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Não se cale! Agosto Lilás: sistema judiciário deve ser acessível e acolhedor para as vítimas de violência doméstica e de gênero

Débora Luz (*)

No Brasil, por hora, 26 mulheres sofrem agressão física. Uma menina ou mulher é estuprada a cada 10 minutos. Por dia, três mulheres são vítimas de feminicídio. A cada dois dias, uma travesti ou mulher trans é assassinada. Essas informações são da plataforma “Violência contra as Mulheres em Dados”, que reúne pesquisas, fontes e sínteses recentes sobre o problema no Brasil.

Ainda, quase 30% das brasileiras sofreram no ano de 2022 alguma violência ou agressão, de acordo com a pesquisa “Visível e invisível: a vitimização de mulheres no Brasil”, realizada pelo DataFolha e Fórum Brasileiro de Segurança Pública, sendo este o maior percentual de mulheres vítimas de diferentes formas de violência doméstica no Brasil, como espancamento ou tentativa de estrangulamento, ameaça com faca ou arma de fogo, ofensa sexual, entre outras. O levantamento foi feito com 1.042 mulheres com 16 anos ou mais de 126 municípios de pequeno, médio e grande porte.

Esses dados só corroboram com a real necessidade da promoção de debates e outras ações de políticas públicas de atenção integral à mulher em situação de violência.

Este mês “celebra-se” a campanha Agosto Lilás, concebida por meio da Lei n. 14.448/ 22, que estabelece que durante o mês de agosto a União, os estados e os municípios deverão promover ações de conscientização e esclarecimento sobre as diferentes formas de violência contra a mulher. Entre as ações está a iluminação de prédios públicos com luz de cor lilás, visando “orientar e difundir as medidas que podem ser adotadas judicial e administrativamente para combater a violência contra a mulher, bem como informar sobre órgãos e entidades envolvidos, redes de suporte disponíveis e canais de comunicação existentes”. A lei ainda determina que os entes federados poderão apoiar, ainda que tecnicamente, as atividades organizadas pela sociedade com o intuito de prevenir, combater e enfrentar os diferentes tipos de violência contra a mulher.

O Agosto Lilás se alinha com o Protocolo para Julgamento com Perspectiva de Gênero, lançado pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), mais um instrumento para que seja alcançada a igualdade de gênero, Objetivo de Desenvolvimento Sustentável – ODS 5 da Agenda 2030 da ONU, à qual o Supremo Tribunal Federal (STF) e o CNJ se comprometeram cumprir.

Importante salientar que o protocolo traz importantes exposições teóricas sobre o mote da igualdade, sendo um verdadeiro guia para que os julgamentos que ocorrem nos diferentes âmbitos da Justiça possam ser aqueles que realizem o direito à igualdade e à não discriminação de todas as pessoas, de modo que o exercício da função jurisdicional se dê de forma a concretizar um papel de não repetição de estereótipos, de não perpetuação de diferenças, constituindo-se um espaço de rompimento com culturas de discriminação e de preconceitos.

A violência contra a mulher é uma das mais graves violações dos direitos humanos no mundo atual. Infelizmente, ela persiste em todas as sociedades, independentemente do nível de desenvolvimento ou cultura. Para enfrentar esse problema complexo, é essencial que a Justiça, os magistrados e os advogados desempenhem um papel crucial na conscientização e na luta por igualdade de gênero.

A conscientização é o primeiro passo para a mudança significativa. É imperativo que todos os profissionais do sistema de Justiça compreendam plenamente a natureza e a gravidade da violência contra a mulher, bem como a desigualdade de gênero enraizada em nossa sociedade. Isso significa reconhecer que a violência contra a mulher não é apenas física, mas também psicológica, sexual, econômica, patrimonial e processual. Os magistrados, advogados e futuros operadores do Direito devem estar cientes de como essas formas de violência se manifestam e impactam a vida das mulheres.

Além do mais, é fundamental entender as causas profundas dessa violência, como a perpetuação de estereótipos de gênero, a cultura do machismo e a desigualdade econômica e social. Somente por meio da educação e da sensibilização para essas questões, a Justiça pode se tornar um instrumento eficaz no combate à violência contra a mulher.

Acredito que um dos maiores desafios enfrentados na promoção da igualdade de gênero é a necessidade de uma mudança de paradigma cultural. É papel dos magistrados, advogados e demais operadores do Direito romperem com padrões patriarcais e machistas, garantindo que suas decisões e atitudes não perpetuem preconceitos ou desigualdades de gênero. É essencial que eles sejam sensíveis e empáticos às experiências das mulheres que buscam ajuda e justiça.

O nosso sistema judiciário deve ser acessível e acolhedor para as vítimas de violência doméstica e de gênero. É preciso criar um ambiente seguro, livre de julgamento e estigma, onde as mulheres possam se sentir seguras para denunciar a violência que sofreram. Além disso, é crucial que as vítimas sejam ouvidas com respeito e que suas vozes sejam valorizadas durante todo o processo judicial.

Nesse sentindo, a capacitação contínua dos profissionais do sistema de Justiça é fundamental para garantir a eficácia no combate à violência contra a mulher. Isso inclui formação sobre a legislação existente, os mecanismos de proteção disponíveis e a sensibilização para a violência de gênero. Investir na formação dos magistrados e operadores do Direito é investir em uma Justiça mais justa e igualitária.

Outro ponto crucial é a necessidade de fortalecer a cooperação entre os diferentes atores do sistema de Justiça, incluindo juízes, promotores, defensores públicos e advogados. Uma abordagem multidisciplinar e integrada é essencial para enfrentar a violência contra a mulher de forma eficaz e abrangente. A cooperação entre esses profissionais deve ser pautada no respeito mútuo e na compreensão das especificidades de cada área de atuação.

A conscientização no ambiente judicial sobre a violência contra a mulher e a igualdade de gênero é essencial para o progresso de uma sociedade mais justa e igualitária. O papel desses profissionais é fundamental na proteção dos direitos das mulheres e na construção de um futuro em que a violência de gênero seja erradicada e a igualdade seja uma realidade para todos.

(*) Débora Luz é jornalista, perita judicial, graduanda em Direito pela Escola Paulista de Direito (EPD), membro da Comissão Especial dos Acadêmicos e Acadêmicas de Direito OAB SP (2022-2023). E-mail: deboraluz.jur@gmail.com

Âmbito Jurídico

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