Resumo: Não é novidade que os atuais tempos provocaram sensíveis mudanças na sociedade. Dentre elas, o Estado, no mais das vezes, não mais aparece como um reflexo da vontade do povo tão bradada quando da sua constituição. Repensar este conflito relacionado à legitimidade do Estado é a proposta do presente artigo.
Palavras-chave: Estado de Direito – Soberania Popular – Legitimidade do Estado
Sumário: Introdução; 1. A origem da legitimidade do estado; 1.1. O problema da legitimidade pela legalidade e as dificuldades para compreender a autonomia do indivíduo em Hobbes, Rousseau e Kant; 1.2. A soberania do povo como fonte para a legitimidade do Estado; 2. A soberania do povo entendida como processo e os entraves postos pela cultura de massa e pela fluidez das decisões; 3. O poder do povo e os filtros necessários ao poder social; 4. Os atuais entraves à soberania do povo na sociedade contemporânea; 4.1. A Democracia Representativa nos Atuais Tempos: o esvaziamento da soberania do povo em face da globalização econômica; 4.2. Uma saída possível: a educação política e a criação de espaços comunicativos de deliberação. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O presente, e breve, estudo visa debater uma iminente contradição dos tempos atuais: a necessidade de um pensar ativo e crítico da realidade social em uma sociedade globalizada interessada no acúmulo do capital.
Se por um lado a era da informação permite que o sujeito tenha acesso a todo o tipo de conteúdo em tempo real e, com isso, pode, passiva ou ativamente, se colocar perante o mundo, por outro, esta mesma dinâmica contemporânea massificada e voraz retira, por vezes, deste sujeito as condições efetivas para que ele possa tomar suas decisões políticas de maneira racional e consciente.
Isto acaba colocando em xeque a própria legitimidade do Estado. Um Soberano que não encontra eco de suas ações na vontade do povo para o qual governa não tem razão de permanecer no controle de um Estado que, mesmo adotando numa óptica liberal conduzida pela livre iniciativa, não é outra coisa senão a expressão dessa vontade.
A saída para este problema parece estar, então, estar na própria democracia. Mas não na democracia representativa comum posta hoje, mas em um outro modelo que pressuponha maior participação do cidadão. É a revisão deste conceito numa sociedade pós-moderna e já efetivamente globalizada que o presente estudo pretende se voltar a (re)esclarecer.
Para tanto, recorrer-se-á à seguinte estrutura lógico-formal: a primeira parte deste trabalho revisita a origem da legitimidade do Estado, chegando à soberania do povo como fonte de legitimação. Em seguida, aprofundar-se-á na soberania do povo para entendê-la como um processo. Posteriormente, o autor buscará reanalisar o conceito de democracia para verificar sua extensão e pertinência na atualidade, fazendo o necessário contraponto com o liberalismo econômico que consolidou a estrutura capitalista na sociedade contemporânea. Por fim, o autor será levado a concluir, a partir das reflexões aqui feitas, que a saída para a permanência da legitimidade estatal reside em estender a democracia para sua forma deliberativa, tendo como base uma verdadeira e efetiva educação política.
1. A ORIGEM DA LEGITIMIDADE DO ESTADO
1.1. O problema da legitimidade pela legalidade e as dificuldades para compreender a autonomia do indivíduo em Hobbes, Rousseau e Kant
Ao se pensar o Estado Pós-Moderno já não é novidade reconhecer que existe um paradoxo em se entender a legitimidade a partir da legalidade[1], ou seja, de onde o Direito retiraria a sua legitimidade a partir dos direitos subjetivos privados. Da mesma forma, há uma grande confusão entre a autonomia privada e a autonomia pública do cidadão.
Todavia, estes problemas não são atuais. A bem da verdade, são decorrentes de algumas lacunas existes nas teorias contratualistas que, até então, fundamentam o Estado[2].
Thomas Hobbes, por exemplo, não esclarece como o homem natural seria esclarecido o suficiente para consentir com o contrato e compreender o conceito de reciprocidade. Hobbes não explica como aquele homem natural se transformou em social a ponto de conseguir avaliar se a coerção empregada para limitar o arbítrio do outro é do interesse e da vontade de todos os participantes do contrato. Há uma contradição com a prova que ele quer fazer para justificar o contrato e o Soberano – a saber, fundamentar a vida em sociedade a partir do interesse autoesclarecido de todos. Ora, fossem autoesclarecidos, por qual motivo legitimar um terceiro com poder de coerção? E mais. Fossem autoesclarecidos não precisariam de um contrato, eis transpassariam racionalmente do estado natural para o estado da cooperação protegida coercitivamente. Do contrário, entendê-los como despossuídos e descamisados ataca qualquer ranço de legitimidade.[3]
Estas dificuldades também aparecem na teoria contratualista de Jean-Jacques Rousseau. Nela, não se sabe ao certo o verdadeiro fundamento do contrato social. É idealizado um genuíno contrato burguês que, na essência, tem natureza privada o qual, paradoxalmente ao mesmo tempo, é um fim em si mesmo.[4]
Immanuel Kant por sua vez, ao tentar fundamentar o Estado no seu conceito de Direito, acaba não distinguindo claramente o princípio republicano – aqui entendido como democracia –, do principio do direito e do principio da moral. Os princípios da moral e da democracia são postos como interligados entre si e encobertos pelo princípio do direito. Todavia, parece mais acertado entender que o princípio do direito seria apenas o verso da medalha do princípio da democracia.[5]
Este problema entre a autonomia pública e a autonomia privada nunca foi, então, bem compreendido. Em Hobbes, a legitimidade desaparece com a constituição do Estado, pois numa óptica absolutista, todos os participantes colocariam seu fim de preservação da vida nas mãos do próprio Soberano, o qual, aliás, não foi escolhido a partir de um processo democrático. Também há uma falta de clareza tanto em Kant quanto em Rousseau, uma vez que Kant se apoia na ideia de legislação pública democrática oriunda de um contrato proposto por Rousseau. No entanto, não é possível compreender a relação de concorrência entre os direitos humanos, fundamentados moralmente, e o princípio da soberania do povo.[6]
Os contratualistas, portanto, parecem não terem esclarecido, ao menos explicitamente, de onde o direito positivo obtém sua legitimidade. Isso porque, o positivismo jurídico não preserva o conteúdo moral independente dos direitos subjetivos e não protege integralmente a liberdade individual, limitando-a em prol de uma dominação política que estaria legitimada apenas e tão somente pela legalidade (e não por uma legitimidade na essência, outorgada por estes sujeitos futuramente jurisdicionados).
1.2. A soberania do povo como fonte para a legitimidade do Estado
A saída para superar estes obstáculos acima expostos, parece estar, então, na democracia enquanto meio de participação popular na esfera pública. Ela apresenta-se ser a única que confere o maior valor à vontade de cada um dos indivíduos que compõem a sociedade e esta representação da vontade é o que confere, de forma efetiva, legitimidade[7]. Em outras palavras, ela permite que a soberania do povo seja uma realidade.
Para tanto, é necessário rememorar a construção antropológica e histórica do ser humano enquanto ser social, carregado de cultura e de estruturas de personalidade que, no tempo, ganharam valores éticos e morais. Esta evolução da própria racionalidade humana é acompanhada, justamente, pela comunicação. Deste modo, o fundamento legítimo do Estado, inclusive, Pós-Moderno parece estar, então, na ação comunicativa e na democracia[8].
Assim, o Estado não é outra coisa senão o reflexo dos direitos que os cidadãos atribuíram uns aos outros para regularem legitimamente sua convivência com os meios do direito positivo. Isto faz com que a própria sociedade seja a legitimadora da ordem: ao mesmo tempo em que a Teoria do Discurso retira a coerção das decisões, a democracia assegura que a vontade do povo prevaleça. A reunião destes dois mecanismos é o fundamento da legitimidade do Estado.[9]
2. A SOBERANIA DO POVO ENTENDIDA COMO PROCESSO E OS ENTRAVES POSTOS PELA CULTURA DE MASSA E PELA FLUIDEZ DAS DECISÕES
A soberania do povo é tão originária quanto os direitos humanos. Todavia, ao contrário destes, ela é, na verdade, um processo. A soberania não é algo dado, mas sim um desencadear de fatores que, no fim, ao se entrelaçarem, formam-na, no todo.
O ponto de partida para que se entenda este processo é a Revolução Francesa. A partir dela, o conceito de nação passou a ser compreendido a partir dos ideais liberais e socialistas.
Este marco permitiu a ascensão da burguesia, consagrando as bases de um sistema econômico capitalista; permitiu o surgimento de um aparelho estatal burocratizado para evitar abusos; trouxe a ideia do Estado Nacional, pautado na identidade cultural de pertencimento; e resultou na consolidação do Estado Democrático de Direito. Em que pesem todas as demais heranças deste movimento estarem hoje sofrendo deturpações, este último é o único elemento que permite afirmar a atualidade desta Revolução.
Aliás, na França, os indivíduos tinham a efetiva consciência de que estavam fazendo uma revolução. Este fato é absolutamente importante pois ilumina para eles sua autodeterminação e auto-realização política de transformação e participação sociais, o que acaba resultando na legitimidade deste movimento e, por via de consequência, na legitimidade do próprio Estado dele decorrente.
Todavia, esta consciência havida durante a Revolução Francesa hoje não é mais percebida nos cidadãos. A ideia revolucionária de que todos os indivíduos emancipados devem ser os autores dos seus destinos perdeu força pela institucionalização jurídica de que todos são iguais perante a lei com participação igualitária na formação da vontade política. O ideal de que todo o poder emana do povo não vinga mais hodiernamente, pois a despersonalização e o processo de massificação deste povo acabam não mais formando um sujeito com consciência e vontade. Esta grande massa chamada simplesmente povo distancia o próprio indivíduo despersonificado da sua participação política, pois enquanto povo não é capaz de agir nem de decidir como um todo. Por estes motivos, a democracia hoje não se esbarra mais com obstáculos políticos, mas sim em obstáculos sistêmicos.[10]
Além disso, as sociedades modernas não são homogêneas. Isso dificulta operacionalizar a ideia de socialização proposta por Rousseau (na qual o homem natural transfigura-se em cidadão orientado pelo bem comum e depois se transforma no ente coletivo voltado para a prática da legislação). As virtudes republicanas postuladas Rousseau só são realidade para uma comunidade com consenso normativo e mesmo ethos.
Este problema também é encontrado na ideia de autolegislação inicialmente proposta por Rousseau. A modernidade hoje leva a entender que a soberania do povo precisa estar compatibilizada com a vontade da maioria através da discussão e do consenso, visando, neste processo, formar a opinião e a vontade de todos e dela, então, se extrair, ao final, a lei.
Neste diapasão, a ideia inicial de leis gerais e abstratas não mais subsiste. Atualmente, estas leis devem ser o resultado das deliberações por meio do discurso e da comunicação racional, mantendo-se o conceito de autonomia, pois o homem é não só o autor, mas também o destinatário da norma.
Este sistema somente é possível desde que o Soberano deixe de ser a incorporação do monopólio legal do poder, e passe a ser o medium entre a vontade efetiva do povo e a atividade legiferante da esfera pública. Para tanto, seriam necessários canais efetivos de comunicação entre o povo e o aparato estatal.
Este é o motivo fundamental para que a soberania seja entendida como um processo: por meio dos canais de comunicação que formam constantemente a vontade política, não apenas se mantém a legitimidade do Estado, mas também se garante uma revisão perene da própria estrutura do Estado.[11]
Entretanto, exsurge aqui o questionamento: de que modo é possível legitimar a soberania do povo para a formação da vontade política?
Habermas alerta que é preciso abandonar a famigerada ideia de que o povo não tem condições de governar. O povo elege seus representantes com base em suas próprias virtudes. Do contrário, entraríamos em uma contradição entre a soberania do povo e o pressuposto de racionalidade individual, pois um povo irracional também faria escolhas (eleições) de representantes irracionais.[12].
Desta forma, deve-se deixar de se considerar que a opinião popular é facilmente manipulável. O indivíduo é um ser racional em sua essência, capaz de se comunicar e de expressar sua vontade. Esta vontade pode sim sofrer influências externas, que a manipulam, mas fatalmente o sujeito fará um mínimo juízo[13] acerca desta influência. Ao final, sua vontade poderá ou não ser atendida, o que vai depender da deliberação.
Portanto, a lei entendida como um resultado racional deliberativo da vontade do povo se funda no jogo que se estabelece entre a formação política dessa vontade, constituída institucionalmente na esfera pública, e os fluxos de comunicação desse povo com esta esfera[14].
Nesta medida, os procedimentos democráticos, introduzidos no Estado de Direito, produziriam resultados racionais pois a formação da opinião entre as corporações parlamentares continuaria sensível aos resultados de um consenso informal da opinião resultante das deliberações dos sujeitos que compõem este Estado.
3. O PODER DO POVO E OS FILTROS NECESSÁRIOS AO PODER SOCIAL
É sabido que Maquiavel rompeu com o paradigma de que o poder do Soberano era algo mítico e sagrado dado ao homem e passou a considerar que este poder é um instrumento passível de ser calculado e manejado para os fins que seu detentor almeja[15]. Portanto, como instrumento, o poder é plenamente dominável por aquele que o possui.
Assim, da mesma forma em que o poder natural do Soberano levaria a arbitrariedades que não coadunam, em princípio, com o Direito, inviabilizando a formação da vontade coletiva, o poder do povo, de per si, também não escapa a essa regra. Mesmo o poder do povo, grande trunfo do Estado Democrático de Direito, pode, no limite, levar à legitimação de uma situação de violência e dominação, chegando a chancelar Estados totalitários em que as próprias garantias fundamentais restariam relativizadas. Bastaria que a ralé[16] encontrasse eco em alguma voz retórica[17] de liderança para que esta tenha pleno apoio popular[18].
Deste modo, para que este poder seja conduzido para o verdadeiro bem estar social de todos – e não apenas funcione como instrumento de dominação para alguns – é necessário que existam filtros que retirem ao máximo as ideologias particulares de modo que a vontade social, posteriormente expressa nas leis, seja, de fato, reflexo da soma do interesse de todos os indivíduos[19].
O poder político deve, então, refletir a autonomia da vontade coletiva. É nisto que se funda o Estado de Direito: ligar o poder político ao Direito, afastando-o do poder social, ou seja, da implantação tática e influenciadora de interesses privilegiados.
Aí, portanto, a importância da Teoria do Discurso. Por ela é possível se colocar o necessário filtro ao poder social, eis que somente pela deliberação é que se alcançam resultados racionalmente motivados e justificados. Nesta esteira, essa teoria se opera tanto pelo seu sentido cognitivo, pautado em argumentos e aceitabilidade racional, quanto pelo seu sentido prático, ao promover entendimentos isentos de violência e coerção.
Habermas, então, defende que a formação da vontade política racional deve se dar a partir da deliberação e do autoentendimento de cada um dos indivíduos. A vontade coletiva se formaria, assim, por argumentos pragmáticos, filtrados por modais de compromissos sociais e discursos éticos, clarificados por preceitos morais e, por fim, chegando ao controle jurídico da norma que será produzida[20].
Esta dinâmica faz com que a Constituição deixe de estática, pois mesmo que o teor da norma permaneça o mesmo, sua interpretação muda a partir destes fluxos deliberativos. Além disso, o Estado Democrático de Direito transforma-se num projeto (no caso brasileiro, basta verificar que os objetivos fundamentais da nossa República Federativa, insculpidos no artigo 3º da Constituição Federal, revelam as diretrizes deste projeto[21]).
Logo, parece acertado concluir que a lei que prevalece é aquela cujo discurso apresentou o melhor argumento (relembre-se do aspecto pragmático do convencimento o qual está isento de coerção). Seria assim, portanto, como se daria a formação da vontade política: pelo nexo entre os direitos humanos e a soberania do povo cujo conteúdo normativo reside em um modo de exercício da autonomia política, o qual é assegurado pelo discurso da opinião e da vontade, e não por leis gerais e abstratas[22].
Entretanto, é importante que se perceba que a eficácia do poder comunicativo não é universal, mas indireto. Isso porque, ele limita o Poder Administrativo, ou seja, o poder exercido de fato. Para evitar o assédio, a opinião pública deve seguir o caminho da deliberação responsável e democraticamente organizada (do contrário, como já esclarecido, se legitimaria, no limite, pelo discurso convincente, regimes totalitários ou a prática de tortura para obtenção de prova). É justamente a efetiva democracia, com a participação racional de todos de forma ativa e difusora, que funcionará, no mais das vezes, como um sistema próprio de freios e contrapesos da mera opinião pública.
Neste contexto, a cultura política ganha novamente importante papel de romper com a cultura de massa, inteiramente igualitária e ao mesmo tempo vazia, que não permite a reflexão e opera sempre em favor da não-emancipação a partir de um discurso demagógico e não democrático[23].
De todo modo, somente o discurso da linguagem, que aproxima razão e vontade para o bem comum é o que legitimaria o pacto social. Pela Teoria do Discurso, é, inclusive, possível justificar a autolegislação através do tempo e legitimá-la num contexto já afastado do famigerado estado de natureza do homem. Disto, extrai-se a relação intrínseca e direta entre os direitos humanos e a soberania do povo: os direitos humanos representam a condição de possibilidade da soberania do povo, sendo indispensáveis para a prática da vontade política discursiva[24].
Este raciocínio conduz à conclusão de que o Direito é mero instrumento para o exercício da vontade política e não a fonte legitimadora desta vontade. Mas não é só. Enquanto mero instrumento, o Direito rompe com o postulado de Carl Schmitt[25] de justificar a legitimidade a partir legalidade. A legalidade passa, então – e com razão –, a ser encarada como muito posterior à legitimidade. A legitimidade advém do discurso racional e da vontade oriunda do estado natural. Já a legalidade é o resultado do sistema positivo posto, depois do processo civilizatório, no momento da autolegislação.
Desta forma, entender a legitimidade a partir da legalidade somente deixa de ser paradoxal se for dado um passo atrás e for compreendido que a autonomia e a participação política do indivíduo se pressupõem mutuamente. Assim, o homem sendo, ao mesmo tempo, autor e destinatário da norma que reflete a sua vontade, torna a lei legítima, pois legal. Enquanto permanecer o entendimento de que o sistema jurídico legitima a si mesmo, permanecerá este paradoxo. Portanto, a lei deve ser observada como a regra resultante de um processo caracterizado pela discussão e publicidade[26].
Eis o motivo fundamental para que o Estado Democrático de Direito seja o único modelo genuinamente legítimo. Pela Teoria do Discurso, os direitos políticos, os direitos subjetivos privados, a soberania do povo e a autonomia pública e privada são todos tidos como co-originários se pressupondo mutuamente.
4. OS ATUAIS ENTRAVES À SOBERANIA DO POVO NA SOCIEDADE CONTEMPORÂNEA
4.1. A Democracia Representativa nos Atuais Tempos: o esvaziamento da soberania do povo em face da globalização econômica
No Estado Democrático de Direito – único que tem se mostrado como legítimo para a sociedade para a qual governa –, os regimes democráticos das complexas sociedades pós-modernas têm se expressado eminentemente por meio do voto[27].
O direito ao voto caracteriza o sufrágio. Assim, ao logo da história, fruto da consolidação deste modelo de Estado, o sufrágio passou por um processo de alargamento, abrangendo cada vez mais pessoas que passaram a ser concebidas como cidadãos[28].
Neste contexto, a vontade da maioria destes cidadãos nas sociedades atuais, que acaba se transformando na vontade do povo, não tem mais sofrido dúvidas quanto a sua legitimidade, ao menos quanto a seus aspectos formais[29].
O que é preciso perceber é a mudança de paradigma: enquanto na antiguidade a participação no processo democrático era limitada a alguns membros da sociedade, na democracia representativa o sufrágio universal conseguiu quantitativamente garantir a participação da grande maioria das pessoas que compõe o povo[30]. Todavia, esta mesma socidade pós-moderna limitou qualitativamente os mecanismos de atuação e de participação dos atores deste jogo democrático.
Isso porque, a democracia representativa torna estrutural e permanente uma separação entre dirigentes e dirigidos. No entanto, a participação política não deve ser reduzida ao mero momento do voto, sob pena de se fazer desta separação uma verdadeira delegação da autonomia política do indivíduo. Neste sentido, o modelo da Lista Partecipata italiana ilustra bem este alerta[31].
O que se percebe, portanto, é que assistimos ao aparecimento de uma nova categoria política e de novas formas de exercício do poder. O poder é cada vez mais exercido por uma oligarquia planetária sem rosto visível, legitimada por uma modalidade de delegação que não é fundamentada na livre escolha racional e consciente dos cidadãos, mas num saber técnico inacessível a estes.[32]
Tal enredo combina com a história da democracia nos últimos séculos. Ora a democracia tem como seu sustentáculo o mercado autorregulado, ora o mercado regulamentado pelo Estado; ora o Estado é a garantia dos direitos individuais e coletivos contra o arbítrio e a força, ora deixa de ser o guardião da liberdade para ser o Estado-tutor que obstaculiza o desenvolvimento da cidadania como autodeterminação; ou, ainda, numa situação ainda mais extremada, ora se transforma em um Estado autoritário que suspende a democracia em prol de um intocável bem comum.
Numa sociedade em que foi o modelo capitalista de mercado que resistiu e fez com que os Estados se delineassem sob a égide do pensamento liberal, a luta contra a ameaça de um Estado que, sucumbente aos interesses econômicos, não assegura a liberdade individual de forma plena, se esbarra também na relativização da própria cidadania, a qual agora se vê reduzida ao maior ou menor potencial de barganha pelo e para o indivíduo-consumidor[33].
É o que esclarece Flávia Piovesan ao ressaltar que "a força dos conglomerados transnacionais, o surgimento de esferas de decisão política e econômica em torno das diversas pessoas jurídicas de direito internacional público, grupos de Estados ligados por interesses comuns e consórcios regionais, além da hegemonia do pensamento econômico liberal, vêm esvaziando as democracias e conseqüentemente retirando o poder de seus cidadãos." [34]
Como bem assevera Habermas “hoje são antes os Estados que se acham incorporados aos mercados e não a economia política às fronteiras estatais”[35]. Isto quer dizer que a soberania do Estado é ameaçada no cenário globalizado atual. Neste cenário, há um novo sistema de poder, provocado pelo fenômeno da globalização com a maximização do acúmulo de capital e um desenvolvimento intensivo das forças produtivas na escala global[36].
Desta maneira, os Estados não mais conseguem configurar, positivamente, os padrões de cidadania apropriados aos princípios norteadores do paradigma constitucional e democrático, já que estão cada dia mais vinculados a lógicas externas, marcadas por um pensamento pragmático e individualista totalmente sujeito aos interesses econômicos, o que afera não só a capacidade deste Estado de gerir sua própria economia de forma efetiva e independente, como também dificulta a gestão do seu sistema político e jurídico[37].
Os reflexos desta mudança de paradigma em que há uma evidente subordinação ao interesse do capital são, ainda, extremamente mais perversos para os Estados menos desenvolvidos: o aparato jurídico dessas nações não consegue mais responder aos desafios impostos pela extrema complexidade das relações sócio-institucionais no pós-globalização econômica. O discurso político se esvazia, dando azo somente a questões de ordem econômica.[38]
O grande problema disso é que o mero desenvolvimento econômico, que acaba colocando a democracia como subserviente às regras deste mercado global, não compreende, de per si, a garantia de direitos, nem civis e políticos, nem econômicos e sociais.[39]
Ao fato de não ser o crescimento econômico requisito único e suficiente para a conquista e efetivação de direitos, acrescenta-se que em um país que se inseriu tardiamente no capitalismo industrial, que está na periferia da economia mundial e seja dependente de recursos externos, essa Era Global é ainda mais trágica, pois, além de provocar um agravamento do alarmante desequilíbrio social encontrado nas suas estruturas sociais, reduz sensivelmente o campo de participação efetiva do cidadão. Desta forma, o discurso em defesa da democracia representativa liberal é um componente importante da globalização neoliberal e um dos seus mais imponentes escudos de resistência à contra-hegemonia.
Neste contexto, os principais elementos da concepção hegemônica de democracia são “a contradição entre mobilização e institucionalização; a valorização da apatia política; a concentração do debate democrático no período meramente eleitoral; a abordagem do pluralismo simplesmente como a diferenciação partidária ou da disputa de projetos em uma eleição; e a restrição do entendimento de participação política”[40]. Todos elementos que, como visto, apenas retiram do indivíduo a possibilidade de decidir racionalmente sobre os rumos políticos da sociedade a qual pertence.
A tese de que o único meio viável de viver a democracia na atualidade é no período eleitoral por meio do voto, com a supressão da ação coletiva em conformidade com uma apatia generalizada, é a tradução atual e neoliberal de uma tese muito bem expressada por Benjamin Constant.
Segundo Constant, enquanto para os gregos a liberdade estava em se ver livre das atividades domésticas e privadas para participar plenamente da vida pública e política, para os modernos “quanto mais o exercício de nossos direitos políticos nos deixar tempo para nossos interesses privados, mais a liberdade nos será preciosa”[41]. Daí viria a necessidade do sistema representativo, “uma organização com a ajuda da qual uma nação confia a alguns indivíduos o que ela não pode ou não quer fazer”[42].
Por este motivo é que se torna mister repernsar em que medida hoje o Estado permanece legítimo. Reduzir a soberania do povo ao mero voto no momento eleitoral não revigora o debate político e afasta do centro das decisões a efetiva vontade do indivíduo que compõe este Estado.
A sobreposição desta categoria de interesses econômicos tem reduzido o espaço de comunicação dos cidadãos, pois tem desvalorizado os micros espaços de debates e discussões. Todavia, só haverá cidadania plena quando as pessoas puderem, consciente e livremente, participar das decisões que afetarão seus próprios destinos, o que exige a criação de canais de informação para a prática de deliberações políticas locais, pois a valorização destes espaços é um pressuposto para uma cidadania plena e global.
É preciso estender a cidadania para além do voto e entender a democracia como um projeto que sempre necessita ser revisitado. É isso o que garante a letigimidade do Estado. Do contrário, como esperar que uma pessoa que nem localmente possui gerência política e poder de decisão possa ser inserida de maneira democrática, igualitária e não excludente em um cenário internacionalizado?
O grande perigo de uma democracia representativa subserviente aos interesses econômicos é esta transmutar-se em uma terceirização de responsabilidade que esvazia o poder de decisão política do indivíduo, retirando-lhe a sua autonomia, a qual é um direito subjetivo originário[43].
Mas, infelizmente, o problema não para por aqui. Este esvaziamento coloca em crise muito além do modelo de Estado Social e Democrático de Direito. Ele coloca em xeque a própria concepção moderna de Estado pois, de um lado, o Estado Social não consegue arrecadação suficiente para efetivar os direitos fundamentais assegurados a todos ou e, de outro, no âmbito do Estado Democrático, sequer há preocupação com isso. No final, poucas são as pessoas com acesso efetivo a direitos básicos e as demais sobrevivem como cidadãos de segunda ou terceira categoria[44].
4.2. Uma saída possível: a educação política e a criação de espaços comunicativos de deliberação
Do quanto exposto até aqui, o que se percebe é que a democracia representativa comum apresenta dois problemas: legitimar materialmente a decisão da maioria, eis que na sociedade moderna ela nunca representa a vontade efetiva de todos; e garantir o interesse e a liberdade individual, sem que esta reste sufocada pelo manto abstrato de um ideal de bem comum.
Neste cenário, uma saída possível e faticamente viável é a criação de uma rede de canais de comunicação entre todos os grupos sociais os quais, mediante deliberação, cheguem, ao final, a um consenso. Este consenso seria levado aos canais públicos oficiais (Congresso, Tribunais e partidos políticos) onde ocorreria, então, uma nova deliberação na esfera pública.
Esta proposta parte de duas premissas. A primeira é considerar o indivíduo civilizado como um ser racional no seu sentido kantiano[45]. A segunda, consiste em se ter em mente que a dinâmica das sociedades modernas exige que, para ser possível a participação de todos, se partam de pequenos núcleos de deliberação local para, posteriormente, os debates se estenderem em escala geral permitindo, assim, que, ao final, seja produzida a lei como resultado direto da vontade desta sociedade.
Esta proposta foi intitulada por Habermas como democracia deliberativa[46]. Ela surge para além do modelo liberal de democracia (em que são prestigiados os interesses particulares e as liberdades individuais) e do modelo republicano de democracia (com destaque para a vontade geral e a soberania popular) porque estes dois sistemas apresentam falhas. Enquanto no ideal liberal não é preciso se justificar racionalmente a decisão, eis que basta que ela seja eficiente e satisfaça os interesses privilegiados dos grupos majoritários, sendo o voto a excelência de todo sistema; no modelo republicano, por serem principalmente eleitos valores éticos, a deliberação racional resta inviabilizada eis que subsistem, sem solução, as diferenças culturais.[47]
A política deliberativa surge, então, como institucionalização das condições de comunicação e dos procedimentos comunicativos capazes de, simultaneamente, formarem e legitimarem a opinião e a vontade política dos cidadãos, legitimando as regras do jogo democrático.[48]
Habermas delineia a democracia deliberativa a partir de um sistema de centro e periferias. Neste sistema, o centro é composto pelo Poder Administrativo (Executivo, Judiciário, Legislativo, Partidos políticos, etc.) e, em torno dele, estão as periferias, onde se espalham os diversos grupos sociais que compõem a sociedade (associações, clubes, sindicatos, igrejas, intelectuais, etc.)[49].
Assim, os grupos da periferia estariam ligados por uma malha comunicativa em que, após as deliberações locais, prevalecerá sempre o melhor argumento. Esta periferia, por sua vez, estaria ligada ao centro por canais de comunicação racionais institucionalizados, visando alimentar o legislador com o resultado destas deliberações de modo que ele expresse a efetiva vontade do povo na lei.
Esta proposta parece mesmo ser capaz de conferir a efetiva – e necessária – legitimidade ao Estado porque resgata a soberania do povo, retoma a esfera pública por meio da vontade do cidadão e impõe travas às estruturas de poder. Mas não é só. Ela também permite a circulação do poder político, oxigenando-o[50].
Desta forma, para que uma vontade ganhe forma de poder político, é necessário que ela percorra todos os filtros periféricos pela persuasão e consiga, pela racionalidade, chegar ao nível central de decisão. Uma vez no centro, é necessário que esta vontade seja capaz de convencer os membros autorizados do Estado, determinando mudanças nos seus comportamentos de modo a formar a vontade política[51].
Por outro lado, simplesmente implementar a democracia deliberativa parece não ser suficiente numa sociedade já bastante abatida pelo afastamento do cidadão ao exercício do poder político. Não se espera efetividade de qualquer novo sistema sem que exista, prévia e simultaneamente, uma mudança de mentalidade, a qual deve, necessariamente, partir do Estado, mas não só dele.
É preciso reavivar em cada indivíduo sua consciência política, de modo a reativar sua soberania de forma plena dentro do Estado do qual participa. O conceito de cidadania precisa ser revisitado e reajustado à realidade atual.
Em seu surgimento, cidadania confundia-se com nacionalidade e significava tão somente a participação em determinada cidade ligada ao nascimento em seu território. Com os avanços do processo civilizatório, este conceito evoluiu para açambarcar a participação política, sendo cidadãos aqueles detentores de direitos civis e políticos legalmente garantidos. É a cidadania que garante a capacidade de autodeterminação política do indivíduo.
Todavia, como a efetividade dos direitos assegurados por um país aos seus cidadãos ainda é restrita, o próximo passo nessa evolução do conceito de cidadania parece residir na emancipação[52] política. Esta emancipação é alcançada por meio da educação política como verdadeira luta contra qualquer tipo de abuso ou violência[53], inclusive, aquele que esvazie a capacidade do indivíduo refletir e decidir racionalmente sobre os rumos políticos da sociedade da qual pertence.
A educação política, enquanto emancipadora, apresenta-se, então, como meio capaz de devolver a consicência racional ao sujeito, eis que, ao provocar uma reflexão-crítica, garante a permanente autonomia do indivíduo. Todavia, esta educação não deve ser privilégio das Universidades. Ela deve ter início na primeira infância, onde também ocorre a chamada socialização primária do indivíduo[54].
É na educação básica onde os primeiros conceitos políticos precisam ser, aos poucos, transmitidos, dando a cada um a consciência de que são seres sociais e que desta sociedade precisam participar ativamente. Depois desta educação durante a primeira infância, é necessário um outro foco voltado ao processo de esclarecimento da população, um processo abrangente e geral que sirva como obstáculo contra a alienação[55].
Daí a importância de uma educação emancipadora. Há uma ligação indissolúvel entre emancipação e barbárie: promover a emancipação significa combater a barbárie, isto é, são duas faces da mesma moeda. Assim, a educação também deve servir como processo para o efetivo de esclarecimento.
Neste sentido, explica Adorno o seu conceito de educação como processo de emancipação e seu reflexo político:
“A seguir, e assumindo o risco, gostaria de apresentar minha concepção inicial de educação. Evidentemente não a assim chamada modelagem de pessoas, porque não temos o direito de modelar as pessoas a partir do seu exterior; mas também não a mera transmissão de conhecimentos, cuja característica de coisa morta já foi mais do que destacada, mas a produção de uma consciência verdadeira. Isto seria inclusive da maior importância política; sua idéia [de H. Becker – NV], se é permitido dizer assim, é uma exigência política. Isto é: uma democracia com o dever de não apenas funcionar; mas operar conforme seu conceito, demanda pessoas emancipadas. Uma democracia efetiva só pode ser imaginada enquanto uma sociedade de quem é emancipado.”[56]
Por isso, a emancipação, enquanto garantidora da autonomia[57], aqui entendida como a “exigência de que os homens tenham que se libertar de sua auto-inculpável menoridade”[58], está ligada à conscientização e racionalidade, que contém, no entanto, um momento de adaptação à realidade, momento este que a educação não deve evitar o reconhecimento, pois isto a tornaria impotente e ideológica.
Como o homem supera a sua menoridade através da experiência e reflexão, não basta a mera introjeção de valores. Enquanto a experiência remete ao empirismo, ao contato com o objeto, a reflexão remete ao processo formativo, por meio do acúmulo destas experiências.[59]
A emancipação, então, não se refere apenas ao indivíduo como entidade isolada, mas fundamentalmente como um ser social. Ela é pressuposto da democracia[60] e se funda na formação da vontade particular de cada um, tal como ocorre nas instituições representativas. Todavia, a delegação parlamentar da vontade popular torna esta democracia muitas vezes uma questão difícil nos modernos Estados de sociedade de massa. Por este motivo a necessidade da confluência da democracia deliberativa. É preciso que ambas caminhem juntas.
CONCLUSÃO
A ordem econômica vigente, somada ao modelo liberal de Estado que tem prevalecido, obrigam a maioria das pessoas a dependerem de circunstâncias sobre as quais, ao mesmo tempo, não têm controle algum e são impotentes para transformá-las. Por outro lado, o Estado providência, tão desejado em tempos passados, não encontra mais viabilidade por uma questão prática que, até o momento, tem sido insuperável: a falta de orçamento suficiente que permita suprir toda a demanda social e efetivar, por completo, todos os direitos dos jurisdicionados.
Paralelamente a isso, há um esvaziamento do poder de decisão política dos cidadãos, o qual fica subserviente aos interesses do capital e restrito aos períodos eleitorais. É como se o povo abrisse mão da sua autonomia, o que reflete imediata e negativamente no ideal democrático.
Este afastamento do indivíduo da vida política é o que tem tornado questionável a atual legitimidade do Estado. Ora, não parece ser possível existir um Estado Social e Democrático de Direito em que os direitos sociais são muito pouco efetivados e a participação política é quase inexistente. Ou há um novo modelo de Estado – e aqui remanesce a assombração de qualquer avanço totalitário – ou o modelo vigente não tem sido observado ao se investigar a realidade.
É justamente em razão desta realidade não cumprir com a promessa de assegurar a permanente autonomia que tem tornado as pessoas indiferentes à democracia.
Ocorre que a política é necessária para a vida humana em sociedade, pois possibilita ao indivíduo buscar seus objetivos em paz e tranquilidade e, dessa forma, garante um mínimo de felicidade[61]. O que se percebe, portanto, é que a atual forma de organização política é inadequada para a realidade social e econômica. O mero voto, por si só, não é suficiente.
Por outro lado, o futuro e a efetividade da democracia deliberativa dependem de dois aspectos: um téorico e um prático. Teoricamente, é preciso ter em mente que a democracia deliberativa é sensível a mudanças, eis que as deliberações serão sempre provisórias (isto é o que, inclusive, legitima a decisão da maioria). Na prática, é necessário criar efetivos espaços de deliberação, e estender as deliberações a instituições que ela nunca chegou (como, por exemplo, estabelecer debates internacionais para problemas de escala mundial como a pobreza, a fome, a Aids, o terrorismo, o desenvolvimento econômico e social e etc.).
Da mesma forma, a democracia sempre vai pressupor a aptidão de cada um em servir ao seu próprio entendimento, sob pena de um resultado decisivo irracional. Para garantir este esclarecimento do indivíduo, a emancipação deve ser diuturnamente promovida pela educação, enquanto oriunda de um processo dialético. Não sem outra razão afirma Adorno que “uma democracia não deve apenas funcionar, mas sobretudo trabalhar o seu conceito, e para isso exige pessoas emancipadas. Só é possível imaginar a verdadeira democracia como uma sociedade de emancipados.”[62]
A democracia precisa ser, finalmente, levada a sério. E isso parece ser viável mediante uma educação política emancipadora que permita a deliberação. É necessário que os canais de comunicação locais expressem efetivos consensos racionais, de modo que a soberania do povo possa ser (re)observada no Estado.
A chave da transformação decisiva reside na educação. É somente com a emancipação das pessoas das fronteiras e dos limites que os interesses econômicos globalizados lhes impõem que torna possível uma verdadeira democracia. Do contrário, a legitimidade do Estado sempre estará em xeque.
Mestrando do Núcleo de Pesquisa em Direito Processual Penal da PUC/SP. Pós-graduado em Compliance pela GVLaw/FGV. Advogado
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