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O efeito espectador e a falta de ação diante da violação de um direito

Resumo: O objetivo do presente artigo é analisar o comportamento humano diante de uma agressão, mais especificamente, é analisar a falta de ação de pessoas diversas, em situações diversas, perante a violação de um direito. Através da análise de casos concretos, ocorridos em épocas distintas, com vítimas, agressores e motivos distintos, o presente trabalho foca nessas testemunhas e na essência do comportamento humano. O que se busca mostrar é que fazer alguma coisa para ajudar um terceiro em perigo é algo raro, não é algo automático para a maioria das pessoas, casos concretos provam isso. Diante de tal fato incômodo a psicologia busca explicar o porquê, mesmo todo ser humano tendo plena consciência do quanto a sua ação pode ajudar ou mudar uma situação, a omissão é o padrão e não o contrário. Ao fim do mesmo o que se busca é provocar uma reflexão do comportamento humano e dos instintos e do quão complexa a mente humana é.

Palavras chaves: omissão, testemunha, crimes brutais, falta de ação.

Abstract: The purpose of this article is to analyze the human behavior when faced by a right violation, more specifically, is to analyze the lack of action of diverse people, in different situations, in the face of right violation. Through the analysis of concrete cases, occurring at different times, with different victims and offenders and for different reasons, the present article focuses on the witnesses of brutal crimes and on the essence of human behavior. The point is to show that doing something to help a third party in danger is rare, not automatic for most people, as concrete cases will prove it. Faced with such an uncomfortable fact, psychology seeks to explain why, even though every human being is fully aware of how much his action can help and/or change a situation, omission is the standard rather than the reverse. By the end of its article, what is wanted is to provoke a reflection of human behavior and the human instincts and how complex the human mind is.

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Key words: omission, witness, brutal crimes, lack of action.

Sumário: 1. Introdução. 2. Definição: o que é omissão 3. A paralisia coletiva e o efeito espectador. 3.1. O caso Genovese. 3.2 O caso Ruas. 4. Conclusão. Referêsnicias.

1. Introdução

É o que acontece todos os dias, com todos os seres humanos, você está andando por uma rua limpa e, de repente, vê um papel no chão, acha estranho e julga quem o jogou, mas não abaixa para pegá-lo. Diversas pessoas passam pelo mesmo papel e tem o mesmo pensamento, mas ninguém pega, até que um indivíduo decidir recolher o papel e jogá-lo no lixo, todos os outros pensam: “nossa, que legal; eu poderia ter feito isso, né?”. Do mesmo modo, um deficiente visual precisa atravessar uma rua, diversos pedestres o olham com sentimento de dó e pensam em ajudá-lo, mas acabam não fazendo nada, até que um único indivíduo se dispõe a ajudá-lo.

Por que o comportamento humano é assim, por que entre dezenas, para não dizer centenas de pessoas, que se indignam com algo e pensam em ajudar um terceiro, só uma pessoa, de fato, faz alguma coisa? Ao longo dos anos e da evolução humana, psicólogos, sociólogos, filósofos, criminólogos e diversos outros estudiosos vêm tentado definir a essência humana e os motivos por trás das mais bondosas e brutais ações do ser humano. Jean Jacques Rousseau disse que o homem nasce bom e a sociedade o corrompe; em contrapartida os pessimistas garantem que o homem tem instintos ruins e o fato de ser dotado de racionalidade faz com que controle tais instintos e tenha atitudes boas e, ainda discordando de ambas as correntes, há aqueles que defendem que o homem nasce inocente, nem bom e nem mal, apenas inocente e que terá seu caráter moldado por aspectos sociais e psicológicos.

Independente da corrente que adotada, o fato é que o homem e o seu comportamento são a grande questão dos crimes mais brutais já ocorridos. Mas existe, ainda, um grupo de pessoas entre o bem e o mal, pessoas que assistem o mal sendo feito, pessoas que testemunham atos cruéis e que, por alguma razão, nada fazem para impedir tais atos de ocorrerem e esse é o ponto do presente artigo: por quê uma pessoa boa, que faz caridade, respeita as leis, a moral e os bons costumes, por quê essa pessoa diante de uma injustiça prefere o silêncio, prefere a omissão? A resposta lógica é o medo, medo da repressão, medo de se tornar o alvo da maldade que tentar impedir; mas estudos acerca do comportamento humano, que serão devidamente apresentados no artigo em tela, mostram que o medo é só um dos aspectos que faz o bom homem se calar perante uma injustiça, o medo não é tudo, o que causa tal comportamento no ser humano está intimamente ligado a essência do homem, que, quando em grupo, ao presenciar uma violação de direito nada faz, achando que o outro pode fazer.

Casos brutais, repletos de testemunhas e silêncio sempre ocorreram e sempre chocaram, não só pelo crime, mas pela falta de ação de todos aqueles que poderiam ter feito algo para impedi-los; dois desses casos merecem destaque: o caso Genovese ocorrido nos Estados Unidos na década de 60 e o caso Ruas ocorrido no Brasil em 2016. Os dois casos tratam de vítimas diferentes com sexos diferentes, idades diferentes e classes sociais distintas, agredidas e brutalmente assassinadas por agressores diferentes e por motivos distintos, são casos que em comum só tem as diversas testemunhas e a falta de ação delas para os ajudarem.

E, exatamente diante dessa falta de ação, ocorreram estudos que definiram o efeito espectador e a paralisia coletiva, determinando que, quando em grupo, o homem tende a não tomar uma atitude esperando que outras pessoas do grupo façam alguma coisa.

2. Definição: o que é omissão

A palavra omissão vem definida no dicionário de língua portuguesa como:

“s.f. Desídia; falta de ação no cumprimento de um dever.
Falta; não dizer ou de deixar de dizer alguma coisa.
Falha; não fazer ou deixar de fazer alguma coisa: omissão de socorro.
Negligência; ausência de atenção e de cuidado.
(Etm. do latim: omissio.onis) “

Ou seja, em palavras leigas a omissão é o ato de não fazer algo que se deveria, é preferir o não agir quando o certo seria agir. A omissão está presente no dia a dia da sociedade, podendo existir quando uma atitude pequena deixa de ser tomada, como, por exemplo, quando alguém não diz o que sabe, esconde uma verdade; a pessoa não mente, apenas não diz nada. O problema real começa quando a omissão prejudica alguém ou, pior, quando a omissão deixa de ajudar alguém que precisava ser ajudado, permitindo assim uma violação a um direito.

Junto a isso, deve-se, sempre, ter em mente a Constituição Federal Brasileira que, em seu artigo 1º, III garante como um de seus fundamentos a dignidade da pessoa humana:

“Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

 III – a dignidade da pessoa humana”;

Assim, como o artigo 5º da mesma constituição em seu caput determina o direito a vida e a segurança, entre outros.

“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:”

Diante desses artigos da constituição federal, que são a base para todos os outros códigos de leis, o código penal brasileiro vigente determina a omissão de socorro como um crime contra um grupo específico de pessoas, devidamente tipificado no artigo 135:

“Art. 135 – Deixar de prestar assistência, quando possível fazê-lo sem risco pessoal, à criança abandonada ou extraviada, ou à pessoa inválida ou ferida, ao desamparo ou em grave e iminente perigo; ou não pedir, nesses casos, o socorro da autoridade pública:

Pena – detenção, de um a seis meses, ou multa.

Parágrafo único – A pena é aumentada de metade, se da omissão resulta lesão corporal de natureza grave, e triplicada, se resulta a morte.”

Por este artigo de lei se conclui que a omissão é punida quando cometida por qualquer indivíduo, mas ficando como um tipo penal restrito a vítimas que sejam crianças abandonas e/ou pessoa inválida ou ferida. Assim, como se pode ver a omissão de socorro não é algo abrangente no código penal brasileiro.

3. A paralisia coletiva e o efeito espectador

O caso mais clássico e simples em que o comportamento do ser humano em grupo fica explícito se dá quando um grupo de pessoas está junto esperando um ônibus e a tendência seja que ninguém dê sinal, pois espera que o outro faça.

Com esse exemplo inicial e tendo em mente mais casos que serão apresentados no decorrer do presente trabalho, importante iniciar a explicação do que seria a paralisia coletiva e o efeito espectador. Essas duas definições foram determinadas por dois psicólogos, Bibb Latané e John Darley, que diante de alguns casos em que diversas pessoas se omitiram e não ajudaram vítimas e nem impediram agressões, decidiram pesquisar os motivos da falta de ação por parte de tanta gente, assim começaram a determinar quais condições contribuem para a apatia das pessoas diante da dor do próximo e para isso reuniram um grupo de voluntários e realizaram uma série de experimentos em que expunham os voluntários, sozinhos e acompanhados, a situações alarmantes em que havia um perigo iminente.

Tal experimento atingiu um resultado assustador, pois quando estavam sozinhos os voluntários tendiam a fazer alguma coisa, alarmar as outras pessoas sobre o perigo, tentar ajudar, porém quando o mesmo experimento era feito e existia mais de uma pessoa no ambiente, todos tendiam a não fazer nada, a ignorarem a situação de perigo e seguirem suas vidas. Tal falta de ação quando estão em grupo fez com que o experimento fosse chamado de Efeito do Espectador, concluindo que as pessoas, quando estão sozinhas, tendem a agir, a tentar tomar uma atitude, porém quando estão em grupo não fazem nada, não por ruindade essencialmente, mas, sim, porque esperam que outra pessoa faça alguma coisa.

3.1 O caso Genovese

No dia 13 de março de 1964, por volta das 3 horas e 15 minutos da madrugada, a gerente de um bar Catherine Susan Genovese, de 28 anos, caminhava para casa, no bairro do Queens em Nova York, quando foi abordada por um homem que a agarrou e esfaqueou. Ela conseguiu gritar e espantar o agressor por alguns minutos e, mesmo ferida, tentou chegar em casa e, quase conseguiu. Mas o agressor a encontrou, a esfaqueou novamente, roubou seu dinheiro, a estuprou e só após tudo isso, finalmente, a deixou para morrer. Depois do seu agressor ir embora, Catherine Genovese agonizou e implorou por socorro durante 33 minutos até que a polícia fosse chamada e, então, 02 minutos depois foi socorrida, mas acabou morrendo a caminho do hospital.

O crime descrito acima foi brutal, mas o que chocou não foi a violência do agressor, foi o fato de o ataque ter ocorrido em frente a diversos prédios residenciais e de que, depois, durante as investigações e depoimentos, ter ficado comprovado que, pelo menos, 38 pessoas presenciaram ou ouviram os gritos de Catherine e nenhuma delas chamou a polícia, sim, 38 pessoas sabiam que alguém estava sofrendo alguma violência e nenhuma agiu para ajudá-la, foram necessários 33 minutos para que alguém, finalmente, ligasse para a emergência.

Uma das testemunhas resumiu a sua falta de ação com a seguinte frase: “Eu não queria me envolver”. O assassino foi preso, ficou mais de 50 anos preso e morreu na cadeia.

3.2 O caso Ruas

Em 25 de dezembro de 2016, mais de 50 anos depois do ocorrido com Catherine Genovese, em uma estação de metro de São Paulo – Brasil, o vendedor ambulante Luis Carlos Ruas foi brutalmente espancado por dois jovens, após defender um travesti e um morador de rua ameaçados por eles. Dito isto, há dois pontos nesse caso de extrema importância para o presente artigo:

O primeiro ponto é exatamente o fato de o ambulante ter sido agredido por interromper uma outra agressão, ele foi agredido, por que ao contrário do que a vasta maioria da população faz, ele não se omitiu; viu uma agressão injusta e interferiu. Porém o segundo ponto, que passou despercebido pelos veículos de comunicação que analisaram o ocorrido e pelo público que se chocou com tamanha violência, foi o fato de que todas as filmagens e fotos do incidente mostram que havia muitas pessoas ao redor do ambulante no momento da agressão, fica claro que há todo momento havia transeuntes no local e nenhum interferiu, todos se omitiram, todos optaram por não se envolver.

Neste vies, os primeiros a se omitirem foram os seguranças do metro, aqueles funcionários do metro que acompanhavam as filmagens e nada fizerem de imediato, mas, também, os civis que não ajudaram e nem as próprias pessoas que haviam sido ajudadas pelo ambulante minutos antes, ninguém o ajudou. Após a prisão dos agressores, os mesmos foram reconhecidos por 14 testemunhas, ou seja, pode-se afirmar que, no mínimo, 14 pessoas comuns viram a agressão e nada fizeram para impedir que ela ocorresse.

4.Conclusão

O Efeito Espectador foi definido na década de 60 nos Estados Unidos após muita gente ouvir uma jovem agonizar e ninguém tentar ajudar, mas até hoje tal comportamento é comum em sociedade, como já apresentado. Sempre existiram crimes brutais e suas diversas testemunhas, com pouca ou nenhuma intromissão, mas, como em um episódio da série de televisão “Black Mirror”, na sociedade contemporânea a omissão se torna algo ainda mais cruel, pois vem seguida de diversas fotos, filmagens, relatos e indignações em redes sociais, mas nenhuma atitude para, de fato, impedir a agressão.

Tal comportamento omisso coloca em cheque as certezas que o homem médio prefere ter sobre os instintos humanos, afinal o maior instinto humano, ao contrário do que diria o filósofo e estudioso Jean Jacques Rousseau, não seja a bondade, mas, sim, a omissão, a segurança. Em grupo, as pessoas tendem a não agirem, a deixar para o outro fazer e com esse pensamento ninguém faz nada.

Quando o efeito espectador propicia que um crime ocorra a situação fica mais complexa. Uma frase atribuída ao alemão Albert Einstein diz: “O mundo é um lugar perigoso de se viver, não por causa daqueles que fazem o mal, mas sim por causa daqueles que observam e deixam o mal acontecer”, assim se um criminoso pode ser definido como uma pessoa com problemas psicológicos, uma pessoa com desprezo pelas leis e pela moral, uma pessoa com desprezo pela vida humana e pelo ser humano, o que dizer daquele que assiste um crime ser cometido e nada faz para impedir? O que uma pessoa que assiste um crime brutal quieta é?

 

Referências
Aurélio, o mini dicionário da língua portuguesa. 4ª edição revista e ampliada do mini dicionário Aurélio. 7ª impressão – Rio de Janeiro, 2002.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil: promulgada em 5 de outubro de 1988.
BRASIL. Decreto-Lei 2.848, de 07 de dezembro de 1940. Código Penal. Diário Oficial da União, Rio de Janeiro, 31 dez. 1940.
Darley, John M; Latane, Bibb. “Bystander intervention in emergencies: Diffusion of Responsibility”. Journal of Personality and Social Psychology. Edição Abril 1968, páginas 215 – 228.
McFadden, Robert. “Winston Moseley, Who killed Kitty Genovese, Dies in Prison at 81”. The New York Times. Disponível em:
Merry, Stephanie. “Kitty Genovese Murder: The real story of the woman killed in front of 38 witnesses in Queens in 1964”. The Independent. Disponível em:
News, FYI. “A trágica morte de Luiz Carlos Ruas”. Terra TV. Disponível em:
Noronha, Edgard Magalhães. Direito Penal – Volume 1. 38ª edição. São Paula: Rideel, 2009.
Pagnan, Rogério. “Homem que ajudou travestis no metro trabalhava no loca havia 20 anos”. Folha de São Paulo. Disponível em: < http://www1.folha.uol.com.br/cotidiano/2016/12/1844838-homem-que-ajudou-travestis-no-metro-trabalhava-ali-havia-20-anos.shtml>. Site acesso em 02 de janeiro de 2017.

Informações Sobre o Autor

Nathalia Dammenhain Barutti

Advogada formada pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo com curso de extensão universitária sobre Psicologia Judiciária concluído na PUC SP atualmente cursando pós graduação em Direito Constitucional na PUC SP


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Equipe Âmbito Jurídico

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