Mercado relevante no Direito da Concorrência

Resumo: O mercado relevante é de fundamental importância para o Direito da Concorrência, pois determinará se existe suposta concentração de mercado ou mesmo a ocorrência de práticas ilícitas à concorrência em um âmbito delimitado. A partir deste estudo as autoridades competentes poderão impor medidas tanto para reprimir quanto para prevenir infrações ou abusos.


Palavras-chave: mercado relevante, concorrência, concentração de mercado.


Abstract: The relevant market is of fundamental importance to antitrust law, because it is supposed to determine market concentration or the occurrence of illegal practices in a competitive established framework. From this study the competent authorities may impose measures to curb or  to prevent violations or abuses.


Keywords: relevant market, antitrust, market concentration


Sumário: 1.Introdução  2.Conceito de mercado relevante  3.Poder de mercado  4. Mercado relevante material 5.Mercado relevante geográfico  6.Mercado relevante temporário  7. Conclusão. Referências bibliográficas.


1. Introdução


A Lei n° 8.884/94, chamada de Lei Antitruste Brasileira, introduziu em nossa legislação a disciplina e a limitação dos agentes econômicos, uma vez que o próprio mercado não se mostrou capaz de fazê-lo. Coube então ao Estado a regulação da concorrência. O objetivo desta lei foi garantir ao consumidor, à sociedade e ao pólo empresarial bem estar social, visando normas que pudessem coibir práticas concorrenciais desleais , alem de proteger a sociedade de abusos e infrações concorrenciais. Delimitando-se o mercado relevante, caberá então aos órgãos do Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência[1] realizar um estudo específico para que seja analisada concentração de mercado e condutas de empresas que estejam atuando de modo anticompetitivo. Definindo-se o comportamento deste mercado relevante poderar-se-á também avaliar a existência de posição dominante por parte do agente econômico.


2.Conceito de mercado relevante


O conceito de mercado relevante é extremamente importante para a análise de operações que impliquem concentração de mercado e também para a avaliação de condutas praticadas por empresas dentro de um suposto poder de mercado.


A noção de posição dominante é relativa. Ela só tem sentido uma vez definido, em concreto, o mercado a que respeita, ou seja, aquilo que se designa normalmente como mercado relevante ou mercado em causa. Determinar este mercado, primeiro passo para a detecção de posições dominantes, é, como vimos, determinar os seus limites geográficos e materiais. Num mercado relevante de grande amplitude, as posições dominantes serão difíceis de encontrar. Pelo contrário, num mercado relevante restrito, mesmo empresas de dimensão média poderão deter uma posição dominante.[2]


Ao analisar-se a Lei n° 8.884/94 constata-se que um dos conceitos mais trabalhados pelo legislador é o de mercado relevante. Todavia, a Lei Antitruste não traz em seu corpo normativo a definição deste, deixando para o seu aplicador a tarefa de buscar e concretizar o sentido ali contido. Depende, pois, sua explicação do complemento de outras normas jurídicas, procedentes de outras instâncias legislativas. Neste caso, inexiste outro diploma a regular as concentrações que melhor explicite o conceito de “mercado relevante.” Trata-se, portanto, de um conceito em aberto que caberá ao aplicador da lei construir.


Para Werter Faria[3], os acordos entre empresas restritivos da concorrência e os abusos de posição dominante são proibidos e sancionados quando prejudicam a livre competição no território nacional ou em parte dele. Para avaliar o prejuízo, em cada caso concreto, é necessário saber em que mercado ou parcela de mercado as empresas se acham em situação de concorrência, o que, na expressão se Bernini (1982, p. 38) “pressupõe valoração, em termos de zona geográfica e de produto (e respectiva substituibilidade), sem a qual é impossível determinar, em concreto, aqueles dados que permitem medir a ‘relevância’ do prejuízo e da restrição ocasionados pela colusão”. De imediato, o autor expressa que a verificação do prejuízo e da intensidade da restrição à concorrência significa definir o mercado sobre o qual deve concentrar-se a análise do intérprete, a fim de apurar (a) se a conduta da empresa ou das empresas recai no âmbito das proibições e (b) se, no caso de acordo entre empresas, este, apesar de compreendido na vedação, possa ser aprovado. E acrescenta ainda Werter Faria: Em síntese, a definição de ‘relevant market’ representa um verdadeiro o próprio medidor do âmbito da aplicabilidade das regras da concorrência: tal âmbito mostrar-se-á ampliado no contexto de um ‘relevant market’ mais restrito, ao passo que tenderá a diminuir onde, ao contrário, a definição do ‘relevant market’ se dilate.


Se a delimitação do mercado relevante implica, necessariamente, a identificação do mercado no qual atual determinado agente econômico (ou agentes econômicos), estamos tratando do mercado em que este concorre. Ou seja, a busca do mercado relevante passa pela identificação das relações (concretas, ainda que potenciais) de concorrência de que participa o agente econômico.[4]


O conceito de mercado relevante é uma das peças centrais da moderna teoria de defesa da concorrência. Constitui o ponto de partida da análise das autoridades antitruste no que tange à avaliação dos entraves concorrenciais tanto no âmbito de atos de concentração como de processos envolvendo abuso de posição dominante.


3.Poder de mercado


O poder de mercado, dentro de um contexto econômico, equivale à diferença entre o preço praticado pela empresa para um determinado produto e o seu custo unitário de produção.


Essa definição é muito restrita, uma vez que observa apenas o exercício de poder do vendedor sobre o comprador, desconsiderando o poder que pode ser exercido por uma empresa sobre seus fornecedores, clientes e mesmo concorrentes.


O poder de mercado é fruto da estrutura do mercado em que se encontra, e sua existência está relacionada a fatores estruturais dos mesmos. Em mercados mais competitivos, este poder será menor.


4.Mercado relevante material


O mercado relevante material (ou mercado de produto) é aquele no qual o agente econômico enfrenta a concorrência, considerando um bem ou serviço que fornece.[5]


A delimitação do mercado relevante material é feita a partir da perspectiva do consumidor: se este pode substituir um produto ou serviço por outro igual ou semelhante, ambos pertencem ao mesmo mercado relevante material.


Assim, a o uso dos produtos para o consumidor faz com que integrem mercado relevante material idêntico. Se a mercadoria ou o serviço podem ser perfeitamente substituídos conforme a avaliação do consumidor, por outros de igual qualidade, oferecidos na mesma localidade ou região, então o mercado relevante compreenderá também todos os outros produtos ou serviços potencialmente substitutos.


Deve-se ainda destacar que as autoridades de defesa da concorrência tendem a limitar, ao máximo possível, a extensão dos mercado relevantes materiais, para que: (i) seja mais facilmente caracterizada a posição dominante do agente econômico; (ii) os efeitos anticoncorrenciais de determinada prática sejam potencializados; e (iii) para que as práticas não sejam consideradas como de pouca relevância e assim, não sejam isentas da análise antitruste competente.[6]


5.Mercado relevante geográfico


É a área restrita onde ocorre a concorrência relacionada à prática comercial. O mercado relevante geográfico considerado pode ser uma região, um Estado, um ou mais países, na hipótese de ausência de barreiras alfandegárias.


A área de concorrência real ou potencial pode ser qualquer área geográfica comercialmente significante. Se os ofertantes de uma certa área tomam suas decisões de política empresarial e comercial sem ter que se preocupar com ofertantes localizados fora da referida área, então temos um mercado relevante especialmente considerado; se, ao contrário, os ofertantes devem preocupar-se com os ofertantes situados fora de sua respectiva área, seja porque estes podem, com relativo grau de facilidade, oferecer seus produtos ou serviços naquela ou, ainda, porque os demandantes podem buscar produtos ou serviços alternativos em outras áreas, então o mercado foi definido restritivamente demais.[7]


6.Mercado relevante temporário


Outra maneira de proceder à análise mercadológica do antitruste, embora praticamente não utilizada na experiência nacional, é a dimensão temporal do mercado relevante. A análise do mercado relevante temporal incide nas análises geográfica e material.[8]


O conceito global de mercado temporal é essencialmente dinâmico, delimitado material e geograficamente. Por isso, o mercado concreto deverá ser observado e considerado num momento determinado, mas estes diferentes momentos oferecem normalmente condições que fazem variar os limites lógicos do mercado específico. Esta perspectiva de evolução no tempo é a ótica adequada para observar cada mercado, que pode ser mais ou menos abrangente em função do momento de seu exame.


 O critério temporal de delimitação deve ser feito no terreno prático, apreciando os fenômenos do mercado, especialmente a situação, as relações entre empresas e consumidores e ainda outros fatores que sejam relevantes, nos diferentes momentos, atendendo ao ciclo mercantil.


Nas decisões do CADE e nas análises da SEAE e da SDE, difícil verificar ao menos uma menção ao mercado relevante temporal, mas nem por isso sua análise deve ser preterida. Talvez, caso fosse considerada a dimensão temporal ficaria mais fácil perceber que a demora de uma análise antitruste até sua decisão final pode comprometer toda a concorrência num mercado, não obstante as tentativas de Acordos de Preservação e Reversibilidade das Operações, Medidas Cautelares e Preventivas.[9]


7.Conclusão


A definição do que seja mercado relevante é de suma importância, uma vez que irá definir possíveis ocorrências de práticas desleais de concorrência . Tais práticas acarretam conseqüências para determinado mercado, como danos ao consumidor e aos concorrentes empresariais.


Caberá ao SBDC fazer uma análise criteriosa da delimitação do mercado relevante onde estão ocorrendo supostos abusos ou infrações anticoncorrenciais sobre o poder de mercado dos agentes econômicos, principalmente em relação às suas produções e aos preços praticados por estes.


 


Referências bibliográficas:

BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência: Brasil, Globalização, União Européia, Mercosul, ALCA. São Paulo: Editora Singular, 2005.

DA ROSA, José Del Chiaro Ferreira; SCHUARTZ, Luiz Fernando. Mercado relevante e defesa da concorrência. Revista de Direito Econômico. Brasília: out./dez. 1995

DOS SANTOS, António Carlos; Gonçalves, Maria Eduarda; MARQUES, Maria Manuel Leitão. Direito econômico. 5ª ed., Coimbra: Almedina, 2008.

FARIA, Werter.  Direito da Concorrência e contrato de distribuição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992.

FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. 2ª ed., São Paulo: RT, 2005.


Notas:


[1] Convencionou-se designar por SBDC os órgãos do governo competentes para atuarem em todo território nacional na prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica, bem como na difusão da cultura da defesa da concorrência. O SBDC é integrado pela Secretaria de Acompanhamento Econômico (SEAE) do Ministério da Fazenda, a Secretaria de Direito Econômico (SDE) do Ministério da Justiça e o Conselho Administrativo de Defesa Econômica (CADE), autarquia vinculada ao Ministério da Justiça, que atuam à luz da Lei n° 8.884, de 11 de junho de 1994, a Lei de Defesa da Concorrência. A SEAE e a SDE são órgãos encarregados da instrução dos processos, enquanto o CADE é a instância judicante administrativa. As decisões do CADE não comportam revisão no âmbito do Poder Executivo, podendo ser revistas apenas pelo Poder Judiciário. In BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência: Brasil, Globalização, União Européia, Mercosul, ALCA. São Paulo: Editora Singular, 2005, p. 154.

[2] DOS SANTOS, António Carlos; Gonçalves, Maria Eduarda; MARQUES, Maria Manuel Leitão. Direito econômico. 5ª ed., Coimbra: Almedina, 2008, pág. 357.

[3] FARIA, Werter.  Direito da Concorrência e contrato de distribuição. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 1992, p. 23.

[4] FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. 2ªed., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005, p. 232.

[5] FORGIONI, Paula. Os fundamentos do antitruste. 2ª ed., São Paulo: RT, 2005, pág. 241.

[6] BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência: Brasil, Globalização, União Européia, Mercosul, ALCA. São Paulo: Editora Singular, 2005, p. 139.

[7] DA ROSA, José Del Chiaro Ferreira; SCHUARTZ, Luiz Fernando. Mercado relevante e defesa da concorrência. Revista de Direito Econômico. Brasília: out./dez. 1995, p. 67-68.

[8] BAGNOLI, Vicente. Introdução ao direito da concorrência: Brasil, Globalização, União Européia, Mercosul, ALCA. São Paulo: Editora Singular, 2005, p. 141

[9] Idem. p. 142.

Informações Sobre o Autor

Rogério Dourado Furtado

Advogado em São Paulo. Mestre e doutorando em Direito das Relações Econômicas Internacionais pela PUC de São Paulo. Especialista em Direito Empresarial pela PUC/SP e Direito Tributário pelo IBET/SP


Equipe Âmbito Jurídico

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