu público alvo. Ocorre que a empresa resolveu lançar uma coleção chamada de “I’m not the original”, traduzida como “eu não sou a original”, referindo-se às bolsas da Kelly e Birkin da Hermès, as quais essa coleção imitava.

Acontece que a similaridade entre as bolsas era muito alta, de modo que a distinção se dava pelo tecido do acessório, enquanto a Village 284 usou tecido de moletom, as originais são feitas com couro, dentre outros produtos mais valorizados, que agregam valor às peças.

Nessa situação a Hermès notificou extrajudicialmente a empresa brasileira para que interrompessem a produção e a comercialização das réplicas de sua marca em razão da concorrência desleal. Entretanto a reação da Village 284 foi ingressar com um processo judicial contra a Hermès requerendo a declaração de ausência de violação aos direitos autorais e de concorrência desleal por parte da autora. A grife francesa, por sua vez, apresentou contestação com reconvenção requerendo seus direitos com tutela antecipada (BARREIRA, 2014).

Em sua petição inicial a fast fashion também alegou não ser a parte ré a titular do direito de autoria pelo design da bolsa, visto ter sido criada por um funcionário seu; que por serem fabricadas industrialmente não estariam protegidas pelos direitos autorais e negaram qualquer indício de concorrência desleal (BARREIRA, 2014). A Hermès contestou afirmando fazer jus às proteções legais referentes ao direito de autor e que houve concorrência desleal.

Em 2011 foram deferidas as liminares requeridas pela parte ré, ordenando que a Village 284 retirasse de circulação imediata as imitações e que não mais se fabricassem as peças.

Nesse viés foi decidido que houve sim ofensa aos direitos autorais da Hermès e que essa sofreu concorrência desleal. Ainda sobre o tema, determinou-se que a grife seria a parte legítima desses direitos autorais em razão do criador das bolsas ter sido seu funcionário no momento da criação da peça, ele foi contratado para tal labor. Não obstante foi observada diversas fotografias das bolsas fabricadas pelas partes e foi constatada a reprodução prejudicial à ré.

Pontua-se que o prejuízo não requer necessariamente que o cliente da marca estrangeira compre a bolsa “I’m not the original”. A diluição da marca, que estava sendo exposta em diversas lojas e redes sociais com preços “populares” para modelos idênticos por si só já desvalorizam os produtos originais. Outrossim foi destacado que as bolsas da Hermès vão além de sua função utilitária de guardar objetos, seus clientes compram esse item luxuoso com a intenção de comprar uma obra de arte, visando a ostentação, é um item quase que manufaturado e exclusivo.

Com essa decisão conclui-se que o País tem se posicionado contra a apropriação indevida de obra alheia, protegendo peças originais da concorrência desleal. No caso abordado a parte autora foi condenada a não comercializar ou produzir qualquer item similar a parte ré sob pena de multa; ao pagamento de danos materiais; pagamento de danos morais e a divulgar em jornais de grande circulação a prática do ato ilícito (MIGALHAS, 2011a).

 

4.4 A cor da Tiffany

Um caso bastante interessante sobre o tema é o da joalheira Tiffany. A marca conseguiu vincular uma cor a ela mesma de modo que ao se falar em Tiffany, remete-se imediatamente à sua cor, que ficou nomeada como azul Tiffany e é reconhecida no mundo todo.

A joalheria, uma das mais sofisticadas e caras do mundo é símbolo de glamour para diversas pessoas que sonham com suas peças. Contudo, até então, seria apenas mais uma joalheria sofisticada, mas a Tiffany foi além, ela fez com que seus produtos recebessem maior valorização com a criação de sua própria cor, o “1837 Blue”.

Essa cor, escolhida pelo fundador da Tiffany & Co., o falecido Charles Lewis Tiffany para a capa do “Blue Book”, uma espécie de livro/catálogo com peças da joalheria e diamantes leva o nome de “1837 Blue” em homenagem ao ano da fundação da joalheria e a sua cor.

Salienta-se o investimento com a cor, para que fosse associado mundialmente com a grife. Diversas campanhas publicitárias foram feitas; filmes, a exemplo de bonequinha de luxo; o uso reiterado de celebridades com peças da marca e a valorização de suas caixinhas e sacolas, também conhecidas como “Blue boxes da Tiffany” que de longe chamam atenção.

Acredita-se que a cor que uma empresa se associa é muito importante para sua imagem, até porque grande parte da experiência humana ocorre através da visão e nesse sentido o tom do azul da Tiffany foi certeiro. Uma cor poderosa, vibrante e emotiva que ficou associada com bons sentimentos como a felicidade, sendo usada até hoje como tema de festas de aniversário e casamento (HOW, s.d.).

Destarte, em 2001 a Tiffany procurou a Pantone, uma empresa especializada em desenvolver cores para padronizar “sua” cor, almejando que em todos os países em que haja uma loja Tiffany, inclusive no Brasil, as sacolas e itens que remetem ao seu tom de azul tivessem sempre a mesma tonalidade.

Nesse viés sua produção é personalizada e sua cor foi protegida como marca registrada nos Estados Unidos e em alguns países aos quais a legislação permitiu. Assim, a cor não está publicamente disponível nas cartelas da Pantone, visando uma proteção aos investimentos da Tiffany (HOW, s.d.).

Esse registro da cor da Tiffany como sua propriedade e inevitavelmente parte da marca da joalheria é economicamente interessante visando o não uso da cor em caixinhas e publicidades de outras joalherias que ensejam aproveitar-se da valorização da cor com os produtos da Tiffany em seus próprios itens. A intenção da grife é justamente registrar para evitar ter sua marca relacionada a outras joalherias que buscam absorver mais valor por meio de associações sem cabimento em relação à cor da Tiffany (GIORDANO, 2019).

Isso posto, é necessário esclarecer que o uso na logomarca e suas embalagens são protegidos, porém não para tudo, apenas referindo-se a situações e coisas específicas. Destarte, se alguém quiser pintar seu carro de azul Tiffany, é possível, ainda que a cor esteja registrada. A vedação se concretiza em situações e coisas em que pode haver a confusão de produtos da Tiffany com similares.

Ao contrário do ocorrido em solo americano, no Brasil as cores não podem ser tidas como propriedade, o que é o desejo de muitas marcas. A legislação brasileira proíbe o registro de cores isoladas, sendo apenas possível quando há uma combinação distintiva de mais de uma cor. Assim, percebe-se que apesar do azul Tiffany ser proibido em associação a itens similares da joalheria, no Brasil a legislação não veda o uso da cor por si só.

 

4.5 Caso do biquíni de crochê baiano

Esse caso envolve uma artesã paulista, Solange Ferrarini, radicalizada em Trancoso, na Bahia, desde o final do século passado e que desde então sobrevive da venda de biquínis de crochê coloridos criados pela mesma.

Esses famosos biquínis fazem sucesso nas praias de Trancoso, principalmente entre turistas, onde a artesã os vende por cerca de R$ 500,00 (quinhentos reais). A combinação de crochê, ser colorido, com cores vibrantes e bem composto chamaram bastante atenção à criação da artista.

Acontece que certo dia, enquanto estava vendendo seus biquínis na praia de Trancoso, Solange soube por uma cliente que ela havia comprado um “igual” nas Filipinas, certamente Solange estranhou e procurou saber como isso seria possível, se foi sua criação.

Posteriormente foi descoberto que os biquínis de modelo similar aos da brasileira foram registrados pela a turca Ipek Igit. Soube-se então que ela esteve no Brasil anteriormente, inclusive na cidade de Trancoso e que tinha comprado a peça da Ferrarini. Muitas das informações sobre o caso foram possíveis em razão de desavenças entre a turca e sua ex sócia e amiga, a designer Sally Wu, que contou sua versão dos fatos.

Segundo Sally Wu, Irgit havia comprado o biquíni sem pretensão de comercializá-lo, porém, após usá-lo e ser muito elogiada, a turca procurou sua amiga e pediu-lhe que a ajudasse a reproduzi-lo para a venda. Desse modo, foi concretizada a parceria entre as duas e o biquíni passou a ser comercializado mundialmente.

Assim, após o fim da parceria das amigas, foi divulgado um email da turca para Sally com fotos do biquíni a ser imitado. Outrossim, ampliando-se as imagens foi possível verificar o nome de Solange, seu telefone para contato e o nome Trancoso – Bahia – Brasil, que a artesã escrevia num elástico na parte de dentro do biquíni (CORREIO, 2019).

Sally ainda informou que em uma de suas discussões ela acusou a amiga de fraude, até porque a turca teria dito a amiga que queria imitar o biquíni comprado no Brasil (FANTÁSTICO, 2019).

Dessa forma, diante da descoberta da fraude praticada contra si, a brasileira resolveu procurar seus direitos e deu entrada em um processo contra a turca que já faturou mais de US$ 20.000.000,00 (vinte milhões de dólares) com a peça (FANTÁSTICO, 2019).

Diante do sucesso do biquíni, Irgit registrou-o para evitar que alguém fizesse o mesmo que ela fez com Solange, até porque o biquíni ficou muito conhecido. Ademais, o biquíni chamou tanta atenção que diversas celebridades nacionais e internacionais foram vistas usando a peça, a exemplo de Margot Robbie, Heidi Klum, Bella Hadid, Giovanna Ewbank, Alessandra Ambrósio, Camila Queiroz, Irina Shayk, Cara Delevingne, dentre outras.

Pressupõe-se dessa maneira que a turca acreditava que por Solange morar num local distante e na praia não descobriria seu ato ilícito, não tendo como buscar seus direitos pelo fato danoso. Entretanto a turca não levou em consideração o mundo globalizado em que vivemos. Cabe ainda mencionar que o biquíni vendido pela Ipek Irgit custava cerca de US$ 285, 00 (duzentos e oitenta e cinco dólares), na época cerca de mil e cem reais, tendo sido produzido na China, por cerca de US$ 29,00 (vinte e nove dólares), cerca de cento e dez reais (GLAMURAMA, 2020).

Assim, diante de provas testemunhais e das fotos disponibilizadas referentes às trocas de email entre as ex sócias é possível constatar a apropriação autoral por parte de Ipek.

 

Conclusão

O estudo sobre o direito autoral na indústria da moda mostra-se interessante em razão do crescimento e da grande quantidade de plágios no ramo.

Como abordado, o Fashion Law obteve maior desenvolvimento e reconhecimento após o litígio na corte americana entre a Louboutin e YSL acerca do solado vermelho. Essa disputa ocasionou diversos questionamentos sobre o que seria passível de proteção ou não e, além disso, proporcionou questionamentos sobre quais critérios devem ser levados em consideração ao se decidir que uma característica de um produto faz parte da marca.

Dessa forma é preciso evitar a concorrência desleal de modo a proteger as criações e investimentos de quem inventa algo único, inédito e que assim agrega valor, reconhecimento e prestígio ao seu produto.

Diante disso foi analisado litígios judiciais envolvendo grandes marcas da indústria fashion que buscaram seus direitos de ter suas produções protegidas de imitações que prejudicam sua imagem, ou até se aproveitam ilegalmente do sucesso alheio.

Conclui-se então que o direito da moda busca proteger os interesses de autores que agregam valor a um produto, mesmo que utilitário, acrescentando um novo sentido a ele. Esse “novo” produto torna-se muito mais do que uma bolsa, ou uma vestimenta, por exemplo. Ele passa a ter uma característica distintiva, fazendo com que os consumidores desses produtos paguem caro pela exclusividade e status que eles possuem. Dessa forma é possível perceber na prática a importância da proteção à produtos diferenciados que vão além do uso utilitário.

 

Referências bibliográficas

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