Autor: Elice Ana Vieira Campos*
Orientador: Adriano Michael Videira dos Santos **
Resumo: Este artigo trata da efetividade do instituto Guarda Filial Compartilhada a partir da Lei 13.058/2014. A família é o pilar-mor da sociedade pois é a base que sustenta a formação integral do indivíduo. Com a evolução familiar, há a necessidade de se adequarem as normas jurídicas para melhor atenderem aos interesses das famílias. Em se tratando de conjunção familiar, também é necessário tratar da sua eventual dissolução. Nessas hipóteses, quando existem filhos menores, há que se definirem as questões relativas à guarda dos filhos. Das diversas espécies de guarda, a que é atualmente consagrada é a Guarda Compartilhada, a qual, em teoria, prevê uma responsabilidade conjunta na criação dos filhos, com permissão a ambos os pais o acesso irrestrito às questões pertinentes ao melhor interesse dos filhos menores. Esta pesquisa avalia o quantum de aplicabilidade a guarda compartilhada tem, na prática, com análise, após a criação e retificação da Lei da guarda compartilhada, de se eventual efetiva mudança nas decisões dos magistrados no que concerne à guarda.
Palavras-chave: Família. Divórcio. Filhos. Guarda Compartilhada. Efetividade.
Abstract: This article deals with the effectiveness of the Shared Branch Custody institute after Law 13.058/2014. Family is the main pillar of society as it is the basis that supports the integral formation of the individual. With the family evolution, there is a need to adapt the legal rules to better meet the interests of families. In the case of a family conjunction, it is also necessary to deal with its eventual dissolution. In these cases, when there are minor children, child custody issues must be defined. Of the various types of custody, the one that is currently enshrined is the Shared Guard, in which, in theory, there would be a joint responsibility in raising children, allowing both parents unrestricted access to issues relevant to the best interests of minor children. The present research raises the quantum of applicability the shared custody has been having in practice, analyzing if, after the creation and rectification of the Law of shared custody, there was an effective change in the decisions of the magistrates regarding custody.
Keywords: Family. Divorce. Childrens. Shared Custody. Effectiveness.
Sumário: Introdução. 1. O Poder Familiar. 1.1. Guarda. 1.2. Distinção entre guarda e responsabilidade parental. 2. Efetividade da Guarda Compartilhada atualmente. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
O objetivo geral deste artigo é apresentar uma pesquisa estatística sistemática, que bem avalie no todo a guarda filial compartilhada — o instituto e sua efetividade. Os objetivos específicos do estudo-pesquisa estão subdivididos em: descrição da evolução da guarda filial adotada, divergências e consequências acerca da Guarda Compartilhada no Brasil, conceitos havidos da jurisprudência e doutrinas com relação ao tema, o instituto em si, sua efetividade e a apresentação de características da guarda em relação ao menor entre direitos constitucionais, sociais e psicológicos.
A separação, o divórcio e, até mesmo, um afastamento aparente, causam diversos traumas na criança e no adolescente, pois a desestruturação da família nesse sentido causa problemas psicológicos na criança, que se vê em meio a discussões quanto ao poder de posse entre o pai e a mãe, quando o consenso não está direcionado ao bem dessas crianças e adolescentes, trazendo, muitas vezes, marcas de difícil reparação.
A família na visão de uma criança é a união permanente, a forma importante como são educados, como valores e decisões são tomados por meio da educação dos pais, mas, principalmente, a aprendizagem dessa criança no seio familiar de acordo com as atitudes dos pais durante todo um processo de vida. Logo, o vínculo familiar é um fator de extrema importância no desenvolvimento da criança e para o adolescente, ao observarem, durante seu crescimento, os seus valores da família e a forma de como conduzir diversas situações.
Por mais que se busque inicialmente levar a união até o fim da vida, por vezes, por razões várias, acontece a ruptura da família, o que afetará de forma mais gravosa, aqueles que são “frutos” da união que existiu, ou seja, os filhos. Isso acarretará, inevitavelmente, certa desestrutura na evolução social e psicológica da criança.
A Guarda Filial Compartilhada — ou, de modo conciso, quando não houver possibilidade de confusão, simplesmente Guarda Compartilhada — situa-se na necessidade de os genitores, após eventual ruptura da convivência conjugal, manterem um relacionamento o mais harmonioso possível, pautado pelo respeito e pelo desejo de proporcionar a melhor educação e o melhor atendimento das necessidades dos filhos.
A metodologia empregada neste estudo-pesquisa é bibliográfica-estatística, apoiada por entendimentos doutrinários e de constitucionalistas de peso na literatura jurídica, bem como pelo apreciável acervo virtual, em artigos científicos, reportagens e entrevistas sobre o referido tema pertinentes como forma de melhor detalhar o tema.
O objetivo primordial desta pesquisa é, portanto, demonstrar se a Guarda Compartilhada tem-se mostrado tão efetiva na prática como define a teoria, por meio de análises estatísticas, de modo a apurar a realidade após as mudanças na legislação brasileira trazidas pelas leis n.º 11.698/2008 e, posteriormente, n.º 13.058/2014.
A pesquisa é relevantíssima, pois busca verificar o alcance que a modalidade de guarda, já estatuída por lei, vem tendo na sociedade após a última alteração legal de 2014.
A justificativa do presente estudo reside no fato da importância do tema para a sociedade brasileira, já que, mesmo passados anos da modificação da legislação a esse respeito, muito pouco se tem notado na sociedade e nos tribunais brasileiros.
O Brasil tem como alicerce o direito romano na formação do instituto Poder Familiar, que, na sua concepção, consagrava à figura paterna o total poder e o direito sobre não só a pessoa, mas os bens de sua prole, sendo estes filhos legítimos, naturais reconhecidos ou adotivos, até quando a lei assim estabelecesse — o dito “Pátrio Poder”. Assim dizia o Código Civil de 1916, que aduz em seu artigo 379, que “os filhos legítimos, ou legitimados, os legalmente reconhecidos e os adotivos estão sujeitos ao pátrio poder, enquanto menores, ou seja, ao ‘poder’ do pai”.
O Código Civil de 2002, entendendo as mudanças que vinham ocorrendo na sociedade à época, rompeu essa tradição patriarcal e machista do Código anterior e, assim, renovou a nomenclatura do instituto passando a chamá-lo “Poder Familiar”, exercido não só pelo pai, mas também pela mãe em “pé” de igualdade.
Com essa mudança conceitual-nominativa, alterou-se também o entendimento acerca do conceito do novo poder de família que aboliu totalmente a versão do Pátrio Poder, “despatrializando[1]” o Direito de Família, reconhecendo a ambos os pais, sejam eles homens e mulheres, ou dois homens, duas mulheres ou quaisquer outras formas de união existentes, ou na ausência dela, vínculo paterno/materno biológico, legítimo ou afetivo, o direito de exercer o poder familiar inerentes ao liame filial.
No conceito moderno de Poder de Família, nota-se, no decorrer deste estudo, que os doutrinadores utilizados na pesquisa têm os mesmos pensamentos e definições, com poucas variações, quanto ao instituto, assim como ensina Flávio Tartuce:
O poder familiar é uma decorrência do vínculo jurídico de filiação, constituindo o poder exercido pelos pais, em relação aos filhos dentro da ideia de família democrática, do regime de colaboração familiar e de relações baseadas, sobretudo, no afeto. […] (TARTUCE, 2018, p.1.564).
Como já mencionado anteriormente, no decurso da pesquisa, praticamente todos os autores têm essencialmente o mesmo ponto base de entendimento sobre o poder familiar, para a definição desse instituto de direito civil, desde sua origem até os dias atuais. Em especial, não se poderia deixar de mencionar a conceituação do renomado jurista Waldyr Grisard Filho, que assim define Poder Familiar:
É o conjunto de faculdades encomendadas aos pais, como instituição protetora da menoridade, com o fim de lograr o pleno desenvolvimento e a formação integral dos filhos, física, mental, moral, espiritual e social. Para alcançar tal desiderato impõe-se ainda aos pais satisfazerem outras necessidades dos filhos, notadamente de índole afetiva, pois o conjunto de condutas pautado no art.1634 do CC o é em caráter mínimo, sem excluir outros que evidenciem aquela finalidade. Modernamente, não se observaram concepções contrapostas nas legislações. O que existe é uma uniforme concepção filhocentrista[2], que desloca o seu fulcro da pessoa dos pais para a pessoa dos filhos, ano mais como objeto de direito daqueles, mas eles próprios (o menor) (FILHO, 2009, p.25)
O conceito de Poder familiar vem sofrendo algumas modificações até os dias atuais. A própria nomenclatura atual em si já traz consigo essa modificação mais apropriada. No início, como já mencionado, o nome era “Pátrio Poder”, destacando o poder do pai, figura masculina. Com o passar do tempo, ocorreram alterações mais assertivas. A Constituição Federal de 1988 veio com uma das mais esperadas modificações de igualdade entre os pais no exercício desse poder, passando a chamá-lo “Poder Familiar”. Atualmente, há um projeto de Lei que visa a mudança da nominata para Autoridade Parental, que propõe alteração da nomenclatura expressa no Estatuto das Famílias (PL 470/2013).
Esse novo conceito já tem sido bem acolhido por uma parcela considerável da doutrina em suas abordagens, defendendo que o objetivo é erradicar o poder no meio familiar, o que seria justificado por ser o novo termo, “autoridade”, mais condizente com evolução cultural dos tempos atuais, dando ênfase ao princípio do melhor interesse do menor, o que contempla ainda, segundo dizem eles, a melhor solidariedade familiar.
Pelos ensinamentos de Sílvio de Salvo Venosa, o Poder Familiar é indispensável, sendo ele decorrente de paternidade (leia-se também: maternidade) natural ou legal, não podendo ser transferido a terceiros. Ainda que seja instituído este novo verbete (autoridade familiar) o bojo central permanecerá sendo o cuidado que os pais têm para com seus filhos na criação, tendo-os sob guarda e sustento.
É importante salientar que serão exercidos tanto o poder familiar, como a, desde já, aclamada autoridade parental, enquanto os filhos não atingirem plena capacidade civil[3]. Como bem explanam Pablo Stolze Gagliano & Rodolfo Pamplona Filho:
O plexo de direitos e obrigações reconhecidos aos pais, em razão e nos limites da autoridade parental que exercem em face dos seus filhos enquanto menores e incapazes. (GAGLIANO e FILHO, 2017, p.600)
Nota-se que, em tempos modernos, o casamento (incluem-se, também, por extensão conceitual: além do casamento heterossexual, a união estável e a “homoafetiva”[4]) tem sido considerado apenas na vertente das leis, e não mais com tanta importância na da religião, apesar de que, para muitas religiões, o casamento é considerado como a célula básica da família e da Igreja, e a família, como célula básica da sociedade. Isso se dá justamente devido as alterações que a sociedade vem tendo, principalmente no que diz respeito ao conceito de família, hoje considerado, no viés sociopolítico e jurídico, não mais ligado à união entre homem e mulher, o que expandiu as possibilidades consideradas como família, a exemplo da família monoparental[5].
Vale destacar que, em se tratando de Poder Familiar [daremos preferência a esta nomenclatura a autoridade parental, pois ela é que se está definindo aqui] não necessariamente estamos falando da existência ou não de uma união entre os pais, mesmo porque há casos em que nunca houve a relação como casal, apenas existe o vínculo filial, e sim do poder incumbido aos pais, ou mesmo a um pai só, como nas famílias monoparentais, para gerirem seus filhos enquanto menores.
A guarda tem como objetivo, o bem maior a ser preservado que será o interesse, proteção e bem-estar do menor envolvido enquanto esse não atingir a maioridade. Os pais ou o detentor da guarda têm como dever, educar, zelar, dar condição ao menor, para ser inserido na vida social, dentro dos parâmetros constitucionais, que é ter uma vida de digna humana que é de direito, e cabe ao seu genitor proporcionar, em consonância com o princípio do melhor interesse do menor.
Como dispõe Guilherme Gonçalves Strenger (2003, p.16), citado por Geovane Serra Azul Guimarães: “guarda de filho ou menores é o poder-dever submetido a um regime jurídico-legal, de modo a permitir a quem tem o direto, prerrogativas para exercício da proteção e amparo daquele que a lei considera nessa condição”.
É de grande importância frisar que há duas hipóteses genéricas de guarda: aquela proveniente do poder familiar, na qual os pais têm o poder-dever para com seus filhos, regulada pelo atual Código Civil; e a modalidade na qual um terceiro será o guardião do menor, com vistas ao melhor interesse e proteção do mesmo, como prevê o Estatuto da criança e do Adolescente – ECA[6]. Porém, vamo-nos ater ao debate sobre a guarda nos moldes do Código Civil, ou seja, decorrente do Poder Familiar.
O Código Civil de 2002 trata a guarda em dois momentos: quando os pais decidem não residirem mais sob o mesmo teto, podendo essa união ter ocorrido através do casamento, ou quando se refere à união estável, ou outra forma de convivência em comum, quando, no momento da dissolução, há filhos menores e não emancipados em comum. Cumpre destacar aqui mais uma vez que alguns pais nunca mantiveram qualquer relacionamento, a superveniência dos filhos se deu por um envolvimento apenas fortuito. Sobre esse aspecto, escreveu Venosa (2012, p.114):
E ainda não se poderia deixar de citar a apreciação do conceito como entende o doutrinador Eduardo Oliveira Leite (2003, p.16):
O surgimento de nova espécie de família – não mais aquela perfeitamente estratificada e engessada, no sentido de que cada membro ocupe um lugar especifica e desempenhe um papel previamente determinado – calcada sobre ela própria e sobre a criança, desempenhou um papel importante na evolução das legislações, culminando por estabelecer uma real proteção do menor para o seu ideal desenvolvimento.
Já outros doutrinadores, como Maria Helena Diniz (2008, p.157), tendem para uma definição de guarda com base na lei 8.069/90, valorizando, pois, seu “caráter de assistência”, quando a colocação do menor dá-se em outra família, em substituição, ou em uma associação, sem levar em consideração as situações jurídicas que envolvem as questões gerais, seria uma guarda provisória, até que se resolva definitivamente o desígnio do menor, que “seria a prestação de assistência material, moral e educacional ao menor, sob pena de incorrer no art. 249, dando ao seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais (art. 33), regularizando assim a posse de fato”.
A guarda do filho menor de 18 anos em nosso país define como conjunto de obrigações deveres, que geralmente cabe aos pais biológicos exercerem sobre a prole no cuidar, prestar-lhe assistência espiritual, material, educacional e moral.
Sobre o instituto da guarda, Maria Helena Diniz entende que:
[…] a guarda um meio de colocar menor em família substituta ou em associação, independentemente de sua situação jurídica (arts. 165 a 170) até que se resolva definitivamente o destino do menor […]
A guarda destinar-se-á à prestação de assistência material, moral e educacional ao menor, sob pena incorrer no art. 249, dando ao seu detentor o direito de opor-se a terceiros, inclusive aos pais (art. 33), regularizando assim posse de fato. Visa a atender criança que esteja em estado de abandono ou tenha sofrido abuso dos pais, não importando prévia suspensão ou destituição do poder familiar (DINIZ, 2008, p. 604).
Na citação acima, de Maria Helena Diniz, o que se dispôs sobre a guarda é “o seu sentido tutela”, e não necessariamente a guarda dos pais, pois que se destaca, independentemente da modalidade jurídica, a prestação devida para com o menor, no sentido de ampará-lo, protegê-lo e dele cuidar até que finde a determinação legal.
A lei nº 11.698 de 2008 é um marco corretivo inicial, ao alterar os artigos 1.583 e 1.584 da Lei n.º 10.406, de 10 de janeiro de 2002 — Novo Código Civil, ou Código Civil de 2002, instituindo e disciplinando elementarmente a Guarda Compartilhada. O artigo 1583, alterado, destaca que a guarda será unilateral ou compartilhada, destituindo as outras modalidades de guarda, dando ênfase à Guarda Compartilhada, comprovada a necessidade de instituir e disciplinar de forma mais equânime e benéfica aos filhos.
Com essa introdução do instituto Guarda Compartilhada já no próprio Código Civil, começou-se, consequentemente, a trabalhá-lo mais extensa e intensamente, com o entendimento de que, com ela, haveria um maior benefício para os filhos, uma vez que o convívio mútuo com os pais ajuda no desenvolvimento emocional, social e moral. Porém, em verdade, essa ideia, ao crivo da prática, não foi muito acolhida pelos magistrados, conforme mostraremos em gráfico mais adiante, mesmo com a mudança da lei e a ênfase dada à Guarda Compartilhada, as decisões, em grande maioria, eram pela guarda unilateral, sendo esta, frequentemente determinada à mãe.
Tal lei, pois, veio a mostrar-se, de fato, inócua quanto à sua eventualmente desejada efetividade de adoção preferível e majoritária — sim, o regime de Guarda Filial Compartilhada, como instrumento legal de suporte ao melhor benefício aos filhos havidos não só de casamentos, uniões comuns como também fora destas vertentes, vale dizer, o instrumento que conduza a tal modalidade de guarda [no caso, compartilhada], que (1) partilhe em comum, de modo tão igual quanto possível, a figura da responsabilidade da guarda devida pelos pais aos filhos; (2) minimize, se não for capaz de eliminar, os efeitos da conhecida alienação parental, bilateral, de filhos para com os pais e vice-versa.
Verificada oportunamente a ineficácia legal — tanto do Código Civil, em sua redação original, quanto em sua posterior alteração com a Lei n.º 11.698/2008 — mais adiante veio a lume a Lei n.º 13.058, de 22 de dezembro de 2014, para alterar uma vez mais os arts. 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil), novamente, para estabelecer um conceito que expressasse melhor, mais completamente, a definição do que seria a “guarda compartilhada” e, ainda, dispusesse sobre sua aplicabilidade. A Lei de 2014 é a mais atual até o presente, eis que é, ainda, muito mais conceitual quanto ao conceito e definição da guarda, todavia não sendo ainda imperativa quanto à obrigatoriedade legal de adoção de um dos regimes — no caso desejado e preferível, a Guarda Compartilhada, pelos benefícios que o legislador, secundado pela sociedade civil, deve ter considerado.
Entretanto, novamente o legislador foi um tanto infeliz no seu desiderato, pois, ao conceituar o que seria Guarda Compartilhada na lei de 2014, acabou esbarrando no conceito de Poder Familiar, dificultando, assim, o entendimento sobre esse instituto. Mas enfim — atentos ao que de fato temos — no momento essa é a lei mais atual, por mais mal formulada que tenha sido feita, seu intuito foi aclarar as ideias sobre o conceito dessa guarda. De fato, vários autores já o fizeram, como bem disse José Fernando Simão citando outros doutrinadores, tais Cristóbal Pinto Andrade, La Custodia Compartida. Madrid: Bosch, 2009, p.35., que, em suma, disse: “A relação do Poder Familiar e da Guarda é de ‘todo’ e ‘parte’, ou seja, a Guarda é uma parcela no Poder familiar, não são a mesma coisa. Os pais que vivem juntos exercem conjuntamente tanto o Poder, quanto a Guarda, simultaneamente, de forma mútua e compartilhada. ”
Assim esclarecidos, temos o poder familiar como sendo uma complexidade de direitos e deveres e a guarda como sendo uma parcela específica desse todo. A Guarda seria simples companhia rotineira do Guardião para com o menor, e isso, de forma alguma, destitui o Poder Familiar do outro genitor que não detém a guarda em favor daquele que a detém, este ligado diretamente ao poder dos pais sobre os filhos. Assim, uma pessoa pode ter a guarda e não ter o poder familiar, ou vice-versa.
Quando necessário, por meio do poder judiciário, o Estado delegará a Guarda a outra pessoa, podendo esta ser parente (preferencialmente) ou, até mesmo, pessoa estranha ao convívio da família, assim como diz Leoni Lopes Oliveira, embora o Pátrio Poder dos pais naturais não seja afetado pela eventual perda da Guarda. Ele ainda cita o art. 381 e 382 do Código Civil de 1916, que expressamente dizia que a separação judicial não alterava as relações entre os pais e seus filhos, mas tão somente quanto ao direito, que aos primeiros cabe, de terem em sua companhia os segundos, e, ainda na hipótese de havida a dissolução por morte de um dos cônjuges, o pátrio poder caberá ao genitor sobrevivente. A Guarda, diversamente da Tutela e da Adoção, não afeta o exercício garantido aos pais naturais (OLIVEIRA, 2002, p.29).
No mesmo pensamento a respeito do Poder Familiar e da Guarda do menor, tem-se ainda os ensinamentos de Angélica Arruda Alvim:
A guarda traduz um escopo essencialmente protetivo e que a autoridade parental atribui a ambos os pais a titularidade, o exercício, o poder e o dever de se fazer presentes na vida de seus filhos ainda que sejam separados e haja conflitos entre eles, não basta visitar e arcar com os alimentos fixados, nas sentenças judiciais, impõe-se aos pais o dever de colaborar para o desenvolvimento completo do filho, fortalecendo o vínculo afetivo e o bem-estar da família brasileira (ALVIM, 2006, p.99).
Nesse sentido, o pai (ou a mãe, ou, ainda, ambos) pode[m] ter o poder sobre o filho, mas, por circunstância do momento, poderá[ão] não ter sua guarda.
No mesmo seguimento e entendimentos, o doutrinador Giovane Serra Azul Guimarães está de acordo com a lei, até o adolescente atingir a maioridade, dezoito anos de idade, estar sob a guarda de seu responsável, que deverá dirigir-lhe a criação e educação, e tê-lo em sua companhia e guarda, e opor-se a quem ilegalmente o detenha, podendo lhe exigir obediência, respeito, e que preste serviços próprios de sua idade e condição. Da mesma forma, a lei 8.069/90 assim define que a guarda deferida com base na lei anterior, se não houver revogação ou emancipação, vigora até quando a pessoa que estiver sobre a guarda completar dezoito anos de idade, quando então o genitor deixará de exercer o poder familiar (GUIMARÃES, 2003, p.17).
Sendo assim, o menor, até o completar de seus dezoito anos (alcance da maioridade legal), estará legalmente atrelado a seus pais, não podendo dirigir por si mesmo sua vida. Contudo há algumas hipóteses que determinam não só a suspenção como também a extinção do poder familiar, das quais não nos ateremos a detalhar aqui pois o cerne questionado não é este. A título de conhecimento transcreveremos o que o próprio Código Civil de 2002 aduz sobre estas hipóteses, vejamos:
O artigo 1.635 traz as hipóteses em que há essa extinção do poder familiar:
E no artigo 1.637 determina as possibilidades de suspenção, como sendo:
Se o pai, ou a mãe, abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.
Em um país ainda essencialmente patriarcal como o Brasil, nesses casos e na atualidade, em ainda cerca de 2/3 dos casos de dissolução familiar, as crianças, os filhos havidos da união entre homem e mulher, ficam sob custódia unilateral da mãe. Isso em relação às crianças que tiveram alguma convivência paterna até os pais se divorciarem.
Ademais, no Brasil, cerca de 10 milhões de crianças não possuem o nome do pai no registro de nascimento, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE, 2010). Esses dados representam a não-representação paterna existente na sociedade brasileira, na qual a responsabilidade pela decisão de gerar um filho, de criar e a responsabilidade pelo cuidado é atribuída à mãe (BARBOSA, 2014).
Em uma sociedade em que a cultura machista tira a responsabilidade do pai no que diz respeito a criação dos filhos, medidas punitivas foram construídas no sentido de garantir os direitos das crianças e adolescentes ao reconhecimento e à provisão paterna. Além da garantia de pagamento de pensão alimentícia aos filhos assegurada no Código de Processo Civil, a Lei nº 13.058 assegura aos filhos de pais separados/divorciados o direito à convivência com ambos os pais, por meio da Guarda Compartilhada.
Essa nova lei altera as disposições do Código Civil Brasileiro (Artigos 1.583, 1.584, 1.585 e 1.634) que levaram juízes do tribunal de família a pronunciarem custódia alternativa (compartilhada) apenas nos casos em que os pais mantiveram boas relações após o término do casamento. Aqui, se as partes não conseguirem chegar a um acordo, o juiz aplicará um tempo compartilhado entre elas, levando em conta a realidade dos pais e da criança (BRITO, GONÇALVES, 2013).
O objetivo da mudança foi obter uma divisão equilibrada entre os pais em termos de tempo gasto com as crianças, impondo assim uma partilha equitativa da responsabilidade na educação das crianças. No entanto, há exceções à regra: quando o juiz descobre que um dos pais não tem a capacidade de educar a criança, ou no caso em que um dos pais manifesta o desejo de não ficar com a criança. Uma provisão na lei também aplica multas às escolas que não fornecem informações a um dos pais sobre seus filhos.
Em síntese, o que se observa na prática quando há estas discussões judiciais, é que na maioria maçante das vezes a guarda é concedida unilateralmente à mãe.
Conquanto os dados estatísticos aferidores existam, eles também são um testemunho a mais de tudo quanto já foi dito acerca da “ainda inefetividade de adoção majoritária do regime de guarda filial compartilhada”. As estatísticas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE mostram-no claramente.
De toda forma, com base nos dados estatísticos IBGE disponíveis [Tabela 1 e Gráfico 1], a considerar os dados catalogados de 2006 a 2018, nota-se claramente que:
Isso pode ser avaliado como evolução positiva, ainda que muito inexpressiva. Por um lado, ao se verificarem mais adoções de regimes de Guarda Compartilhada, com linha de tendência promissora, inspira cuidado o aumento dos desconhecidos.
Então, sob o aspecto da efetividade, a Guarda Compartilhada ainda tem um caminho presumivelmente de uma ou duas décadas para tornar-se majoritário.
Sobre as estatísticas levantadas pelo IBGE, há de se considerar ainda e necessariamente, a bem do rigor e da justiça institucional, que, por mais bem elaborada e detalhada que seja a ação daquele Instituto, seus resultados — quer em razão de metodologia, quer em razão de substrato de comportamento sociocultural — sim, seus resultados são forçosamente e sempre destoantes, embora eles sejam balizadores, da verdadeira realidade social. Isto é: nem tudo o que ocorre no país, nos vários segmentos, acha-se investigado pelo IBGE, mas os dados que colhemos são estes que seguem:
O gráfico 1, expressão visualmente mais imediata da tabela que o antecede, mostra claramente, houve uma mudança após a instituição das duas leis de 2008 e 2014, porém de forma singela em relação à aplicabilidade da guarda unilateralmente.
O modelo de Guarda Compartilhada (ou Guarda Conjunta) tem sido tratado, no âmbito internacional, por diversos países, os quais atualmente já possuem sua regulamentação expressa. Entre eles, Suécia, França, Espanha, Itália, além do Brasil, países cujas regulamentações amplas são também diversas. No entanto, o conteúdo essencial de cada um deles gira em torno da salvaguarda do interesse superior do menor, através da participação ativa dos pais no seu desenvolvimento pessoal.
A Guarda Compartilhada caracteriza-se por buscar manter as relações dos pais com seus filhos, da forma mais semelhante possível às mantidas durante a relação, de forma que os menores sejam afetados em tão menor grau pela eventual separação. Da mesma forma, através da guarda conjunta, é possível mostrar que as obrigações para com os filhos e filhas não terminam com a separação do casal, mas, pelo contrário, os pais devem procurar manter uma relação harmoniosa visto que compartilham tantos direitos como obrigações. Além de ser concebida como um dever, a Guarda Compartilhada (ou Conjunta) deve ser vista como um direito, tanto dos pais como dos menores.
A Guarda Compartilhada, efetivamente, deve ser vista sob a óptica de que ambos os pais devem, precisam, estar ativamente envolvidos na partilha das responsabilidades para com seus filhos, incluindo não apenas as conjuntas responsabilidades espirituais e emocionais, que advenham de momentos juntos, mas também o compartilhamento da educação, o desenvolvimento e todas as outras necessidades do menor.
A regulamentação do modelo de Guarda Compartilhada é fundamental para a proteção e garantia do dever-direito, tanto do[s] filho[s] menor[es] quanto dos seus pais, de se relacionarem independentemente de uma eventual difícil relação que seus pais mantenham. A importância do modelo de custódia compartilhada se reflete em nível internacional em diversos países que se empenharam em colocar em discussão essa figura jurídica, a ponto de atualmente ter uma regulamentação expressa sobre ela.
O que se buscou com este estudo-pesquisa não pretende, de forma alguma, afetar ou atingir a credibilidade e o mérito do instituto da Guarda Compartilhada, como conquista de alcance extraordinariamente amplo, muito mais que o jurídico-político, mas — muitíssimo mais importante — o pessoal, o familiar e o sociocultural. Assim, a apreciação que aqui se fez da efetividade ainda reduzida, porém crescente, em verdade enaltece esse instituto, na justa medida em que fomenta-lhe o crescimento.
Por fim — e esse é um objetivo complementar deste estudo-pesquisa — fica aqui aberta a discussão para o que ainda pode ser feito para o instituto foco desta pesquisa tenha mais atuação no nosso ordenamento jurídico, visto sua importância na sociedade como um todo, afinal, são “as crianças de hoje o futuro do amanhã”, com perdão da redundância, mas de fato é assim, e não queremos que construir um futuro com base em adultos destruídos emocionalmente e incapazes de um convívio social harmonioso e saudável devido aos acontecimentos passados que podem ter comprometido toda a sua estrutura de crescimento social, emocional, profissional, entre outros.
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SANTOS, R. B.. Considerações sobre a Lei de Divórcio e Separações Extrajudiciais. Rev. IOB de Direito de Família. Porto Alegre, v.9, n.45, dez/jan., 2008.
* Acadêmica de Direito em Graduação (e-mail: eliceanacampos@gmail.com). Artigo apresentado à Faculdade Interamericana de Porto Velho – UNIRON, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Direito, Porto Velho, 2020.
** Professor Orientador Especialista. (e-mail: adriano.santos@uniron.edu.br). Professor no curso de Direito na Faculdade Interamericana de Porto Velho-UNIRON.
[1] “Despatrializando”: forma gerundial do verbo “despatrializar”, neologismo incidental introduzido para significar a retirada da [exclusividade] do poder pátrio, vigente até o âmbito do Código Civil de 1916, em favor da inserção do conceito mais amplo de poder familiar, atual e consentâneo com a ordem social do século XXI.
[2] “Filhocentrista”: neologismo incidental introduzido para significar comportamento ou conduta centrado no filho.
[3] “Art. 1.630. Os filhos estão sujeitos ao poder familiar, enquanto menores. ” CC/2002.
[4] “Homoafetivo(a)”: neologismo incidental, para significar aquilo que se refere ao afeto ou liame entre pessoas de mesmo sexo.
[5] “É a entidade familiar composta por qualquer dos pais e sua prole, de modo isolado, sem a figura do casal “pai e mãe”. A expressão “mono” significa um/único, e “parental” é relativa a pais. “Família monoparental”. Dicionário Jurídico. Junho de 2018. Disponível em: <https://www.direitonet.com.br/dicionario/exibir/1906/Familia-monoparental (Acesso em 19/nov/2020)>.
“Art. 226. § 4º Entende-se, também, como entidade familiar a comunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes. ”(CRFB/88).
[6] Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990: “Art. 28. A colocação em família substituta far-se-á mediante guarda, tutela ou adoção, independentemente da situação jurídica da criança ou adolescente, nos termos desta Lei. ”
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