Nome do Autor: Ana Carolina Rojas Pavão: Graduada em Direto, em 2011, pela Universidade Católica Dom Bosco. Pós-graduada em Direito Civil com ênfase em família e sucessão, em 2018, pela Universidade Católica Dom Bosco. Advogada Atuante em Direito Civil, Direito de Família e Direito Bancário. E-mail: anacarolinapavo@gmail.com
Nome da Orientadora: Solange Furtado, Mestre em direito.
Universidade Gama Filho, UGF, Rio de Janeiro, Brasil, Professora titular da Universidade Católica Dom Bosco e da Pós-graduação em Direito Civil com Ênfase em Família e Sucessao, e Coordenadora de Curso da Universidade para o Desenvolvimento do Estado e da Região do Pantanal – UNIDERP. E-mail: sola2000@terra.com.br.
Resumo: O objetivo do presente trabalho acadêmico é apresentar os principais aspectos do empoderamento feminino obtidos através de conquistas legais e inovações institucionais após incontáveis percalços históricos, marcados por grandes revoluções e movimentos feministas, que contribuíram para esse objetivo ainda considerado utópico, seja no âmbito internacional seja no nacional. Seu objeto é abordar de forma sintética a luta pelas prerrogativas fundamentais das mulheres que lhe garantiram uma condição mínima e digna de existência. A metodologia aplicada foi a bibliográfica, tendo sido utilizadas biografias, autobiografias, Manuais de Direitos e Teses de Mestrados. O resultado foi a apresentação de quantitativas e concretas informações, no entanto, concisas sobre a trajetória de reconhecimento de direitos humanos femininos. Através do presente artigo conclui-se que o tema encontra, apesar de teoricamente exaustivo, barreiras em sua aplicabilidade e efetividade em razão dos resquícios do patriarcado e da cultura enraizada de submissão de poder em desfavor de fatores biológicos afetando diretamente seu cotidiano.
Palavras-chaves: Direito das Mulheres. Direitos Humanos. Direito de Família. Empoderamento Feminino.
Abstract: The purpose of the current academic project is to present the main features of feminine empowerment through the legality and
institutional innovations consequences of great revolutions and feminist movements that lead the topic to the utopic purpose, both in the national and international areas. Furthermore, the chief objective is to focus on the fight for human rights regarding to women which allowed them to have dignity of existence. The methodology applied was the bibliographic by the research of biographies, autobiographies, Laws Books and Master`s Thesis. The results presented were the most valuable thought summarized information related to the acknowledgment path of feminine rights. Throughout of the article its conclusion is that the theme face controversial effectiveness compared to the extent theorical issues, which still finds barriers into the patriarch and the culture of the power submission due to biological factors.
Keywords: Woman rights. Human Rights. Family Issues. Feminine Empowerment.
Sumário: Introdução. 1. Situação Jurídico-social da mulher no núcleo familiar. 1.1. A origem e evolução da família. 1.2. A situação atual da família. 2. Fator Originário da Igualdade de Gênero: Primeiras Mudanças. 2.1. A correlação entre direitos humanos e os direitos das mulheres. 3. A independência da mulher no campo jurídico. 4. A evolução das mulheres com o advento da nova Constituição. 5. Transição do Código Civil de 1916 para o código civil de 2002 e suas consequências jurídicas fator de empoderamento feminino. 6. Direitos Sexuais e Reprodutivos. 7. O viés da violência doméstica. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
O direito e seu exercício profissional, seja através da academia, da advocacia ou demais funções públicas relacionadas a ciência, é indiscutivelmente um espaço de empoderamento feminino, ferramenta entoou em notáveis mudanças sociais, sendo este senão o principal ponto deste debate, e cuja importância se revela através da malograda controversa: a legislação é impecável, no entanto, o judiciário falha em aplicar a justiça e o executivo é escasso na aplicabilidade de políticas públicas de modo a garantir as prerrogativas fundamentais das mulheres.
Desta forma, neste artigo propomos a querela mediante a formulação da delimitação da situação social jurídico da Mulher no seio familiar, assinalando o desenvolvimento do seu papel na sociedade e apontando as principais diferenças advindas da evolução social da família.
Posteriormente, lança-se o debate nas nuances da igualdade de gênero, sua origem e conquistas por intervenção do movimento feminista no reconhecimento de direitos fundamentais das mulheres e sua repercussão no âmbito dos direitos humanos.
No próximo item, desenvolve-se a emancipação dos direitos femininos que restaram institucionalizados e seus marcos normativos no âmbito internacional, seguidos da ilustração das impactantes alterações legais no Brasil com o advento da Constituição Federal de 1988.
Com efeito, em âmbito nacional, o texto nao se olvida em abordar a trajetória metamorfósica do Código Civil de 1916 para o Código Civil de 2002 e suas consequências jurídicas fatores do empoderamento feminino.
Por fim, versa-se a pesquisa especificamente aos avanços legais de temas de grande relevância sejam os direitos reprodutivos e aqueles concernentes a violência doméstica.
Desta forma, verifica-se que, muito embora as inúmeras conquistas jurídicas, a sociedade ainda se mostra desigual, afinal as mulheres ainda sofrem evidentes preconceitos e abusos, morais ou físicos, cujas consequências são devastosas em suas vidas pessoais e profissionais.
Não obstante, observa-se que grande parte da população desconhece a luta do movimento feminista e da equidade de direitos fundamentais femininos, repudiando até a qualidade de se ser feminista.
Portanto, o objetivo do debate é de um lado esclarecer os avanços, demonstrando as atrocidades acometidas e as conquistas oriundas de uma revolução das mulheres, e de outro contestar a ideia de que a luta cessou. Há, ainda, evidentemente uma longa jornada a ser percorrida no combate da desigualdade de gênero, no Brasil e no resto do mundo.
Neste tópico iremos expor a evolução da família na sociedade e a relação que tal progresso tem com o papel da mulher e sua emancipação social.
1.1. A origem e evolução da família.
É notório na vida humana ser o agrupamento familiar um fato natural através do qual se reúnem pessoas por laços biológicos ou não, e cuja estrutura social se solidifica por meio do direito. Juristas afirmam que a família juridicamente regulada nunca será multifacetada como a família natural, isso porque o direito não consegue acompanhar a rapidez da evolução social (DIAS, 2011), no mesmo sentido Gonçalves, 2013, p.112, reitera:
“Este é um processo lento e de incorporação pelo direito das novas realidades sociais, muitas vezes estancado por conservadorismos e discursos que buscam manter formas tradicionais de família. Nota-se que o direito nem sempre acompanha os deslocamentos proporcionados pelas novas teorias de gênero e pelas novas tecnologias, deixando amplos ainda carentes de normatização”.
Assim, entende-se ser a família uma construção cultural, tendo a sociedade se organizado desta forma, e dentro deste contexto social cada personagem familiar tem um papel a desempenhar, seja de pai, de mãe, de filhos, etc. Portanto, considera-se a família a base da sociedade, da qual com a finalidade de que se pudesse organizar devidamente tais vínculos interpessoais, criou-se através do intervencionismo estatal, o instituto do Casamento.
Outrora quando deste conjugado social, a família tratava-se de uma comunidade rural, na qual todos os seus componentes eram uma força da mão de obra no campo e todos trabalhavam para sua própria subsistência, incentivados a se procriar para então aumentar sua produção. O núcleo familiar, consequentemente, era hierarquizado e patriarcal.
Esse retrato não perdurou após a revolução industrial que necessitava senão de maior número de trabalhadores para o desenvolvimento de atividades terciaras, tendo assim a mulher ingressado no mercado de trabalho, deixando o homem de ser a única fonte de subsistência da família.
O trabalho braçal não se concentrava mais no campo, tendo migrado para as cidades, ativamente nos grandes centros comerciais. A convivência em espaços menores fez com que as famílias criassem um vínculo afetivo muito maior, surgindo uma valoração do afeto dentro do seio familiar (DIAS, 2011).
Salienta-se que a Revolução Industrial, ocorrida no século XVIII, foi um fato marcante para a humanidade pois além da superação do absolutismo, e consequente a implantação do federalismo, seu episódio mais significativo foi a publicação, em 1789, da Declaração dos Direitos do homem e do Cidadão.
A referida declaração tinha por objetivo buscar a extinção do desprezo aos direitos fundamentais e da dignidade da pessoa humana, no entanto, esta liberdade tão almejada atingia somente uma parte da população.
Havia uma controvérsia atestando que muito embora houvesse expressiva presença de mulheres em movimentos reivindicatórios na revolução burguesa, não houveram significativas mudanças aos direitos femininos (DALLARE, 2016.)
Em Paris havia um movimento representativo de mulheres que tinham uma educação muito restrita, existindo uma grande parcela de analfabetas, inclusive nas camadas mais altas da sociedade, que além de qualquer inexistência de direitos civis não possuíam sequer cidadania.
Aliás, a cidadania era um privilégio do sexo masculino, muito mais do que ser nascido na Franca, o indivíduo deveria possuir bens e propriedades, sendo veemente negado as mulheres quaisquer direitos, independentemente de sua condição social (DALLARE, 2016.)
Destaca-se que foi neste momento histórico que as mulheres, aproveitando a bandeira de igualdade igualmente pleiteado pela revolução burguesa, protestaram contra as discriminações, marginalização e violências de todos os tipos que lhes eram impostas, defendendo fielmente os seus direitos fundamentais, com ênfase a igualdade social, sendo completamente ignoradas.
Um importante fato social, desconhecido por inúmeros, foi a Declaração dos Direitos da Mulher e da Cidadã elaborada por Olímpia de Gouges, em 1971, ativista que como outras inúmeras mulheres influenciaram no despertar de consciências para direitos negados, que foram proclamados tão somente em 1948, pela Organização das Nações Unidas, na Declaração Universal dos Direitos Humanos em seu artigo 1ᵒ: “todos os seres humanos nascem livres e iguais em direitos e dignidades”.
1.2. Conceito atual de família
Hodiernamente, a família se reconhece não mais pela celebração do casamento heteronormativo, no campo jurídico ou no social a afetividade é que importa, ou como define Dias, 2011, p. 42 “a união entre as pessoas com identidade de projetos de vida e propósitos comuns gerando comprometimento mutuo”.
Ressalta-se que o movimento feminino muito contribuiu para essa nova percepção familiar, e fenômenos sociais como a disseminação dos métodos anticoncepcionais, o banimento do mito da virgindade e dos dotes matrimoniais, a liberdade sexual dentro ou fora do casamento, o reconhecimento do divórcio, entre outros.
Não há mais aquela visão da família patriarcal, hierarquizada e patrimonial, cuja função era eminentemente procriativa, econômica, religiosa e política, na qual o homem era o centro do seio familiar, deixa o pai de ser o único provedor, havendo substituições dos papeis e emancipa-se a mulher através do trabalho.
Outro fator significativo para mudanças da estrutura familiar foi a separação do Estado da igreja, de modo que surgindo novas estruturas de laços pelo afeto, sobreveio uma nova visão pluralista da família.
Nunca houve uma definição legal no que concerne a definição de família, estando a mesma sempre alinhada a ideia de matrimonio, no entanto, a evolução social demandou necessidade de que fosse reconhecido o afeto, remodelando tal modelo.
A lei Maria da Penha, lei 11.340/2006 em seu art. 5ᵒ, inciso III foi uma das primeiras legislações nacionais a reconhecer o afeto como um elo familiar. Assim, a família-instituto foi substituída pela família-instrumento, e agora se rege sob os pilares da afetividade, pluralidade e eudemonismo (DIAS, 2011).
Atualmente não se considera mais a família célula do estado, mas sim uma célula da sociedade, tendo, portanto, recebido proteção especial do Estado, essa é a letra da Constituição Federal em seu art. 226: “A família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”, que se pauta na manutenção da família, buscando a felicidade e sempre priorizando a dignidade da pessoa humana de todos os seus membros.
O reconhecimento de direito das mulheres faz parte de um movimento de militância feminista do qual os temas mulheres, direitos humanos e gênero ganham bastante destaque, para muitos aplicadores do direito a mera enunciação da premissa da igualdade não é capaz de assegurar a sua efetivação na diferenciação pratica diária dos gêneros.
O debate e o conceito de gênero iniciaram-se no âmbito das ciências sociais em razão dos movimentos feministas que reivindicavam a desconstrução de segregação de gêneros baseado em condições meramente biológicas que as excluíam dos papeis de exercício de suas cidadanias.
Gonçalves, 2013, p. 47 explicita que esta instrução faz parte de um projeto político que beneficia não tão somente a questão de gênero, mas também as questões de etnia e classe social e que no âmbito do direito teve muitos significativos benefícios personalização dos sujeitos de direito mais vitimizados pelo patriarcado, vejamos: “Os estudos de gênero inseriam-se (e ainda se inserem) em um projeto político que visa implodir as assimetrias de poder historicamente construídas entre homens e mulheres.”
Durante as décadas inúmeras foras as obras acerca da soberania masculina e submissão feminina a benesse daquela no contexto sociocultural, todos buscando a análise e a crítica da diferenciação de condutas tidas como tipicamente de homens ou de mulheres e na tentativa da desconstrução dessa discriminação fundamentada tão somente no gênero.
A teoria de gênero através do movimento feministas foi fundamental para reverter as irreversíveis condições de submissão de violência e opressão sofridas pelas mulheres. Beauvoir, 1946, p. 33 deslinda acerca da perspectiva da mulher pela sociedade pelos seguintes pontos de vista:
“Destiny: her biological fate as the weaker and childbearing sex.
History: how men have transformed her biological dependence into a condition of permanent social, political, and even existential dependence and inferiority
Myth: the myths that men have about woman through the ages and which express their profound ambivalence towards her – mother and goddess, virgin and temptress, exalted ad defamed, but always at last “the other”, the inessential”[1].
A filosofa asseverava que direitos legais e políticos eram insignificantes caso a mulher se mantivesse economicamente dependente do homem e, que somente a completa igualdade e independência assegurara segurança e dignidade ao gênero.
Em um cenário de contestação sustentou a teoria de que a distinção de gênero decorria em razão da estrutura cultural de parentesco, através do qual a sexualidade organiza a sociedade em todos os aspectos, inclusive economicamente, de modo que a opressão e reversível apenas com a reconstrução da cultural (RUBIN APUD GONCALVES, 2013).
Outrossim, Gonçalves, 2013, pg. 46 aponta a heteronormatividade como o ponto central da opressão feminina, nesse sentido assevera:
“Tem-se então que a família e problematizada – deixa de ser vista como natural e como um ambiente indiscutivelmente seguro e acolhedor – e passa a ser entendida como o eixo fundante de duas grandes desigualdades de gênero e de geração”.
A partir desta teoria travam-se severas rejeições ao modelo idealizado de família denunciando-o como espaço de poder através do qual ocorriam graves violências e negação de direitos.
Conforme exposto anteriormente essa ordenação de classes sociais é prejudicial não somente as questões de gênero, mas também de raça e etnia pois, os argumentos utilizados para justificar a inferioridade de determinados povos eram fundamentalmente biológicos, sendo que posteriormente a discussão demonstrou que a diferença impostas aos povos eram estruturais e culturais, tendo o mundo visto desastrosas violências em nome da soberania cultural, como a escravidão e o nazismo.
Fora, desta forma, travada a ideia de que as relações de poder se constroem com base no relacionamento dos indivíduos com relação a forma em que os mesmos se encontram socialmente, desta forma o seu gênero, sua raça, sua classe social irá resultar no quantitativo da experiencia opressiva.
A filosofia de FOUCAULT influenciou fortemente os movimentos feministas e sua emancipação acerca do debate da sexualidade e do exercício do poder, conforme assinala Gonçalves, 2013, p. 51:
“Se antes pensava-se existir um “poder” único e unilateral, operando verticalmente, das esferas sociais superiores para as inferiores, agora difunde-se a ideia de que a sociedade e composta por múltiplos poderes, que são exercidos capilarmente, em microssomos, nas relações pessoas entre sujeitos”.
Nesse contexto não se insere o poder estatal, que exerce um domínio centralizador, justo que não se trata de uma relação interpessoal, mas sim intersubjetiva o que Foucault denomina microfísica do poder. Segundo FOCAULT a sexualidade é um espaço para a realização de um poder fundado em expectativas egocêntricas (GONCALVES, 2013).
Diante da concepção construtivista foucaultiana proposta de que o indivíduo é fruto do social, estando a sociedade sempre entrelaçada em estruturas advindas do poder, é natural que todo movimento emancipatório tente justamente contrapor o poder que centralizado diminui de forma injustificada uma minoria (GONCALVES, 2013).
A partir deste momento na história instala-se o pós-estruturalismo e pós-modernismo, a partir do século XVIII as concepções de família começam a se modificar, a sexualidade começa a ser alvo de grandes críticas e, juntamente as reivindicações acerca das desigualdades de gênero ganha pauta política.
Os anos de 1990 foram marcados por novos debates de gênero em razão das inovações tecnológicas do meio reprodutivo demonstrador que esse aspecto não dependia mais tão somente do “homem reprodutor”, relativizando novamente a sexualidade. Toda essa revolução cientifica reinventou o direito, principalmente no que se refere ao direito de família.
Não obstante o debate do conceito de gênero provocou profundas alterações nos direitos humanos e consequentemente no meio social, ainda que existam inúmeras atrocidades, essa visibilidade permitiu maior amparo as mulheres, e toda a base familiar e de parentesco.
2.1. A correlação entre direitos humanos e os direitos das mulheres
Sem hesitação a conceptualização de gênero fora um referencial teórico dando visibilidade as violações dos direitos das mulheres, tanto que o tema foi previsto nas resoluções determinadas pela Comissão Internacional de Direitos Humanos.
A sociedade está em constante evolução e os diretos fundamentais nada mais são do que a ininterrupta construção de prerrogativas a fim de se evitar sejam acometidas injustiças contra a humanidade e possuem caráter notadamente histórico.
Assim, nascem os direitos e vão sendo declarados universais, tem-se como o divisor de águas o período posterior a Segunda Guerra Mundial, pois, restando a humanidade em situação completamente vulnerável fora necessário estabelecer limites a autonomia dos Estados em caso de guerra criando-se o Direito Humanitário e institutos para a sua efetiva aplicabilidade e intercionalização como a Liga nas Nações e da Organização Internacional do Trabalho (OIT) (GONCALVES, 2013).
Os direitos universais dos quais todos os indivíduos são titulares, inclusive os nascituros, são exigíveis em qualquer lugar do mundo, tanto em âmbito internacional quanto interno, podendo ser o Estado responsabilizado pelas respectivas violações.
Desta forma, o cidadão e sujeito de direito internacional, não sendo o Estado o único ator do cenário mundial de modo que o conceito de soberania passa a ser relativizado, sendo permitido a imposição aquele que não se comprometer a tutelar os direitos fundamentais do indivíduo (GONCALVES, 2013).
Nesse contexto ao firmar o individuo como sujeito de direito internacional, possibilitou a pessoa a liberalidade de contestar a atuação do Estado em que vive, devendo a Nação prestar contas a comunidade internacional acerca daquele evento, esse passo fora tão significativo que irrompeu na constituição na Organização das Nações Unidas (ONU), em substituição a liga das nações, em 1945 (GONCALVES, 2013).
Além disso, fora estabelecido a Declaração Internacional dos Direitos Humanos cujo texto compreende no reconhecimento de um leque de direitos e prerrogativas inerentes ao ser humano e dos quais o seu desprezo não permitira a adequada desenvoltura física, moral e intelectual, seu caráter e universal justo aplicável a qualquer pessoa garantindo a sua dignidade.
O texto normativo possui dois discursos políticos: o liberal, com relação as liberdades civil e política, e o social, o qual prega maior intervenção estatal para garantia de direitos como saúde, educação, moradia e trabalho (direitos sociais), neste sentido afirma Gonçalves, 2013, p. 74:
“Ao conjugar, em seu texto, o catalogo dos direitos civis e políticos ao catalogo dos direitos econômicos, sociais e culturais, a Declaração de 1948 também propõe outra característica da concepção contemporânea de direitos humanos: a indivisibilidade desses direitos”.
A defesa dos direitos humanos possui marco histórico um tanto contemporâneo e não e diferente com a defesa dos direitos das mulheres, muito embora a luta seja centurial.
Nessa conjuntura, diante dos inúmeros movimentos feministas reivindicando uma condição social igualitária, iniciou-se uma definição formal de uma plataforma de direitos específicos que nasceram de tubulosas violências.
A revolução francesa fora um marco na história dos primeiros direitos humanos, no entanto, sem muita atenção aos direitos femininos visto que visava emancipar um determinado grupo social, seja a burguesia, o que não desvaloriza o impacto da Declaração Universal dos Direitos do Homem, mas que colocou a mulher no mercado de trabalho.
Aliás nessa época sequer cogitava abrir espaço para as mulheres visto que qualquer tentativa de emancipá-las era fortemente massacrada, como no caso de Olímpia de Gouges condenada a guilhotina, Dallari, 2016, p. 143 relata:
“Por suas atitudes e seus escritos, dentro os quais sobressai a notável Declaração dos Direitos das Mulher e da Cidadã, ela deve ser conhecida e louvada, para a correção da dupla injustiça de que foi vitima: a injustiça da condenação a morte por suas manifestações humanistas, sem que tivesse cometido qualquer crime e sem que que lhe tenha sido assegurado o direito de defesa, e a injustiça da ocultação de sua vida e de suas propostas, muito bem elaboradas, para a instauração de uma convivência pacifica e justa de homens e mulheres”.
Após esse período os direitos humanos das mulheres só vêm à tona após a segunda guerra mundial, na década de 60, através de movimentos feministas nos Estados Unidos da América que promoveu a inserção das mulheres, Stolcke apud Gonçalves, 2013, p. 94 narra:
“Mulheres que tinham trabalhado na indústria militar, mas que foram ‘redomesticadas’ quando os soldados regressaram da grande guerra, estudantes universitárias, mulheres que tinham filhos em idade escolar, aquelas que ao se casar haviam abandonado seus estudos ou profissão, todas estas decidiram tentar compatibilizar o matrimônio com uma carreira profissional ou tentaram voltar a trabalhar fora de casa, mas descobriram que a tão celebrada igualdade de oportunidades era um triste engano. A divisão equitativa de trabalho com seus companheiros não passou de uma ilusão. As mulheres apenas conseguiam empregos temporários ou de segundo escalão como secretarias, enfermeiras, ou seja, em funções de cuidadoras e assistentes, sem possibilidades de promoção, recebendo metade dos vencimentos auferidos por homens, além de serem despedidas quando engravidavam (…) Estas mulheres não pretendiam iniciar uma revolução política ou social. Seu objetivo era a igualdade de direitos entre mulheres e homens em todos os âmbitos sociais. (…) Estas feministas socialistas impulsionaram o movimento pela liberação da política e sexual das mulheres, transcendendo as campanhas por igualdade de direitos e inaugurando uma revisão feminista das teorias socialistas”. STOLCKE, Verena. 2004. pp. 80-81”.
Desta forma, verifica que as demandas exigidas pelas mulheres eram direitos específicos em conformidade com suas necessidades concretas dentro um contexto histórico e social, questões relacionadas a casamento, reprodução, trabalho e liberdade sexual que restaram por muitos anos fora da pauta dos direitos humanos, ganhando destaque em razão das conferencias internacionais organizadas pela Nações Unidas pela intensa participação de grupos feministas nestes espaços.
Fora nos anos de 1994 e 1995 na Conferencia Internacional de População e Desenvolvimento do Cairo, e na Conferência Mundial sobre a mulher em Beijing respectivamente que os primeiros direitos femininos foram consagrados como a igualdade de gênero, o repudio a discriminação e a autonomia sobre o seu próprio corpo através do reconhecimento de direitos sexuais e reprodutivos (GONCALVES, 2013).
Assim, foi em Beijing que os Estados elevaram os direitos das mulheres a direitos humanos reconhecendo-a como peca fundamental na sociedade para o desenvolvimento da paz.
O movimento feminista buscou incansavelmente a equiparação do tratamento jurídico a homens e mulheres objetivando sempre a igualdade de gênero em documento oficiais e juridicamente vinculantes.
O marco legislativo internacional foi a Convenção para a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, (CEDAW – Convention on the Elimination of All Forms of Discrimination against Women) aprovada em 18 de janeiro de 1979, pela Resolução n. 34/180 da Assembleia Geral da ONU, tendo entrado em vigor em 03 de setembro de 1981 e sido ratificada pelo Brasil em 1984, composta atualmente por 186 Estados (GONCALVES, 2013).
A CEDAW em seu texto normativo prevê dezesseis artigos cujo teor são prerrogativas e garantias diferenciadas às mulheres, em razão de sua hipossuficiência e sua condição discriminatória e desprivilegiada na sociedade em razão da construção histórica de submissão com relação ao poder.
Os estados membros têm que adotar medidas legais e políticas públicas para erradicar os atos discriminatórios contra a mulher com a contribuição dos poderes Legislativo, Executivo e Judiciário (GONCALVES, 2013).
A ONU em 1999 inovou ao aprovar um Protocolo Facultativo a Convenção ampliando as funções de um comitê da CEDAW que possui a liberalidade de receber denúncias de violações aos direitos humanos das mulheres, podendo o mesmo realizar visitas nos locais em que houveram as violações. O referido protocolo foi ratificado pelo Brasil em 2002 (GONCALVES, 2013).
Há igualmente no mundo outros documentos de proteção aos direitos das mulheres, sejam eles a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a violência contra a mulher ratificada pelo Brasil em 1995, importante ressaltar que este é primeiro e o único tratado internacional a abordar a violência contra mulher e as medida a serem adotadas pelos Estados para evitar e punir esta violação a direitos humanos (GONCALVES, 2013).
Os direitos sexuais e reprodutivos foram reconhecidos como humanos tão somente em 1994 na Conferencia Internacional sobre População e Desenvolvimento do Cairo, bem como a Declaração e a Plataforma de Ação de Pequim.
Outros documentos internacionais influenciaram fortemente a questão da mulher na sociedade como a Convenção Interamericana sobre a Concessão dos Direitos Civis à Mulher e a Convenção Interamericana sobre Concessão de Direitos Políticos à Mulher, ambas de 1948, a Convenção n. 100 sobre Igualdade de Remuneração, de 1951, a Convenção sobre os Direitos Políticos da Mulher, de 1952, e a Convenção n. 111 sobre Discriminação em Emprego e Profissão, de 1958, todos ratificados pelo Brasil (BRANCO, 2013).
Outros instrumentos embora não específicos a questão de gênero, são amplamente utilizados como a Convenção Americana de Direitos Humanos do Pacto de São Jose da Costa Rica e o Protocolo de São Salvador.
Os tratados internacionais influenciaram drasticamente o constituinte de 1988 que assumiu o compromisso lhe enviado e preocupou-se com a garantia da igualdade de gênero.
Através da Constituição Federal de 1988 o direito civil foi constitucionalizado de forma que a ideia de um direito individualista, patrimonialista, conservador e elitista não mais pertence ao novo modelo social instalado na contemporaneidade.
O direito de família foi uma das searas bastante impactadas com as mudanças dos valores constitucionais, pois ao tutelar o indivíduo, e tendo a Constituição se consagrada no paradigma da Dignidade da Pessoa Humana (art. 1, inciso III), qualquer direito da área familiar demanda fundamentação de validade constitucional, pautado pelas premissas da liberdade e igualdade.
O direito ao divórcio, por exemplo, se fundamenta na premissa de que não pode ser negado ou sequer dificultado a mantença da entidade matrimonial formada se esta não lhe assegurar uma existência digna.
A premissa da Dignidade da Pessoa Humana, fundamento do Estado Democrático do Direito, e um macroprincipio que se desdobra em diversos outros princípios como o da liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade, solidariedade a fim de se garantir a qualidade de vida daqueles que compõe a família.
Este novo modelo normativo mudou drasticamente os direitos que circundam os cônjuges, em seu tratamento, não se fala mais no papel desempenhado pela mulher como mera colaboradora do cônjuge na administração dos bens, na chefia da sociedade matrimonial e no exercício do poder familiar. Poucas foram as vezes em que um texto normativo constitucional tivera tantas significativas mudanças na sociedade como a Constituição Cidadã (DIAS, 2011).
O progresso dos costumes estabelecera um novo conceito para as relações interpessoais, tanto com relação a conjugalidade quanto a parentalidade, expressões discriminatórias presentes no vocabulário jurídico como ilegítima, espúria, adulterina, informal e impura foram banidas.
Destarte, fora definitivamente abolida a desigualdade de gênero, tendo sido reiterado de forma significativa através da Premissa da Igualdade entre homens e mulheres no texto constitucional (art. 5 preambulo, inciso I e art. 226, paragrafo 5). Este preceito não vincula somente o legislador, bem como ao interprete, o aplicador da lei.
É senão gritante a evolução legislativa que acometeu ao direito civil constitucionalizado, ou seja, após a Constituição Cidadã. Sem nenhuma popularidade o Código Civil anterior datado em 1916 regulava a família de séculos atrás constituída em torno do casamento limitado a um grupo especifico de pessoas, voltado a uma moralidade discriminatória, trazendo diferenciações entre seus membros, tanto com relação aos cônjuges quanto aos filhos havidos dentro ou fora do casamento.
Houve sempre a busca de manter-se o instituo a qualquer custo, desta forma, os vínculos afetivos fora do casamento e quaisquer filhos chamados ilegítimos não possuíam qualquer direitos, como sucessórios, numa evidente cultura de despersonalização e exclusão.
Para a legislação de 1916 o homem exercia a chefia da sociedade conjugal, devendo ser respeitado e obedecido pelos demais componentes da família. Ainda se prezava a estrutura familiar pré-revolução industrial na qual a mesma deveria ser preservada através da conservação do matrimonio, priorizando a procriação para gerar maior força de trabalho.
Não obstante, havia compulsoriedade de se identificar o grupo familiar pelo nome do varão, sendo que a mulher ao firmar matrimonio tornava-se relativamente incapaz, não podendo trabalhar sequer administrar seus bens. Além disso, o regime de comunhão universal de bens era regime obrigatório.
O casamento era indissolúvel, não podendo ser findado, com exceção da alegação de anulabilidade sob alguns contextos, sejam eles: por erro essencial quanto a identidade ou a personalidade do cônjuge e alegação de desvirginamento da mulher.
Havia um instituto sequer sui generis conhecido por desquite através do qual se desobrigava o cônjuge aos deveres conjugais, no entanto, os nubentes permaneciam casados, impedindo assim novo matrimonio.
Outrossim, era negado qualquer direito a relações extrapatrimoniais, como no caso das concubinas, mesmo após incessantes buscas ao judiciário para que fosse dado certo amparo as injustiças acometidas, e com a criação do termo companheira, o máximo que era concedido tratava-se de uma indenização por trabalhos domésticos prestados, reconhecendo-se a relação como de trabalho. Ou ainda, no máximo, conforme esclarece Dias, por se assemelhar a um negócio, aplicava-se por analogia, o direito comercial, considerando-as sociedades de fato.
A evolução social da família tornou o referido padrão insustentável forcando o legislativo a tomar providencias, nesse sentido a primeira legislação significativa foi o Estatuto da Mulher casada, a Lei n 4.121/62 que concedeu a mulher casada plena capacidade e lhe assegurou o direito de propriedade sobre bens, frutos de seu próprio trabalho, de forma exclusiva.
O instituto do Divórcio, advindo da Emenda Constitucional 9/77 e lei 6.515/77 excluiu a ideia de indissolubilidade do matrimonio, daquela premissa da família, eminentemente religiosa, como instituição sacra. Bem como, posteriormente com o advento da Emenda Constitucional 66, não se falava mais em separação, desburocratizando o divórcio, podendo o mesmo ser realizado ate mesmo de forma extrajudicial, quando autorizado pela lei.
Com o advento do Código Civil de 2002, projeto original redigido em 1975, anterior inclusive a legislação do divorcio e a Constituição Federal, motivo que levou o texto a sofrer inúmeras mudanças para se adequar ao novo quadro normativo constituído, há um verdadeiro retalho de regras de direito material e constitucional, tirando assim certa credibilidade do texto, sendo que sem dúvida ficou suscetível a diversos erros e mas interpretações .
Foram depreendidos esforços para atualizar a matéria civilista a nova realidade social, principalmente no que concerne ao direito de família e suas profundas mudanças, porém, verifica-se do texto codificado que muitos aspectos restaram omissos, como o da guarda compartilhada que restou prevista por legislação esparsa, a regulamentação da filiação socioafetiva, e a união homoafetiva.
Pode-se afirmar que as grandes alterações dizem respeito as expressões discriminatórias, as quais não mais condizem com a nova estrutura social, assim como as regras desigualitárias entre os gêneros masculino e feminino, os adjetivos da filiação e os regimes dotais.
Por outro lado, houveram alguns avanços significativos como a inserção no Código de orientações pacificadas na jurisprudência como a não obrigatoriedade de se desfazer do sobrenome de casada quando da conversão de separação em divórcio, além do direito aos alimentos compensatórios. E, atendendo a intensa critica da doutrina fora extinguido a analise da culpa dentro da separação, diante da reforma constitucional advinda da Emenda Constitucional 66/10.
O que se verifica é que mesmo diante de todo esse avanço democratizado de igualdade de gênero, ainda há de forma expressiva desvantagem da mulher para com o homem.
Brandão, 2013, p. aponta que as estatísticas demonstram a desigualdade, vejamos:
“O último relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (Pnud) aponta o Brasil na 80 posição em um ranking de 146 países. Uma das razões para tal condição é o alto Índice de Desigualdade de Gênero (IDG), um dos indicadores complementares ao Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). Dois fatores são especialmente significativos: apenas 9,6% dos assentos do Congresso Nacional são ocupados por mulheres; e a inserção no mercado de trabalho, cuja taxa é de 60,1% de mulheres contra 81,9% de homens. Outro dado, divulgado pelo Global Gender Gap Report 2011, um relatório do Fórum Econômico Mundial, é que há imensa disparidade salarial entre homens e mulheres que ocupam o mesmo cargo”.
A problemática se reduz a efetividade dos direitos fundamentais não tão somente aqueles relacionados as mulheres, que obviamente por razoes biológicas estão mais vulneráveis, mas também de idosos e crianças e todos aqueles que se encontram a margem da civilização, sem dúvidas é necessário adotar políticas públicas objetivando o alcance real da igualdade.
Não obstante, muito embora as conquistas obtidas pelos movimentos femininos, as condições materiais de vida dos homens e mulheres não são equivalentes, essa situação encontra suporte em um “tripé ideológico” composto pelo sexismo, pelo preconceito e discriminação de gênero (BRANCO, 2013).
Conforme mencionado anteriormente foi em 1994 com a Conferencia Internacional Sobre População e Desenvolvimento do Cairo que fora reconhecido os direitos sexuais e reprodutivos como direitos humanos.
O texto normativo assegura que o controle sob a própria fecundidade é prerrogativa da mulher.
Explicita Piovesan Apud Gonçalves, 2013, p. 49 que o conceito de tais direitos aponta a duas vertentes diversas e complementares:
“De um lado, aponta a um campo da liberdade e da autodeterminação individual, o que compreende o livre exercício da sexualidade e da reprodução humana, sem discriminação, coerção ou violência. Eis um terreno em que é fundamental o poder de decisão no controle da fecundidade. Nesse sentido, consagra-se a liberdade das mulheres e homens de decidir se e quando desejam reproduzir-se. (…) Por outro lado, o efetivo exercício dos direitos sexuais e reprodutivos demanda políticas públicas que assegurem a saúde sexual e reprodutiva. Nesta ótica, essencial é o direito ao acesso a informações, a meios e recursos seguros, disponíveis e acessíveis. Essencial também é o direito ao mais elevado padrão de saúde reprodutiva e sexual, tendo em vista a saúde não como mera ausência de enfermidades e doenças, mas como a capacidade de desfrutar de uma vida sexual segura e satisfatória e reproduzir-se ou não, quando e segundo a frequência almejada. PIOVESAN, Flávia. Direitos sexuais e reprodutivos: aborto inseguro como violação aos direitos humanos. In: Nos limites da vida: aborto, clonagem humana e eutanásia sob a perspectiva dos direitos humanos. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 63”.
Portanto, verifica-se que há a controvérsia em torno do intervencionismo estatal, salienta-se que este é subjetivo pois, mudara de cultura para cultura, nessa seara o aborto é o mais polemico assunto, legalizado em alguns pais e criminalizados em outros, deixando de ser tratado como uma questão de saúde pública.
7.O viés da Violência doméstica.
A violência doméstica ainda é um assunto recorrente em todo o mundo que aflige inúmeras mulheres, a ONU através de seu comitê dispõe sobre a violência:
“A violência doméstica é uma das mais insidiosas formas de violência contra mulher. Prevalece em todas as sociedades. No âmbito das relações familiares, mulheres de todas as idades são vítimas de violência de todas as formas, incluindo o espancamento, o estupro e outras formas de abuso sexual, violência psíquica e outras, que se perpetuam por meio da tradição. A falta de independência econômica faz com que muitas mu- lheres permaneçam em relações violentas. (…) Estas formas de violência submetem mulheres a riscos de saúde e impedem a sua participação na vida familiar e na vida pública com base na igualdade (BRANCO, 2013”).
Indubitavelmente a violência é uma forma de discriminação, houve um tempo em que a mesma era institucionalizada, Branco, 2013 relata que era permitido ao marido “emendar das más manhas a mulher pelo uso da chibata”.
Essa herança cultural restou enraizada sendo imprescindível fossem reguladas severas legislações para tentar cortar esses hábitos a Maria da Penha, n. 11.340/2006 foi uma delas, editada na tentativa de coibir a violência doméstica e familiar contra a mulher, considerando que a nova ordem constitucional não foi o suficiente para erradicar a selvageria acometida no ambiente doméstico.
Um destaque jurídico com relação ao advento da a Lei Maria da Penha é que passou-se a desconsiderar os crimes praticados em situação de violência doméstica de baixo potencial ofensivo, explica BRANCO, 2013 que a nova legislação harmonizou a ordem jurídica brasileira e os tratados internacionais ratificados pelo Brasil, fato este que na ordem pratica demonstrou notórios avanços nos esforços do Poder Público ao comprometimento da proteção dos Direitos Humanos das Mulheres muito tempo ignorado.
O que se verifica e que o preconceito de gênero ainda leva a violência injustificada pela submissão ao poder e sua relação a sexualidade, os estudos que buscam incansavelmente as motivações subjacentes e a potencialidade das diferentes concepções acerca do tema.
A Lei Maria da Penha deu outra visibilidade publica as diferentes violências que ocorrem no ambiente familiar e os meios mobilizados para as combater, a legislações impõe exigências em termos de respostas institucionais para os casos de violência, essa mobilização muda o viés das políticas públicas a serem dotadas, tendo em vista a necessidade da real eficácia no enfrentamento da violência (STECANELA, 2009).
Desta forma, o estado deve estar atento não somente a violência praticada na esfera pública, mas igualmente a esfera privada, nesse contexto abarca-se a segurança pública, as representações culturais e a violência conjugal.
Os conceitos de exclusão, corpo, saúde e direitos humanos são as palavras chaves, pois a análise da violência estabelecera uma interface com esses temas, de modo que a violência não poderá ser estudada como área autônoma, devendo estar sempre vinculada a outras dimensões, além da de gênero (STECANELA, 2009).
Fora realizado um levantamento sugerindo a existência de duas dimensões privilegiadas, assim apontou Stecanela, 2009, p. 84 que: “Uma aborda a violência a partir de seus protagonistas, seja a vítima ou o agressor, ou reporta-se a eles (…). Outra aborda a forma como a sociedade processa a questão da violência, seja, por exemplo, através da política pública ou do direito”.
A guisa de conclusão constata-se que a violência contra a mulher não pode se comparar com as outras formas de violências, pois trata-se de uma agressão contra princípios básicos da igualdade e liberdade contra o gênero das mulheres, há evidentemente ainda um desiquilíbrio do poder e abuso da forca e a herança cultural sobre as relações de gênero e os lugares ocupados na sociedade.
Ainda, com relação a proteção da mulher que tenta se assegurar com a aplicação de políticas públicas reflete diretamente dos trabalhos dependentes de êxito realizados por agentes do serviço público nas Delegacia da Mulher, nas Varas Criminais, os números indicam que as políticas públicas ainda são insuficientes o que demanda dos poderes públicos de tomar medidas mais drásticas com o fim de erradicar a violência.
Considerações finais
Diante do exposto é possível depreender que o movimento feminista trouxe ao trajeto da luta pelos direitos das mulheres inúmeras vitorias, cujos marcos normativos são considerados, do ponto de vista teórico, suficientes para garantir o respeito aos direitos femininos, no entanto, o retrocesso cultural é indiscutível, ou seja, a problemática gira em torno dos valores morais, de modo que aquela perspectiva patriarcal do século passado ainda remanesce.
O cerne da questão vai além das inovações legais, é necessário trabalhar as convicções preconceituosas da sociedade, o desafio da sociedade ainda remanesce na democracia, no atendimento as prerrogativas do indivíduo e na dignidade da pessoa humana.
Sem embargo, muitas bandeiras levantadas com relação aos direitos das mulheres ainda são consideradas tabus, e não são sequer discutidas, motivo pelo qual se faz necessário reafirmar: o debate é fundamental; o conhecimento é essencial; não basta apenas uma parte da sociedade, ou um grupo social ser politizado, toda a atenção governamental deverá estar direcionada a educação baseada nos pilares da igualdade, da isonomia e respeito ao próximo independentemente do que o faz ser diferente.
O Estado, desta forma, deve assumir o papel de mediador e garantidor de direitos, de modo que sua política deverá ser de igualdade e não de discriminação e redenção a determinada bancada política, a diligencia é de integração de gêneros, de inclusão social, e ainda, de raça ou de etnia, promovendo então a real institucionalização do indivíduo como sujeito de direitos inerentes a sua própria existência e de acordo com as necessidades de sua essência.
REFERÊNCIAS
BEAUVOIR, Simone de. The Second Sex. Translated by Constance Borde and Sheila Malovany-Chevallier. Vintage Books. New York. May 2011.
BRANCO, Luciana Temer Castelo. Manual dos Direitos da mulher/coord. Carolina Valenca Ferraz [et al.] (Serie IDP – Direito, diversidade e cidadania) São Paulo: Saraiva, 2013.
DALLARE, Dalmo de Abreu. Os direitos da Mulher e da Cidadã por Olímpia de Goudes. São Paulo: Saraiva, 2016.
DIAS, Maria Berenice. Manual de direito das famílias. 8. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
GONCALVES, Tamara Amoroso. Direitos humanos das mulheres e a Comissão Interamericana de Direitos Humanos Trad. de notas e citações Luciana Yonekawa. São Paulo: Saraiva, 2013.
STECANELA, Nilda. Mulheres e Direitos Humanos: desfazendo imagens, (re) construindo identidades. Nilda Stecanela; Pedro Moura Ferreira. _Caxias do Sul, RS: Ed. São Miguel, 2009.
[1] Destino: condicionado ao fator biológico como sexo mais frágil e inocente. Historicamente: como homens transformaram a sua dependência biológica em uma condição social, política e ainda existencial de permanente dependência e inferioridade. Mito: os mitos que os homens têm, há séculos, sobre as mulheres e que expressa a profunda ambivalência sob as mesmas – de mãe e deusa, de virgem e sedutora, exaltada e difamada, mas sempre “a outra”, a desnecessária.
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