Resumo: A autora problematiza como se deu a consolidação histórica e a expansão do conceito de meio ambiente, concluindo, a partir do intercâmbio entre os preceitos trabalhistas e ambientais, pela existência de um direito constitucional ao meio ambiente do trabalho equilibrado.
Palavras-chave: Direito do Trabalho. Direito Ambiental. Meio Ambiente do Trabalho. Constituição.
Sumário. Introdução. 1. A consolidação histórica do Direito Constitucional ao Meio Ambiente do Trabalho. 2. Da definição de Meio Ambiente do Trabalho. 3. Regime de Proteção ao Meio Ambiente do Trabalho. Conclusão. Referências Bibliográficas.
INTRODUÇÃO
A presente pesquisa usa da abordagem qualitativa a fim de descrever o processo de consolidação do direito constitucional ao meio ambiente do trabalho, discorrendo acerca dos elementos históricos e normativos que permitem reconhecer a existência de um intercâmbio de preceitos entre o Direito Ambiental e o Direito do Trabalho, na afirmação da existência de um direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado. A primeira seção dedica-se a um decurso histórico; a segunda explora a conceituação do meio ambiente do trabalho e a terceira seu regime jurídico de proteção, profundamente impactado pelo direito ambiental.
1. A CONSOLIDAÇÃO HISTÓRICA DO DIREITO CONSTITUCIONAL AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO.
O arcabouço normativo de proteção aos trabalhadores surge em meio à “crise do liberalismo, emergência do intervencionismo e desenvolvimento da consciência da classe trabalhadora em virtude das condições de vida e de trabalho” (ROCHA, 2002: 78).
Sumarizando a lição de Maurício Godinho Delgado, o desenvolvimento do Direito do Trabalho deu-se em quatro principais fases: a primeira de “manifestações incipientes ou esparsas”, seguida pela “sistematização e consolidação”, a terceira é a da “institucionalização do Direito do Trabalho” e, por fim, a de “crise e transição” (DELGADO, 2011:80-95).
A primeira conhecida como fase de manifestações incipientes ou esparsas se estendeu do início do século XIX, com o Peel's Act inglês, até 1848. Neste momento, a preocupação volta-se à redução da violência cometida pelos industriais contra crianças e mulheres, a produção normativa é pequena e dispersa.
A segunda fase, a da sistematização e consolidação, segundo o autor, inicia-se em 1848, ano marcado por importantes acontecimentos, como a edição do Manifesto Comunista, o movimento cartista na Inglaterra e a Revolução de 1848 na França. Neste contexto, pautas iminentemente trabalhistas ganham importância e os trabalhadores passam a ocupar posição de destaque entre os movimentos de massa. Assim, entre 1848 até 1919, há a sistematização e consolidação do Direito do Trabalho, que surge de uma interação recíproca e dinâmica entre “a ação vinda de baixo e a atuação oriunda de cima” e que “incorpora tanto a visão própria do Estado como assimila um amplo espaço de atuação para a pressão operária vinda de baixo” (Idem, ibidem). Neste momento, as associações de trabalhadores são descriminalizadas em vários países, sendo, em outros, até regulamentadas.
A terceira fase, marcada pela institucionalização do Direito do Trabalho, inicia-se após a Primeira Guerra Mundial e tem como marcos para seu começo a criação da Organização Internacional do Trabalho – OIT, bem como o surgimento das primeiras constituições sociais, a mexicana de 1917 e a de Weimar de 1919. Neste momento, o Direito do Trabalho passa a fazer parte da estrutura institucionalizada dos Estados. Há, assim, a constitucionalização dos direitos trabalhistas, cuja criação não mais se resume às fontes heterônomas. As fontes autônomas ganham cada vez mais importância e status normativo. O auge desta fase se dá com o fim da Segunda Guerra Mundial, com a plena hegemonia do Estado de Bem-Estar Social.
Após toda a efervescência normativa de institucionalização dos direitos trabalhistas, o final do século XX é marcado pela fase de crise e transição do Direito do Trabalho. O marco inicial deste processo de fragilização do Direito do Trabalho é a década de 1980, para os países ocidentais desenvolvidos, e a década de 1990, para os países ocidentais em desenvolvimento. Tratou-se de uma crise que não se resumia à seara trabalhista, mas em que se questionava toda a formulação do Estado prestacional e do modelo fordista de produção. A crise do modelo fordista está diretamente ligada à mudança no modelo de consumo, que começou a apresentar sinais de saturação, seja pela criação de um consumidor ávido por novidades e avesso aos produtos padronizados e massificados do fordismo, seja porque os bens duráveis, depois de serem despejados no mercado por três décadas, já não eram mais objeto de interesse. O fordismo não mais atendia a um mercado com desejo por personalização e individualidade (BUELGA: 2001, 247). Além disso, a dinâmica fordista mantinha-se pela compatibilidade entre produtividade e salário, a queda da produtividade afetou diretamente os salários, retirando a relação salarial da centralidade do sistema fordista. Como destaca Maurício Godinho Delgado, não são constitucionalizadas apenas as normas justrabalhistas, mas principalmente incorporam-se os princípios (DELGADO: 2011:248).
Outra mudança significativa para a crise do fordismo disse respeito à função protetiva do Estado, que deixa de entender que salário e rentabilidade eram condições para acumulação, para vê-los como um entrave para a reação dos sistemas às crises. A proteção social torna-se apenas uma das variáveis econômicas do sistema, sendo a este subordinada. Há uma transformação no papel do Estado, perdendo sua função de provedor para tornar-se apenas um observador das relações econômicas.
É preciso ter em mente, no entanto, que a globalização e as novas formas de produção não extinguiram a necessidade do Direito do Trabalho, ainda que tenham introduzido e valorizado formas flexíveis de prestação de serviço. Ao contrário, justamente por suas características flexibilizadoras e desregulamentadoras é que se faz necessária uma maior proteção ao trabalhador. Neste sentido, esclarecem Maurício Godinho e Gabriela Delgado: “Tudo isso que dizer que a globalização, no fundo, acentuou a necessidade de preservação do Direito do Trabalho nos diversos países, ampliando ainda mais a necessidade de se criarem condições para que suas regras protetivas avancem inexoravelmente para cantos longínquos do território mundial. Mais Direito do Trabalho – e não menos – é o que impõe a globalização, na verdade.” (DELGADO e DELGADO: 2012, p.86).
É neste cenário, de crise da proteção trabalhista, que avançam as preocupações com questões ambientais, bem como se dá a criação e consolidação do arcabouço eco-protecionista. Alguns autores perceberam, então, no Direito Ambiental, com toda sua construção principiológica e normativa, uma forma de promover proteção trabalhista (ROCHA: 2002, p.19). Isto porque o desenvolvimento da compreensão do meio ambiente levou à percepção de que ele não se restringe aos meios físicos e naturais, mas é composto por importantes elementos humanos, como a dimensão cultural, artificial e laboral do Meio Ambiente. Vislumbrou-se, assim, a possibilidade de aplicação do arcabouço normativo ambiental aos Direito do Trabalho, como forma de reforçar e garantir os direitos trabalhistas, bem como de alcançar uma das principais finalidades do Direito Ambiental, que é a garantia da dignidade da vida humana.
Apesar da temática do direito ambiental ter surgido em um cenário de flexibilização dos direitos trabalhistas, percebeu-se, mais recentemente, que ambos ramos do direito têm uma origem comum: a necessidade de proteção humana contra os efeitos nocivos da atividade produtiva. Desta forma, trabalhadores e ambientalistas cada vez mais se convencem de que têm agendas em comum, buscando a proteção da dignidade da pessoa humana a partir da defesa do meio ambiente, incluído o meio ambiente do trabalho. (Idem, Ibidem).
A Constituição Federal de 1988 deixou expressa a existência de um meio ambiente do trabalho. É preciso que sejam compreendidas, então, as consequências da constitucionalização do direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado. Cabe registrar de início a reflexão de Adelson Silva dos Santos de que, ao se adotar a expressão “meio ambiente do trabalho”, o legislador constituinte fez uma opção política de criar um bem jurídico a ser tutelado (SANTOS, 2010, 36). Não há dúvida, portanto, que, ao consagrar como uma de suas diretrizes a conservação e a promoção de um meio ambiente equilibrado, a Constituição Federal de 1988 adota um conceito de meio ambiente que vai além dos elementos físicos e naturais, preocupa-se com todo e qualquer meio ambiente humano, incluído o do trabalho.
A Constituição de 1988, em seu artigo 200, inciso VIII, revela mais do que se pode imaginar. Ao introduzir definitivamente o conceito de meio ambiente do trabalho, o faz dentro do título destinado à ordem social, na seção referente à saúde. Ao relacionar o meio ambiente do trabalho e a saúde, a Constituição reconhece que as condições às quais são impostos os trabalhadores refletem diretamente em sua saúde. Faz-se necessário entender, portanto, o conteúdo do conceito de meio ambiente do trabalho, expresso na Constituição de 1988, e quais são as suas implicações na relação de emprego.
2. DA DEFINIÇÃO DE MEIO AMBIENTE DO TRABALHO
Ao buscar uma definição para o meio ambiente do trabalho são vários os conceitos que surgem, sendo importante analisar alguns deles.
Para José Afonso da Silva, o meio ambiente do trabalho é o “local em que se desenrola boa parte da vida do trabalhador, cuja qualidade de vida está, por isso, em íntima dependência da qualidade daquele ambiente” (SILVA, 2010: 21). Para Júlio Rocha, é preciso desligar o conceito de meio ambiente do trabalho da ideia de local fixo, de espaço físico de uma fábrica ou empresa, por isso propõe que “o meio ambiente do trabalho representa todos os elementos, inter-relações e condições que influenciam o trabalhador em sua saúde física e mental, comportamento e valores reunidos no locus do trabalho” (ROCHA, 2002: 127). O locus passa a ser entendido em um sentido dinâmico e não meramente estático, como um verdadeiro “pano de fundo das complexas relações biológicas, psicológicas e sociais a que o trabalhador está submetido”. Seria, assim, o meio ambiente do trabalho a soma das influências que afetam diretamente o ser humano trabalhador (Idem, ibidem). Guilherme Feliciano, por outro lado, propõe uma conceituação que leva em consideração o disposto na Política Nacional do Meio Ambiente, para tanto afirma que o meio ambiente do trabalho, “em definição mais empírica, diz-se ainda que é o conjunto de fatores físicos, climáticos ou qualquer outro que interligados, ou não, estão presentes e envolvem o local de trabalho da pessoa” (FELICIANO, 2006:119). Este conceito se amoldaria ao expresso na Lei nº 6.938/81, que institui a Política Nacional do Meio Ambiente, e que em seu artigo 3º, inciso I, define:
“Art 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por: I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas.”
Para Norma Sueli Padilha, o meio ambiente do trabalho compreenderia, assim, a “inter-relação da força do trabalho humano (energia) e sua atividade no plano econômico através da produção (matéria), afetando o seu meio (ecossistema)” (PADILHA, 2002: 45). Procurando unir os conceitos apresentados, pode-se dizer que meio ambiente do trabalho é a soma de todas as influências físicas, climáticas, biológicas, psicológicas e sociais que envolvem os trabalhadores no desempenho de sua atividade – que consiste na entrega de sua força de trabalho para a produção de um bem ou execução de um serviço.
Essas influências atingem diretamente a saúde e a vida desses trabalhadores, em especial, porque a exposição a esses fatores ocupa grande parte do tempo dos trabalhadores. Como relembra Julio Rocha, a saúde de um trabalhador depende de várias condicionantes. Segundo ele, o ponto inicial para investigar a qualidade da saúde dos trabalhadores deve partir do ambiente em que se firmam suas relações de trabalho. A saúde destaca-se como o resultado dos diversos elementos do ambiente (ROCHA, 2002: 128).
Uma característica do meio ambiente do trabalho é a diversidade de formas de ambiente, isto porque são muito variadas as atividades desenvolvidas por cada trabalhador dos mais diversos ramos econômicos. Exemplificando esta afirmação, Julio Rocha cita uma forma de trabalho da era digital, como o teletrabalho, e formas antigas como os trabalhadores responsáveis pela limpeza de esgoto. São trabalhos muito diferentes, cujas influências psicológicas, físicas, climáticas e sociais são diferentes (Idem, ibidem). Há, no entanto, uma característica comum entre as mais diversas formas de atividades, o meio ambiente de trabalho é diretamente responsável pelas condições de saúde e bem-estar do trabalhador. Por isso, é mais fácil identificar questões que toquem o meio ambiente de trabalho quando se discute trabalho perverso (periculosidade, insalubridade e penosidade), em caso de acidente de trabalho ou moléstias profissionais, risco inerente ao trabalho, tutela da saúde do trabalhador e segurança no trabalho.
O que identifica determinado local como um “meio ambiente do trabalho” é a presença humana realizando determinada atividade laboral. Como adverte Julio Rocha, não basta que haja um conjunto de máquinas, de salas, mesas, cadeiras, computares, é necessário o trabalho humano para converter um espaço físico em meio ambiente do trabalho (Idem, ibidem). Guilherme Feliciano observa, por fim, que o tipo de interesse afetado na tutela do direito ao meio ambiente do trabalho equilibrado vai depender do contexto de conflito em que é colocada a pretensão – se individual, individual homogêneo, coletivo ou difuso. Conclui Guilherme Feliciano que, ao menos conceitualmente, o direito ao meio ambiente do trabalho ecologicamente equilibrado trata-se de um direito difuso, mas há nele uma dimensão individual ou coletiva (FELICIANO, 2006: 120).
Trata-se da dupla dimensão do direito fundamental a que aduz Norma Sueli Padilha, em que há uma dimensão tradicional subjetiva, ligada ao indivíduo, e uma dimensão objetiva, em que se expressam valores almejados por toda a sociedade. (PADILHA, 2002: 54).
São elementos essenciais do meio ambiente do trabalho, portanto, a realização humana de atividade laboral, que se submete aos mais diversos tipos de influências, todas capazes de, em algum aspecto, afetar a vida e a saúde dos trabalhadores, individual ou coletivamente.
3. REGIME DE PROTEÇÃO AO MEIO AMBIENTE DO TRABALHO.
Como já dito, a Constituição Federal de 1988 foi altamente inovadora em seu tratamento sobre o meio ambiente, não apenas por dedicar-lhe todo o Capítulo VI do Título VIII, demonstrando a importância do tema para a ordem jurídica nascente, como pela abrangência com que construiu sua definição. Autores como Celso Antonio Pacheco Fiorillo costumam analisar a tutela constitucional ao meio ambiente como havendo previsões mediatas e imediatas de proteção (FIORILLO apud PADILHA, 2002, 106)105.
Com relação ao meio ambiente do trabalho, sua tutela imediata está no artigo 200, VIII, da Constituição, que, ao prever a competência do Sistema Único de Saúde, introduz de forma expressa que deve ser protegido o meio ambiente, nele incluído o do trabalho. De forma mediata, a tutela ao meio ambiente do trabalho é feita, dentre outros, pelos artigos 225 da Constituição, que apregoa o direito ao meio ambiente equilibrado.
Inclui-se nesse artigo o meio ambiente do trabalho, uma vez que o meio ambiente é um todo, é uno. Neste sentido, afirma Paulo Lemgruber que “sendo o conceito de meio-ambiente assumido pelo ordenamento jurídico onipresente e estando ele vinculado umbilicalmente à ideia de dignidade humana, não há como afastar de seu âmbito de incidência os locais de trabalho, onde os indivíduos desempenham suas atividades produtivas em constante convívio com elementos naturais e artificiais, ao longo de grandes períodos de tempo.” (EBERT, 2012, s/n).
As divisões têm um papel prático, com intuito de demonstrar a complexidade deste conceito e possibilitar uma tutela diferenciada a cada um de seus aspectos. De forma alguma se pretende ao dividir o meio ambiente afirmar que existem aspectos que merecem maior apreço ou proteção que outros. Pode-se falar em proteção específica, mas nunca em mais ou menos proteção.
Neste sentido, afirma Paulo Lemgruber que caso se afirmasse que o art. 225 da Constituição protegesse apenas o meio ambiente natural, estar-se-ia criando uma situação de desigualdade entre o cidadão em geral o cidadão trabalhador, este revestido de menor grau de proteção ambiental. Segundo o autor, criar-se-ia: “(…) uma situação em que a condição de ‘trabalhador’ ou de ‘empregado’ configuraria um minus em relação aos demais aspectos da cidadania (…) Ou seja, sem a extensão aos locais de trabalho das diretrizes principiológicas concernentes ao meio-ambiente, o indivíduo, enquanto obreiro, teria um valor social menor do que aquele conferido à generalidade dos cidadãos em outros aspectos da sua vida pública ou privada.” (Idem, ibidem).
Uma importante observação com relação à tutela imediata do meio ambiente do trabalho pela Constituição é o fato dela aparecer dentro uma previsão normativa que diz respeito à saúde, o que demonstra que uma das interfaces do meio ambiente do trabalho é a saúde pública.
Desta forma, assume a Constituição que o meio ambiente do trabalho é formado por diversos fatores inter-relacionados, que influenciam a saúde física e mental do trabalhador, afetando sua qualidade de vida. Além disso, reconhece a Constituição que existe um conteúdo ético no trabalho, não sendo relevante apenas o aspecto econômico, expresso em relações monetárias ou contratuais, há a valorização do trabalho humano. O trabalho passa a atuar como base da ordem social (art. 193), como um direito social (art. 6º) e como apoio sobre o qual se deve ser construída a ordem econômica (art. 170) e que exige um meio ambiente sadio e equilibrado (art. 225).
A valorização do trabalho humano, expressa, dentre outras maneiras, pela adoção do conceito de meio ambiente do trabalho, leva Paulo Lemgruber a concluir que:
“pode-se afirmar de maneira inequívoca que a tutela constitucional do meioambiente do trabalho aponta para a necessidade de que os particulares, no exercício de sua livre iniciativa, estejam vinculados ao dever de enviar esforços contínuos no sentido de reduzir os riscos laborais e o Poder Público, nas esferas legislativa, executiva e judiciária, exerçam efetivo controle preventivo e repressivo em torno dos processos produtivos que possam oferecer riscos à vida e à integridade física dos obreiros”.
A presença do meio ambiente do trabalho também pode ser vista nas constituições estaduais, como a do Estado de São Paulo que, em seu artigo 191, afirma:
“Art. 191 O Estado e os municípios providenciarão, com a participação da coletividade, a preservação, conservação, defesa, recuperação e melhoria do meio ambiente natural, artificial e do trabalho, atendidas as peculiaridades regionais e locais em harmonia com o desenvolvimento social e econômico.”
Estados como Amazonas, Pará e Bahia também trazem expressamente a previsão ao meio ambiente do trabalho. Os Estados de São Paulo e Roraima, em suas respectivas constituições, vão além e afirmam ser direito do trabalhador a recusa ao trabalho em ambiente com a presença de grave ou iminente risco (PADILHA, 2002: 111).
Quanto à legislação infraconstitucional, é preciso fazer a ressalva de que, no período anterior à promulgação da Constituição Federal de 1988, não havia grande produção legislativa sobre a matéria ambiental, e as poucas que existiam não tratavam do meio ambiente de forma geral, completa, holística, mas de apenas alguns aspectos, como a água, o ar, as floresta. A Lei 6.938/81, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, representa a primeira norma que tratou do meio ambiente em sua integralidade. No entanto, a Lei da Política Nacional do Meio Ambiente não trazia expressamente uma previsão sobre o meio ambiente do trabalho.
Com a promulgação da Constituição de 1988, que introduziu este conceito, fez-se necessário entender que, ao ser recepcionada, a Lei 6.938/81 passou a proteger também o meio ambiente do trabalho, não se resumindo à tutela do meio ambiente natural. Isto porque o conceito de meio ambiente adotado pelo ordenamento jurídico brasileiro passou a ser mais abrangente, incorporando o meio ambiente artificial, cultural e do trabalho. Qualquer interpretação distinta e, especialmente, mais restritiva seria visivelmente inconstitucional
Com a extensão do conceito abrangente de meio ambiente, os conceitos, princípios e postulados da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente devem ser aplicados a todos os outros meio ambientes, incluído, o do trabalho. Diante disso, devem ser transpostos ao meio ambiente do trabalho conceitos como de meio ambiente, degradação, poluição e poluidor, que segundo a Lei 6.938/81 são:
“Art 3º – Para os fins previstos nesta Lei, entende-se por:
I – meio ambiente, o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas;
II – degradação da qualidade ambiental, a alteração adversa das características do meio ambiente;
III – poluição, a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente:
a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar da população; (…)
IV – poluidor, a pessoa física ou jurídica, de direito público ou privado, responsável, direta ou indiretamente, por atividade causadora de degradação ambiental;”
Diante desses conceitos, Norma Sueli Padilha conclui que “a degradação do meio ambiente do trabalho, resultante de atividades que prejudiquem a saúde, a segurança e o bem-estar dos trabalhadores, sem dúvida alguma, caracteriza-se como poluição ao meio ambiente do trabalho” (PADILHA, 2002:66).
Tais conceitos são de grande importância uma vez que permitem caracterizar como poluição ao meio ambiente de trabalho todas as práticas que impliquem em prejuízo para a qualidade de vida dos trabalhadores, sendo responsabilidade do poluidor reparar o dano causado.
Quando se menciona a qualidade de vida ou mesmo a saúde dos trabalhadores, é preciso que seja entendida a saúde conforme estabelece a Organização Mundial de Saúde – OMS, que afirma que “saúde é um estado completo de bem-estar físico, mental e social, e não somente a ausência de doenças” (BRASIL, 1986: 13).
Na legislação trabalhista, reunida na Consolidação das Leis Trabalhista, CLT, há previsão protetiva ao meio ambiente do trabalho, no Título II, Capítulo V, que dispões sobre a segurança e medicina no trabalho. Ganha destaque o art. 200 da CLT, que estabelece a competência do Ministério do Trabalho e Emprego para editar normas complementares sobre a matéria, pois o MTE, no exercício desta competência, editou a Portaria nº 3.214/78 e que prevê que cabe aos profissionais integrantes dos Serviços Especializados em Engenharia de Segurança e Medicina do Trabalho aplicar seus conhecimentos ao meio ambiente do trabalho e todos os seus componentes.
Não resta dúvida, portanto, que houve integração do conceito do meio ambiente do trabalho ao ordenamento jurídico brasileiro.
O meio ambiente do trabalho encontra resguardo, desde 1976, também pela Organização Internacional do Trabalho – OIT. Esse dado é bastante relevante se considerarmos que a primeira grande manifestação de preocupação e de busca de melhoria e proteção ao meio ambiente se deu em 1972 com a Conferência de Estocolmo. O fato de a OIT ter procurado tratar da matéria, passados apenas quatro anos, demonstra a importância da questão para a seara trabalhista.
Em 1976, houve o lançamento pela OIT do Programa Internacional para a Melhoria das Condições e Meio Ambiente do Trabalho – PIACT, em que se destacavam a preocupação com a segurança e medicina no trabalho; a proteção contra efeitos físicos, químicos e biológicos desfavoráveis no local de trabalho e no ambiente imediato; prevenção da tensão mental resultante da duração excessiva, do ritmo, do conteúdo ou da monotonia do trabalho; promoção de melhores condições de trabalho, visando à distribuição adequada de tempo e do bem-estar dos trabalhadores e adaptação das instalações e locais de trabalho à capacidade mental e física dos trabalhadores.
Segundo Guilherme Purvin de Figueiredo, enxergar as condições de trabalho como um problema ambiental dá uma dimensão global ao problema (FIGUEIREDO, 2007: 78).
A Convenção de nº 148 da OIT trata das poluições ao meio ambiente do trabalho por contaminação do ar, de ruído e vibrações no local de trabalho. A OIT reconhece ainda que esse tipo de contaminação ao meio ambiente do trabalho é capaz de por em risco a saúde de toda a população.
A Convenção de nº 155 é uma materialização dos estudos feitos pelo PIACT e dispõe que a formulação, execução e reexame periódico da política nacional de higiene e segurança dos trabalhadores e meio ambiente do trabalho deverão ser efetuados mediante consulta às organizações mais representativas dos empregadores e trabalhadores, levando-se em conta, para tanto, as condições e práticas nacionais. A recomendação nº 164 de 1981 enfatizou “a necessidade de se estabelecer uma política, a nível nacional, relativa à segurança e saúde dos trabalhadores.
A Convenção nº 161 da OIT, de 1985, ratificada pelo Brasil, determina que se deve adotar medidas preventivas para obter e conservar o meio ambiente do trabalho seguro e são e adaptar o trabalho à capacidade física e mental do trabalhador.
Existem ainda várias outras convenções que tratam sobre medicina e segurança no trabalho, casos de acidentes e doenças ocupacionais, ergonomia, entre outros aspectos do meio ambiente do trabalho. Há, portanto, vasta produção da OIT que visa regular e proteger o meio ambiente do trabalho. São, no entanto, variadas as formas como essas orientações e convenções são ratificadas e passam a integrar os ordenamentos nacionais.
Avaliando as diferentes formas de proteção ao meio ambiente do trabalho em diversos países, Julio Cesar de Sá Rocha dividiu em três os modelos de proteção a depender das medidas adotadas por cada país, identificando assim um paradigma tradicional de tutela, um paradigma de transição e um preventivo emergente (ROCHA, 2002: 149).
Para fazer essa classificação, o autor analisou a legislação pertinente de acordo com os seguintes critérios: “medida protetiva individual vs. Medida protetiva coletiva; neutralização de agentes agressivos vs. Substituição e proibição de agentes agressivos; compensação (reparação) vs. Prevenção; adaptação do trabalhador ao trabalho vs. Adaptação do trabalho ao trabalhador; modelo higiene e segurança vs. Modelo integral do meio ambiente do trabalho e saúde coletiva; sistemas centralizados de gestão vs. Co-gestão e co-participação dos trabalhadores”.
O primeiro paradigma é formado pelos países cujos sistemas legais preveem a tomada de determinada medida de segurança diante de um risco de atividades perigosas ou insalubres, criando-se um sistema de proteção contra acidentes e doenças, em que prevalece a proteção individual e a compensação pelo trabalho em ambiente insalubre ou perigoso. Até existem medidas voltadas à segurança e higiene no trabalho, mas adotam um condão individual. Dentro da preocupação com a proteção individual, são feitas as fiscalizações e inspeções nos locais de trabalho.
Neste paradigma, é o homem trabalhador que se adapta aos riscos e perigos das atividades, estabelecendo um sistema de compensação ex ante e ex post. No primeiro, há remuneração extra dos trabalhadores em atividade em risco. No segundo, compensa-se uma vez ocorrido o dano.
São exemplos de Estados sob este paradigma normativo: Arábia Saudita, Argentina, Austrália, China, Estados Unidos, Israel, México e Portugal.
No paradigma de transição, há um processo de superação gradual das práticas clássicas de proteção, mas que ainda não adota uma tutela essencialmente preventiva, combinando elementos dos outros dois paradigmas.
Trata-se, muitas vezes, não de adoção de uma medida completamente inovadora, mas da mudança do referencial de tutela, passando a inserir aspectos físicos, psicológicos e sociais das relações de trabalho. Surge a preocupação com as medidas preventivas, com a monitoramento da saúde dos trabalhadores, com a redução dos riscos e criação de programas que visem à redução dos acidentes. São, portanto, países que passaram a adotar medidas para o caminho do paradigma emergente, mas que ainda não alcançaram o seu patamar de medidas legais.
Dentre os países que integram o paradigma de transição estão: África do Sul, Alemanha, Brasil, Espanha, França, Holanda, Inglaterra, Itália e Japão.
O paradigma preventivo emergente adota um novo marco de percepção das relações de trabalho: o meio ambiente do trabalho. Ambiente este em que se destacam como importantes todos os fatores físicos, psicológicos e sociais que de alguma forma interferem no bem-estar do trabalhador. A atuação na garantia de plena saúde dos trabalhadores se dá prioritariamente pela prevenção, que extrapola os limites do local de trabalho.
Os riscos provocados por agentes físicos, químicos e biológicos, a organização do trabalho e a vida dentro e fora do trabalho são elementos de destaque na análise do meio ambiente do trabalho. Os equipamentos de proteção individual são usados apenas em situações excepcionais, em que as alternativas de proteção coletiva não atingem a total segurança.
Neste paradigma, objetiva-se a eliminação do risco e da insalubridade, buscando-se garantir um meio ambiente do trabalho equilibrado, em detrimento da compensação dos riscos. São exemplos de países que alcançaram o paradigma preventivo emergente: Finlândia, Noruega, Suécia, Dinamarca e Islândia.
Analisando o caso da Suécia é possível perceber na sua legislação a existência da Lei do Meio Ambiente do Trabalho, em que se possibilita a participação dos trabalhadores na definição dos procedimentos de segurança da empresa; há a compreensão de que todas as áreas da vida dos trabalhadores devem ser protegidas, até mesmo nos setores público ou privado; busca-se uma maior cooperação entre empregados e empregadores para estabelecer as condições de trabalho, adaptando-as às condições de cada trabalhador. Os empregados têm ainda o dever de colaborar para que o meio ambiente do trabalho seja sadio, observando regulações de segurança e práticas de trabalho seguras, dentre outras medidas adotadas.
O Brasil, segundo Julio Cesar Rocha, insere-se no paradigma em transição, pois as medidas de proteção adotadas pela CLT têm basicamente os contornos tradicionais, ainda que traga dispositivos em que se afirme tratar de medidas preventivas, na verdade, tais dispositivos apresentam maior caráter reparador. O maior avanço do ordenamento jurídico brasileiro se deu com a Constituição de 1988, que introduz uma gradativa ruptura com o modelo tradicional.
Por outro lado, mesmo com as inovações trazidas pelo Texto Constitucional, foram mantidos elementos tradicionais, como os adicionais de periculosidade, insalubridade e penosidade. Somem-se a isso os denominados limites de tolerância, existentes na legislação infraconstitucional, que representam um contrassenso ao espírito preventivo, uma vez que admitem o contato de trabalhadores com substâncias danosas à saúde de forma permanente.
Diante desse quadro, é de se entender que o Brasil encontra-se em uma situação privilegiada, uma vez que estabelece medidas protetivas, reconhece a existência do meio ambiente do trabalho e a necessidade preservá-lo, mas ainda caminha para tornar a prevenção a maior bandeira e o direito fundamental ao meio ambiente do trabalho equilibrado, uma realidade.
CONCLUSÃO
Ante o exposto, percebe-se efetivamente consolidado no arcabouço brasileiro o conceito abrangente de meio ambiente, pelo que os conceitos, princípios e postulados da Lei de Política Nacional do Meio Ambiente devem ser aplicados a todos os outros meio ambientes, incluído, o do trabalho. Diante disso, devem ser transpostos ao meio ambiente do trabalho conceitos como de meio ambiente, degradação, poluição e poluidor, conferindo, assim, adequada proteção aos direitos humanos dos envolvidos no mundo do trabalho.
Advogada. Formada em Direito pela Universidade de Brasília. Especialista em Direito do Trabalho pelo Instituto Brasiliense de Direito Público
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