Dimitri Alexandre Bezerra Acioly, graduado em Comunicação Social e Direito pela Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com pós-graduação em Direito Penal e Processo Penal pela Escola de Magistratura do Tribunal de Justiça de Pernambuco.
Resumo: O presente estudo tem por escopo apresentar a importância da interpretação no contexto do direito aplicável aos adolescentes que praticam atos infracionais. Parte-se, inicialmente, de breve explanação sobre o direito positivo que envolve o tema, além de uma digressão a respeito de pontos relevantes da hermenêutica jurídica. Em seguida, o artigo aborda o tratamento que o Legislador brasileiro dispensou ao conflito dos adolescentes com a lei desde o Império até o Código de Menores. O trabalho enfoca, ainda, a construção histórica da doutrina da proteção integral e a atual natureza jurídica do ato infracional e das medidas socioeducativas. Traçada a base teórica e dogmática, o artigo aponta critérios que se prestam a orientar o intérprete na aplicação do direito infracional.
Palavras-chave: Interpretação. Hermenêutica. Ato infracional. Medida socioeducativa.
Abstract: This work analyzes the importance of interpretation in the rights of adolescents in conflict with the law. At beginning, the positive law about the theme is summary explored. Some points from legal hermeneutics theory are also seen. Then the article focus the treatment that the Brazilian Legislative Power has given to the teenagers in conflict with law since Empire until the last codification of rules in 1979 and the historic construction of the holistic protection of child doctrine. After theorical and dogmatic definitions, the research points some criterions that intend to direct the law interpreter in this specific kind of rules.
Keywords: Interpretation. Legal hermeneutics. Delinquente act. Social educational measures.
Sumário: Introdução. 1. Breves notas sobre hermenêutica jurídica. 2. O “menor infrator” em perspectiva. 3. Ato infracional, medida socioeducativa e execução da medida. 4. A doutrina da proteção integral. 5. Entendendo o ato infracional e a medida socioeducativa no atual Ordenamento. 6. Praticando hermenêutica no direito infracional. Conclusão. Referências.
Introdução
O julgamento de adolescentes que cometem atos infracionais e as medidas socioeducativas (MSE) aplicáveis como resposta a esses ilícitos encontram-se disciplinados, sobretudo, por normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90 – ECA), da própria Constituição Federal (CF) e da Lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE (Lei nº 12.594/12).
A interpretação destas regras tem algumas peculiaridades, como, por exemplo, o dever em respeitar o melhor interesse das crianças e dos adolescentes, bem como se orientar pela doutrina contemporânea da proteção integral. Isso sem olvidar que a medida deve responsabilizar o sujeito que violou a norma jurídica.
O ordenamento brasileiro é rico em instrumentos de proteção à infância, mas esse arcabouço de normas necessita de uma hermenêutica que venha a concretizar esse sentido de proteção e reconhecimento do adolescente como sujeito de direitos. Do contrário, preceitos que em tese seriam garantias podem gerar decisões que cerceiam direitos constitucionais, algo comum de acontecer no sistema anterior (doutrina da situação irregular).
Assim, visa-se ao debate acerca dos critérios que devem guiar a interpretação do ato infracional e das medidas socioeducativas, tornando efetivas, no caso concreto, as intenções expressas pelo Brasil em convenções internacionais sobre o direito das crianças e adolescentes e nos diplomas elaborados pelo nosso legislador constitucional e ordinário. Neste esforço, há a análise da evolução legislativa sobre a temática e o que essa alteração das leis conjuntamente com os tratados internacionais ratificados pelo País informa sobre uma hermenêutica específica.
Outros questionamentos também se apresentam essenciais ao estudo: qual a natureza jurídica da medida socioeducativa? Ela tem um caráter apenas pedagógico, retributivo ou misto? Os princípios hermenêuticos aplicáveis ao direito penal e processual penal prestam-se ao direito infracional, mutatis mutandis? Também se destaca o papel desempenhado pela jurisprudência na interpretação dessas normas.
1. Breves notas sobre hermenêutica jurídica
O advogado entra na sala de audiências pedindo licença. Educado, como sempre, cumprimenta os presentes e senta-se ao lado do magistrado com o processo em mãos. Reexpõe brevemente o problema e sugere: “Excelência, acredito que a intimação deveria ter sido pessoal”. O magistrado, depois de quatro horas de trabalho, só havia conseguido realizar três audiências, restavam oito na pauta. O relógio soava duas horas e alguns minutos. A fome tinha vindo e ido embora. Aquele problema já atrapalhara outras audiências e estava longe de uma solução. “Doutor”, responde o juiz após uns segundos de silêncio, “realmente, nos últimos anos, eu andei afastado da jurisdição, exercendo algumas atribuições administrativas.” Tomou um vade mecum, empurrando-o em direção ao advogado e completou, apontado para o grande livro “Me diga em que artigo, parágrafo ou alínea está determinado que esta intimação precisa ser pessoal e eu resolvo isso de uma vez.” “Excelência, isso é mais uma questão de entendimento.” “Certo… mas o Sr. baseou esse entendimento em quê? Na jurisprudência? De que tribunal?” “Não, não.” “Então aponte um princípio constitucional, uma analogia, um princípio geral do direito que seja, para sustentar esse entendimento.” “É só um entendimento, mesmo.” “Assim fica difícil.”
A história acima verdadeiramente ocorreu em uma sala de audiências do Tribunal de Justiça de Pernambuco e ajuda a compreender a importância do texto escrito na prática do direito, bem como a necessidade de certo controle sobre as proposições dele advindas. Do contrário, qualquer interpretação é possível, tudo vira “entendimento” e o exercício do direito se transforma em arbitrário exercício de poder – quem tivesse competência para interpretar a lei teria força para impor sua opinião. Como bem adverte Hart (1986, p. 137), em todo grande grupo, as regras gerais, os padrões e os princípios devem ser o principal instrumento de controle social, e não as diretivas particulares dadas em separado a cada indivíduo. O que hoje chamamos de direito seria inviável caso não fosse possível comunicar padrões gerais de conduta que multidões de indivíduos pudessem perceber, sem ulteriores diretivas.
Por outro lado, nos séculos XX e XI, um dos temas mais debatidos pela filosofia ocidental foi a importância da linguagem para compreensão do mundo, bem como “textura aberta” que lhe caracteriza. Friedrich Waismann, a quem se atribui a criação desta ideia, relata que nossos conceitos empíricos não se delimitam, aprioristicamente, em todas as direções possíveis. Conceitos empíricos não apresentam uma definição exaustiva. Por mais que sejam delimitados, sempre surgem espaços para dúvidas (STRUCHINER, 2002, p. 15/16).
Com frequência, nos diversos ramos do saber jurídico, o intérprete se vê às voltas com questões do tipo: “o que significa este texto?”, “qual foi a verdadeira intenção do Legislador?”, “é justa a interpretação usual deste ou daquele trecho?”, “quando podemos estar seguros de que uma interpretação qualquer é adequada ou não?” Os juristas não estão sozinhos nessa tarefa. Teólogos, filólogos, historiadores, filósofos debateram, por séculos, questões bastante semelhantes. Esse empreendimento intelectual resultou em uma série de conclusões, melhor dizendo ideias, cujo conjunto nomeamos de teoria da interpretação, ou hermenêutica.
Particularmente neste trabalho, busca-se interpretar apropriadamente as normas relativas ao ato infracional e às medidas socioeducativas. O julgamento de adolescentes que cometem atos infracionais e as medidas socioeducativas (MSE) aplicáveis como resposta a esses ilícitos encontram-se disciplinados, sobretudo, por normas do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90 – ECA), da própria Constituição Federal (CF) e da recente Lei do Sinase (Lei nº 12.594/12). A interpretação destas regras tem algumas peculiaridades, trabalhadas à frente.
A título de exemplo, o art. 122 do Estatuto dispõe que a medida de internação só poderá ser aplicada quando: “I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.” Deste modo, a forma como interpretamos os termos “grave ameaça”, “violência à pessoa”, “infração grave” ou “injustificável” pode fazer a diferença entre encaminhar um jovem para liberdade assistida ou para uma unidade de internação, cujas condições de salubridade, em alguns casos, assemelham-se aos presídios brasileiros.
É possível encontrar traços da hermenêutica desde a filosofia clássica, especialmente em Aristóteles. Os grandes pensadores medievais costumavam discutir a bíblia nos aspectos minuciosos e contraditórios, tentando percutir as mensagens do Criador (REALE; ANTISERI, 2003, p. 250). Quanto à filosofia hermenêutica mais recente, costuma-se atribuir a Schleiermacher sua origem, pois, desde 1805, conceituou a hermenêutica geral como a disciplina que tratava de compreender as técnicas de interpretação, não apenas aplicá-las. Ele aprofunda a concepção segundo a qual os textos originam mal entendidos, explicando a hermenêutica enquanto a arte de evitar o mal entendido. Schleiermacher defende que as regras organizadas para a interpretação do texto são nitidamente marcadas pelo interesse em vincular a interpretação de um texto às concepções de seu autor (SCHROTH, 2002, p. 381/382).
O filósofo alemão Hans Georg Gadamer, na década de 1960, escreveu Verdade e método, texto considerado clássico da teoria hermenêutica. Bebendo, entre outras fontes, do historicismo de Wilhelm Dilthey e do existencialismo de Heidegger, Gadamer descreve com desenvoltura o círculo hermenêutico (movimento do compreender), o procedimento de qualquer atividade interpretativa do ser humano.
Para Gadamer, confrontamos um texto munidos de expectativas ou pré-conceitos (Vor-urteile), que constituem nossa pré-compreensão (Vor-verstündnis). Sobre esse alicerce, assentamos uma primeira interpretação do texto, que se trata da nossa conjectura sobre a mensagem ou conteúdo do texto. O intérprete coteja sua interpretação com o texto e com o contexto (qualificado como qualquer informação importante, capaz de confirmar ou enfraquecer a interpretação proposta). Caso ocorra choque entre nossa interpretação e algum trecho do texto ou do contexto, então devemos propor um esboço posterior de sentido, ou outra interpretação, que será novamente sopesada no mesmo esquema. A segunda interpretação também pode resultar inadequada, com o que se experimenta uma terceira e assim sucessivamente. O processo em tese caminha infinitamente, entretanto, de fato, o leitor se detém naquela interpretação que, vez por outra, aparecerá como satisfatória (GADAMER, 1997, p. 401/402).
Gadamer defende que o produto e o produtor não se confundem, sendo, por isso, o autor de um texto mero elemento ocasional. Após vir ao mundo, o texto existe de maneira autônoma, produzindo seus efeitos. A história dos efeitos de um texto determina sempre de maneira mais completa seu significado, portanto o intérprete situado bem depois do nascimento do objeto fortalece suas possibilidades de compreender melhor o seu sentido, quando comparado ao intérprete que acessou o texto próximo ao ato de produção (REALE; ANTISERI, 2003, p. 255).
Emílio Betti, filósofo nascido em solo italiano, refuta a visão de Gadamer e Heidegger, acusando-os de não pesar devidamente a importância do objeto. Sensus nos est inferendus, sed efferendus. O sentido não deve ser imposto, mas extraído. Para Betti, os filósofos citados anteriormente impõem o sentido ao objeto mais do que extraem do objeto o sentido que nele está contido, devendo-se atentar para a diferença entre uma doação de sentido e uma interpretação do sentido encarnado no objeto. Betti indica quatro cânones do procedimento hermenêutico, a fim de constituir uma hermenêutica garantidora dos direitos ao objeto[1] (Ibidem, 265/268).
Neste ponto, faz-se necessário definir o que se entende por interpretação. Influenciado pela semiótica, o termo originou diversas concepções: sensu largissimo, sensu largo e senso stricto (Wróblewski, 1995, p. 21/23). No sensu largissimo, interpretar significa compreender um objeto enquanto fenômeno cultural, atribuir valor a um substrato material. Esta “interpretação cultural” funciona para as ciências humanas em geral, todavia não se amolda bem ao esquema do dever-ser pela amplitude de significado e pelas demandas de segurança jurídica da seara do direito.
Os adeptos da concepção sensu largo defendem que há interpretação sempre que se compreende qualquer signo linguístico. Logo, o intérprete seria aquele que atribui um significado a um signo de acordo com as regra de sentido dessa linguagem. No esquema, a mera leitura de um texto, de uma partitura ou a observação de uma placa de trânsito ensejariam a interpretação. Todos os artigos do Estatuto da Criança e do Adolescente precisariam ser interpretados, já que interpretação e compreensão são sinônimas.
Já no conceito sensu stricto, interpretação significa determinação do significado de uma expressão linguística quando existem dúvidas referentes a este significado em um caso concreto de comunicação. Prima facie, esta linha reduz o escopo do conceito às situações em que há dúvidas efetivas sobre o significado das regras (situações de interpretação). Estas se distinguem das situações de isomorfia, quando não há dúvidas nem se discutem problemas no que tange ao significado das regras. Vale salientar que situações de aparente isomorfia podem ensejar futuras situações de interpretação, com a suscitação da dúvida.[2] O artigo adere, portanto, à interpretação no sentido estrito.
Como mencionado, o filósofo Waisman chamou atenção para a abertura da linguagem, entretanto coube a Herbert Hart (1986, p. 139) apontar que a “textura aberta” abrange os termos, as sentenças e regras. Expõe o jurista que, quando são usadas regras gerais, em alguns casos concretos, podem surgir incertezas quanto à forma de comportamento exigida pela norma, uma vez que todos os campos de experiência, não apenas no das regras, há um limite inerente à natureza da linguagem. Interessante salientar a diferença entre os casos paradigmáticos, quando os fatos ocorridos no mundo certamente caem dentro do âmbito de aplicação da regra geral de conduta, e o caso não contemplado, surgido a partir da porosidade da linguagem, em que confrontamos as soluções em jogo e podemos resolver a questão através da escolha entre os interesses concorrentes (Ibidem, p. 141/142).
Na mesma medida em que critica aqueles que se contrapõe à textura aberta do direito, Hart também ataca os céticos sobre as regras (Ibidem, p. 149/154). Para ele, o ceticismo se define como a pretensão de que falar sobre regras seria um mito, com a função de ocultar que, na realidade, não existem regras e o direito trataria simplesmente de decisões dos tribunais e a tentativa de antever estas decisões. Ele refuta esta perspectiva: a afirmação de que “há decisões dos tribunais” não pode ser combinada de forma coerente com a negação de que haja quaisquer regras, uma vez que a existência de um tribunal implica a existência de regras secundárias que conferem jurisdição a uma sucessão mutável de indivíduos e atribuem autoridades às suas decisões.
Além disso, em certos domínios, o direito funciona nas vidas dos indivíduos como ponto de vista interno, aflorando em uma série de condutas e atitudes, sendo incorreto considerá-los como hábitos ou como base de predição de decisão de tribunais ou de ações de outras autoridades. Tais condutas são, na realidade, padrões jurídicos de comportamentos que estes cidadãos aceitam, por isso, fazem com regularidade tolerável o que o direito lhes exige.
Hart não descarta que algumas decisões judiciais sejam obtidas a partir da intuição do magistrado, que se restrinjam posteriormente a escolher de um catálogo de regras jurídicas uma que ele fingiria que se parece com o caso a eles submetido. Todavia, majoritariamente, na opinião do jurista, as decisões assemelham-se aos movimentos do jogador de xadrez, pois advém de um esforço genuíno de obediência às regras, tomados conscientemente como padrões orientadores de decisão, ou, se obtidas intuitivamente, são justificadas por regras que o juiz se dispunha anteriormente a observar e cuja relevância para o caso concreto seria reconhecida de forma geral.
Ao que parece, como afirma Hart, no debate entre formalistas e céticos, a verdade reside no meio termo. No direito infracional, há uma norma que ilustra bem a situação, o art. 42, § 2º, da Lei do Sinase. Quando a representação do Ministério Público é julgada procedente e o adolescente encaminhado a cumprir medida socioeducativa, o juiz fixa na Sentença a periodicidade com que aquela medida será reavaliada, ou seja, a cada período de tempo, o adolescente deve ser reavaliado, tendo a oportunidade de progredir ou pode ser mantido na atual medida. O dito art. 42, § 2º estabelece que “a gravidade do ato infracional, os antecedentes e o tempo de duração da medida não são fatores que, por si, justifiquem a não substituição da medida por outra menos grave.”
Em princípio, a norma soa confortadora por passar ao leitor a ideia de que a manutenção deve se fundar no real desenvolvimento do jovem dentro do que foi proposto no seu plano individual de atendimento. No entanto, imaginemos a seguinte situação: o socioeducando, com apenas quatro, (ou até menos) de cumprimento de medida vai ser reavaliado pela prática de ato equivalente ao homicídio consumado, com todas as qualificadoras possíveis, e cujo comportamento dentro da Unidade seja irrepreensível, seguindo todas as orientações da equipe pedagógica. Além disso, o adolescente já tem passagem pela justiça especializada, tendo lhe sido aplicadas outras várias medidas socioeducativas por atos diversos.
A norma diz que a manutenção não pode se fundar exclusivamente na gravidade, brevidade de cumprimento e reincidência, mas são os argumentos que se apresentam. A situação não é meramente acadêmica, pois frequentemente casos como esse chegam à mesa dos juízes da infância. E, então? Respeitar a norma e liberar o adolescente ou ignorá-la e escolher no catálogo jurídico uma regra que se pareça com o caso a eles submetido? Na prática, o adolescente provavelmente vai ser mantido na medida, porque, apesar de não se dispor de estatísticas seguras relacionando ato infracional e tempo de cumprimento de Medida, em geral a magistratura aplica internação por período médio de dois a três anos em casos de morte da vítima (homicídio e latrocínio). No exemplo, não parece que o aplicador encare a regra como mito, a posição seria mais a de quem conhece a regra, mas discorda dela, todavia não se pode negar o caráter intuitivo da decisão, com uma justificação posterior.
Outra questão que atormenta muita gente é a vontade do autor do texto como critério de interpretação.[3] Aliás, nesse contexto, o papel do legislador se torna ainda mais problemático do que o autor tradicional, porque o primeiro não se trata de um ente psicológico, dotado de vontade no sentido tradicional, mas de um corpo de “agentes” do Estado, sendo que o somatório das vontades individuais de seus membros não reflete necessariamente a vontade do conjunto. Além disso, nem sempre dispomos de instrumentos para revelar o que os congressistas estavam pretendendo ao aprovar determinado ato.
Conforme Schroth (2002, p. 395), a ciência jurídica contemporânea dominante crê que o fim atual da lei determina o objetivo da interpretação, podendo aquela vontade representar apenas um instrumento secundário da interpretação objetiva. Em outra ponta, uma opinião minoritária favorece ainda a determinação da vontade do legislador histórico como meta da interpretação. A via intermediária entre interpretação objetiva e subjetiva é procurada por um número cada vez maior de hermeneutas.
Transladando para o tema, o ECA estabelece no art. 6º que “Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento”, um viés que busca aparentemente ao fim atual da lei, num paradigma prospectivo.
No entanto, também urge compreender em que medida o atual sistema de proteção e responsabilização dos adolescentes foi construído historicamente, com base nos diplomas legais editados, e nos tratados internacionais assinados pelo País. Entender, ainda, como o legislador mudou de interpretação acerca do conflito entre a pessoa menor de 18 anos e a lei, construindo uma doutrina da proteção integral, que orientou a edição do próprio ECA.
Não seria impróprio falar, portanto, em doutrina da proteção como vontade do legislador e, nessa vontade, enquanto critério de interpretação, ao lado do fim atual da lei. Pelo menos no que se refere à infância, este ponto de apoio ficou mais sólido, porque se encontra expresso em diversos diplomas nacionais e internacionais ratificados pelo Brasil, ao longo das últimas décadas.
A alteração ao longo do último século na legislação referente aos adolescentes infratores reflete em parte a mudança da mentalidade social acerca desta parcela de brasileiros. À proporção que se modificam as leis, também se altera o entendimento sobre a natureza das medidas corretivas.
Inicialmente, merece referência o Código Penal de 1830, promulgado pelo Império, no qual constam as primeiras alusões particulares ao tratamento dos menores de 21 anos. O diploma adotou a “teoria do discernimento”, determinando que os menores de 14 anos infratores, caso agissem com discernimento, seriam recolhidos à Casa de Correção pelo tempo que o Juiz julgasse necessário e não podiam passar dos 17 anos. Entre 14 e 17 anos, os menores se sujeitariam à pena de cumplicidade (2/3 da que caberia ao adulto). Os jovens maiores de 17 e menores de 21 anos gozariam da atenuante de menoridade (PEREIRA, 2008, p. 8). O Código privilegiava a internação e/ou a institucionalização dos jovens, mesmo sem a prática de qualquer ato infracional, influenciando a legislação infantil posterior (LIBERATI, 2003, p. 59).
O Código de Menores de Mello Matos, vigente a partir de 1927, classificava as crianças e os adolescentes com menos de 18 anos em menores abandonados e delinquentes. À época, as medidas se destinavam apenas aos menores delinquentes, com natureza estritamente punitiva. Apesar disso, o Código de 27 representou uma abertura significativa do tratamento da criança à época, preocupado em que fossem considerados o estado físico, moral e mental, bem como a situação social, moral e econômica dos pais; também proibiu que os “menores delinquentes” fossem submetidos a processo penal de qualquer espécie.
Com o objetivo de disciplinar as medidas aplicáveis aos chamados “menores infratores”, surge a Lei nº 5.258/67, modificada pelo diploma nº 5.439/68. Na Lei Relativa a Menores Infratores, o magistrado utiliza o critério da periculosidade, verificando se, no caso concreto, o menor entre quatorze e dezoito anos apresentava caráter perigoso. Com base nessa análise, aplicava a medida, que possuíam um espírito punitivo e sancionatório, pretensamente também educativo.
Entre os anos de 1979 e 1990, a legislação relativa à infância e juventude seguiu a disciplina da Lei nº 6.697/79 (Código de Menores). O Código inaugurou a doutrina da situação irregular, dispondo que as normas se destinava ao “menor” que estivesse (art. 2º):
“I – privado de condições essenciais à sua subsistência, saúde e instrução obrigatória, ainda que eventualmente, em razão de: a) falta, ação ou omissão dos pais ou responsável; b) manifesta impossibilidade dos pais ou responsável para provê-las; II – vítima de maus tratos ou castigos imoderados impostos pelos pais ou responsável; III – em perigo moral, devido a: a) encontrar-se, de modo habitual, em ambiente contrário aos bons costumes; b) exploração em atividade contrária aos bons costumes: IV – privado de representação ou assistência legal pela falta eventual dos pais ou responsável; V – com desvio de conduta, em virtude de grave inadaptação familiar ou comunitária; VI – autor de infração penal (art. 2º).”
Numa breve análise do artigo, verifica-se que o Código tendia a tratar indistintamente os menores de dezoito anos infratores e os abandonados. Vê-se que a questão fundamental do estudo do Direito do Menor era a caracterização da “situação irregular”, a qual fundamentava a doutrina. Segundo Paulo Lúcio Nogueira (1988, p. 13/14), tal estado se caracteriza:
“como situações de perigo que poderão levar o menor a uma marginalização mais ampla, pois o abandono material ou moral é um passo para a criminalidade. (…) A situação irregular do menor é, em regra, consequência da situação irregular da família, principalmente com a sua desagregação.”
A legislação de 79 não se dirigia à prevenção, cuidava do conflito instalado. O Juiz de Menores atuava na prevenção de segundo grau, através de polícia de costumes, proibição de frequência de determinados lugares, casas de jogos, etc.
Mary Beloff (1999, p. 15/17) sintetizou as principais características da doutrina da situação irregular, que, pela proximidade histórica, ainda hoje influencia a mentalidade de vários juristas atuantes na área da infância. Segundo ela, as crianças e os jovens aparecem como objetos de proteção, não são reconhecidos como sujeito de direito, mas como incapazes que requerem uma abordagem especial. Por isso, as leis não são para toda a infância e adolescência, e sim para uma parte deste universo, os “menores”. Essa proteção frequentemente viola ou restringe direitos, pois não é pensada a partir da perspectiva dos direitos.
Utilizam-se categoria vagas, ambíguas, de difícil apreensão a partir da perspectiva do direito, tais como “menores em situação de risco”, “perigo moral ou material”, etc., que habilitam o ingresso dos “menores” ao sistema de justiça especializado.
Neste sistema, é o “menor” quem está em situação irregular, suas condições pessoais, familiares e sociais as que o convertem em um “menor de situação irregular” e, por isso, é objeto de intervenções estatais coercitivas tanto com a sua família. Existe uma divisão jurídica segundo a situação da criança/adolescente: um grupo de pessoas (“menores”) sofre intervenção da justiça de menores, enquanto outro grupo, provavelmente, se há intervenção judicial, será por parte da Justiça de Família.
A medida por excelência que adotam os julgados – tanto para infratores da lei penal, quanto para as vítimas, ou para os “protegidos” – é a privação de liberdade. As medidas são adotadas por tempo indeterminado. Consideram-se as crianças e adolescentes como inimputáveis penalmente em face dos atos infracionais praticados. Esta ação teoricamente protetiva resulta que não lhes será assegurado um processo com todas as garantias que têm os adultos.
As normas gerais aplicáveis pela Justiça da Infância e da Juventude no direito brasileiro encontram-se dispostas, sobretudo, na própria Constituição Federal (arts. 227 a 229) e na Lei nº 9.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA). Recentemente, em 2012, foi editada a Lei nº 12.594/12 (Lei do Sinase) trazendo normas relativas à execução das medidas socioeducativas, além de instituir o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo e alterar o ECA em alguns pontos. O Brasil também ratificou diversos tratados internacionais sobre o tema, mencionados mais à frente.
O Estatuto define no art. 2º criança, para os efeitos da Lei, a pessoa até doze anos de idade incompletos, e adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade. Por força do art. 112, apenas os adolescentes podem cumprir medida socioeducativa pela prática de ato infracional, combinadas ou não com medidas de proteção, ou ainda receber apenas medidas de proteção. Já ao ato infracional praticado por criança, corresponderão às medidas protetivas tão somente (art. 105).
As medidas socioeducativas passíveis de aplicação aos adolescentes se contém no art. 112 do ECA: advertência, obrigação de reparar o dano, liberdade assistida, prestação de serviços à comunidade, semiliberdade e internação.
Na liberdade assistida, o adolescente é acompanhado, com o apoio e a supervisão da autoridade judiciária, por orientador social, a quem encube, entre outras obrigações: promover socialmente o adolescente e sua família; supervisionar a frequência e o aproveitamento escolar do adolescente; buscar a profissionalização do adolescente (arts 118/119 do ECA). No regime de semiliberdade, pode realizar atividades externas, como estudar e trabalhar, independentemente de autorização judicial, mas retorna à unidade no período noturno (art. 120, ECA).
Por outro lado, a medida de internação constitui medida extrema privativa da liberdade, em que o adolescente permanece internado no centro durante o dia e a noite. Até as atividades pedagógicas (em princípio e quando existem) ocorrem dentro da própria unidade. A critério da equipe técnica, permite-se a realização de atividades externas, no entanto, quando comparamos com a semiliberdade, essas atividades assumem caráter excepcional na prática (art. 121 do ECA e 121, § 1º).
Em atenção à maior gravidade da medida de internação, a Lei 8.069/90 abordou detalhadamente quanto à forma e ao período de cumprimento, bem como quanto aos direitos do adolescente privado de liberdade. Por isso mesmo, as regras da internação são aplicadas subsidiariamente às demais medidas, são exemplos os §§ 2º, 3º e 4º do art. 121,[4] normas protetivas localizadas na Seção VII (Da Internação), que se aplicam nas demais seções do Capítulo IV do Esta tuto.
O conceito de ato infracional aparece no art. 103 do referido diploma: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.” Tal ato refere-se tanto à conduta similar à do crime, quanto às contravenções penais praticadas por crianças e adolescentes. Para os efeitos da Lei, deve ser considerada a idade do adolescente à data do fato.
A Lei nº 12.594/12 trouxe novidades ao direito infracional, especialmente no âmbito do processo de execução da MSEs, instituindo, no art. 1º, o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que se trata do conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais, distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a lei.
O diploma evidenciou os objetivos das medidas[5] e, no art. 35, engendrou o sistema de princípios que rege a execução das medidas socioeducativas:
“I – legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; II – excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III – prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas; IV – proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V – brevidade da medida em resposta ao ato cometido e respeito ao que disposto no art. 122 do ECA[6]; VI – individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; VII – mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; VIII – não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX – fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.”
A Lei do Sinase fortaleceu o papel da Defensoria Pública ao determinar a participação efetiva da defesa em atos processuais que anteriormente eram decididos ouvindo-se apenas o representante do Ministério Público.[7] No art. 49, § 1º, estabelece-se que as garantias processuais destinadas a adolescente autor de ato infracional previstas no ECA aplicam-se integralmente na execução das medidas socioeducativas, inclusive no âmbito administrativo.
No âmbito infralegal, a execução das MSEs sofre forte regulação do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), principalmente através de resoluções. Entre as principais resoluções, temos a de nº 165 (nov. 2012), que dispôs sobre normas gerais para o atendimento, pelo Poder Judiciário, ao adolescente em conflito com a lei no âmbito na internação provisória e do cumprimento das medidas socioeducativas. A resolução foi uma espécie de prévia da Lei do Sinase, estatuindo garantias importantes para os socioeducandos.[8]
Atualmente, a doutrina da situação irregular foi suplantada pela doutrina da proteção integral, que serve de esteio para todo o sistema de Justiça de Infância e Juventude no Brasil e em boa parte do mundo.
O Tratado de Versalhes de 1919 marcou o início da proteção infantil ao instituir a Organização Internacional do Trabalho (OIT), com normas de idade mínima de 14 anos para o trabalho na indústria e proibição de trabalho noturno para menores de 18 anos. Paralelamente, segundo Rossato, Lépore e Cunha (2012, p. 50), a comunidade internacional precisou lidar com o abandono das crianças em razão da morte de parentes na Primeira Guerra Mundial.
No ano de 1924, a comunidade internacional aprova o primeiro documento internacional voltado integralmente aos direitos das crianças e dos adolescentes, a Declaração dos Direitos da Criança de Genebra. Pelo diploma, a criança se torna objeto de proteção e passa a ter direitos aos meios para seu desenvolvimento material, moral e espiritual.
Em novembro de 1959, a assembleia da Organização das Nações Unidas aprovou unanimemente a Declaração Universal dos Direitos da Criança, no entendimento que as condições especiais da criança necessitavam de uma declaração à parte da Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948. No princípio 2º, o documento garante à criança proteção especial com oportunidades e facilidades, por lei e por outros meios, de forma a lhe facultar o desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, de maneira sadia e normal e em condições de liberdade e dignidade (princípio do melhor interesse da criança).
No que se refere ao Sistema de Justiça da Infância e da Juventude, em situações de julgamento de crianças e adolescentes autores de ilícitos, a história jurídica foi inaugurada pelas Regras de Beijing em 1985, estabelecendo-se, na oportunidade, que a Justiça da Infância e Juventude passa a ser parte do processo de desenvolvimento de cada país. O Documento recomenda a prevenção do delito e tratamento de seu autor.
O caráter vinculante dos direitos infanto-juvenis só surge, na realidade, com a Convenção sobre os Direitos da Criança de 1989, porque vários países ratificaram o acordo, que costuma ser apontado como berço da doutrina da proteção integral. Pesando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, o art. 3º da Convenção determina que “todas as decisões relativas a crianças, adotadas por instituições públicas ou privadas de proteção social, por tribunais, autoridades administrativas ou órgãos legislativos, terão primacialmente em conta o interesse superior da criança.”
Na visão de João Batista da Costa Saraiva (2010, p. 21), a Convenção das Nações Unidas de Direitos da Criança se caracteriza por conceitos como separação, participação e responsabilidade. O autor chama atenção para o princípio da autonomia progressiva, como um dos princípios fundantes daquele documento, rompendo com a ideia da incapacidade do menor, fixando seu direito de agir e interagir, seu protagonismo enquanto sujeito do processo.
A atual Constituição da República acolheu desde a origem a doutrina da proteção integral, mesmo tendo sido publicada um ano antes da Convenção de Direitos da Criança de 1989, conforme dispõe o art. 227:
“É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.”
O ECA, promulgado em 1990, adere logo no art. 1º ao novo conjunto de princípios, verbis: “Esta Lei dispõe sobre a proteção integral à criança e ao adolescente.”
Em termos gerais, Beloff (1999, p. 19/21) afirma que uma lei se encontra em um marco de proteção integral dos direitos infanto-juvenis quando aparecem as seguintes características: a) definem-se os direitos das crianças e se estabelece que, em caso de algum desses direitos se encontre ameaçado ou violado, é dever da família, da comunidade e/ou do Estado restabelecer o exercício concreto do direito afetado através de mecanismos e procedimentos efetivos e eficazes tanto administrativos quanto judiciais, se assim corresponder; b) desaparecem as vagas e antijurídicas categorias de “risco”, “perigo moral ou material”, “circunstâncias especialmente difíceis”, “situação irregular”, etc; c) estabelece-se, em todo o caso, que quem se encontra em “situação irregular” quando o direito de uma criança/adolescente se encontra ameaçado ou violado é alguém ou alguma instituição do mundo adulto (família, comunidade ou Estado); d) distinguem-se claramente as competências das políticas sociais da questão penal, impondo a defesa e o reconhecimento dos direitos infanto-juvenis como uma questão que depende de um adequado desenvolvimento das políticas sociais. Estas políticas se caracterizam por serem projetadas e implantadas pela sociedade civil e pelo Estado, por estarem descentralizadas e focalizadas nos municípios; e) abandona-se a noção de menores como sujeitos definidos de maneira negativa, pelo que não têm, não sabem ou não são capazes, e passam a ser definidos de maneira afirmativa, como sujeitos plenos de direito; f) a proteção é dos direitos da criança e do adolescente (todos, sem distinção de classes). Não se trata, como no modelo anterior, de proteger a pessoa da criança ou adolescente, do “menor”, mas de garantir os direitos de todas as crianças e adolescentes. Portanto, essa proteção reconhece e promove direitos, não os viola nem restringe. Pelo mesmo motivo, a proteção não pode significar intervenção estatal coativa; g) o juiz da infância, como qualquer juiz, está limitado na sua intervenção pelas garantias do indivíduo; h) quanto à política criminal, se reconhecem às crianças e aos adolescentes todas as garantias correspondentes aos adultos nos juízos criminais segundo as constituições nacionais e os instrumentos internacionais pertinentes, mais garantias específicas;[9] j) a privação de liberdade tem caráter excepcional e é aplicada por breve período. Determina-se que a privação de liberdade será uma medida de último recurso, que se deverá aplicar pelo tempo mais breve possível que proceda, em todos os casos, por tempo determinado como consequência da prática de um delito grave.
Rossato, Lépore e Cunha (2012, p. 78) lecionam que a doutrina da proteção integral, tida como um metaprincípio orientador, imiscui-se nos dispositivos da Constituição Federal; compõe um sistema constitucional de proteção à infância e juventude objetivado, ainda, nas normas do Estatuto; e forma, ao lado das normas internacionais de proteção dos direitos humanos e também das inúmeras prescrições administrativas, um verdadeiro sistema de proteção dos direitos da criança e do adolescente.
Paulo Afonso Garrido de Paula (2002, p. 31) afirma que a locução “proteção integral” é autoexplicativa, sinalizando-a como “finalidade política do Direito da Criança e do Adolescente e que ela faz parte de sua própria essência”. Para ele, os princípios da prioridade absoluta e respeito da condição peculiar da pessoa em desenvolvimento fazem do direito da criança e do adolescente um ramo jurídico cuja disciplina inspira a proteção integral da infância e adolescência.
Outro princípio espraiado pelo Estatuto é o do melhor interesse, que nos leva a uma interpretação das normas de modo a maximizar os interesses da pessoa com menos de 18 anos. Atualmente, a aplicação do princípio the best interest permanece como padrão, considerando as necessidades da criança em detrimento de outros interesses, devendo realizar-se sempre uma análise do caso concreto (AZAMBUJA, 2014, p. 3). Tânia da Silva Pereira (2008, p. 48) pondera que a aplicação do princípio enfrenta inúmeras dificuldades, pela sua vagueza, alertando para não se conceder ao Juiz um poder discricionário ilimitado fundado nesse “melhor interesse”.
Existem algumas divergências quanto à finalidade das medidas socioeducativas. Para alguns, teriam caráter apenas pedagógico, para outros, apenas punitivo, e há quem entenda também que teriam uma finalidade mista, aliando-se caráter pedagógico e sancionatório.
A finalidade da MSE é mais ampla do que a pena para o direito penal. Para a imposição de uma pena, se pressupõe em contraponto que esta seja aplicada a um ser humano capaz e com liberdade de escolha, enquanto que a medida socioeducativa será imposta a um adolescente em formação, estando aí a maior diferença entre ambas. Na opinião de Rodrigo Augusto de Oliveira (2005, p. 140), também existe um diferencial da natureza das MSEs em relação às penas no que tange ao aspecto educativo, que é mais valorizado no direito da infância e da juventude, devido à peculiar condição de pessoa em desenvolvimento.
Realmente, tal divergência entre pena e MSE pode ser encontrada no ECA, art. 100: “Na aplicação das medidas levar-se-ão em conta as necessidades pedagógicas, preferindo-se aquelas que visem ao fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários.” O dispositivo acentua um dos princípios basilares do Estatuto, da pessoa em condição peculiar de desenvolvimento, que necessita de um tratamento diferenciado. O tratamento distinto tem respaldado na lei, sendo amplamente defendido com base em outros princípios que regem o ECA, como os da prioridade absoluta (que garante ao adolescente a prioridade absoluta em seus cuidados), princípio do melhor interesse (a norma jurídica deverá ser sempre interpretada de forma que prevaleça o melhor interesse do jovem) e a multirreferida doutrina da proteção integral. Deve-se investir no adolescente de forma a fortalecer os seus vínculos afetivos e reestruturá-lo no seu retorno ao convívio social.
Para desvelar a natureza mista das medidas socioeducativas, a qual este estudo se filia, é preciso compreender um crime em paralelo ao que seja um ato infracional. Francisco de Assis Toledo (2008, p. 80) descreve substancialmente o crime enquanto fato humano que lesa ou expõe a perigo bens jurídicos protegidos (vida, a saúde, a fé pública, etc.). Entretanto, ele aponta que esta definição resta insuficiente para as finalidades da dogmática penal, inspirando outras conceituações que delimitam os elementos estruturais do conceito de crime. A que lhe parece mais aceitável, aprecia as três notas fundamentais do fato-crime: a ação típica (tipicidade), ilícita ou antijurídica (ilicitude) e culpável (culpabilidade).
Segundo Zaffaroni (2002, p. 432/433), os tipos são as fórmulas que usa a lei para assinalar ações dos indivíduos que se ameaçam com uma pena. Do ponto de vista do poder de punir do Estado, seria a formulação da criminalização primeira que habilita o seu exercício em leis com função punitiva manifesta. Deduz o autor que o direito penal, como instrumento de realização do Estado de Direito, deve prover um sistema interpretativo limitador do âmbito de ações típicas: quanto mais idônea seja uma doutrina penal para reduzir interpretativamente os tipos penais, menor será o poder punitivo de seleção pessoal que se habilite em uma sociedade. No direito infracional, funciona da mesma forma.
Zaffaroni adverte, porém, que esta tarefa, que é a função interpretativa redutora do direito penal (e infracional, acrescentamos de nossa parte) a respeito dos tipos penais, deve ser levada a cabo de modo racional, porque nem toda redução é idônea para cumprir esta função. Uma redução arbitrária não faria mais que gerar o risco de uma seleção pessoal mais arbitrária. Por isso, a necessidade de uma análise sistemática dos tipos penais e de uma cuidadosa dogmática da tipicidade.
Na época anterior ao Estatuto, era comum privar o jovem de liberdade em razão da periculosidade deste, algo que afronta as bases do atual sistema, mas não seria correto dizer que tal prática tenha sido totalmente abandonada. Quando o magistrado sentencia um adolescente primário à internação por furto, o que, na realidade, ele faz é violar a tipicidade estrita do art. 122 do ECA, como assentado na própria jurisprudência, vista adiante.
No que tange ao segundo elemento estrutural do crime, coube a Welzel (1970, p. 78) estabelecer a distinção entre antinormatividade e antijuridicidade. Explica o renomado penalista que o tipo é uma figura conceitual que descreve, mediante conceitos, formas possíveis de conduta humana, enquanto a norma proíbe a concretização dessas formas de agir. A ocorrência da conduta descrita no tipo de uma norma proibitiva assinala uma contradição com a exigência da norma, causando a “antinormatividade” da ação.
Toda realização do tipo de norma proibitiva é certamente antinormativa, mas nem sempre é antijurídica, em razão de que o ordenamento jurídico se compõe também de preceitos permissivos. Quando uma norma permissiva interfere, autoriza de maneira excepcional a realização de conduta típica, impedindo que a norma geral, abstrata, converta-se em dever jurídico concreto para o agente. Portanto, concorrendo uma excludente, inobstante antinormatividade da conduta, esta não se diz antijurídica, já que se encontra autorizada excepcionalmente por outra norma permissiva. A antijuridicidade, seguindo a doutrina welzeliana, define-se como contradição da realização do tipo de uma norma proibitiva com o ordenamento jurídico em seu conjunto (não somente com uma norma isolada) (BITENCOURT, 2008, p. 295).
O Código Penal Brasileiro traz no art. 23 as causas de exclusão de ilicitude, estabelecendo que não há crime quando o agente pratica o fato: em estado de necessidade; em legítima defesa; em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.
O Estatuto da Criança e do Adolescente não aborda as causas de exclusão de antijuridicidade. Contudo, numa interpretação sistemática, defendemos serem plenamente aplicáveis as excludentes ao ato infracional, em face do art. do art. 103 do ECA, que considera ato infracional a conduta descrita como crime. Se o comportamento do agente se amolda a uma das causas que excluem a ilicitude, não configura crime, pela falta de um de seus elementos essenciais, logo, não se pode dizer que esta conduta seja “descrita como crime”, não caracterizando tampouco ato infracional.
Aliás, chega o momento de abordar algumas importantes consequências do art. 103 do ECA para o intuito do presente trabalho. Como visto, o artigo dispõe que: “Considera-se ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal.” A norma recepciona o princípio da reserva legal, representando o pressuposto do acionamento do sistema de Justiça da Infância e da Juventude.
Rossato, Lepore e Cunha (2012, p. 320) assentam que a estrutura do ato infracional segue a do delito, da seguinte forma: a) conduta dolosa ou culposa, praticada por criança ou adolescente; b) resultado; c) nexo de causalidade; d) tipicidade; e) inexistência de causa de exclusão de antijuridicidade. Eles argumentam que o Estatuto adota a tipicidade delegada, tomando de empréstimo da legislação penal a definição das condutas ilícitas.
Radicalizando o argumento, chega-se à conclusão de que em essência crime e ato infracional do ponto de vista objetivo não apresentam qualquer diferença, porque ambos dizem respeito a uma conduta típica e antijurídica. Reside, pois, no elemento da culpabilidade a diferença entre delito e ato infracional. Na raiz da ideia de culpabilidade, como explica Toledo (2008, p. 218), insere-se a noção de evitabilidade. Segundo ele, a pena criminal como instrumento de intimidação só possui significado quando correlacionada com a evitabilidade do fato praticado. Apenas fatos evitáveis, aqueles cujo agente disponha da opção entre praticar e não praticar, podem ser, com alguma utilidade, objeto de ameaça de pena, por serem nocivos ao semelhante, à tribo, à comunidade, à sociedade.
A concepção da culpabilidade na doutrina finalista, mais aceita atualmente, reúne a imputabilidade; consciência potencial da ilicitude; possibilidade e exigibilidade, nas circunstâncias, de um agir-de-outro-modo; e juízo de censura ao autor por não ter exercido, quando podia, esse agir-de-outro-modo (Ibidem, p. 229). No que tange a imputabilidade penal, o ordenamento brasileiro adotou a teoria biológica, pois esta condiciona a imputabilidade à estrita verificação da idade do agente (BRANDÃO, 2008, p. 223).
Cotejando a lição dos ilustres penalistas com o que reza a legislação infanto-juvenil, conclui-se que, para a configuração do crime, a culpabilidade é necessária em todos os aspectos (imputabilidade, consciência potencial da ilicitude, exigibilidade de conduta diversa); enquanto no ato infracional o requisito da culpabilidade existe, mas sem o aspecto da imputabilidade (pois o direito penal exige a maioridade do agente) e considerando a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento ético.
De outra banda, a pena é uma medida repressiva aplicada pelo Estado em desfavor de uma pessoa que pratique uma infração penal, respeitado o devido processo legal. As espécies de pena estão previstas no art. 32 do Código Penal, podendo ser privativas de liberdade, restritivas de direitos e de multa.
Parte da doutrina, vendo semelhanças entre a pena e a medida socioeducativa, chega a considerar a MSE como um tipo da espécie pena. Nesse viés, Rodrigo Augusto de Oliveira (2005, p. 140) relata que, embora persista caráter predominante pedagógico, a medida socioeducativa seria, sim, uma espécie do gênero pena, pois não passaria de sanções impostas aos jovens.
Para Liberati (2006, p. 102), como resposta estatal ao ilícito praticado por menor de 18 anos, a MSE tem natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, e sua aplicação objetiva inibir a reincidência. [10] Ademais, a MSE seria desenvolvida com finalidade pedagógica-educativa. O caráter impositivo advém da aplicação independente da vontade do infrator. Dá-se o caráter sancionatório, pois, com sua ação ou omissão, o infrator quebrou a regra de convivência dirigida a todos. Pode ser considerada uma medida de natureza retributiva, uma vez que é uma resposta do Estado à prática do ato infracional.
Ponderando o tema, Konsen (2005. p. 76/77) assinala os significados material e instrumental da medida socioeducativa. O autor evoca que na pena do adulto não se mede, com prevalência, a necessidade pedagógica; utiliza-se o critério do tamanho da culpa para fixar do tamanho da reprimenda. Já para escolher a MSE adequada, o critério correto seria o da necessidade pedagógica. A finalidade da pena criminal pauta-se por sua proporcional carga retributiva, a da MSE pela necessidade pedagógica do adolescente. Finalmente, Konsen sublinha a complexidade da natureza jurídica da MSE: a substância é penal e a finalidade, pedagógica.
Os critérios para a interpretação das normas relacionadas aos atos infracionais e às MSEs são instrumento importante para reduzir o arbítrio na interpretação judicial. A baliza primeira, pelos motivos adiante expostos, é a própria Constituição da República Federativa do Brasil. Os dispositivos constitucionais que enfrentam nosso tema específico encontram-se em parte dispersos ao longo da Carta, especialmente no âmbito dos direitos individuais e coletivos, mas a maior parcela concentra-se no Título VIII (Da Ordem Social), em seu Capítulo VII (Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso).[11]
Qualquer interpretação do ECA ou da Lei do Sinase que desrespeite tais disposições padece de ilegitimidade. Não prospera o argumento de que a Carta estabeleceu metas inatingíveis em relação aos adolescentes infratores, ou que, nesse assunto, as normas protetivas sofreriam relativização em face de necessidades práticas. Aliás, o eminente constitucionalista Konrad Hesse (1991, p. 22/23) ensina que a norma constitucional não tem existência autônoma em face da realidade. A sua essência reside na sua vigência. Logo, a situação por ela regulada pretende se concretizar na realidade. Essa pretensão de eficácia não se desliga das condições históricas de sua realização, estando inter-relacionadas, criando regras próprias, que não podem ser desconsideradas.
A Constituição adquire força normativa na mesma proporção em que consegue por a termo essa pretensão de eficácia, não pode ser definida enquanto pura normatividade ou, como queria Ferdinand Lassalle, enquanto simples eficácia das condições sócio-políticas e econômicas (Ibidem, p. 14/16). No que tange às normas de direito infracional, fica claro que o Estado e a sociedade brasileira assumiram essa vontade de constituição, de efetivação social dos preceitos, seja pela adoção da atual doutrina da proteção integral, seja pela assinatura de tratados internacionais ou mesmo pela legislação infraconstitucional de vanguarda no assunto.
Diz-se que há sentido criativo na interpretação constitucional, já que o conteúdo da norma interpretada só fica completo com sua interpretação. Contudo, apenas o sentido possui caráter criativo, a atividade de interpretação vincula-se estreitamente à norma. E é justamente com essa vinculação que se pretente evitar interpretações arbitrárias que venham a prejudicar os adolescentes em conflito com a lei (Ibidem, p. 42/43).
Os princípios jurídicos são outro ponto importante de análise. Sobre o tema, Paulo Bonavides (2004, p. 294) leciona que hoje a teoria dos princípios vive a fase do pós-positivismo, com arrimo nas seguintes características: a) a passagem dos princípios da especulação metafísica e abstrata para o campo concreto e positivo do Direito; b) a transição crucial da ordem jusprivatista (inserção nos Códigos) para a ótica juspublicística (presença nas Constituições); c) a suspensão da distinção entre princípios e normas; d) princípios caminham da esfera da jusfilosofia para a Ciência Jurídica; e) a manifestação da sua normatividade; f) a perda de seu caráter de normas programáticas; g) a distinção entre regras e princípios, como espécies diversificadas do gênero norma. Bonavides conclui que, por expressão máxima de todo esse desdobramento doutrinário, o mais significativo efeito dos princípios seria na atualidade a sua total hegemonia e preeminência.
Alexy foi o teórico responsável por melhor esclarecer a distinção entre regras e princípios, sendo ambos espécies do gênero norma. As regras são normas que, quando válidas, podem ser cumpridas ou não em sua totalidade. Os princípios são normas que ordenam que algo se realize da melhor maneira possível, podendo ser cumpridos em diferentes graus e a medida de seu cumprimento depende das possibilidades reais e jurídicas (PEREIRA; MELO, 2003, p. 264).
Enquanto o conflito de regras considera a questão da validade, a colisão de princípios tem como foco central seu peso. Sob certas circunstâncias, um princípio tem precedência sobre o outro; alteradas as circunstâncias, a precedência pode apresentar resposta diversa. Elege Alexy a máxima da proporcionalidade como regra regeneradora da colisão dos princípios: critérios de adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito decidirão a precedência do caso concreto (Ibidem, p. 265).
Destarte, tomando um caso concreto de interpretação de dada norma aplicável a um adolescente que está sendo processado por suposta prática de ato infracional, deve-se observar, inicialmente, as regras e os princípios constitucionais atinentes, que são inúmeros, mas dos quais se destacam: princípio da interpretação conforme a constituição; princípio da proporcionalidade ou da razoabilidade; princípio da dignidade da pessoa humana; princípio da isonomia; princípio da legalidade; devido processo legal, entre muitos outros.
Estes devem ser sopesados com os princípios específicos da infância e juventude, a exemplo do princípio da prioridade absoluta, estampado no art. 227 da CF (também com previsão no artigo 4º do ECA); o princípio do melhor interesse; além do princípio da cooperação, decorrência de que a todos – Estado, família e sociedade – compete o dever de proteção contra a violação dos direitos da criança e do adolescente.
O art. 121 do ECA estatui os princípios aplicáveis para a MSE de internação, sendo eles os da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento. Como vetores de garantias, entendemos que sua interpretação deve se dar de forma larga, expandindo-se aos casos de internação provisória, internação-sanção, medidas protetivas e medidas socioeducativas em geral. Sempre que uma criança ou um adolescente se veja diminuído em seu status libertatis, deve-se invocar tais princípios. Em sede de execução de MSE, há que se respeitar os princípios impostos pelo art. 35 da Lei do Sinase.[12]
Contudo, é importante ressaltar que todo este conjunto de princípios deve ser enfocado a partir da doutrina da proteção integral, aqui tomada como uma espécie de metaprincípio orientador, adotado pela nossa Constituição Federal e pelos tratados internacionais assinados pelo Brasil referentes à infância em geral e aos conflitos dos adolescentes com a lei.
Seguindo um direcionamento de critérios, sempre que o intérprete se deparar com incertezas quanto à forma de comportamento exigida pela norma (Hart, 1986, p. 139) infracional deve ater-se: 1 – a Constituição, em sua força normativa, com os princípios e regras pertinentes; 2 – o sistema de princípios afeitos à infância e juventude adotados pela legislação ordinária (ECA e Sinase); 3 – a doutrina da proteção integral. Em seguida, 4 – a natureza jurídica do ato infracional e das MSEs e, subsidiariamente, princípios e institutos do direito penal e processual penal, conforme passamos a expor; e 5 – a jurisprudência sobre o tema.
Comparando o direito penal com o infracional, foi enfocada uma série de semelhanças, ao ponto de se afirmar que objetivamente crime e ato infracional são condutas típicas, antijurídicas e culpáveis. A pena e a medida socioeducativa têm natureza impositiva, sancionatória e retributiva, aparte as importantes especificidades das MSEs já mencionadas. Sendo assim, na interpretação das normas relativas ao ato infracional e às medidas socioeducativas, deve o aplicador ter em mente, em paralelo aos princípios próprios ao direito da infância, princípios e institutos do direito penal e mesmo do processo penal.
Os princípios da legalidade, da intervenção mínima, da culpabilidade, da humanidade, da irretroatividade, da adequação social, da insignificância, da ofensividade, da proporcionalidade (direito penal material); bem como do devido processo legal, da presunção da inocência, da ampla defesa, do contraditório, do juiz natural (direito penal processual) devem ser levados em conta. Estes e outros que objetivem ampliar o escopo de garantias da criança e do adolescente levados a juízo pela prática de delitos.
Outrossim, alguns institutos do direto penal, expressos sobretudo na Parte Geral do Código Penal, são perfeitamente aplicáveis à seara da Infância, mesmo que não haja previsão expressa na Lei nº 9.069/90: agravação pelo resultado, erro sobre elementos do tipo, descriminantes putativas, erro determinado por terceiro, erro sobre a pessoa, erro sobre a ilicitude do fato, coação irresistível e obediência hierárquica, exclusão de ilicitude, voluntária e arrependimento eficaz, arrependimento posterior, crime impossível. Uma lista apenas exemplificativa.
No atual sistema, o “caráter pedagógico” da MSE nunca pode servir de pretexto para a aplicação de medidas sem a análise detida da conduta do adolescente e comprovação nos autos da tipicidade, antijuridicidade e culpabilidade da conduta. É inegável que a aplicação das MSEs repercute na vida dos indivíduos tolhendo direitos (apesar da finalidade pedagógica), como a pena repercute na vida dos adultos condenados de modo similar.
Paralelamente, este estudo defende o entendimento de que não se interpreta adequadamente uma norma infracional sem presumir sua função de educar e de punir. Embora persista caráter predominante pedagógico, a medida socioeducativa trata de sanções impostas aos jovens, com parte da doutrina especializada lhes inserindo no gênero pena. Na análise dos diversos posicionamentos sobre o assunto, foi acolhida a ideia de MSE enquanto resposta estatal ao ilícito praticado por menor de 18 anos, com natureza jurídica impositiva, sancionatória e retributiva, cuja aplicação objetiva inibir a reincidência, mas desenvolvida com finalidade pedagógica-educativa.
A interpretação que os tribunais dão às normas da infância também têm um valor e uma força consideráveis no sistema. Os seus julgados fixam parâmetros de interpretação importantes para os juízes de primeira instância. Passa-se à análise de algumas linhas que têm sido traçadas nesse sentido.
Na interpretação das normas de execução de MSE, deve se prezar pela situação atual de desenvolvimento pedagógico do adolescente e ao princípio da imediaticidade. Por exemplo, no caso do HC 121367,[13] o STF verificou constrangimento ilegal de socioeducando que já havia cumprido integralmente as medidas de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade determinadas pelo magistrado a quo quando sobreveio o julgamento da apelação impondo medida socioeducativa de internação.
As normas relativas à MSE de Internação devem receber uma interpretação restritiva, especialmente o art. 122 do ECA[14], que estabelece as hipóteses de cabimento da medida, tal entendimento se consolidou no STF, STJ e nos TJs.[15] Os ministros afirmam tão fortemente a taxatividade do artigo, que chegam a conceder de ofício a ordem, mesmo com inadequação do instrumento.
Essa interpretação restritiva não significa o afastamento da medida de internação, ou uma tendência à sua não aplicação. Na imensa maioria dos casos em que se configure descumprimento por parte do adolescente de medida anteriormente aplicada[16] ou em hipóteses de atos infracionais cometidos com violência ou grave ameaça, os magistrados do segundo e terceiro grau não abrem mão da internação. Analisamos diversos pedidos de desiternação nos casos de ato análogo ao roubo, tendo comprovado que raramente são concedidos pelos tribunais.[17]
A jurisprudência também resguarda, pela via da interpretação, a vedação de tratamento mais gravoso ao adolescente do que aquele que seria possível no ordenamento para os adultos, ou seja, no direito penal.[18] No que se refere à reiteração de ato infracional, antes havia polêmica quanto à sua configuração, com alguns defendendo que só seria aplicável em caso de três atos infracionais praticados pelo mesmo adolescente. STF e STJ pacificaram a questão pela desnecessidade dos três atos e análise do caso concreto.[19] Vale salientar que a reiteração é uma das hipóteses de cabimento para a MSE de internação.
O Superior Tribunal de Justiça, no papel de integrar a legislação infraconstitucional, editou até o momento três súmulas que abordam os adolescentes em conflito com a lei.
Como detalhado ao longo do estudo, é cediço afirmar, apesar das divergências, a natureza retributiva e repressiva das medidas socioeducativas, além de sua função protetiva e reeducativa. Por isso, a jusrisprudência admite plenamente a prescrição destas, da forma como prevista no CPP. Tal entendimento resultou na edição da Súmula 338 do egrégio STJ, segundo a qual “A prescrição penal é aplicável nas medidas sócio-educativas”, julgada em 09/05/2007, com publicação em 16/05/2007.
Há, também, a Súmula 108, mais antiga, cuja data de julgamento remonta ao dia 16/06/1994, com o seguinte enunciado: “A aplicação de medidas sócio-educativas ao adolescente, pela prática de ato infracional, é da competência exclusiva do juiz.” Tinha por escopo afastar qualquer possibilidade de aplicação de medida socioeducativa por iniciativa do membro do Ministério Público, em sede de remissão, sem que houvesse posterior homologação por uma autoridade judiciária.
Mais recentemente, o STJ editou a Súmula 492 (data da publicação DJe 13/08/2012; data do julgamento 08/08/2012): “O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente.”, causando polêmica tanto pelo conteúdo, quanto pelo alcance de sua interpretação.
Numa leitura perfunctória do enunciado, ele parece assegurar que o adolescente não seja encaminhado para a internação pela prática do ato análogo ao tráfico. A expressão “por si só” nos indica que este não pode ser o único elemento a fundamentar uma decisão de internação. Nestes termos, para um adolescente primário que incidisse no art. 33 da Lei de Tráfico caberia no máximo a MSE de semiliberdade.
No entanto, muitos juízes de primeiro grau têm resistido e aplicado internação indiscriminadamente em atos envolvendo drogas. Os próprios tribunais superiores, depois da edição da Súmula, já assentaram entendimento de ser cabível a internação para o tráfico desde que observadas as circunstâncias concretas do caso.[20] Eles atentam para a contumácia na prática de ilícito, na quantidade de drogas envolvida e mesmo no meio social em que o socioeducando está inserido. Ao que parece, a interpretação da Súmula tem sido tão abrangente na análise do caso concreto que perdeu o sentido de proteção, à medida que quase sempre se pode aplicar internação nos casos de tráfico.
Conclusão
A hermenêutica das normas aplicadas aos adolescentes em conflito com a lei deve servir de instrumento para a concretização da doutrina da proteção integral da infância e adolescência, adotado pelo Brasil na Constituição da República e nos tratados internacionais por ele ratificado. Afinal, de nada serviria um arcabouço de normas que garantem direitos à infância se, quando de sua aplicação, o intérprete pudesse valer-se delas arbitrariamente.
A ultrapassada, mas ainda influente, doutrina da situação irregular se caracterizava principalmente pela vagueza de conceitos como “perigo moral”, “risco” e “bons costumes”, que davam ao julgador larga margem para definir a situação do adolescente infrator consoante lhe parecesse adequado, lançando mão de juízos de valor em voga na sociedade, atuando como um “bom pai de família”. Isso gerava insegurança jurídica e ofendia o princípio da isonomia, pois jovens em situação semelhantes eram tratados de modo diverso.
Vê-se, então, a necessidade de se estabelecer alguns parâmetros para balizar a interpretação dessas normas. Este estudo, após a devida fundamentação, propôs os seguintes critérios interpretativos para os casos em que o texto da lei suscite dúvidas devido à textura aberta da linguagem: 1 – a Constituição, em sua força normativa, com os princípios e regras pertinentes; 2 – o sistema de princípios afeitos à infância e juventude adotados pela legislação ordinária (ECA e Sinase); 3 – a doutrina da proteção integral; 4 – a natureza jurídica mista do ato infracional e das MSEs e, subsidiariamente, princípios e institutos do direito penal e processual penal; e 5 – a jurisprudência sobre o tema.
Mais do que angariar a adesão aos critérios apontados, o estudo pretendeu dar visibilidade à necessidade de uniformizar alguns entendimentos no direito infracional. Nessa seara jurídica, devido às peculiaridades de seus procedimentos, poucos processos chegam a ser analisados pelos tribunais superiores sem que tenham perdido o objeto – seja porque já se progrediu o adolescente de MSE ou mesmo já foi extinta a execução. Os feitos originários tramitam com uma velocidade incompatível com a do sistema recursal comum a que se submetem. Com isso, o juiz do 1º grau ganha um peso maior no direito infracional do que nos demais ramos, reforçando a necessidade de critérios uniformes de interpretação para auxiliá-lo nessa árdua tarefa.
Referências
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[1] 1. Cânon da autonomia: o sentido deve ser aquilo que se encontra no dado e dele se extrai, e não um sentido que para ele se transfere a partir de fora. 2. Cânon da totalidade: as partes de um texto são iluminadas pelo sentido do texto inteiro, e o texto em seu conjunto se compreende no contínuo confronto com suas partes. 3. Cânon da atualidade do compreender: a atitude do intérprete não deve ser “passivamente receptiva, mas factualmente reconstrutiva”: isto é, tem-se em conta a subjetividade do intérprete (e seus preconceitos, suas expectativas), mas esta não pode ser imposta arbitrariamente sobre o objeto. 4. Cânon da adequação do compreender: o intérprete deve estar congenialmente disposto em relação ao objeto a interpretar, no justo nível espiritual para uma compreensão adequada. Em outras palavras, deve ler o texto conforme o gênio ou a índole do objeto, conforme a própria natureza deste.
[2] Nas varas da Infância em Pernambuco, com ratificação do TJPE, aplicava-se pacificamente a MSE de internação para o ato análogo a tráfico de drogas, até a publicação pelo STJ da Súmula 492, em 08/08/12: “O ato infracional análogo ao tráfico de drogas, por si só, não conduz obrigatoriamente à imposição de medida socioeducativa de internação do adolescente”. A partir de então, o que era uma situação de isomorfia passou a gerar conflitos de interpretação de quando seria (e se seria em algum caso) cabível a Internação para tráfico de entorpecentes praticado por adolescentes.
[3] Ver a posição divergente de Schleiermacher, Gadamer e Betti exposta linhas acima sobre o tema.
[4] Art. 121 ECA: § 2º A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão fundamentada, no máximo a cada seis meses. § 3º Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá a três anos. § 4º Atingido o limite estabelecido no parágrafo anterior, o adolescente deverá ser liberado, colocado em regime de semi-liberdade ou de liberdade assistida.
[5] Art. 1º, § 2º, da Lei do Sinase: I – a responsabilização do adolescente quanto às consequências lesivas do ato infracional, sempre que possível incentivando a sua reparação; II – a integração social do adolescente e a garantia de seus direitos individuais e sociais, por meio do cumprimento de seu plano individual de atendimento; e III – a desaprovação da conduta infracional, efetivando as disposições da sentença como parâmetro máximo de privação de liberdade ou restrição de direitos, observados os limites previstos em lei.
[6] Art. 122. A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
[7] Digno de registro o fato de que, antes de a Lei do Sinase entrar em vigor, eram comuns decisões que afetavam negativamente a vida do socioeducando serem implementadas, sem que a Defesa tivesse a oportunidade de se pronunciar nos autos, ou mesmo sem que o adolescente fosse ouvido em juízo, como ocorria frequentemente em relação à internação-sanção, regressão e manutenção de medida.
[8] Vide os arts. 4°: “Nenhum adolescente poderá ingressar ou permanecer em unidade de internação ou semiliberdade sem ordem escrita da autoridade judiciária competente.” E 5°: “O ingresso do adolescente em unidade de internação e semiliberdade, ou serviço de execução de medida socioeducativa em meio aberto (prestação de serviço à comunidade ou liberdade assistida), só ocorrerá mediante a apresentação de guia de execução, devidamente instruída, expedida pelo juiz do processo de conhecimento.”
[9] Interessante julgado do STF no sentido da vedação do tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto: HABEAS CORPUS. SÚMULA 691/STF. ATO INFRACIONAL ANÁLOGO AO CRIME DE USO DE DROGAS. IMPOSSIBILIDADE DE APLICAÇÃO DE MEDIDA SOCIOEDUCATIVA DE SEMILIBERDADE. ORDEM CONCEDIDA DE OFÍCIO. 1. Não compete ao Supremo Tribunal Federal examinar questão de direito não apreciada definitivamente pelo Superior Tribunal de Justiça (Súmula 691/STF), salvo nas hipóteses de manifesta ilegalidade ou abuso de poder, bem como nos casos de decisões manifestamente contrárias à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ou de decisões teratológicas. 2. É vedada a submissão de adolescente a tratamento mais gravoso do que aquele conferido ao adulto. 3. Em se tratando da criminalização do uso de entorpecentes, não se admite a imposição ao condenado de pena restritiva de liberdade, nem mesmo em caso de reiteração ou de descumprimento de medidas anteriormente aplicadas. Não sendo possível, por ato infracional análogo ao delito do art. 28 da Lei de drogas, a internação ou a restrição parcial da liberdade de adolescentes. 4. Habeas corpus não conhecido. Ordem concedida de ofício. (HC 119160 / SP, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Julgamento: 09/04/2014, Órgão Julgador: Primeira Turma, DJe-093 Divulg 15-05-2014, Public 16-05-2014).
[10] A própria jurisprudência já reconheceu a retributividade da MSE através da Súmula 338 do STJ, comentada mais adiante.
[11] Com destaque para a CF, art. 227, §3º, IV – garantia de pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, igualdade na relação processual e defesa técnica por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica; V – obediência aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade.
[12] I – legalidade, não podendo o adolescente receber tratamento mais gravoso do que o conferido ao adulto; II – excepcionalidade da intervenção judicial e da imposição de medidas, favorecendo-se meios de autocomposição de conflitos; III – prioridade a práticas ou medidas que sejam restaurativas e, sempre que possível, atendam às necessidades das vítimas; IV – proporcionalidade em relação à ofensa cometida; V – brevidade da medida em resposta ao ato cometido e respeito ao que disposto no art. 122 do ECA (supramencionado); VI – individualização, considerando-se a idade, capacidades e circunstâncias pessoais do adolescente; VII – mínima intervenção, restrita ao necessário para a realização dos objetivos da medida; VIII – não discriminação do adolescente, notadamente em razão de etnia, gênero, nacionalidade, classe social, orientação religiosa, política ou sexual, ou associação ou pertencimento a qualquer minoria ou status; e IX – fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários no processo socioeducativo.
[13] HC 121367, Relator(a): Min. Gilmar Mendes, Segunda Turma, julgado em 05/08/2014, Processo Eletrônico DJe-166 Divulg 27-08-2014 Public 28-08-2014.
[14] Art. 122 do ECA: A medida de internação só poderá ser aplicada quando: I – tratar-se de ato infracional cometido mediante grave ameaça ou violência a pessoa; II – por reiteração no cometimento de outras infrações graves; III – por descumprimento reiterado e injustificável da medida anteriormente imposta.
[15] Do STF: HC 119512, Relator(a): Min. Marco Aurélio, Relator(a) p/ Acórdão: Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 10/06/2014, Processo Eletrônico DJe-125 DIVULG 27-06-2014 Public 01-07-2014; HC 120394, Relator(a): Min. Dias Toffoli, Primeira Turma, julgado em 11/02/2014, Processo Eletrônico DJe-046 divulg 07-03-2014 public 10-03-2014; do TJPE Habeas Corpus 330171-9; 002616-12.2014.8.17.0000; Relator(a) Antônio de Melo e Lima; Órgão Julgador 2ª Câmara Criminal; Data do Julgamento 16/04/2014; Data da Publicação/Fonte 05/05/2014; e do STJ: HC 289.250/SP, Rel. Ministra Laurita Vaz, Quinta Turma, julgado em 12/08/2014, DJe 22/08/2014.
[16] STF: RHC 118434, Relator(a): Min. Luiz Fux, Primeira Turma, julgado em 11/02/2014, Processo Eletrônico DJe-042 Divulg 27-02-2014 Public 28-02-2014; HC 121761, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 03/06/2014, Processo Eletrônico DJe-148 Divulg 31-07-2014 Public 01-08-2014. TJPE: Apelação Criminal Nº 0316146-4; Relator: Des. Antonio de Melo e Lima; Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal; Data 15 de abril de 2014; e Apelação Criminal Nº 0316146-4; Relator: Des. Antonio de Melo e Lima; Órgão Julgador: Segunda Câmara Criminal; data 15/04/14.
[17] Vide nesta perspectiva o HC 295347/SP, Rel. Ministro Sebastião Reis Júnior, Sexta Turma, julgado em 12/08/2014, DJe 27/08/2014.
[18] Vide HC 119160, Relator(a): Min. Roberto Barroso, Primeira Turma, julgado em 09/04/2014, Processo Eletrônico DJe-093 Divulg 15-05-2014 Public 16-05-2014.
[19] RHC 48.629/SP, Rel. Ministro Marco Aurélio Bellizze, Quinta Turma, julgado em 07/08/2014, DJe 21/08/2014.
[20] STF: HC 121974 / RJ, Relator(a): Min. Cármen Lúcia, Julgamento: 13/05/2014, Órgão Julgador: Segunda Turma, Publicação 26-05-2014. STJ: HC 277.627/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Quinta Turma, julgado em 20/05/2014, DJe 23/05/2014 e AgRg no HC 288.938/SP, Rel. Ministro Moura Ribeiro, Quinta Turma, julgado em 13/05/2014, DJe 19/05/2014.
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