The procedural law of labor and its particularities: lack of summary rite, impropriety of the expression “very summarized procedure” and predominance of the ordinary rite
Luiz Caetano de Salles – Professor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Uberlândia (MG)
Resumo: Este artigo é, por um lado, uma crítica ao uso das expressões “procedimento sumário” e “procedimento sumaríssimo” em ações individuais no direito processual do trabalho e, por outro lado, a defesa da tese de existência de um único procedimento para aplicação do direito aos casos concretos de conflito de interesses individuais entre empregados e empregadores na Justiça do Trabalho, onde prevalece o rito processual ordinário, o qual tem se mantido incólume ante as inovações legislativas havidas após a edição da Consolidação das Leis do Trabalho. Para desenvolver este artigo foram realizadas pesquisas bibliográfica e documental utilizando-se o método dedutivo.
Palavras-chave: Direito Processual do Trabalho. Procedimento sumário trabalhista. Procedimento sumaríssimo trabalhista. Procedimento ordinário trabalhista. Justiça do Trabalho.
Abstract: This article is, on the one hand, a criticism of the use of the expressions “summary procedure” and “very summary procedure” in individual actions in labor procedural law and, on the other hand, of defending the thesis of the existence of a single procedure for applying the right to specific cases of conflict of individual interests between employees and employers in the Labor Court, where the ordinary procedural rite prevails , which has remained unscathed in the face of legislative innovations after the consolidation of labor laws. To develop this article, bibliographic and documentary research was carried out using the deductive method.
Keywords: Labor Procedural Law. Summary labor procedure. Very strict labor procedure. Ordinary labor procedure. Labor Justice.
Sumário: Introdução. 1. Surgimento da justiça do trabalho no Brasil. 2. Processo e procedimento. 3. Inexistência de procedimento ordinário no processo do trabalho. 4. Impropriedade da expressão ‘procedimento sumaríssimo’ no processo do trabalho. 5. Predomínio do rito ordinário no processo do trabalho. Conclusões. Referências.
Introdução
O direito processual do trabalho tem oferecido significativas contribuições para o aprimoramento da prestação dos serviços de tutela jurisdicional estatal, não apenas no campo do conflito capital-trabalho, mas também nos conflitos cíveis, principalmente nas causas de menor potencial econômico.
Desenvolvido antes do surgimento da Consolidação das Leis do Trabalho, a popular CLT (BRASIL, 1943), o procedimento estatal para resolver conflitos de interesses entre os atores principais da relação de trabalho precisava ser simples, de baixo custo e com o mínimo de formalidades para assim viabilizar o máximo de celeridade, pois versando o busílis da questão nesses embates sobre causas de natureza alimentar, era necessária sua rápida solução, sob pena de desacreditar essa via de composição de lides e, assim, estimular o exercício arbitrário das próprias razões nos conflitos entre empregados e empregadores, o que teria desaguado em um caos social.
O procedimento previsto na CLT para o exercício da atividade jurisdicional trabalhista em ações individuais mostrou-se adequado e suficiente para essa finalidade e por esta razão tem permanecido incólume às várias alterações legislativas ocorridas depois do seu surgimento, há quase 8 décadas, embora muitos profissionais do direito do trabalho tenham se inclinado na direção de espelhar o procedimento ordinário trabalhista nas regras do Código de Processo Civil (CPC), descurando-se, assim, de fortalecer a autossuficiência das regras processuais próprias existentes na CLT em suas aplicações na função de dizer o direito na solução de dissídios decorrentes da relação de trabalho.
O Direito Processual do Trabalho exige a sua autossuficiência, devendo o profissional do direito abster-se de alimentar o impulso de buscar aplicação do CPC para toda e qualquer questão presente em uma causa trabalhista, pois isso embaça a autonomia do processo do trabalho. Tomando a lição dos mais experientes, “a subsidiariedade das normas do processo civil no processo do trabalho emperra o procedimento, cerceia o desenvolvimento do Direito Processual do Trabalho e acarreta flagrantes injustiças.” (GIGLIO & CORRÊA. 2007, p. 92).
Este artigo tem a pretensão de demonstrar a existência na legislação trabalhista de um único procedimento jurisdicional para o processamento e julgamento de dissídios individuais, a inconsistência da afirmação de existência no processo do trabalho de um rito denominado “sumário” e o erro técnico em que incorreu o legislador ao cunhar a expressão “procedimento sumaríssimo” para causas com valor de até quarenta salários mínimos, como passou a constar da CLT no ano 2000.
Essas particularidades do processo do trabalho tornam-se mais explícitas quando se dedica um pouco de atenção à história do surgimento da justiça do trabalho no Brasil, ainda que de maneira sintética, o que será feito no próximo item.
É importante destacar que o órgão estatal brasileiro com atribuições para dirimir questões entre empregados e empregadores foi criado no ano de 1934 pela Constituição Federal, mas sem as prerrogativas de uma instituição jurisdicional, uma vez que ficou vinculado ao poder executivo federal, como se constata da leitura do disposto no art. 122 daquela Charta Polytica que excluiu a Justiça do Trabalho do rol dos órgãos jurisdicionais:
“Art 122 – Para dirimir questões entre empregadores e empregados, regidas pela legislação social, fica instituída a Justiça do Trabalho, à qual não se aplica o disposto no Capítulo IV do Título I. (in: Constituição de 1934).”
Embora a justiça do trabalho tenha sido criada no ano de 1934, houve um lapso de tempo de sete anos até que ela fosse efetivamente instalada, mantida a sua característica de órgão administrativo:
“Em 1° de maio de 1941, foi oficialmente instalada a Justiça do Trabalho no Brasil. Desde a Constituição de 1934 a JT estava instituída, bem como já havia sido organizada por meio do Decreto nº 1.237/1939; todavia, foi apenas em 1941 que Vargas decidiu instalá-la oficialmente, em meio às comemorações do Dia do Trabalhador, em 1° de maio, no Estádio Vasco da Gama/RJ. (in: http://www.tst.jus.br/historia-da-justica-do-trabalho).”
Finalmente, no ano de 1946 a Justiça do Trabalho passou a integrar o Poder Judiciário, por força do disposto no art. 94, inciso V, da Constituição Federal daquele ano, o que foi mantido nas constituições posteriores até os dias atuais.
A origem administrativa da justiça do trabalho influenciou a definição do vocabulário técnico que viria a ser utilizado no exercício da sua função jurisdicional, mantendo as expressões então consagradas, tais como “reclamação”, “reclamante”, “reclamado” e “notificação”, as quais correspondem no vocabulário clássico do direito processual civil a “ação”, “autor”, “réu” e “citação”, respectivamente.
A utilização de um vocabulário específico para o exercício da atividade jurisdicional na composição de conflitos de interesses no campo da relação capital-trabalho visou fortalecer o então incipiente direito processual do trabalho, mas houve críticas contundentes a essa opção, como se reproduz abaixo:
“São sobremodo desagradáveis as dessemelhanças terminológicas entre o processo do trabalho e o processo comum. Bem sabemos que esse fato teve como causa a criação dos órgãos da Justiça do Trabalho, na década de 40, como um simples braço do Poder Executivo. Os autores da CLT, então, não se animaram a utilizar o vocabulário do antigo CPC de 1939. Contudo, transcorrido meio século de vigência da CLT, é tempo mais que suficiente para promover-se a unificação da terminologia no direito processual. (SAAD, 1998, p. 391).”
O Direito Processual do Trabalho veio ao mundo jurídico por força de uma norma que contém em um único texto, regras de direito material do trabalho e regras de direito processual do trabalho – a Consolidação das Leis do Trabalho, popularmente conhecida pela sigla CLT.
Essa originalidade da CLT – de tratar de normas materiais e processuais em um único texto legal – permanece até os dias atuais e contribui para desfazer o formalismo desnecessário de que esses assuntos têm que ser tratados em leis diferentes.
Desgarrada do processo comum, pode a CLT criar para o processo do trabalho um procedimento específico e simplificado para ser utilizado quando da aplicação do direito aos casos concretos que lhes fossem apresentados para processo e julgamento de ações individuais.
Uma vez que o foco desse artigo está centrado no direito processual do trabalho, é conveniente para avançar em sua abordagem fazer uma revisão conceitual a respeito de processo e procedimento, o que se fará no item seguinte.
Entre os pilares de sustentação da teoria geral do processo – jurisdição, ação e processo – torna-se necessário para os objetivos deste artigo dedicar uma atenção ao processo, eis que em torno dele agregam-se conhecimentos básicos fundamentadores da tese aqui desenvolvida.
A palavra processo em seu sentido comum significa uma sequência de ações visando um fim específico, como por exemplo o processo de industrialização de um alimento, no qual são praticadas diversas ações desde o início do processamento até a obtenção final do produto embalado e pronto para ser comercializado.
Embora existam fases ou etapas no processo, o sentido desse vocábulo induz ao entendimento de um todo uniforme, globalizado, com início, meio e fim.
Etimologicamente, a palavra processo vem do latim pro cedere, significando ir para frente, avançar:
“Processo é uma palavra com origem no latim procedere, que significa método, sistema, maneira de agir ou conjunto de medidas tomadas para atingir algum objetivo. Relativamente à sua etimologia, processo é uma palavra relacionada com percurso, e significa “avançar” ou “caminhar para a frente”. (in: https://www.significados.com.br/processo/).”
A palavra processo tem na acepção jurídica o mesmo sentido que tem no entendimento comum, pois o processo judicial é, também, um conjunto sequenciado de atos praticados visando um objetivo final a ser alcançado pelos sujeitos que dele participam.
Assim dizendo, processo judicial é o conjunto de atos sequenciados de que se vale o Estado para exercer a sua função jurisdicional visando aplicar o direito a um caso concreto que lhe é apresentado por alguém em desfavor de outrem, que são as partes litigantes no processo – autor e réu.
O jurista italiano Búlgaro (Século XII) inspirou-se no teatro para afirmar que o processo judicial é um ato encenado por três personagens principais: autor, juiz e réu. Essa afirmativa eternizou a sua célebre frase “judicium est actus trium personarum: actoris, judicis et rei”. (SALLES, 2020).
Muitos litros de tinta já correram no desenvolvimento de estudos e teorias sobre o processo, mas para embasar o presente artigo é recomendável limitar essa abordagem à diferenciação entre processo e procedimento.
Embora intrincados entre si, processo e procedimento têm conceitos diferentes, “sendo condenável seu emprego como se fossem vocábulos sinônimos” (SAAD, 1998, p. 63).
É primordial que o profissional do direito saiba manusear com segurança esses dois conceitos, como se afirma na doutrina, reiteradamente:
“É por meio da distinção entre processo e procedimento que o operador do Direito diferencia a Teoria do Processo da prática forense. Estar ciente de que o objeto de estudo é o processo e não o procedimento, significa pensar criativamente a disciplina, em vez de simplesmente reproduzir a realidade prática a que se acostumou ou que já se experimentou na profissão, já que o procedimento diz respeito à realidade corpórea da disciplina, correspondendo a um dos elementos que compõem o Direito Processual. (RODRIGUES & LAMY, 2018, p. 10).”
Procedimento, por sua vez, e a sequência dos atos que constituem o processo; é o passo a passo ou o caminho a ser percorrido desde o início do processo até o seu final.
Há no Código de Processo Civil a previsão de um procedimento padrão que é aplicado à maioria dos pretensões deduzidas em juízo – procedimento comum – e diferentes procedimentos para pretensões mais específicas, levando-se em conta para essas a previsão de algum ato processual que será praticado ao longo do procedimento, como por exemplo a realização de uma perícia médica em processo de interdição ou a designação de agrimensor para piquetar a área de litígio em uma ação demarcatória de terras particulares.
O procedimento ou rito se desenvolve, portanto, com maior ou menor complexidade de atos, dependendo do litígio em si. O somatório de atos praticados durante o seu desenvolvimento é o processo.
“Enquanto o processo é uma unidade, como relação processual em busca da prestação jurisdicional, o procedimento é a exteriorização dessa relação e, por isso, pode assumir diversas feições ou modos de ser. A essas várias formas exteriores de se movimentar o processo aplica-se a denominação de procedimentos. (THEODORO JR. Humberto. 2017, p. 755).”
É importante, em função do exposto, ter clareza dessas duas grandezas distintas entre si, embora inter-relacionadas uma com a outra: processo e procedimento.
A CLT foi concebida com um único procedimento para processar e julgar ações individuais (dissídios individuais) entre empregado e empregador, sendo que referido rito não recebeu um nome legal, como ocorre com os procedimentos previstos no CPC.
A doutrina e a jurisprudência trabalhista importaram do CPC a expressão “procedimento comum” (ou “ordinário”) para esse rito das ações individuais trabalhistas, o que se mostrou desnecessário porque não existiam ritos especiais na CLT e, assim, não havia necessidade de nominar o rito único como sendo “comum” ou “ordinário”.
O fato é que as expressões “procedimento comum” e “procedimento ordinário” já se encontram sedimentadas no vocabulário do mundo processual trabalhista.
O fluxograma deste procedimento (rito) é mais bem visualizado com a ilustração abaixo:
A Figura 1 contém o procedimento padrão seguido na justiça do trabalho, o qual além de ter se mostrado suficiente para os seus propósitos, serviu de referência para o procedimento previsto na lei dos juizados especiais cíveis (Lei n° 9.099/1995).
Como todo procedimento, os seus extremos são delimitados por uma petição inicial e por uma sentença, ocorrendo entre esses pontos os demais atos de um processo, tais como o acordo, a tomada de depoimentos, a confissão etc.
Esse procedimento inovou em relação ao CPC do ano de 1939 ao criar a citação pelo correio e a defesa em audiência, pois no processo civil a citação se dava por oficial de justiça e a defesa era entregue na secretaria do juízo antes da audiência de conciliação, instrução e julgamento. O CPC atual incorporou ao seu texto a inovação da CLT de realizar a citação pelo correio (art.247/CPC).
O procedimento contido na Figura 1 concentra os seus atos em audiência: defesa, tentativa de conciliação, instrução e julgamento, sendo interessante observar o propósito conciliatório do procedimento, o qual prevê duas oportunidades para a conciliação das partes litigantes, sendo a primeira delas no início da audiência, antes da apresentação da defesa e a outra oportunidade ao final da instrução, após as razões finais pelos litigantes, sendo que a CLT atribui aos juízes e Tribunais do Trabalho o encargo de sempre utilizar “os seus bons ofícios e persuasão no sentido de uma solução conciliatória dos conflitos” (Art. 764, § 1º da CLT).
Embora a audiência seja fracionada em duas ou mais sessões, isso não descaracteriza o rito ordinário trabalhista.
Observa-se da Figura 1, ainda, que há cinco possíveis momentos em que o juiz poderá sentenciar a causa: na abertura da audiência por ausência do autor, quando se configurará a contumácia, ou por ausência do réu, quando se configurará a confissão quanto à matéria de fato. A terceira hipótese de prolação de sentença decorrerá de as partes terem chegado a um ponto comum em suas pretensões por meio de acordo, quando a sentença o homologará fixando penalidades e despesas processuais. A quarta hipótese e prolação de sentença surgirá após a instrução do processo e exposição das razões finais pelas partes, momento em que o juiz da causa renovará seus esforços no sentido de conciliar as partes, devendo ser proferida sentença homologatória do acordo a que tiverem chegado as partes litigantes. A última hipótese de prolação da sentença ocorrerá quando não forem registradas as hipóteses anteriores e o juiz resolver o mérito do processo.
A partir daí começará a contagem do prazo recursal, o que dará início a outro procedimento.
A Lei nº 5.584/1970 trouxe uma inovação adicional ao processo do trabalho ao limitar a interposição de recurso contra a sentença proferida em causa com valor equivalente a até 2 salários mínimos, hipótese em que somente se admitirá recurso para tratar de matéria constitucional, como previsto em seu art. 4º. (BRASIL, 1970).
Essas causas de baixo valor econômico passaram a ser chamadas de causas de alçada exclusiva da Vara do Trabalho, ou simplesmente, causas de alçada.
É importante ter em destaque que embora a referida lei não tenha criado um segundo procedimento para o processo do trabalho, doutrina e jurisprudência se apressaram em aí vislumbrar um rito diferente do ordinário em decorrência do valor atribuído à causa, nominando esse rito como “sumário”.
Entretanto, não existe no preâmbulo do texto dessa lei e nem no seu corpo a expressão “rito sumário”, sendo que o preâmbulo apenas menciona que essa lei “dispõe sobre normas de Direito Processual do Trabalho, altera dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, disciplina a concessão e prestação de assistência judiciária na Justiça do Trabalho, e dá outras providências”; não se referindo a rito ou procedimento.
A expressão ‘rito sumário’ foi e continua sendo inapropriada e indevida porque mesmo para uma causa de alçada, não houve alteração do procedimento que era seguido antes da lei em foco, uma vez que as causas ajuizadas perante a justiça do trabalho continuaram percorrendo todo o iter previsto na supra Figura 1: petição inicial, citação, audiência, contumácia ou revelia, acordo ou instrução, razões finais, nova possibilidade de sentença de acordo ou, finalmente, sentença de mérito.
À toda evidência, o rito continuou o mesmo, independentemente do valor atribuído à causa.
Não há rito diferenciado para uma causa trabalhista de 1 real e para uma causa de 100 mil reais, pois ambas tramitam pelo procedimento ordinário do processo trabalhista. O que as diferenciará é o tratamento previsto para a fase recursal, mas aí nesse ponto já se terá esgotado o procedimento ordinário do processo de conhecimento, sendo que para a causa de alçada somente será admitido recurso ordinário que verse sobre matéria constitucional; para a outra causa o recurso poderá tratar de qualquer matéria, inclusive sobre matéria de fato.
Assim, é visível que não existe rito sumário no processo trabalho, sendo descabido o uso dessa expressão para se referir a causa com valor econômico de até 2 salários mínimos na data do ajuizamento da ação.
A Instrução Normativa nº 27 do TST, de 16 de fevereiro de 2005, respalda o entendimento de inexistência de rito sumário no processo do trabalho, pois ela afirma que as ações ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou sumaríssimo, como se transcreve abaixo:
“Art. 1º. As ações ajuizadas na Justiça do Trabalho tramitarão pelo rito ordinário ou sumaríssimo, conforme previsto na Consolidação das Leis do Trabalho, excepcionando-se, apenas, as que, por disciplina legal expressa, estejam sujeitas a rito especial, tais como o Mandado de Segurança, Habeas Corpus, Habeas Data, Ação Rescisória, Ação Cautelar e Ação de Consignação em Pagamento.”
Como se depreende da transcrição acima, a IN 27/TST coroa o entendimento exposto sobre os ritos processuais próprios do processo trabalhista para a resolução de dissídios individuais não prevê a existência de rito sumário a que alguns se referem ao tratar de causa de alçada exclusiva da Vara do Trabalho. (SALLES & BORGES, 2020).
Outra inovação legislativa no processo do trabalho ocorreu no ano 2000 com a edição da Lei nº 9.957, a qual afirma, expressamente, que ela “acrescenta dispositivos à Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei no 5.452, de 1º de maio de 1943, instituindo o procedimento sumaríssimo no processo trabalhista.” (BRASIL, 2000).
Essa lei está na contramão do que fora vislumbrado como modelo para o funcionamento da Justiça do Trabalho no Brasil, em que se utilizaria um único rito processual para ações individuais. Com este objetivo a CLT conseguiu evitar que ela se transformasse em um “código de ritos” trabalhistas, como é o caso do Código de Processo Civil na sua área de atuação.
“O que se pretendia era a instituição de uma Justiça rápida e barata, norteada pela oralidade processual e avessa ao formalismo jurídico, contrabalançando a desigualdade social e econômica das partes litigantes. (MARTINS FILHO. 1998, p. 186).”
Além do deslize de ter se afastado das características originais do processo do trabalho, a Lei nº 9.957 criou algumas condições diferenciadas para causas individuais cujo valor não ultrapasse quarenta vezes o salário mínimo vigente na data do ajuizamento da ação, mas não chegou, entretanto, ao ponto de criar um rito especial para essas demandas, pois elas continuaram a tramitar pelo rito ordinário do processo do trabalho.
Semelhantemente às causas de alçada, em que somente se admite recurso ordinário que trate de matéria constitucional – sem que isso tenha o condão de gerar um procedimento especial – as causas do pretenso rito sumaríssimo têm como diferenciadores das causas do rito ordinário a limitação a duas testemunhas, a citação apenas com endereço certo e a simplificação do julgamento do recurso ordinário, o qual passou a poder consistir, unicamente, da certidão de julgamento com a indicação suficiente do processo e parte dispositiva e das razões de decidir do voto prevalente. Na hipótese de a sentença ser confirmada pelos seus próprios fundamentos e estando esta circunstância registrada, passou a certidão de julgamento a servir de acórdão. (Art. 895, §1º, Inciso IV da CLT).
Quanto ao recurso de revista, a lei em foco limitou as hipóteses de seu cabimento, excluindo a divergência de julgados entre Tribunais Regionais do Trabalho, restando a sua admissão por contrariedade a súmula de jurisprudência uniforme do Tribunal Superior do Trabalho e violação direta da Constituição da República. (Art. 896, §6° da CLT).
Essas alterações imprimiram alguma celeridade no processamento dessas demandas com valor da causa de até 40 salários mínimos, mas o procedimento por elas seguido continuou sendo aquele constante da Figura 1 acima exposta, isto é, o procedimento ordinário (ou comum).
É totalmente inadequada e desnecessária a afirmação contida na Lei nº 9.957 de que os dissídios individuais cujo valor não exceda a quarenta vezes o salário mínimo vigente na data do ajuizamento da reclamação ficam submetidos ao procedimento sumaríssimo (excluídas as demandas em que seja parte a Administração Pública direta, autárquica e fundacional), pois o que há aqui é um tratamento diferenciado para a causa e não para o procedimento.
Trata-se de lei – não há a menor dúvida – mas o legislador neste caso foi muito rarefeito em termos de conteúdo de direito processual, pois deveria a norma ter se limitado a inserir essas diferenciações no procedimento ordinário trabalhista sem afirmar que estava criando um novo procedimento para o processo do trabalho, uma vez que nenhum procedimento foi criado – efetivamente – por força das modificações contidas no bojo da acima comentada Lei nº 9.957/2000.
O procedimento existente no Direito Processual do Trabalho para aplicar o direito a um caso concreto de conflito de interesses individuais entre empregado e empregador está detalhado nos arts. 840 a 850, sendo de se notar que o legislador trabalhista não se preocupou, sequer, em criar um nome para este procedimento, uma vez que a CLT foi concebida com apenas um procedimento para os dissídios individuais e outro para os dissídios coletivos.
Doutrina e jurisprudência atribuíram ao procedimento para dissídios individuais o nome de “ordinário” ou “comum”, aproveitando o que existia neste sentido no CPC.
As modificações legais havidas ao longo do tempo após a edição da CLT no ano de 1943 não alteraram o procedimento comum para ações trabalhistas individuais, o qual continuou íntegro em sua originalidade e em sua aplicabilidade prática.
Para as causas com valor de até 2 salários mínimos houve a limitação da possibilidade de interposição de recurso ordinário contra a sentença, o qual somente é admitido para tratar de matéria constitucional, mas isso não alterou em nada o rito ordinário trabalhista, o qual continuou sendo aplicado para todas as causas, independentemente do seu valor econômico.
Embora a Lei nº 9.957/2000 tenha pretendido criar um rito diferenciado para causas com valor de até 40 salários mínimos, ela apenas limitou o número de testemunhas a prestar depoimento, tornou a sentença e o acórdão mais simples e restringiu a admissão do recurso de revista para essas demandas, mas as causas continuaram a tramitar pelo rito ordinário, com essas diferenciações comentadas, sem que isso levasse ao surgimento de um novo rito processual trabalhista.
O rito ordinário trabalhista tem, assim, sobrevivido incólume a esses experimentos legais que o legislador criou para o processo do trabalho.
Conclusões
Não há no processo do trabalho os denominados rito sumário e rito sumaríssimo, pois as demandas individuais com valores enquadrados nas definições desses supostos ritos tramitam pelo rito ordinário, originalmente criado pela CLT e que permanece incólume às leis posteriores àquela Consolidação.
A Lei nº 5.584/1970 não criou – expressamente – um rito diferenciado no processo do trabalho para demandas individuais com valor da causa de até 2 salários mínimos, mas apenas restringiu a possibilidade de interposição de recurso ordinário contra a sentença se as razões recursais versarem sobre matéria constitucional.
Embora a Lei nº 9.957/2000 afirme, por sua vez, estar criando um rito sumaríssimo para demandas individuais trabalhistas de até 40 salários mínimos, o que se constata é que de maneira semelhante à lei anteriormente comentada, ela não criou um rito no sentido estrito da palavra, mas apenas alguns detalhes a respeito do valor da causa, da quantidade de testemunhas e da facilitação para elaboração de sentenças e acórdãos para essas demandas.
O que se constata na prática forense é que todas as ações trabalhistas individuais tramitam pelo procedimento ordinário do processo do trabalho, o qual responde satisfatoriamente aos objetivos da Justiça do Trabalho de utilizar-se de um procedimento simplificado e de baixo custo, sem que isso prejudique o direito ao devido processo legal.
Referências
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