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O Estado de Emergência na Saúde no Brasil e o Pacto Republicano

*Dr. Gustavo Swain Kfouri e o Dr. Fernando Gustavo Knoerr

Neste momento de emergência, alguns aspectos derivados das posições institucionais dos Poderes de Estado no âmbito da Federação Brasileira, apontam o risco de inadequação da atividade que possa refugir às balizas constitucionais e legais; invocando o papel da União Federal – pessoa jurídico-política, como coordenadora, competente para decidir, em última análise, sobre as medidas restritivas e liberatórias a bem da defesa e da proteção da saúde dos brasileiros e residentes em território nacional; com evidências positivas de que o processo decisório estatal está atingindo o elevado fim constitucional a que se dirige, a partir de ações institucionais cooperativas dos três Poderes de Estado da União.

A repercussão, nos meios jurídico e político, da decisão proferida pela 26a Vara Federal do Rio de Janeiro na Ação Popular n. 5.019.082-59.2020.4.02.5101, evidencia que a atividade institucional dos Poderes de Estado possa estar dirigida a alcançar soluções concretas, em caráter objetivo (não necessariamente legítimo), para a promoção do “bem de todos” – art. 20, IV, CF, sob o escopo de proteger vidas e defender a saúde no Brasil.

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Não obstante e notadamente em um ambiente excepcional, há que preservar-se a “Lei e a Ordem”. De um Estado Constitucional Democrático de Direito, o que denota que o arcabouço institucional deve agir nos limites das prerrogativas definidas pela Carta Constitucional, conforme os mecanismos que lhe são atribuídos. A despeito do estado de calamidade pública e descontrole – que se evidencia pela perda de domínio sobre as coisas do mundo que o homem julgaria deter; cabe-nos, aos operadores do direito e aos administradores, a difícil tarefa de conter os espíritos e as angústias diante do caos.

Fato é que tal decisão determinou ao Sr. Presidente da República e ao Congresso Nacional “que deliberassem de forma definitiva, no prazo de 96 (noventa e seis) horas, acerca da alocação dos recursos destinados ao Fundo Especial de Financiamento de Campanha – FEFC[1] para medidas de combate ao CORONAVÍRUS”, mesmo reconhecendo expressamente que “as demandas relativas à saúde estão nitidamente atreladas às políticas públicas e às possibilidades orçamentárias existentes, sendo necessária a devida iniciativa dos Poderes Legislativo e Executivo”. Ainda, afirma que “poder-se-ia concluir que ao proferir decisão sobre o tema, o Juízo de primeiro grau estaria usurpando competências”.

Ora, se tal restou consignado antes da justificação da decisão[2], o que moveu o Poder Judiciário a proferí-la: Histeria ou Ideologia?

Uma análise que parta da perspectiva do interesse público e da legitimidade, ou não, da decisão proferida contra o Poder Executivo, põe em evidência o iminente o risco de grave lesão à ordem, à segurança e à economia públicas – e de forma consequente à coletividade, permitindo concluir que a decisão se revelou lesiva e ilegítima frente à ordem constitucional, na medida em que interfere na atribuição privativa do Chefe de Estado e do Governo Brasileiros, e do Congresso Nacional, usurpando assim competências.

Na mesma medida, justificar o estado excepcional para violar a Ordem Constitucional e decidir, sem base em qualquer parâmetro normativo, localiza o ato judicial – de caráter arbitrário, na seara eminentemente política, que – pela via indireta, não somente avoca para si a definição acerca da conveniência e oportunidade de aplicação de receita orçamentária, mas, ao violar o Princípio Constitucional da Separação de Poderes, pois solenemente lateraliza a previsão da Lei das Eleições, determinando a desconstituição do FEFC e a aplicação do montante de cerca de 2 bilhões de reais para finalidade diversa das campanhas eleitorais.

Desta feita, ao decidir, exortando a magistratura ao equilíbrio, serenidade e prudência – requisitos definidos pelo Código de Ética da Magistratura Nacional (Resolução CNJ n. 60, de 19 de setembro de 2008), o despacho do e. Desembargador Presidente do Tribunal Regional Federal da 2a Região suspendeu os efeitos da decisão na Suspensão da Liminar n. 5002991-65.2020.4.02.0000/RJ, para evitar a lesão à ordem pública.

O ato concluiu sobre o risco que a decisão combatida impunha, pois “teria o condão de acarretar grave lesão à ordem pública diante do risco de agravamento da crise político-social que a Nação atravessaria”.

Por conseguinte, aqui faz-se um questionamento sobre a alegada crise “político-social”: a quem caberia a definição sobre medidas restritivas e/ou liberatórias para o enfrentamento deste estado excepcional[3], à União, aos Estados, Municípios; ou às agências reguladoras independentes?

Há que se relembrar que desde o preâmbulo, a Constituição impõe ao Estado a finalidade de assegurar o bem-estar da sociedade.

Daí que a partir do modelo federativo adotado, a União Federal exerce o papel de pessoa jurídico-política coordenadora do processo de proteção social na seara do estado de emergência, sob a perspectiva e sob as balizas das regras e dos princípios emanados da Constituição Federal, no âmbito do Estado Constitucional Democrático de Direito Brasileiro instituído pela Ordem de 1988.

Isto se denota a partir da leitura conjugada dos artigos 21 a 24, 142 e 144 da Constituição, que outorgam à União Federal a competência para assegurar a defesa nacional – no âmbito do estado de sítio, defesa ou da intervenção federal, bem assim para, privativamente, realizar requisições civis, militares; realizar a defesa territorial, a defesa civil e a mobilização nacional; definindo as diretrizes, tanto da política nacional de transportes, de trânsito, dos regimes dos portos e aéreo; e as normas gerais de efetivos, convocação das forças armadas e as suas forças auxiliares e de reserva.

Portanto, em um cenário em que não seja possível a construção de soluções conjuntas entre os entes federativos de uma forma coordenada, para a efetivação de ações convergentes no âmbito de uma cooperação federativa, sendo inevitáveis os conflitos, a União deterá a prerrogativa de editar normas gerais no âmbito da proteção e defesa da saúde, que suspenderão a eficácia de normas estaduais e do Distrito Federal no que lhes for contrário, e até mesmo poderá realizar as intervenções previstas nos artigos 34 a 36 (vide o seu §30), da Constituição Federal, para: a) manter a integridade nacional; b) pôr termo à grave comprometimento da ordem pública; c) garantir o livre exercício de qualquer dos Poderes nas unidades da Federação; d) promover a execução de lei federal e/ou, e) assegurar a observância de princípios constitucionais.

Mas o cenário demonstra-se positivo no que se refere à tomada de decisões republicanas pelos três poderes da União Federal, no âmbito do Pacto Federativo, senão note-se os seguintes atos: i) da aprovação da Lei n. 13.979/2020 e da edição do Decreto Legislativo n. 06, pelo Congresso Nacional; ii) da edição dos Decretos n. 10.282, 10.288 e da Medida Provisória n. 926/2020 pela Presidência da República; além, iii) das decisões nas ADIs n. 6.341, 6.343 e 6.357/DF, pelo Supremo Tribunal Federal.

Nesta senda, note-se que todas as decisões foram tomadas com alto grau de discricionariedade, mediante a realização de verdadeiros juízos de conveniência política para a sua edição e que, em um contexto republicano, mantiveram-se adstritas ao plexo de competências de cada Poder, transmutando-se em um bom exemplo de ação institucional cooperativa para o atingimento do elevado fim constitucional a que se dirigem.

 

[1] Definido pelo artigo 16-C, da Lei Federal n. 9.504/97.

[2] Seguiu-se sob o argumento de que “o Brasil encontra-se inserido em um cenário de calamidade”, definido como “situação atípica que requereria, por conseguinte, medidas urgentes”. Entenda-se a situação atípica como estado excepcional.

[3] AGAMBEN, Giorgio; tradução de Iraci D. Poleti. O Estado de Exceção. São Paulo: Boitempo Editorial, 2004 (Estado de Sítio); AGAMBEN, Giorgio; tradução de Henrique Burigo. Homo Sacer, O Poder Soberano e a Vida Nua. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2004; e Voto-Vista no Ag. Reg. Rcl. n. 3.034-2/PB, Min. Eros Grau.

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