Renan de Freitas Ongaratto
Resumo: O artigo aborda a interpretação e aplicação dos conceitos indeterminados, expõe os rigores metodológicos necessários e define os limites de atuação intérprete e do julgador, de forma a evidenciar, com a maior precisão possível, que a escolha de concretização do conceito indeterminado se deu corretamente. Objetivando tal fim, primeiramente o artigo caracteriza a atividade do exegeta como juízo de legalidade vinculado, para, então, traçar as balizas norteadoras da sua interpretação. Ao fim, o artigo traz como paradigma o termo “jornal de grande circulação” utilizado na Lei n. 10.520/02, para afirmar e confirmar a metodologia proposta.
Palavras-chave: Legalidade. Discricionariedade. Valoração. Conceitos Jurídicos Indeterminados. Sindicabilidade. Limites. Pregão. Jornal de Grande de Circulação. Publicação.
Abstract: This paper deal with the interpretation and application of indeterminate concepts, exposes the necessary methodological rigors, and defines the limits of the interpreter and the judge, in order to show, with the greatest possible precision, that the choice of concretization of the indeterminate concept was correct. With this aim in mind, the article first characterizes the exegete’s activity as a tied legality judgment, in order to trace the guiding principles of its interpretation. At the end, the article presents as paradigm the term “newspaper of great circulation” used in the Law n. 10.520/02, to affirm and confirm the proposed methodology.
Keywords: Legality. Discretionary. Valuation. Undetermined Legal Concepts. Sindicabilidad. Limits. Reverse Auction. Newspaper of Great Circulation. Publication.
Sumário: Introdução. 1. Concretização de conceitos indeterminados enquanto juízo de legalidade vinculado. 2. O controle de legalidade, legitimidade e constitucionalidade da valoração administrativa de conceitos indeterminados. 3. Publicidade na lei de pregão e o conceito jurídico indeterminado de jornal de grande circulação. Conclusão. Referências.
O artigo destina-se a, em breves linhas, analisar a sindicabilidade da valoração administrativa de conceitos indeterminados com intuito de definir a possibilidade e a medida de controle de atos interpretativos, em termos compatíveis com os princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito. O trabalho volta-se, especialmente, a evidenciar que técnica a ser aplicada na compatibilização de qualquer conceito indeterminado previsto no ordenamento jurídico trata-se, em última análise, de juízo de legalidade, sendo, assim, atividade vinculada.
Em concreto, o artigo destina-se a analisar a valoração administrativa dada ao termo jornal de grande circulação na Lei de Pregão (Lei 10.520/02), contudo, a construção argumentativa e a técnica proposta podem ser aplicadas a qualquer outro conceito indeterminado previsto no ordenamento jurídico. Ou seja, em que pese o enfoque na atividade do administrador-gestor, quando da tomada de suas decisões voltadas ao atendimento do interesse público, a linha de argumentos e as conclusões finais a serem apresentadas mostram-se, na mesma medida, aplicáveis também à verificação da correção interpretativa realizada em sede judicial.
Tem-se como justificativa para a abordagem do referido tema a necessidade de se assegurar a garantia dos direitos individuais por meio do direito fundamental à boa administração e à eficiente prestação jurisdicional.
Nesse sentido, este artigo acadêmico se propõe a discutir limites interpretativos para os conceitos indeterminados de forma a pautar a atuação do Estado e frear abusos interpretativos na aplicação do direito, reforçando a submissão da Administração Pública, dos gestores públicos e dos aplicadores do direito vinculação aos mandamentos constitucionais, afastando desconfianças decorrentes do desconhecimento sobre os reais fundamentos dos atos administrativos e das decisões judiciais.
Com esse propósito, no primeiro capítulo, analisa-se que – embora haja quem sustente que os conceitos indeterminados levariam, invariavelmente, ao reconhecimento de uma atividade discricionária do administrador, não passível de controle – não há, em verdade, discrição administrativa quando da interpretação e aplicação de conceitos jurídicos indeterminados, não havendo confusão entre a concretização de conceitos indeterminados com o uso de poder discricionário.
Em seguida, o segundo capítulo se presta a defender que os órgãos de controle são os responsáveis pela análise de legalidade, legitimidade e constitucionalidade dos atos administrativos, inserindo-se nesses limites a análise da valoração de conceitos indeterminados com a indicação dos parâmetros a serem seguidos em busca da uma melhor aplicação do direito.
No terceiro capítulo, estuda-se as balizas de verificação da concretização do conceito indeterminado de “jornal de grande circulação” exigido na Lei de Pregão como meio de garantir a publicidade do certame, expondo com rigor metodológico os limites de sindicabilidade mais indicados a serem adotados.
A pesquisa foi desenvolvida pelo método hipotético-dedutivo, baseando-se em determinadas premissas e daí analisando propostas hipotéticas, que serão demonstradas ou rejeitadas argumentativamente. Para tanto, a abordagem do objeto desta pesquisa jurídica será necessariamente qualitativa, porquanto o pesquisador pretende se valer da bibliografia pertinente à temática em foco – analisada e fichada na fase exploratória da pesquisa (legislação, doutrina e jurisprudência) – para sustentar a sua tese.
É certo que a indeterminabilidade dos conceitos legais cessa diante da necessidade concreta de aplicação da norma, momento antes o qual o preceito legal abstrato ainda não incide diretamente na esfera jurídica dos jurisdicionados. Ou seja, conforme aponta a Marçal Justen Filho, o fator de abstração perdura somente até o momento da ocorrência de fatos que venham a tal norma se subsumir e a ela conferir concretude. A doutrina, contudo, divide-se quanto à definição sobre se extrair objetivamente uma solução unívoca frente à fluidez das expressões legais leva ou não ao reconhecimento de uma atividade discricionária do administrador.
Uma primeira corrente sustenta que a concretização decorreria do juízo subjetivo volitivo do intérprete, frente àquilo que considerar oportuno e conveniente como forma de preenchimento do conceito indeterminado. Nesse sentido se posicionam Celso Antônio Bandeira de Mello e José dos Santos Carvalho Filho.
Em sentido diametralmente oposto, apresenta-se uma segunda corrente, defendida por Eros Roberto Grau, Eduardo García de Enterría e Tomás Ramón Fernandéz e Gustavo Binembojm, que afirma que a interpretação e consequente concretização do conceito indeterminado leva a uma única resposta correta para o caso sob análise, pelo que caberia ao administrador tão somente a interpretação, enquanto juízo de legalidade.
Além das posições apresentadas, inúmeros juristas debatem o tema trazendo relevantes contribuições, todavia, para fins deste trabalho considerou-se, somente, o embate entre as duas principais correntes sobre o tema.
Para o enfrentamento da divergência exposta cabe, primeiramente, definir o que se pode entender por atividade discricionária, decorrente de um juízo de oportunidade, e traçar importante distinção entre tal atividade e a de interpretação do direito, decorrente de um juízo de legalidade.
Segundo a doutrina de Celso Antônio Bandeira de Mello, a discricionariedade pode ser assim definida:
“Discricionariedade, portanto, é a margem de liberdade que remanesça ao administrador para eleger, segundo critérios consistentes de razoabilidade, um, dentre pelo menos dois comportamentos cabíveis, perante cada caso concreto, a fim de cumprir o dever de adotar a solução mais adequada à satisfação da finalidade legal, quando, por força da fluidez das expressões da lei ou da liberdade conferida no mandamento, dela não se possa extrair objetivamente, uma solução unívoca para a situação vertente.”
Do exposto é possível extrair a ideia por ele defendida de que os conceitos indeterminados, caracterizados na expressão “fluidez das expressões da lei”, ensejam a discricionariedade administrativa, sendo um dos seus elementos caracterizadores. Todavia, esse não parece ser o melhor entendimento.
Com a vênia para discordar do ilustre jurista, não se pode enquadrar na noção de discricionariedade a atividade interpretativa, pois a discricionariedade é, em verdade, fruto de expressa atribuição legal e não consequência do emprego de termos indeterminados. Em outras palavras, a discricionariedade é atribuída pela lei que confere ao administrador o juízo de oportunidade para optar entre alternativas igualmente justas ou entre indiferentes jurídicos, permitindo pluralidade de soluções justas, mas à tal ideia não se estende ou se aplica à atividade do intérprete legal.
Em adição, não se mostra razoável admitir que o administrador ou o julgador, ao realizar a interpretação que comina a concretização do conceito indeterminado, pratique um ato discricionário, decorrente de um juízo de oportunidade, mas que, quando tal ato é questionado seja em análise originária ou recursal pelo judiciário, a interpretação sobre a correção da concretização realizada seja tida como juízo de legalidade, que verificará se a atuação se deu nos limites dispostos pelo legislador e pelos princípios jurídicos.
Conforme expõe Eros Roberto Grau, não se pode confundir a liberdade conferida pela lei com o processo de concretização dos conceitos indeterminados, o que decorre de juízo de legalidade e não de oportunidade:
“Penso, assim, podermos apartar as duas técnicas na consideração dos juízos aos quais correspondem. No exercício da discricionariedade o sujeito cuida da emissão de juízos de oportunidade, na eleição entre indiferentes jurídicos; na aplicação de conceitos indeterminados (vale dizer, das noções) o sujeito cuida da emissão de juízos de legalidade. Por isso é que — e não porque o número de soluções justas varia de uma outra hipótese — são distintas as duas técnicas.”
A tarefa de aplicação de conceitos indeterminados, portanto, se mostra como uma atividade vinculada, pois diz respeito à concretização de uma linguagem instrumentalmente definida por lei.
Antes de escolhida a conduta a ser adotada não é possível se falar em discricionariedade, uma vez que as opções que se põem diante do administrador são as mesmas que colocam diante de qualquer cidadão, frente a qualquer dispositivo legal, qual seja, atender ao comando legal ou não. É, nesse sentido, irrelevante do ponto de vista jurídico haver uma, duas ou mais opções capazes de atender àquele comando, pois, em última análise, ou ele será ou não atendido, o que diz respeito a uma análise de legalidade.
Após a escolha feita, concretizado o conceito jurídico indeterminado, tampouco pode-se falar em discricionariedade uma vez que o controle dirá respeito à análise de subsunção do fato à norma.
A questão a respeito do controle da valoração administrativa dos conceitos jurídicos indeterminados, e seus limites, passa, necessariamente, pela discussão sobre se tratar a concretização de tais conceitos de ato discricionário ou vinculado. Quanto a esse ponto, sem adentrar a polêmica existente, o melhor entendimento aponta no sentido de que o espaço de tomada de decisão conferido ao interprete não o põe diante de uma verdadeira liberdade, e sim, de um juízo de estrita vinculação, o que traz repercussões diretas no espectro de sindicabilidade.
Como é cediço, no exame de atos administrativos que digam respeito ao poder discricionário, em princípio, qualquer das opções dadas ao administrador, dentro do espaço conferido pelo legislador, será incensurável e inexaminável. Nesses casos, conforme tradicional doutrina, o julgador somente entenderá uma medida como ilegal quando verificar a incompetência da autoridade, a irregularidade da forma empregada ou o excesso de poder.
Por outro lado, quando a análise se pauta em juízo vinculado o julgador realizará juízo de adequação do fato apresentado às finalidades da norma que se pretende cumprir para determinar a correção da conduta administrativa, pois não resta espaço ao administrador no seu atuar em qualquer dos elementos do ato administrativo. Assim sendo, permite-se as possibilidades de exame quanto à correção ou incorreção da escolha realizada.
Uma vez franqueada a possibilidade de controle da escolha do interprete, cumpre verificar quais os seus limites. Ou seja, é necessário determinar em que hipóteses e de que forma o juiz poderá afirmar que a interpretação conferida por terceiros se prestou a atender o comando legal, tal como, de que forma ele mesmo, ao interpretar conceitos indeterminados, deverá agir.
Em determinadas hipóteses a verificação a respeito da regular concretização de um conceito jurídico indeterminado é facilmente aferida. O problema surge justamente nos casos em que não é possível afirmar, de imediato, que determinada aplicação é adequada aos fins que se propõe. É de se notar que, embora quem possua oito anos de idade possa se inserir no conceito de jovem e quem possua oitenta não o possa, suscitaria dúvidas definir se um indivíduo de quarenta anos se enquadraria no conceito, o que dependeria da análise de diversos aspectos, muitas vezes externos ao próprio termo, mas necessários à contextualizar o âmbito em que se empregaria a afirmativa.
É por isso que surgem os conceitos de zonas de certeza positiva, negativa e de incerteza, sendo esta a que traz maior dificuldade ao julgador. Isso, pois trata de hipóteses que não estão claramente incluídas ou excluídas na subsunção de uma determinada realidade ao conceito proposto.
É nessa área de penumbra que ganha importância a atuação dos órgãos de controle externo da administração, tal como dos órgãos judiciais que atuam em grau recursal, visto que aferirão, no caso concreto, se a atuação do interprete se deu de forma legítima, de acordo com as finalidades legais e em conformidade com os princípios constitucionais que regem a matéria.
Por mais tormentosa e difícil que seja a questão, em que pese o que afirma parte da doutrina, é majoritário o entendimento de que o julgador não pode deixar de decidir sob a alegação de inexistência de norma adequada ao caso, ante o mandamento do non liquet,. Nesse sentido, ressalta-se os dizeres de Fredie Didier Jr.:
“[…] todo problema que for submetido ao Tribunal precisa ser resolvido, necessariamente. É dizer: ainda que a situação concreta não esteja prevista expressamente na legislação, caberá ao magistrado dar uma res posta ao problema, classificando-a como lícita ou ilícita, acolhendo ou negando a pretensão do demandante.”
Percebe-se, portanto, que, mesmo nas situações em que não seja possível extrair uma nítida resposta jurídica sobre o acerto ou desacerto da atividade interpretativa que se questiona, o julgador não pode, nem deve, se abster do dever de julgar. Nesses casos, portanto, para que se possa estabelecer critérios decisórios, deve-se observar o contexto em que está inserido o conceito indeterminado, a finalidade perseguida pela norma em que se encontra inserido e os objetivos buscados pelo interlocutor, no caso, o legislador.
O fruto de tal análise deve ser interpretado sistematicamente, à luz das normas principiológicas incidentes sobre o caso. Somente dessa forma o julgador poderá formar seu convencimento, por meio de decisão motivada, sobre a adequação da concretização aos mandamentos legais e a consequente regularidade ou irregularidade de sua atuação, como decorrência do enquadramento em uma zona positiva ou negativa.
O que se busca aqui evidenciar como parâmetro de concretização, portanto, que, diante de conteúdo periférico vago e impreciso, com alto grau de controvérsia e incerteza, deve tanto o interprete, quanto o administrador ou julgador sempre interpretar os elementos do caso concreto em consonância com vetores constitucionais que pautam a atuação estatal para guiar seu juízo, de modo que qualquer opção ilegítima seja efetivamente excluída.
Ainda que não se possa afirmar categoricamente que a concretização inseriu-se em uma zona de certeza positiva, caso a análise realizada não o leve a aferir qualquer desconformidade com os postulados do bloco de juridicidade (zona de certeza negativa), deve-se preserva-la como legítima.
Em adição, quanto à atividade de controle, destaca-se que se a Administração ou julgador firmou uma intelecção comportada pelo conceito no caso concreto – ainda que outra também pudesse sê-lo –, seu ato deve, em primeira análise, ser preservado, uma vez que ele está mais perto dos problemas e, de regra, mais bem aparelhado para resolvê-los, uma vez que em contato direto com os fatos e provas que fundamentaram a escolha. Assim, caberá a eventual revisor – seja a própria Administração, o juízo de primeiro grau ou a instância jurisdicional recursal – a postura de autocontenção, deixando de intervir na decisão.
Percebe-se, portanto, que, além de desejável, é exigível que se imponha como balizas interpretativas das escolhas a submissão aos princípios constitucionais norteadores do Estado Democrático de Direito e às garantias dos jurisdicionados.
A função de controle nesse aspecto é a de fiscalizar o processo decisório e orientar o direcionamento do vetor interpretativo, valendo-se, para tanto, na esfera administrativa, dos mecanismos de revisão ou anulação dos atos e da punição dos agentes e na esfera judicial da reforma ou anulação de decisões. Tal atuação visa, sobretudo, a oferecer diretrizes para o aperfeiçoamento da atividade administrativa.
O legislador, inspirado pelo princípio da publicidade e procurando dele extrair a regra aplicável à modalidade de licitação criada pela Lei n. 10.520/02, determinou, no art. 4º, I desta lei, que para pregões de vulto a publicidade também se desse em jornal de grande circulação, “nos termos do regulamento de que trata o art. 2º”.
Nota-se, todavia, que o citado dispositivo foi vetado, uma vez que uma lei federal não poderia contemplar os certames dos Estados, Municípios e DF. Nesse sentido, Marçal Justen Filho, afirma a correção do veto:
“Há referência à regulamentação do tema por parte do decreto referido no art. 2º, o qual nunca chegou a existir em virtude do veto presidencial. Antes assim, eis que a pretensão do Executivo Federal de regulamentar a publicidade dos atos estaduais, municipais e distritais incorreria em evidente infração ao princípio da Federação.”
Tendo em vista que a lei nacional de Pregão traça somente normas gerais sobre o tema, a doutrina, o judiciário e os Tribunais de Contas, de um modo geral, reforçam que caberia aos regulamentos de cada um dos entes da Federação prever os parâmetros e valores do que seria o vulto da licitação que demandaria uma publicação de maior amplitude.
A análise dos decretos regulamentadores municipais revela, contudo, que as regulamentações ficam aquém do comando da legislação federal, vez que não estipulam o alcance territorial do veículo de publicação considerando o vulto do certame, o que apenas reforça a incerteza sobre a concretização do conceito jurídico “jornal de grande circulação”.
Tal opção normativa deficiente importa, ainda, em um tratamento indistinto às licitações de grande vulto e às de pequeno vulto, que são submetidas à publicação de mesma amplitude, o que viola o princípio da publicidade, levando os prejudicados a buscarem uma resposta dos órgãos de controle.
Impõe-se verdadeiro desafio nas hipóteses em que a escolha do periódico se situa fora de uma zona de certeza positiva, em que efetivamente foram atendidos os princípios da publicidade e razoabilidade, mas também fora de uma zona de certeza negativa, em que há inequívoca infringência aos princípios referidos.
Como solução ao problema, o Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, pretendendo tornar mais objetiva a análise quanto à observância do requisito legal, estipulou o critério da tiragem mínima diária de 20.000 (vinte mil exemplares), passível de comprovação por quaisquer meios idôneos. Tal entendimento, todavia, não aparenta ser o mais adequado, uma vez que constitui um número fixo e pré-determinado, cego às peculiaridades de cada ente da Federação, o que vai justamente de encontro ao que buscou o legislador ao empregar um conceito jurídico indeterminado.
Tendo por certo que a finalidade da publicidade dos atos administrativos norteia-se pelo dever de transparência e informação da Administração perante o cidadão e também pelo próprio interesse do cidadão pela notícia ou ato administrativo publicado, constata-se que a tiragem do jornal, a abrangência, a tradição do periódico na publicação de editais, e ainda outros pontos, conforme evidenciado nas pesquisas realizadas, devem ser analisados, pois servem de indicadores do fim buscado pelo legislador.
Nesse contexto, verifica-se que, apesar de muitos critérios se apresentarem como balizadores aptos a subsidiar a análise a ser realizada, nenhum deles, por si só, ou sequer a conjugação deles é capaz de definir o que se pode entender como jornal de grande circulação. Isso, pois a efetiva determinação sobre se a valoração administrativa do conceito indeterminado foi regular imprescinde dos fatos concretos apresentados ao intérprete e da subsunção deles às finalidades do dispositivo em que se insere o conceito à luz dos princípios constitucionais.
Deve-se observar, segundo essa perspectiva, que o objetivo a ser alcançado com a publicação dos atos relativos ao tema licitações e contratos é garantir o atendimento ao princípio constitucional da publicidade e possibilitar a ampla competitividade dos procedimentos licitatórios, o que, por conseguinte, incidirá sobre outros princípios, tais como os da economicidade, isonomia, da seleção da proposta mais vantajosa, dentre outros.
Assim, é possível perceber que, embora não seja possível determinar abstratamente se determinado periódico seria ou não de grande circulação, não há margem para interpretações contrárias à de que um jornal somente poderá ser tido como “de grande circulação” quando garantir à observância do princípio da publicidade e a ampliação da competitividade, mormente, quando tratar-se de contratações vultosas.
Tal constatação sobre o atendimento dos princípios constitucionais, por sua vez, deverá ser realizada a partir da quantidade de propostas apresentadas, do diferente perfil dos proponentes, da economicidade atingida e dos demais elementos concretos que subsidiaram a escolha interpretativa de que o veículo escolhido não geraria danos à Administração Pública e atenderia ao comando legal.
Nessas condições, se não afastada a zona de incerteza, cabe ao julgador ser deferente em relação à escolha do intérprete, desde que, repita-se, cumulativamente tenham sido atendidas as finalidades inerentes à publicação, quais sejam: ampliação da competitividade e da fiscalização pública; e não tenha havido qualquer prejuízo aos bens tutelados pela contratação administrativa, quais sejam a isonomia; vantajosidade; impessoalidade; moralidade; publicidade; eficiência; e probidade administrativa.
Conclusão
Diante da crescente velocidade em que se dão as mudanças e das grandes diferenças sociais verificadas no Brasil, recorrentemente, vale-se o legislador de mecanismos que lhe possibilitem conferir maior aplicabilidade e efetividade aos textos normativos.
Ocorre que a solução do legislador encontra óbices em sua aplicação. O maior deles diz respeito a determinar se a interpretação dada aos conceitos indeterminados, de forma a concretizar o comando legislativo, seria atividade discricionária ou vinculada, o que repercute diretamente na extensão do controle a ser realizado. Isso, pois diante de conceitos vagos, o julgador deverá e poderá analisar a concretização da norma realizada, todavia, diante de atos discricionários, salvo excessos, deverá respeitar o juízo de conveniência e oportunidade formulado.
Apesar do embate doutrinário existente, o melhor entendimento é o de que o emprego de conceitos jurídicos indeterminados não se traduz em discricionariedade, pois não haverá opções para o administrador público ou para o julgador, mas tão somente a atividade de interpretação e aplicação da norma.
Garantir a possibilidade de controle jurisdicional da valoração de conceitos indeterminados, seja realizada em sede administrativa ou propriamente judicial, significa vincular a administração pública e o Estado-Juiz ao direito posto e aos ideais e anseios da sociedade. Como consequência reduz-se o espaço para arbitrariedades e inúmeros vícios que maculam a atuação estatal e geram desconfiança nos jurisdicionados.
A vinculação do interprete se mostra como medida necessária a racionalizar a atuação estatal e a favorecer um estado geral de confiança e certeza na ação dos titulares do poder, evitando-se a dúvida, a intranquilidade, a desconfiança e a suspeição, uma vez que não há que se falar em conveniência e oportunidade em se atender à lei.
Assim, conclui-se que as possíveis condutas no mundo dos fatos não repercutem no direito até que se tenha efetivamente adotado uma delas e, uma vez feita tal escolha, sua repercussão em face do ordenamento é vinculada à finalidade almejada pela lei e pela Constituição, constituindo juízo de legalidade.
Nesse contexto o artigo voltou-se, especialmente, à premente necessidade de se traçar parâmetros para a concretização de tais conceitos de forma a se afastar, de um lado, arbitrariedades e injustiças decorrentes de interpretações ilegais, mas, de outro, a impedir a interferência indevida na atividade do intérprete.
Para tanto, necessário se faz perceber que os conceitos fluidos, também chamados de conceitos indeterminados, podem se situar numa zona de certeza, positiva; numa zona de certeza negativa; e, por fim, na zona de incerteza em que se deve perquirir se a sua concretização, diante do caso concreto e das finalidades inerentes ao dispositivo legal, prestou-se ao atendimento do interesse público e, cumulativamente, não violou nenhum dos princípios constitucionais, mormente a isonomia; impessoalidade; moralidade; publicidade; eficiência; e a própria noção de legalidade.
Desse modo, o dever do interprete de realizar, e do julgador de aferir, a adequada concretização dos conceitos fluidos, passa pela transposição da mencionada zona de incerteza que lhe é apresentada, para a zona de certeza, seja positiva, seja negativa, uma vez que tal intervenção é necessária para que o ato praticado em desacordo com a finalidade legal cesse seus efeitos.
Nota-se, portanto, que a tarefa de interpretação legal e aplicação dos conceitos indeterminados deve ser feita com organização e rigor metodológicos, diante das balizas aferidas no caso concreto, sendo certo que determinadas matérias devem ser continuamente debatidas e aperfeiçoadas, de modo que os jurisdicionados possam conhecer e aplicar os entendimentos que melhor atendam às finalidades de interesse público perquiridas pelo legislador.
Tal noção quando aplicada ao controle sobre a concretização dos conceitos jurídicos indeterminados revela a fundamental importância de que as decisões sejam fundamentadas e que os critérios de orientação para apreciação do tema sejam conhecidos, mormente diante das diretas repercussões no interesse público e na necessidade de fortalecimento da confiança depositada nas instituições do Estado.
Com base no paradigma escolhido para ilustrar o que se pretende demonstrar, percebe-se que embora parâmetros objetivos – no caso do conceito de jornal de grande circulação, a tiragem, abrangência, especialização do periódico, entre outros –, possam subsidiar a verificação de regularidade da escolha de concretização realizada, tal como em relação a qualquer outro conceito indeterminado, somente a análise das repercussões da escolha em cada contexto em que se insere, apreciadas à luz dos princípios constitucionais que servem de enquadramento normativo ao tema, serão capazes de determinar o atendimento ao que dispôs o dispositivo legal, por se tratar a interpretação legislativa, em última análise, de uma atividade interpretativa típica, que não pode ser separada da função judicativa.
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Informações Sobre o Autor:
Renan de Freitas Ongaratto Graduado pela Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro – PUC/RJ. Advogado. Pós-graduado em Direito Constitucional pela Faculdade Cândido Mendes e especialista em Direito Público e Privado pela Escola de Magistratura do Estado do Rio de Janeiro – EMERJ.
Área do Direito: Direito Administrativo. Direito Constitucional.
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