Antônio Leonardo Amorim
RESUMO: Em razão da cultura capitalista imposta na sociedade é imprescindível o controle do Estado nas relações de trabalho e emprego, até mesmo porque o empregado que é a parte hipossuficiente nas relações de emprego não tem condições de sozinho frente ao poder do empregador proceder às negociações e se manter no trabalho. O pleno emprego apenas se concretizará com emprego efetivamente garantido ao empregado, que após isso, terá a efetivação de seus direitos sociais. Pós reforma trabalhista verifica-se o aumento das mitigações de direitos trabalhistas dos empregados, o que se dá em razão da necessidade da busca pelas empresas pelo aumento de sua renda. Por vezes, os empregados em decorrência de flagrantes violações de direitos acabam por pedir demissão de seus postos de trabalho, o que inviabiliza a concretização do pleno emprego e efetivação de direitos sociais. Com isso, neste trabalho será abordado a garantia do pleno emprego como forma de efetivação de direitos sociais empregado, ainda que esse tenha feito o pedido de demissão antecedente ao reconhecimento do seu direito de rescisão indireta.
Palavras-chave: Direitos Humanos, Direitos Sociais, Empregado, Pleno Emprego.
GUARANTEE OF FULL EMPLOYMENT AS A FORM OF EFFECTIVENESS OF SOCIAL RIGHTS
Abstract : Because of the capitalist culture imposed on society, it is essential to control the state in the relations of work and employment, even because the employee who is the underemployed in employment relations can not stand alone with the employer’s power to negotiate and if keep at work. Full employment will only materialize with employment effectively guaranteed to the employee, who will then have the fulfillment of his social rights. Post-labor reform shows the increase in the mitigation of labor rights of employees, which is due to the need for companies to increase their income. Employees, as a result of flagrant violations of rights, sometimes call for dismissal of their jobs, which makes it impossible to achieve full employment and the realization of social rights. Thus, this paper will address the guarantee of full employment as a form of effective social rights employee, even if the latter has made the request for dismissal prior to the recognition of his right of indirect termination.
Keywords: Human Rights, Social Rights, Employee, Full Employment.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE GARANTIA DO PLENO EMPREGO; 1.1 GARANTIA DO PLENO EMPREGO COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS; 1.2 O ACESSO AO EMPREGO COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA; 2. RESILIÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO A PEDIDO DO EMPREGADO – FORMA DE EXTINÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO; 2.1 OS PREJUÍZOS DO PEDIDO DE DEMISSÃO; 2.2 O DESEMPREGO COMO FORMA DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS SOCIAIS; 3. CONCLUSÃO. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
As relações de trabalho e emprego tendem a ser protegidas por meio de normas expressas na Consolidação das Leis do Trabalho, a fim de que se proteja o empregado que na relação de emprego é a parte hipossuficiente.
Como formas de proteção do emprego a todos os empregados temos Convenções internacionais expedidas pela Organização Internacional do Trabalho, que basicamente são mandamentos de otimização, para que os Estados signatários dêem cumprimento integral à proteção dos direitos sociais dos empregados, como forma de garantia do mínimo existencial, quando da ratificação dessas normas.
Dito isso, vale consignar que o objetivo principal deste trabalho é justamente demonstrar a necessida da garantia do pleno emprego como forma de efetivação de direitos sociais empregado quando da ocorrência de faltas do empregador durante o contrato de trabalho vindo a ensejar a rescisão indireta.
Como forma de garantia do pleno emprego de respeito às normas protetivas existentes, a verificação dessa possibilidade tem papel fundamental para garantia da promoção do trabalho em condições dignas ao empregado.
Por vezes, o empregado sofre durante o seu contrato de trabalho diversas violações que podem ser suficientes a ensejar a rescisão indireta do contrato de trabalho, essa possibilidade tem respaldo no art. 483, da Consolidação das Leis do Trabalho, onde se tem um rol taxativo de meios para o empregado considerar rescindido de forma indireta seu contrato de trabalho.
Essa pesquisa foi dividida em três partes. A primeira parte se tem a discussão do que é pleno emprego e sua forma de concretização, na segunda parte em consonância com a primeira se discute o meio de rescisão do contrato de trabalho pelo empregado, mas conhecido como resilição pela doutrina. Na terceira parte será confrontado os dados colhidos para expressar se há ou não a necessidade de garantia do pleno emprego como efetivação dos direitos humanos e sociais.
Dessa forma, a presente pesquisa, será desenvolvida a partir do método indutivo e dedutivo, objetiva, por meio de material bibliográfico e documental, para o fim de demonstrar que é possível a rescisão indireta do contrato de trabalho ainda que o empregado tenha feito o pedido de demissão.
Pois bem, considerando tais explanações fazem-se necessários verificar o que a doutrina vem relatando sobre a possibilidade de reversão do pedido de demissão em rescisão indireta, como forma de garantia do mínimo existencial ao empregado.
2 CONSIDERAÇÕES INICIAIS SOBRE GARANTIA DO PLENO EMPREGO
O vocábulo emprego dentro do contexto jurídico do pleno emprego tem como forma meio de prover a subsistência dos seres humanos como pessoas que promovem com o seu trabalho o seu bem social.
Ao definir o emprego como uma forma de prover a subsistência, Aurélio Buarque de Holanda Ferreira (1999, p.741) afirma que a “maneira de prover a subsistência mediante ordenado, salário outra remuneração a que se faz jus pelo trabalho regular em determinado serviço, ofício, função ou cargo”.
Assim, verifica-se que a noção de emprego está associada à relação formal econômica, ou seja, o empregado trabalha para prover o seu sustento e de sua família, até mesmo porque ninguém trabalha por “hobby”, pessoas trabalham para subsistir.
O conceito de trabalho difere do conceito de emprego, trabalho tem como uma de suas acepções a “atividade coordenada, de caráter físico e/ou intelectual, necessário à relação de qualquer tarefa, serviço ou empreendimento” (FERREIRA, 1999, p. 1980).
Trabalho é considerado como atividade adepta ao homem, com conteúdo físico, psíquico e corresponde ao emprego de energia humana, com vista a alcançar o resultado útil da vida (GODINHO, 2017, p. 285).
Saber diferença entre emprego e trabalho é de extrema relevância para o direito, até mesmo porque um é gênero do outro, e saber quão diferente é relação de trabalho e relação de emprego é preciso valer-se dos ensinamentos de Maurício Godinho Delgado (2017, p. 285).
A forma de trabalho autônoma é realizada por um agente que se obriga a realizar determinadas atividades de cunho pessoal ou não, não sendo esse um requisito necessariamente peculiar para caracterizar, mas sim sendo uma prestação de trabalho sem a presença da subordinação, essa sim, condição peculiar para a caracterização dessa forma de trabalho.
De outro lado, temos o trabalho eventual, o qual é regulado pela Lei n.º 6.019, de 3 de janeiro de 1974, a qual traz que o trabalho eventual se caracteriza por uma obrigação assumida pelo trabalhador, de realização pessoal e subordinada, porém, inexiste a habitualidade.
Como mencionado, à relação de emprego é uma das modalidades da relação de trabalho, que desde o surgimento do capitalismo se apresenta como sendo a mais importante forma de prestação de trabalho, justamente por fazer com que as pessoas se tornem subordinada em prol do capitalismo.
A relação de emprego se caracteriza pela presença de cinco requisitos, os quais podem ser extraídos dos artigos 2º e 3°, da Consolidação das Leis do Trabalho, quais sejam, que o empregado seja necessariamente uma pessoa física, que presta serviço de natureza não eventual, com pessoalidade, laborado de forma subordinada ao tomador, de forma onerosa.
Disse que a relação de trabalho surge para anteder os anseios do capitalismo, justamente com fundamento no posicionamento doutrinário de Paulo Sério do Carmo (2007, p. 30-31) que ao falar sobre a produção industrial faz um paralelo com a criação da figura do empregado, o qual se ocupou da figura do trabalhador, esse até então autônomo, para se tornar subordinado, deixando o papel de titular, para vender sua fora de trabalho.
E mais, é com o sistema de produção industrial que os trabalhadores, agora chamados de empregados, pedem inteiramente sua independência, passando a ser subordinado a um empregador, logo, deixam de ter controle dos produtos de seu labor (CARMO, 2007, p. 32).
Isso faz com que o os empregadores exerçam sobre os empregados uma relação jurídica desigual, justamente em razão da sujeição existente na relação de emprego, que fora o suficiente a trazer a ocorrência da gênese do Direito do Trabalho em limitar o poder do empregador sobre o empregado (DELGADO, 2007, p. 286).
Pois bem, em uma sociedade que se funda em valores sociais, o trabalho exercido em condições devidamente remuneradas, deve ser digno e se relacionar com o direito à vida garantida constitucionalmente no art. 5°, CF.
Essa afirmação se dá pelo fato de que todos os empregados utilizam de sua força de trabalho para proverem seu sustento e de seus familiares, por esse motivo, deve o trabalho ser visto como um direito de todos os cidadãos.
A democratização das relações de trabalho fez com que surgisse o pleno emprego, que é a concretização da condição do mercado, no qual qualquer empregado está em condições dignas para trabalhar, bem como está disposto a encontrar um trabalho remunerado (ASSIS, 2002, p. 17).
Ainda se discute se o termo pleno emprego se adequa à realidade vivida no século XXI, ao analisar o conceito acima exposto de forma restritiva pode-se concluir que quando se fala em pleno emprego faz-se também análise do exercício da atividade exercida pelo empregado com vinculação à sua remuneração, logo, chega-se a conclusão de que o termo pleno emprego se mostra adequado.
Além do mais, sobre o pleno emprego existe uma contradição que vige sobre o Estado Liberal, justamente porque o valor da liberdade faz com que o empregado se exalte sem que o Estado faça nenhum tipo de coação. Assim, esse modelo de Estado Liberal faz com que a forma de produção capitalista insurge contra a sociedade, a qual ficará exposta as situações de arbítrios por ditados pelo capitalismo, gerando por via reflexa maiores impactos econômicos, desigualdade social, desemprego e miséria.
Surge então o Estado Social na segunda metade do século XX, o qual muito embora mantenha as formas estruturadas pelo capitalismo, se preocupa e passa a garantir constitucionalmente a justiça, democracia, liberdade e igualdade, com vistas a garantir efetividade aos mandamentos e valores contidos nas Declarações de Direitos Fundamentais (BONAVIDES, 2007, p. 32).
José Abrão Abrantes (2005, p. 27-28) afirma que o Estado Social de Direito se “caracteriza pelo intervencionismo estatal com fins de solidariedade e justiça social”, isso faz com que o regime estabelecido seja suficiente a ensejar o surgimento de novos direitos, importando comportamento do Estado.
Afirma Roseli Rêgo Santos (2015, p. 5255):
A conformação do pleno emprego como um direito é uma expressão do Estado Social, que tem como pressuposto a intervenção estatal na ordem econômica que pode definir a função e até mesmo do conteúdo de determinados direitos. Sendo assim, a noção de direito do trabalho remunerado ou o pleno emprego nasce a partir da conformação desses direitos sociais, como direitos fundamentais de segunda dimensão. Dessa feita, o poder público tem o compromisso de promover as condições para que a liberdade e a igualdade na obtenção de um trabalho digno e remunerado sejam real e efetivamente reconhecidas aos indivíduos, devendo para isso remover os obstáculos que impedirem ou dificultarem sua plenitude.
Assim, o pleno emprego se cria com o objetivo de promoção da liberdade entre empregado e empregador, igualdade para todos, quando da busca de um trabalho em condições dignas, bem como que seja esse emprego remunerado de forma adequada.
2.1 GARANTIA DO PLENO EMPREGO COMO MEIO DE EFETIVAÇÃO DE DIREITOS SOCIAIS
Garantir o pleno emprego é forma suficiente de efetivar direitos sociais dos empregados, como determinação constitucional (art. 1º, III, CF) e mandamentos principiológicos do direito do trabalho.
O primeiro viés da promoção do pleno emprego está relacionado ao trabalho exercido em condições dignas e adequadamente remunerado, isso faz com que tenhamos em mente o dever mandamental de garantia do Estado em promoção desses direitos.
O trabalho digno é considerado pela doutrina de Maurício Godinho Delgado (2017) como sendo uma forma de direito fundamental do trabalhador, e para melhor interpretar como é esse direito fundamental será necessário demonstrar historicamente o seu surgimento. Consta que na segunda metade do século XX, por meio da constitucionalização de direitos, o direito do trabalho alcançou status constitucional, tendo os primeiros registros sido verificados nas constituições do México de1917 e na da Alemanha em 1919.
A constitucionalização dos direitos fundamentais do trabalho no Brasil aconteceu de forma progressiva e regressiva e foi apenas na Constituição de 1824 que tivemos o primeiro registro de garantia de direito fundamental, onde constava expressamente a liberdade na realização do trabalho seja por meio de ofício ou produção, porém, de forma diametralmente oposta as mulheres e os homens analfabetas não poderiam participar da vida política.
Com a Constituição de 1891 tivemos a possibilidade reconhecida de associação e reunião dos trabalhadores, isso na verdade era consequência do mesmo sentido mandamental exposto na Constituição Federal de 1934, a qual trouxe como forma nova a ocorrência de constitucionalização dos direitos sociais.
Acentua José Afonso da Silva (2000, p. 84) que “a Constituição de 1934 foi a primeira a introduzir normas jurídicas referentes à ordem econômica e social, apesar de a maioria delas ainda se revestir de caráter programático”.
Ainda que se leve em consideração o grande avanço constitucional dado pela Constituição de 1934 como primeira a garantir e introduzir no patamar constitucional os direitos sociais dos cidadãos, sua eficácia não durou nenhum um ano, pois com o Estado de Sítio de 1935 de Getúlio Vargas tivera seus efeitos cessados.
Avançando historicamente, foi na Constituição de 1937 que tivemos o registro de surgimento do sindicato único e do imposto sindical obrigatório e nesse mesmo período de validade da norma constitucional que a Consolidação das Leis do Trabalho foi aprovada, por meio do Decreto Lei n.º 5.452, de 1º de maio de 1943 foi promulgada e entrou em vigor no Brasil.
Lado outro, a Constituição de 1946 foi à primeira de todas as Constituições Brasileiras a tratar da dignidade da pessoa humana como garantia constitucional, além disso, expressou a previsão da garantia da dignidade da pessoa humana no tocante ao valor social do trabalho, como forma de garantia da existência de uma vida digna a todos os empregados, o que reafirma que o pleno emprego meio suficiente de garantia de direitos humanos sociais dos trabalhadores.
Esse avanço histórico de grande importância e conquista de efetivação de direitos fundamentais não durou muito tempo, pois em 1964 com o Golpe Militar de perdeu seus efeitos. Após esse período, a Constituição de 1967 com o fim de promoção de direitos básicos a todos os cidadãos criou o Tribunal Superior do Trabalho e dos Tribunais Regionais do Trabalho.
Porém, tão somente com a Constituição Federal de 1988, a considerada pela doutrina como a ordem constitucional de maior evolução e garantias deste país, principiologicamente estampou a dignidade da pessoa humana, o valor social do trabalho e a justiça social. Nessa perspectiva Mauricio Godinho Delgado (1992, p. 45-46) afirma que:
A nova Constituição da República inscreve-se como a mais substantiva Carta de Direitos produzida pelo constituinte do País, em toda a história política brasileira. Até topograficamente, a Carta de 88 evidencia a prevalência da pessoa humana em seu interior, certificando em seu frontispício, capítulos e normas iniciais, direitos de caráter individual e social, que ocupam o espaço aberto por todas as Cartas anteriores exclusivamente às entidades estatais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios. É relevante, social e politicamente, essa distinção no tratamento jurídico, incompreensíveis o fato e o conceito de cidadania sem o instrumental e estatuto jurídico hábeis a lhes conferir consistência prática. O encouraçamento jurídico da noção de cidadania é aspecto importante à sua efetiva configuração social.
Foi com a Constituição de 1988 que tivemos garantidos o patamar civilizatório mínimo do direito do trabalho, com expressa previsão no art. 7°, onde se tem um rol exemplificativo de direitos sociais mínimos, promotores da garantia do pleno emprego como efetivador de direitos sociais, que inicia afirmando que “são direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social”.
Para a Organização Internacional do Trabalho o conceito de trabalho digno se restringe às aspirações do ser humana como principal elementar dessa garantia (2010, p. 1):
O conceito de trabalho digno resume as aspirações do ser humano no domínio profissional e abrange vários elementos: oportunidades para realizar um trabalho produtivo com uma remuneração equitativa; segurança no local de trabalho e protecção social para as famílias; melhores perspectivas de desenvolvimento pessoal e integração social; liberdade para expressar as suas preocupações; organização e participação nas decisões que afectam as suas vidas; e igualdade de oportunidades e de tratamento para todas as mulheres e homens.
Quando se fala em trabalho exercido em condições dignas a fim da garantia do pleno emprego é forma suficiente de obedecer e dar cumprimento às normas internacionais emanadas pela OIT, ainda mais porque esse órgão tem como principal função emanar mandamentos de otimização.
O conceito de trabalho decente emanado pela OIT tem estrita correlação com a promoção do pleno emprego como fim de garantia de direitos fundamentais, justamente porque esse é um meio suficiente para alcança-lo.
Para Gabriela Neves Delgado (2006, p. 55) não existe outra forma de se concretizar o direito à vida digna sem que seja promovido pelo estado o trabalho digno:
Não há como se concretizar o direito à vida digna se o homem não for livre e tiver acesso ao direito fundamental ao trabalho também digno. Da mesma forma, não há possibilidade real do exercício do trabalho digno se não houver verdadeira preservação do direito fundamental à vida humana digna.
Por isso, uma vez resguardando ao empregado o exercício do seu trabalho em condições dignas, certamente esse alcançará o pleno emprego como forma de garantia do seu trabalho e proteção, com o fim mediato de busca da efetivação de direitos humanos sociais dos trabalhadores.
1.2 O ACESSO AO EMPREGO COMO FORMA DE EFETIVAÇÃO DO DIREITO À DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA
Os constitucionalistas empregam a expressão direita fundamental para demonstrar o conjunto de direitos inerentes à pessoa humana reconhecida expressamente ou ainda implicitamente pela constituição.
Sobre o conceito de direitos fundamentais o melhor conceito é o de Canotilho (2002, p. 1378), o qual informa que:
(…) os direitos fundamentais em sentido próprio são, essencialmente direitos do homem individual, livre e, por certo, direito que ele tem frente ao Estado, decorrendo o caráter absoluto da pretensão, cujo exercício não depende de previsão em legislação infraconstitucional, cercando-se o direito de diversas garantias com força constitucional, objetivando-se sua imutabilidade jurídica e política.
O direito fundamental tem duas funções, e sobre essas funções Canotilho traz a seguinte conceituação (2002, p. 541):
Os direitos fundamentais constituem num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual, implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa).
Tendo em vista as ampliações e as transformações pelo decurso do tempo sobre direitos fundamentais dificulta apresentar um conceito único, ainda mais em razão das várias formas como os direitos fundamentais é empregada. Assim, conclui-se que o significado que compõe a palavra é quem serão responsável pela melhor expressão de direito fundamental.
Para Miguel Reale (1995, p. 64-65) direito fundamental compreende:
(…) os diversos sentidos da palavra “direito” correspondem a três aspectos básicos distintos e interdependentes: “um aspecto normativo (o Direito como ordenamento e sua respectiva ciência); um aspecto fático (o Direito como fato, ou em sua efetividade social histórica) e um axiológico (o Direito como valor de Justiça)”. Ocorrendo o fenômeno jurídico, os três aspectos do direito se encontrarão, interagindo, de modo que para todo fato haverá um valor agregado axiologicamente e, consequentemente, uma norma que integrará o fato e o valor.
No tocante ao termo fundamental, esse traz a essência do que é indispensável e básico para convivência humana, correspondendo como direitos e garantias que devem ser resguardados e implementados por lei.
Por essa razão, podemos afirmar que “[…] os direitos fundamentais representam a concretização daqueles direitos e garantias reconhecidos como essenciais a todos os indivíduos indistintamente” (MATTOS JUNIOR, 2009, p. 8).
O direito ao trabalho em condições dignas são meios suficientes para que se efetive à dignidade da pessoa humana e isso é um compromisso que o Estado firmou quando do resguardo constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, CF), como sendo um dos fundamentos da República Federativa do Brasil.
Dito isso, é de se considerar que o trabalho humano é um direito fundamental, logo, como de fato é protegido pela Constituição de 1988, deve ser resguardado e promovido pelo Estado, sob pena de violação a preceitos fundamentais de garantia.
Desse modo, por ser o direito de acesso ao trabalho como um direito fundamental do cidadão, com fins de promoção e garantia de acesso a postos formais de trabalho o Estado deve promover a sua ocorrência.
O contrato de trabalho se inicia com a contratação do empregado para realizar as atividades para o empregador, o contrato tem seu curso e pode-se chegar ao final por meio da sua extinção, dentre uma delas temos o pedido de rescisão pelo empregado.
Dentro da forma de extinção do contrato de trabalho temos a incidência de três formas, as quais são conhecidas como rescisão, resolução e resilição. A que nos interessa no caso em estudo é a resilição, que é a forma de pedido do empregado de rescindir seu contrato de trabalho, porém, antes, se faz necessário explicar as outras formas de extinção.
Rescisão do contrato de trabalho é uma das formas da extinção do contrato, que ocorre em razão da verificação de algum tipo de nulidade ou vício insanável no contrato de trabalho, como é o caso da ilicitude do contrato de trabalho, realização desse termo em condições inadequadas (FRANCO FILHO, 2015, p. 194).
De outro lado, a resolução ocorre quando o empregado no curso do contrato de trabalho incorra em alguma das faltas graves contidas no artigo 482, da Consolidação das Leis do Trabalho, fazendo com que o contrato de trabalho tenha por seu fim a extinção por justa causa, a qual é demasiadamente prejudicial ao empregado, por receber menos verbas rescisórias (FRANCO FILHO, 2015, p. 195).
A resilição, objeto de estudo nesse tópico, ocorre de três formas, a primeira é por meio de incentivo, onde o empregador por meio de plano de desligamento voluntário incentiva o empregado a rescindir seu contrato de trabalho e, por isso receberá algumas vantagens.
Outra forma é a despedida, onde o empregador mesmo que sem motivos, considerada pela doutrina como dispensa imotivada (GODINHO, 2017), que fará com que o empregado receba a maior quantidade de verbas rescisórias quando do término de um contrato de trabalho.
Por fim, temos a forma de extinção do contrato de trabalho pelo pedido de demissão, onde o empregado por sua própria iniciativa pede ao empregador para sair do emprego, ocorre que nesse caso receberá menos verbas trabalhistas.
Sobre essa forma de extinção do contrato de trabalho Georgenor de Sousa Franco Filho (2015, p. 206) afirma que:
A demissão é a saída voluntária do empregado, um ato unilateral através do qual declara ao empregador seu desejo de não mais continuar a prestar seu trabalho. É necessário que observe a regra contida no art. 487, §2, da CLT, que é a de pré-avisar o empregador de sua intenção, pena de ter descontados os salários do período correspondente nas suas verbas rescisórias. Terá o empregado demissionário direito ao saldo de salário do período, férias vencidas e/ou proporcionais e 13º salário vencidos e/ou proporcional.
A forma de rescindir o contrato de trabalho por ato do obreiro, será por meio de ato unilateral, no qual ele expressa sua vontade de por fim ao contrato de trabalho e é comumente chamado de pedido de demissão.
Maurício Godinho Delgado (2017, p. 1077) entende que a declaração do empregado em por fim ao seu contrato de trabalho tem “natureza potestativa, receptícia e constitutiva, com efeitos imediatos, tão logo recebida pela parte adversa (efeito ex nunc)”. Justamente isso ocorre na vida prática dos empregados, quando realizam o pedido de demissão ao seu empregador.
O fato de decidir por fim ao contrato de trabalho pelo empregado deve ser verificado a finco sobre quais os motivos que o levou a deixar o trabalho, pois, em determinados casos em concreto poderá ocorrer à reversão do pedido de demissão em rescisão indireta do contrato de trabalho.
No caso do pedido de demissão em estudo, temos que é ato que apenas pode ser exercido pelo empregado, de forma alguma terceiro poderá realizá-lo, justamente pela condição peculiar que se tem o contrato de trabalho que é a pessoalidade, requisito esse essencial para a caracterização do vínculo empregatício.
Quando do pedido de demissão, o empregado deve conceder ao seu empregador o aviso prévio, pelo prazo de trinta dias, conforme dispõe art. 7º, XXI, da CF e art. 487, caput, da CLT. Caso o empregado não queira cumprir com o aviso prévio dado ao empregador terá descontado o valor de um salário correspondente ao respectivo prazo, conforme art. 487, §2°, da CLT.
Ao pedir a demissão, gerando assim a resilição do contrato de trabalho, o empregado terá seus direitos trabalhistas reduzidos significativamente, e ao exemplifica-los, Maurício Godinho Delgado (2017, p. 1078) afirma que:
O pedido de demissão, pelo empregado, suprime-lhe praticamente quase todas as verbas rescisórias, que ficam restritas ao 13º salário proporcional e às férias proporcionais com 1/3. O demissionário não receberá aviso prévio, caso não o trabalhe efetivamente, não terá liberado FGTS, nem receberá os 40% de acréscimo ao Fundo, perde a proteção das garantias de emprego, não recebe guias para saque do seguro-desemprego. Recorda-se que, tradicionalmente, a jurisprudência, com base na CLT (arts. 146 e 147), considerava incabível a parcela proporcional de férias em caso de pedido de demissão ocorrido em contrato inferior a doze meses (antigo Em. 261).
Como visto, o pedido de demissão é exceção, deve ser realizado de forma inequívoca pelo empregado ao seu empregador, com o fim de dar fim ao seu contrato de trabalho, justamente para que possa dar fim.
Afirma-se que é exceção, justamente por entender que vige para o direito do trabalho o princípio da continuidade das relações de emprego, o qual afirma que se presume que vínculo empregatício é contínuo, cabendo prova inequívoca de sua rescisão, que no caso em apreço é necessário ainda que seja revisto os motivos pelo qual esse empregado realizou o pedido de demissão.
O fato de saber por qual motivo é necessário que seja verificado o motivo pelo qual o empregado resolveu por fim ao seu contrato de trabalho é imperioso para que se garanta a efetividade de proteção aos direitos fundamentais, pois, quando do pedido pelo empregado de por fim ao contrato de trabalho faz com que esse perca direitos fundamentais que seriam devidos em caso de dispensa sem justa causa pelo empregador.
Assim, se mostra necessário questionar os motivos pelo qual o empregado fez o pedido de resilição de seu contrato de trabalho, com o objetivo de proteger seus direitos fundamentais de recebimento das verbas trabalhistas.
2.1 OS PREJUÍZOS DO PEDIDO DE DEMISSÃO
O fato do empregado realizar o pedido de demissão é fator suficiente a ensejar a diminuição de verbas rescisórias a serem recebidas em comparação com a rescisão do contrato por ato do empregador denominada pela doutrina como dispensa sem justa causa.
Como acima mencionado, o pedido de demissão faz com que o empregado tenha reduzido suas verbas rescisórias em receber apenas o direito ao salário do mês trabalho, tem que cumprir aviso prévio ao empregador sob pena de ter descontado de seu salário, décimo terceiro salário proporcional e férias proporcionais acrescidas de um terço (DELGADO, 2017).
Afirma Amauri Mascaro Nascimento (2016, p. 1.142):
A relação de emprego extingue-se por ato do empregador com a dispensa do empregado, que será com ou sem justa causa, esta implicando a redução dos seus direitos, suprimidas as “verbas rescisórias”.
Será também de iniciativa do empregador a ruptura do contrato decorrente da extinção deliberada da empresa.
Ainda, sobre quais as verbas o empregado receberia quando da rescisão sem justa causa, Mauricio Godinho Delgado (2017, p. 1.281):
Verificando-se a extinção normal do contrato a prazo, por meio do advento de seu termo final prefixado, as verbas estritamente rescisórias devidas ao empregado são: levantamento de depósitos mensais de FGTS, pelo período contratual, sem incidência, contudo, do acréscimo rescisório de 40% (arts. 18 e 20, Ie IX, Lei n. 8.036/90); 13º salário proporcional (art. 7º, Decreto n. 57.155/65; Lei n. 9.011/95); férias proporcionais com 1/3, independente do prazo contratual (art. 147, CLT; Súmula 328, TST).
Pois bem, as verbas rescisórias quando do encerramento do contrato de trabalho por ato do empregador é substancialmente maior que a quantidade de verbas rescisórias na rescisão contratual a pedido do empregado.
O empregado ele trabalha para manter sua vida, condições de vida e meios suficientes de promove-la, bem como de sua família, a rescisão do seu contrato de trabalho a seu pedido é meio redutor de direitos, comparado com a rescisão normal do contrato acima exposto.
Muito embora tenha o empregado feito o pedido de demissão, nesse trabalho nosso objetivo é demonstrar que podem ocorrer hipóteses em que seu pedido está viciado, logo, o pedido deve ser desconsiderado e revertido seu pedido em rescisão normal do contrato de trabalho.
Ainda, a possibilidade de reversão do pedido de demissão em rescisão normal do contrato de trabalho é meio suficiente a garantir a promoção da dignidade da pessoa humana consubstanciada no art. 1º, III, da Constituição Federal, a qual afirma que a República Federativa do Brasil tem como um de seus fundamentos a promoção da “dignidade da pessoa humana”.
Dito isso, resta demonstrado que é evidente os prejuízos financeiros causados a um empregado que não consegue reverter seu pedido de demissão em rescisão indireta do contrato de trabalho, justamente por receber menos verbas trabalhistas que a rescisão por meio normal.
2.2 O DESEMPREGO COMO FORMA DE VIOLAÇÃO DE DIREITOS HUMANOS SOCIAIS
O desemprego é o pior meio de situação que um cidadão pode enfrentar em sua vida, justamente porque a informalidade ela causa diversos constrangimentos as pessoas, bem como ela é meio suficiente a ensejar a exclusão social dos desempregados, e isso é uma forma de violação de direitos humanos sociais.
O direito do trabalho busca reagir contra atitudes que vão a favor da flexibilização dos direitos do trabalho, justamente porque o direito do trabalho é um conjunto de direitos fundamentais e de direitos humanos (NASCIMENTO, 2016).
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 tem como função principiológica a proteção de direitos e garantias fundamentais (art. 5º, I), a direitos e liberdades constitucionais (art. 5º, LXXI), direitos sociais (art. 6º), direitos humanos (art. 4º, II).
Amauri Mascaro Nascimento (2016, p. 280) sobre o direito do trabalho der considerado como direitos humanos sociais afirma que:
Direitos humanos é expressão de matriz jusnaturalista, de direito natural. Nesse caso, os direitos do trabalhador teriam de ser compreendidos como direitos existentes em todos os tempos e acima de direito positivo, o que não corresponde, na história, à construção do direito do trabalho, que nasceu como direitos existentes em todos os tempos e acima do direito positivo, o que não corresponde, na história, à construção do direito do trabalho, que nasceu como decorrência da Revolução Industrial do século XVIII, fruto de período mais recente da história.
Como direito fundamental, o direito do trabalho teria de ser direito de todos em todos os lugares, em certo tempo. Esses direitos são constitucionais quando incluídos na Constituição de um país. É o enquadramento mais razoável. O direito do trabalho nem sempre existiu, suas leis vigoram por certo tempo até a sua revogação, e em diversos países as principais leis tem nível constitucional. O trabalho humano é um valor, e a dignidade do ser humano como trabalhador, um bem jurídico de importância fundamental.
Como bem afirmado por Amauri Mascaro (2016) o “trabalho humano é um valor” e é justamente isso que se defende neste trabalho, pois o inverso que aqui no caso pode ser considerado como desemprego não será suficiente a fazer com que as pessoas se reconheçam com dignidade e com valor frente a sociedade.
Isso surge justamente em razão do capitalismo que com seu ímpeto de acúmulo de bens e capitais, faz com que as pessoas sirvam-se do trabalho para alcançar seus anseios e promoção das conquistas impostas pelo que se chama de capitalismo.
Estar desempregado nesse contexto é muito mais que não ser considerado como uma pessoa com dignidade é também meio suficiente a fazer com que o trabalhador se sinta sem nenhuma importância jurídica fundamental, justamente porque as pessoas ao seu redor estão envolvidas no trabalho todo o tempo e apenas ele não estará.
No mais, com isso temos o meio de proteção apresentado pela Convenção n.º 158, da Organização Internacional do Trabalho, a qual traz a manutenção do empregado no emprego, muito embora como será visto a diante, o Brasil ratifico o documento internacional e depois o denunciou, ato esse contrário à promoção do pleno emprego e garantia de diretos fundamentais.
Desse modo, pode-se considerar o desemprego como forma violadora de direitos humanos e sociais dos trabalhadores por ser considerado meio suficiente de violação de direitos humanos e sociais.
Como se pode verificar ao longo dos estudos realizados neste trabalho é possível que ocorra a reversão do pedido de demissão em rescisão indireta do contrato de trabalho do empregado, quando o empregador tenha dado causa conforme as hipóteses expostas nas alíneas do art. 483, da CLT.
Por vezes o empregado faz o pedido de demissão ao empregador quando verifica que a sua manutenção na empresa não é mais viável, justamente pelo fato do empregador estar dando causa à rescisão do contrato, e esse fato do empregado pedir demissão é uma forma viciada de pedido.
Por ser uma forma viciada que põe fim ao contrato de trabalho deve ser considera nula, justamente porque não expressa a verdade real sobre a situação vivida pelo empregado na empresa naquele momento, e ter que manter essa forma de rescisão apenas considerando a assinatura do empregado no pedido de demissão é deixar de lado à interpretação dada pelo princípio da primazia da realidade sobre a forma.
Deixar de lado a primazia da realidade sobre a forma é o mesmo que virar as costas para o direito do trabalho, que por meio das normas legalmente previstas na CLT e em leis esparsas são todas no sentido de proteger o empregado com relação às situações em que possa sofrer lesões ao seu direito.
Sendo assim, não podem ser admitidas interpretações extensivas que venham a prejudicar o direito trabalhista dos empregados, principalmente aquele que está tipificado em lei, como é o caso da rescisão indireta, onde se fixa condições para que seja considerada válida a forma do empregado ter rescindo seu contrato de trabalho.
Condicionar situações vexatórias para que o empregado tenha acesso à lei é no mínimo violador aos preceitos de garantia da ordem jurídica, pois no caso em apreço uma vez ocorrendo o empregador nas condições expressamente expostas no art. 483, da CLT, não há dúvidas que deva ser considerado rescindido de forma indireta o contrato de trabalho do empregado, ainda que ele tenha em outro momento feito o pedido de resilição.
Até mesmo porque, condicionar essa reversão a condições de natureza grave, insuportável e de difícil manutenção é o mesmo que desvirtuar todo o objetivo perquirido pelo legislador, o qual em momento algum traz condições para a ocorrência da rescisão indireta.
Em consonância com a possibilidade de reversão do pedido de demissão em rescisão indireta do contrato de trabalho é a necessidade da garantia do pleno emprego e da efetivação dos direitos humanos e sociais, que devem ser visto com base na estrita legalidade, pois o simples fato do empregado em pedir demissão por si só capaz de ilidir prova em contrário hábil a reversão.
Desse modo, a conclusão que se chega à conclusão da possibilidade de reversão do pedido de resilição do contrato de trabalho do empregado em rescisão indireta quando presentes algumas das condições estabelecidas nas alíneas do art. 483, da CLT, bem como que o pedido do empregado tenha sido dado de forma viciada.
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