The phenomenon of Judicialization in Oncology: causes and effects
Antonia Beatriz Carneiro da Silva1
João Emanuel Roque Borges da Silva2
Maira Regina de Carvalho Alexandre3
Resumo: O presente estudo buscou analisar de forma holística a judicialização da saúde em oncologia e os impactos jurídicos e socioeconômicos ao paciente. No tocante ao método, tratou da utilização do preceito dedutivo, pesquisa descritiva caracterizando o fenômeno foco do estudo. Referente a técnica, teve-se a indireta. Quanto aos procedimentos técnicos, a pesquisa foi bibliográfica e documental. Adotou-se uma investigação qualitativa e quantitativa. Ao longo da pesquisa foram apresentados os pressupostos históricos e factuais da judicialização da saúde dando ênfase na judicialização em oncologia. Foi analisado o direito fundamental sob a ótica constitucional e internacional para fundamentar teoricamente a judicialização. De forma fundamentada foi demonstrada as causas e consequências da judicialização para as partes envolvidas, com foco nos pacientes oncológicos. Conclui-se que o direito à saúde em muitos casos violado e negado pelo Poder Executivo, é de algum modo garantido e efetivado através da judicialização da saúde por meio do Poder Judiciário, contudo ainda há falhas nos critérios decisórios, além de que é necessário uma melhor solidificação dos entendimentos dos tribunais superiores a fim de resguardar o direito fundamental à saúde das pessoas com câncer, que em decorrência da doença encontram-se em vulnerabilidade, precisando de uma prestação jurisdicional justa e célere.
Palavras-chave: Direito à saúde. Judicialização. Tratamentos oncológicos.
Abstract: The present study sought to holistically analyze the judicialization of health in oncology and the legal and socioeconomic impacts on the patient. Regarding the method, it dealt with the use of the deductive precept, a descriptive research characterizing the phenomenon that is the focus of the study. In addition, as for the technique, there was the indirect one. As for the technical procedures, the research was bibliographic and documentary. A qualitative and quantitative investigation was adopted. Throughout the research, the historical and factual assumptions of the judicialization of health were presented, emphasizing the judicialization of oncology. The fundamental right was analyzed from a constitutional and international perspective to theoretically support the judicialization. In a reasoned way, the causes and consequences of judicialization for the parties involved were demonstrated, with a focus on cancer patients. It is concluded that the right to health, in many cases violated and denied by the Executive Branch, is somehow guaranteed and effected through the judicialization of health through the Judiciary, however, there are still many flaws in the decision-making criteria, in addition to what is necessary a better solidification of the understandings of the superior courts in order to protect the fundamental right to health of people with cancer, who, as a result of the disease, are in vulnerability, needing a fair and speedy jurisdictional provision.
Keywords: Right to health. Judicialization. Cancer treatments.
Sumário: Introdução. 1. O direito fundamental da saúde sob a ótica constitucional e internacional. 2. Os pressupostos históricos e factuais da judicialização da saúde. 3. As causas e consequências da judicialização em oncologia. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
A saúde é direito de todos e dever do Estado, conforme está assegurado pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Considerando que o direito à vida é primordial para vida social, sendo portanto, indispensável que se tenha acesso irrestrito à saúde.
Acerca da palavra Saúde em um aspecto lato senso, podemos analisar perfunctoriamente que se trata de um tema bastante amplo e não somente o âmbito de doenças e tratamentos, sendo sinônimo de bem-estar que vai muito além da não prevalência de alguma enfermidade.
Correlacionado, é viável observar que as Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), são figuradas como uma das principais dentre as causas de adoecimento e morte. Como exemplo, frisa-se que é estimado a ocorrêcia de 600 mil novos casos de câncer no nosso país em 2018, sendo os mais incidentes os cânceres de próstata, pulmão, mama feminina, cólon e reto. O Brasil também apresenta altas taxas para os cânceres do colo do útero, estômago e esôfago.
Após a criação do Sistema Único de Saúde (SUS), foi estruturada uma política de atenção ao câncer e definidas inúmeras normas de funcionamento de serviços e diretrizes clínicas. Tal rede, no entanto, não tem sido suficiente para dar respostas à dimensão epidemiológica do câncer no país, sendo comum atrasos no diagnóstico, dificuldades de acesso e falhas no tratamento do câncer tanto de pacientes usuários do SUS quanto daqueles que têm planos e seguros de saúde.
Nos últimos anos têm ocorrido mudanças no tratamento do câncer, com drogas cada vez mais caras e complexas, e estratégias de tratamento cada vez mais personalizadas.
Diante da complexidade da doença e das diversas tecnologias implementadas nos últimos anos, o tratamento do câncer tem sido, assim, objeto de judicialização. Sucede que a judicialização da saúde se caracteriza como uma demanda feita por cidadãos que procuram o Poder Judiciário com o ituito de efetivar os seus direitos.
Nesse contexto, o Judiciário se torna responsável pela efetivação do direito à saúde para a sociedade em geral, garantindo eficácia, mesmo que apagada, dos direitos constitucionais. A intervenção do Judiciário, mediante determinações para a Administração Pública para que forneça cirurgias, medicamentos, próteses, dentre outros, procura alcançar a busca pela obrigação da prestação do serviço à saúde garantido pela Constituição da República Federativa do Brasil, Tratados e pactos internacionais entres outros diplomas.
Apesar das políticas de saúde terem melhorado substancialmente, cresceu nos últimos anos a busca de medicamentos e tratamentos especializados através do âmbito judicial, trazendo à tona a complexidade que julgadores enfrentam ao se depararem com a judicialização da saúde.
Destarte, a crescente judicialização da saúde tem levado o Judiciário a se posicionar. O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) realizou diversas Jornadas Nacionais da Saúde nos últimos anos, nas quais foram debatidos os problemas e foram aprovados inúmeros enunciados interpretativos e com informações técnicas para subsidiar os magistrados na tomada de decisões em ações judiciais sobre direito à saúde. O Supremo Tribunal Federal (STF) e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) estão avaliando e discutindo o fenômeno e definindo teses sobre o assunto, que terão efeito vinculativo para demais órgãos e instâncias da Justiça.
Sucitamente, o foco da judicialização da saúde trata desde o comportamento da justiça às reguamentações inerentes ao sistema de saúde. Porém, mais que analisar pontos negativos e positivos do fenômeno da judicialização da atenção à saúde, para além de descrever as respostas e o comportamento da Justiça perante as demandas dos cidadãos, propõe-se aqui o estudo do que leva as pessoas com importante morbidade – o câncer – a buscar o Judiciário. Como se verá mais adiante, dificuldades de acesso aos serviços e/ou tratamentos de saúde, falhas e lacunas nas regulamentações setoriais e possível descompasso entre necessidades de saúde, prescrições médicas e incorporação de tecnologias podem ser algumas das razões dos problemas enfrentados pelos pacientes portadores de câncer.
Diante do exposto, este trabalho levanta o seguinte problema: quais são as causas e consequências da judicialização da saúde no que tange à oncologia?
O objetivo geral deste estudo é analisar de forma holística a judicialização da saúde em oncologia e os impactos jurídicos e socioeconômicos ao paciente.
Para se chegar ao fim almejado, tem-se como objetivos específicos: analisar o direito fundamental à saúde sob a ótica constitucional e internacional; apresentar os pressupostos históricos e factuais da judicialização da saúde para entender como surgiu esse fenômeno; traçar um panorama da situação fática e jurídica dos pacientes de câncer que necessitam de terapias/medicamentos, e, por fim, demonstrar as causas e consequências da judicialização para as partes envolvidas.
O método científico aborda um caminho lógico de pensamento. Considerando esta perspectiva com os objetivos traçados pela pesquisa científica, os procedimentos metodológicos pertinentes são o meio pelo qual o pesquisador aplica para a construção de sua investigação.
Desta maneira, a seguir será descrita a estrutura metodológica adotada nessa pesquisa, ou seja, ele norteia como será estruturado todo trabalho do início ao fim, objetivando a reprodução de pesquisas análogas.
A pesquisa realizada é definida como descritiva, quanto aos seus objetivos, pois descreve as implicações ao se observar as causas e consequências advindas da judicialização de demandas que envolvem tratamentos oncológicos. Quanto ao processo adotado para a investigação, este se destaca como qualitativo e quantitativo.
O procedimento técnico adotado para o desenvolvimento da pesquisa é o documental, com consulta de leis, jurisprudências, enunciados, resoluções e dados estáticos tratados. Frente a isto, é plausível descrever que a pesquisa documental é utilizada em uma boa parte das ciências sociais.
Sinteticamente o método que é utilizado na pesquisa é o dedutivo, utilizando-se da técnica indireta, haja vista que será feita consulta em artigos e livros análogos ao tema do trabalho, bem como haverá análise documental. Portanto, no que se refere aos procedimentos técnicos, a pesquisa foi bibliográfica e documental, com apoio teórico crítico especializado na área.
Além disso, fundamentou-se esta pesquisa por meio de discussões sobre a temática pela ótica de diversos autores. O aumento da judicialização da saúde também tem impulsionado diversas pesquisas e estudos sobre o tema, com diferentes abordagens, como aqueles que analisam a jurisprudência de tribunais específicos.
Ademais, justifica-se esta pesquisa pela necessidade de maiores esclarecimentos acerca da judicialização da saúde, que afeta diretamente o Poder Executivo, além do aumento das ações referentes à judicialização da saúde em casos envolvendo tratamentos oncológicos.
O tema saúde é bastante abrangente abarcando a esfera social, econômica e jurídica, sendo, portanto, um assunto de grande destaque na sociedade atual, sabe- se que o direito à saúde, como também o direito social esteve sempre relegado a um segundo plano, visto até mesmo pela história brasileira. A judicialização da saúde é um fenômeno que tem preocupado magistrados e gestores públicos pelo impacto financeiro que causa. Entretanto, sua real dimensão é desconhecida.
1 O DIREITO FUNDAMENTAL DA SAÚDE SOB A ÓTICA CONSTITUCIONAL E INTERNACIONAL
Nota-se que o exercício da saúde muda ao longo dos períodos ou fases em que a sociedade se encontra. Como esclarece o médico especialista em Saúde Pública Scliar (2007), “o conceito de saúde reflete a conjuntura social, econômica, política e cultural.”
Dallari (1998) delimita que a saúde já passou por diversas conceituações no decorrer do tempo, resultando em um fato curioso que define o quão primordial é esse direito para os indivíduos, independente da época.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos (DUDH) de 1948, promulgada após a 2º Guerra Mundial, tem como foco a garantia de reconhecimento do ser humano no que confere à justiça. Além disso, favorece a dignidade e promove a paz para todos. Em conexão ao trazido nesta vereda, a DUDH em seu art. 25 diz que “toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar”.
É importante citar a base que a OEA (Organização dos Estados Americanos) tem, assim sendo, esta determina como um de seus escopos a promoção do desenvolvimento social, abrangendo Conselhos e Comissões que sustentam objetivos e princípios que venham a favorecer os seus 35 países membros, sendo o Brasil um deles. Em detrimento, Maas e Daroit (2019) expressam que “esse Sistema interage com a normatização do direito à saúde em tratados, convenções, pactos e até mesmo na própria legislação interna dos Estados, a fim de conseguir concretizar e efetivar tal direito.”
A Convenção Americana sobre Direitos Humanos (CADH) de 1969, mais conhecida por Pacto de São José, não chegou a proteger o direito à saúde de maneira direta e objetiva, havendo lacunas quanto à sua proteção e definição. No art. 26 da convenção, entende-se do direito à saúde apenas o restringido ao âmbito social que nele é resguardado. Atrelados a isto, Maas e Daroit (2019) falam que “o artigo 26 não pode ser compreendido de forma restritiva. Deve-se dar a ele uma interpretação ampliada a fim de efetivar os direitos sociais que constam na Carta da OEA”.
O Protocolo de San Salvador é um adicional imposto a CADH, e no seu art.10 expõe a importância do Direito à Saúde, que é um direito de toda pessoa e uma efetividade dos Estados-partes, tornando-se um bem público. Como uma de suas adoções, é destacado a “satisfação das necessidades de saúde dos grupos de mais alto risco e que, por suas condições de pobreza, sejam mais vulneráveis.”
Por conseguinte, o Wang (2021) alude de modo conclusivo que o direito à saúde, internacionalmente, é observado como “um direito de realização progressiva dentro dos recursos disponíveis”. Também afirma que uma alocação racional e eficiente é necessária para a realização do direito à saúde.”
Entrementes, no campo Constitucional brasileiro, a implantação do art. 196 da Carta Constitucional de 1988 frisa que a saúde é um direito inerente a todos, sendo um dever do Estado fornecê-lo. Essa garantia, se concretizará efetivamente por meio de políticas sociais e econômicas.
Ademais, Martins (2018, p.12) expõe:
“A melhor classificação terminológica a ser adotada no caso da saúde é a que a enquadra como direito humano fundamental. Isto por causa de, além de divulgar a concepção de matriz internacional com proteção de certos valores e pretensões essenciais de todos os seres humanos, protege a essencialidade formal decorrente da positivação constitucional, com a vantagem de ressaltar a unidade essencial e indissolúvel entre direitos humanos e direitos fundamentais”.
Levando em consideração a abordagem de Martins (2018) acima citada, percebe-se que a saúde se aplica como essencial por diversos fatores, sendo um destes o de ser indissolúvel, fazendo desta característica uma de suas principais dentro do que vem a ser necessário.
Observa-se que a proteção à saúde foi fortalecida pela DUDH, e por meio desta integração as pessoas passaram a usufruir dos seus direitos mais basilares. Um exemplo desta adaptação foi na CF/88, que antes não tinha a saúde como um direito fundamental.
O direito à saúde é um dos pressupostos mais importantes que se pode preconizar.
“A sociedade brasileira, especialmente durante a década originada em 1980, tem adquirido a consciência de seu direito à saúde. Tanto aqueles milhões de pessoas ainda completamente à margem do mercado consumidor, quanto as elites econômico-sociais têm reivindicado a garantia do direito à saúde. Ninguém tem dúvida de que o artigo 25 da Declaração Universal dos Direitos do Homem, da Organização das Nações Unidas, assinada pelo Brasil, quando enumera a saúde como uma das condições necessárias à vida digna, está reconhecendo o direito humano fundamental à saúde”. (DALLARI 1988, p. 57)
Outrossim, a saúde no cenário nacional se tornou tão importante que foi constitucionalmente assegurada no ano de 1988. Direcionado a isso, Silva (2016) relata que “nos textos constitucionais anteriores, somente os trabalhadores que contribuem com a Previdência Social é que teriam direito de acesso à saúde pública.”
Semelhante ao direito internacional à saúde, Martins (2018) aponta que “os pactos internacionais ratificados e incorporados ao nosso ordenamento jurídico, integra, em última análise, o direito (e dever) à saúde na ordem constitucional vigente para nós.”
O direito à saúde no âmbito constitucional brasileiro é sustentado por uma dualidade fundamental. Frente a esta alusão, Silva e Cruz (2018) infere que o panorama desta dual fundamentalidade se singulariza como “a formal e material da qual se envolvem os direitos e garantias fundamentais em geral, especialmente em virtude do regime jurídico privilegiado que lhes promulgou a Constituição de 1988.”
Para Cavalcanti (2021), a saúde é um bem constitucionalmente protegido, “o qual está alocado na pauta de competências comuns (art. 23, CF/88) e concorrentes (art. 24, CF/88)”, isto é, por meio desta seguridade, racionaliza-se que é uma obrigatoriedade que deve ser efetivada por todos os entes federativos.
Nota-se que a dignidade da pessoa humana se faz necessária em todos os meios, e deste preceito é de suma prioridade destacar que esta dignidade é o ponto basilar dos princípios constitucionais, ganhando respaldo no ambiente internacional. Paralelamente, enquadra-se no art. 6 da CF/88, que a saúde é um dos direitos sociais resguardados.
Por iguais razões, Rodrigueiro e Moreira complementam:
“A dignidade da pessoa humana é o fundamento do direito público subjetivo à saúde: dever do Estado a ser cumprido com a participação da sociedade, frente ao princípio da solidariedade social, que deve permear as relações humanas em um Estado Democrático de Direito. Assim, sendo a dignidade humana o valor fundante de todo ordenamento constitucional, cinge-se a estruturar e nortear a proteção dos direitos fundamentais, podendo ser inclusive classificada como super princípio”. (RODRIGUEIRO e MOREIRA, 2016, p. 6-7)
Frente a todo o exposto, fica mais que coerente que o direito à saúde sob a ótica Constitucional é um enraizamento posto em prática por meio do que dispôs a DUDH. Há falhas negativamente notórias quanto à efetividade do todo geral, mas resta claro que somente com a palpabilidade e não idealização, que as lacunas do SUS, por exemplo, irão se preencher com o que realmente se espera. No mais, não é sobre o sistema em si, mas a administração que o gere.
2 OS PRESSUPOSTOS HISTÓRICOS E FACTUAIS DA JUDICIALIZAÇÃO DA SAÚDE
As amplas garantias e a escassez de verba para a execução de políticas públicas acabam por gerar o fenômeno conhecido como “Judicialização da Saúde”. As justificativas e o crescente aumento deste têm sido amplamente debatidos e estudados não somente de maneira empírica, mas também científica. Angélica Carlini, em sua obra “Judicialização da Saúde – Pública e Privada” (2014, p. 153), contribui com a seguinte observação:
“Para os cidadãos brasileiros, cada decisão judicial representa a extensão do que é possível conseguir em juízo em relação à efetividade do direito social à saúde. Por isso, não raro, decisões judiciais são divulgadas pela mídia nacionalmente, têm grande repercussão e incentivam novos processos judiciais para obtenção de medicamentos, tratamentos, órteses, próteses e outras formas corriqueiras ou excepcionais de tratamento à saúde.” (CARLINI, 2014, p.78)
É garantido, assim, pelo Poder Judiciário a todo cidadão, justificando sua natureza inerte, o direito de petição (artigo 5º, inciso XXXIV, alínea “a”, da Constituição Federal de 1988). O Estado do Bem-Estar Social, confirmado em nosso Direito Interno pela Constituição Federal de 1988, também conhecida por isto como a Constituição Cidadã, expandiu a atuação do Poder Judiciário no que diz respeito à garantia de direitos ante a ineficácia da política social do Estado.
Segundo Alexandre (2020 apud BARROSO, 2018), a judicialização não é nada mais do que uma forma de transferência para o Judiciário das questões relativas à cidadania que deveriam ser tratadas pelo Legislativo ou Executivo. Diante da omissão desses poderes a judicialização vai buscar na esfera jurídica a aplicabilidade dos direitos garantidos na Constituição Federal, não podendo ser confundida com o ativismo judicial, a seguir vejamos.
“A judicialização e o ativismo judicial são primos. Vêm, portanto, da mesma família, frequentam os mesmos lugares, mas não têm as mesmas origens. Não são gerados, a rigor, pelas mesmas causas imediatas. A judicialização, no contexto brasileiro, é um fato, uma circunstância que decorre do modelo constitucional que se adotou, e não um exercício deliberado de vontade política. Em todos os casos referidos acima, o Judiciário decidiu porque era o que lhe cabia fazer, sem alternativa. Se uma norma constitucional permite que dela se deduza uma pretensão, subjetiva ou objetiva, ao juiz cabe dela conhecer, decidindo a matéria. Já o ativismo judicial é uma atitude, a escolha de um modo específico e proativo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance. Normalmente ele se instala em situações de retração do Poder Legislativo, de um certo descolamento entre a classe política e a sociedade civil, impedindo que as demandas sociais sejam atendidas de maneira efetiva”. (BARROSO, 2018, p. 25).
No mesmo sentido:
“A judicialização por si só não importa em ativismo judicial, compreendido o fenômeno como a ultrapassagem das linhas demarcatórias da função jurisdicional, em detrimento principalmente da função legislativa, mas, também, da função administrativa e, até mesmo, da função de governo”. (MAPELLI JÚNIOR, 2017, p. 20)
Em atenção ao exposto, Alexandre (2020) destaca que apesar da judicialização da saúde trazer à baila o ativismo judicial, que por sua vez traduz-se como uma nova interpretação do direito, trazendo muitas vezes a interpretação mais ampla da lei, atuando o Judiciário como legislador, não podemos confundir esses dois institutos, haja vista que a judicialização, diferentemente do ativismo judicial traz decisões com força política, interferindo nas decisões dos demais poderes embasadas por regras e princípios, mas não fazendo interpretação extensiva da lei.
Adiante percebe-se que a judicialização e o ativismo são traços marcantes na paisagem jurídica brasileira dos últimos anos. Embora próximos, são fenômenos distintos. A judicialização decorre do modelo de Constituição analítica e do sistema de controle de constitucionalidade abrangente adotados no Brasil, que permitem que discussões de largo alcance político e moral sejam trazidas sob a forma de ações judiciais. Vale dizer: a judicialização não decorre da vontade do Judiciário, mas sim do constituinte. (BARROSO, 2012, p. 17).
Nesse sentido, são imensas as demandas de ações judiciais todos os anos, trazendo sinal e alerta sobre a questão da aplicação direta dos direitos fundamentais, seja por meio do ativismo judicial ou por meio da judicialização, o direito à saúde tem sido um tema grandemente abordado em artigos, estudos e outros meios de discussões sobre esse tema. E principalmente os impactos que esses processos judiciais trazem aos cofres públicos, preocupam não somente ao Judiciário, mas como também a todos os âmbitos dos poderes governamentais existentes no Brasil. A má distribuição dos financiamentos e dos recursos destinados à saúde pode ser uma das causas que podem explicar por que tantos cidadãos recorrem ao Poder Judiciário para sua efetivação.
O que se deseja destacar é a imprescindibilidade do Poder Judiciário para efetivação do direito à saúde nos casos concretos, diante da reiterada omissão do Estado no seu dever de garanti-lo. Quem bate às portas do Judiciário para obter determinado medicamento ou tratamento o faz porque o Estado nega-lhe tal prestação. (GANDIN et al., 2009).
Através de uma realidade divergente da teoria transcrita no meio normativo brasileiro, percebe-se que o descaso do Estado em sua prestação de serviços é gradativa. Deste modo, a judicialização da saúde tem sido a esperança de muitas pessoas que se agarram a esta possibilidade como conector que trará a cura que tanto almejam.
3 AS CAUSAS E CONSEQUÊNCIAS DA JUDICIALIZAÇÃO EM ONCOLOGIA
Demandar na Justiça é direito de todos; demandar quando direitos são desrespeitados e as partes não alcançam o acerto fora do Judiciário é o caminho que resta para assegurar o direito, ainda mais quando se trata de pessoas acometidas com neoplasias maglinas, que pela peculiaridade da doença põem o paciente em eminente risco de vida.
Não há que se negar que as ações judiciais têm custos que são arcados por toda a sociedade, por isso tão salutar o controle acerca do que será decidido, para que se possa proporcionar a maior segurança jurídica as partes envolvidas. É notório que a grande maioria das demandas em saúde são decididas em favor do demandante. Segundo o relatório de pesquisa do INSPER (Instituto de Ensino e Pesquisa) para o CNJ mostra que 74,68% das demandas foram julgadas procedentes e outras 10,39% parcialmente procedentes. Essa alta taxa de sucesso, também mencionada pelo TCU (2017), é poderoso estimulador de novas demanda.
Nesse diapasão, o paciente com câncer que tem o acesso à tratamentos terapêuticos negados, vão de pronto ao judiciário demandar por seu direito à saúde/vida que está em evidente violação. Ainda vale citar que tais ações judicializadas requerem uma atuação e execução mais célere, haja vista que o lapso temporal é de suma importância para intervenção da aplasia.
Desse modo, o fenômeno da judicialização da saúde em oncologia é medida imperiosa para salvar vidas que seriam ceifadas em decorrência da mora dos gestores da saúde em fornecer ou organizar os medicamentos ou terapias necessários aos pacientes com câncer. Apesar de não ser o modus operandi ordinário para resolver tais conflitos, o Poder Judiciário tornou-se fonte de milhares de demandas advindas de pessoas com aplasias que buscam tratamento.
Por outro giro, mister denotar que são inúmeras as ações ajuizadas com o fim de coagir o Estado a prestar atendimento farmacêutico e, na maioria delas, nota-se um desvirtuamento na utilização dos instrumentos processuais postos pela lei à disposição da sociedade.
Esse desvirtuamento muitas vezes decorre da falta de informação dos operadores do direito, no que diz respeito às políticas públicas de saúde e aos aspectos técnicos que envolvem a prescrição medicamentosa, outras vezes decorre da má-fé de profissionais médicos e da indústria farmacêutica, exemplo disso são petições voltadas ao fornecimento de medicamentos sem fonte científica consolidada. Nessas situações é melindroso a atuação judicante, pois decidir em favor de tratamentos alternativos sem as devidas comprovações científicas, causa um sentimento regulador ao Poder Judiciário que lhe pertence, tanto quanto a competência e tecnicidade.
O ex-secretário da saúde do Estado de São Paulo, Dr. Luiz Roberto Barradas Barata, revelou a preocupação com esse desvirtuamento:
“Nos últimos anos, o avanço da indústria farmacêutica tem sido notório. Entretanto, muitos produtos recém-lançados possuem, em maior ou menor grau, eficácia similar à de remédios já conhecidos, disponíveis no mercado e inclusos na lista de distribuição da rede pública de saúde. No entanto, os novos remédios custam muito mais que os atualmente padronizados pelo SUS. Outros produtos, comercializados fora do Brasil ou ainda em fase de testes, não possuem registro no país e não devem ser distribuídos pelo SUS, pois podem pôr em risco a saúde de quem os consumir. São justamente esses medicamentos que o Estado mais vem sendo obrigado a fornecer por pedidos na Justiça”. (BARATA, 2012, p.98)
Dentro desse contexto, algumas cautelas ou critérios devem ser observados no manejo dos mecanismos processuais que viabilizam a intervenção jurisdicional na efetivação da assistência farmacêutica pelo Poder Público, a fim de se evitar prejuízos ao SUS e, consequentemente, à própria parcela social que demanda por esses medicamentos e tratamentos. Porém, para que o Estado possa atender a esses preceitos legais, faz-se necessária a implementação de políticas públicas, no que tange à matéria de medicamentos e assistência farmacêutica, a fim de racionalizar a prestação coletiva, principalmente no tocante aos pacientes com câncer, pois o descuido com o fornecimento de medicamentos para essas pessoas pode agravar ainda mais seu quadro de saúde.
Por necessitar da atuação do Estado, implementando políticas públicas, os direitos sociais acabam por ficar limitados a uma atuação política dos legisladores e governantes. O que se deve observar, porém, é que o atual quadro político brasileiro se depara com a situação de descaso frente às políticas públicas destinadas à efetivação do direito à saúde. Desse modo, imprescindível se faz intervenção do Poder Judiciário, com o escopo de concretizar tal direito fundamental, vez que a omissão do Estado, nesses casos, pode implicar na morte, degradação do ser humano que está com câncer e pleiteia seu tratamento, desde a fase administrativa até a judicial.
Ao decidir esse tipo de questão, o Judiciário precisa se ater ao fato de que, para desempenhar suas funções, o SUS necessita de planejamento, e justamente por isso é que o Ministério da Saúde elabora políticas que delimitam seus serviços e ações, com o fim de melhor atender seus usuários, sempre tentando respeitar os princípios da dignidade, universalidade e isonomia, alia-se ainda a legislação especial que trouxe diversos direitos às pessoas com doenças oncológicas. Ressalte-se que tais decisões, dentro da judicialização da saúde, são tomadas em um quadro de escassez de recursos disponíveis.
É sabido que o Judiciário não é o responsável por solucionar questões sobre alocação de recursos, mas, como esse tipo de demanda vem crescendo, e este não pode se eximir de julgar, então é necessário que se prepare melhor seus componentes para decidir os casos que envolvam direito à saúde, principalmente no que se refere à assistência farmacêutica em oncologia, levando em conta a urgência para se iniciar ou se manter a terapia correta ao paciente com aplasia maligna.
De acordo com Barroso (2012) é indispensável a melhor dilação probatória nos feitos que envolvam concessão gratuita de medicamentos, a fim de comprovar a real necessidade do medicamento pleiteado, bem como para evitar erros entre a doença alegada e o medicamento concedido, permitindo a racionalização do seu fornecimento.
Nos processos que envolvam a judicialização da saúde, principalmente na seara oncológica, os magistrados precisam, além de observar a previsão legal, analisar se o medicamento está na lista do Ministério da Saúde; se está previsto para ser fornecido gratuitamente; se possui registro na Agência de Vigilância Sanitária (ANVISA); se o medicamento indicado é, realmente, o recomendado para a moléstia do paciente; se o médico que prescrever é especialista na área da doença do paciente; se a dosagem indicada realmente confere ao tratamento; se não existe outro medicamento que faça o mesmo efeito e que seja disponibilizado pelo Estado; se há medicamento genérico ou de menor custo que substitua o medicamento originariamente prescrito pelo médico. “O sistema jurídico deve pautar por uma política pública de maneira equitativa e universal” (BARROSO, 2007, p. 55).
Ademais, tem-se que os laboratórios farmacêuticos, muitas vezes, interferem nesse processo de judicialização da saúde em oncologia, uma vez que estão interessados no aumento da comercialização de seus medicamentos para o tratamento de câncer e, para isso, bombardeiam os médicos de propagandas, gerando a crença em milagres. Os médicos, por sua vez, acabam sendo seduzidos pela oferta da novidade, prescrevendo medicamentos que não constam da lista elaborada pelo Estado. Porém, tal prescrição tanto pode ser feita visando, efetivamente, um melhor tratamento ao paciente, quanto buscando o recebimento, por parte dos laboratórios, de algum benefício quando da indicação dos novos medicamentos, e posteriormente esse processo leva a judicialização sobre tais medicamento ou terapias, causando um efeito em cadeia.
Por exposto que o médico oncologista, profissional a frente da indicação do melhor tratamento para o paciente com câncer deve privilegiar a prescrição por medicamento genérico ou menor custo, deve privilegiar os medicamentos que constam nos Protocolos Terapêuticos, nas listas de medicamentos que são fornecidos gratuitamente, a atenção à esses critérios induziram a uma substancial diminuição da judicialização da saúde.
A judicialização excessiva do acesso à saúde, além do farto dispêndio dos recursos públicos, muitas vezes acaba por ferir a igualdade do acesso à saúde pública pela população.
Barroso ressalta que:
“Em muitos casos, o que se revela é a concessão de privilégios a alguns jurisdicionados em detrimento da generalidade da cidadania, que continua dependente das políticas universalistas implementadas pelo Poder Executivo.” (BARROSO, 2012, p.79)
Não raro, muitas pessoas se aproveitam da jurisdição para obter vantagens nos serviços fornecidos pelo SUS, não sendo diferente para as pessoas com câncer que judicializam suas demandas, em que pessoas mais vulneráveis não tem o mesmo acesso à judicializar por tratamentos/medicamentos, levando a privilégios.
Noutro ponto, os recursos estatais são de fato limitados para que sejam desperdiçados em demandas judiciais que não venham a possibilitar o acesso à saúde aos mais necessitados. Portanto, a judicialização excessiva do acesso à saúde em oncologia compromete a universalização da saúde no ponto em que vem a estabelecer desigualdades entre cidadãos e dificulta a eficácia das políticas públicas de saúde voltadas ao tratamento do câncer, considerando que grande parte dos recursos alocados à saúde destina-se às demandas judiciais, principalmente de terapias oncológicas que são onerosas.
Nesse momento surge a questão da colisão entre os direitos fundamentais daqueles que postulam judicialmente o acesso à saúde e a promessa constitucional da universalização da saúde, tal situação levanta uma diferenciação entre os pacientes com câncer que esperam a atuação típica do Poder Executivo em fornecer o tratamento, e por outro lado aquele paciente que obtém a terapia de forma mais célere por ter decorrido ao Poder Judiciário.
A colisão entre o direito à vida e à saúde de uns e a promessa constitucional da universalização da saúde surge como o ponto central das demandas da saúde. A coletividade e o individual representam as duas formas de concretização da saúde, devendo harmonizar-se ao ponto de que um lado não prejudique o outro.
Luiz Roberto Barradas Barata, coloca:
“É importante ressaltar que a entrega de medicamentos por decisão da Justiça compromete a dispensação gratuita regular, já que os governos precisam remanejar recursos vultosos para atender situações isoladas. Em São Paulo, a Secretaria da Saúde gasta cerca de R$ 300 milhões por ano para cumprir ações judiciais para distribuição de remédios não padronizados de eficácia e necessidade duvidosas. Com esse valor é possível construir seis hospitais de médio porte por ano, com 200 leitos cada. Além de medicamentos, o Estado vê-se obrigado a entregar produtos como iogurtes, requeijão cremoso, queijo fresco, biscoitos, adoçante, leite desnatado, remédio para disfunção erétil, mel e xampu, dentre outros itens. Em 2004, por exemplo, chegou a ter de custear, por força de decisão judicial, a feira semanal para morador da capital”. (BARATA, 2012, p.124)
Como exposto, a entrega de medicamentos por decisão da Justiça compromete a dispensação gratuita regular, já que os governos precisam remanejar recursos vultosos para atender situações isoladas.
Em vista disso, tem-se dois vieses das causas e consequências da judicialização da saúde em oncologia, de um lado a eficiência e prestação jurisdicional célere que acaba por salvar vidas de pessoas com câncer, e de outro frisa-se aqueles que esperam a dispensação gratuita regular do tratamento oncológico e são prejudicados.
Nesse sentido, o Judiciário deve ter cautela, para que venha a se sobrepor à Administração ou fazer às vezes do Poder Executivo nas escolhas das metas e prioridades de investimentos, bem como no orçamento estadual ou municipal. Ponderando acerca dessa questão, destaca Luiz Carlos Romero:
“Atualmente, os governos federal, estaduais e municipais – gestores do SUS – sofrem uma avalanche de ordens judiciais determinando a dispensação de medicamentos, o que gera efeitos negativos, especialmente sobre o gerenciamento da assistência farmacêutica nos estados e sobre os seus benefícios diretos, como a interrupção do tratamento de pacientes regulares em razão da transferência de medicamentos em estoque que lhe seriam destinados para pacientes beneficiados por determinação judicial (TCU, 2005). Essas decisões da Justiça comprometem, assim, a dispensação regular, o atendimento de prioridades definidas e a implementação das políticas de assistência farmacêutica aprovadas, já que os gestores precisam remanejar recursos vultosos para atender situações isoladas.” (ROMERO, 2008, p.28).
É evidente que o Judiciário não deve ignorar o fato de que indivíduos acometidos com câncer correm sérios riscos de vida, visto não terem acesso a novas tecnologias farmacêuticas ou condições financeiras para a aquisição dos medicamentos. Porém, é preciso que os interesses individuais sejam contextualizados dentro das políticas públicas estabelecidas, a fim de garantir um tratamento mais igualitário.
CONCLUSÃO
Uma enorme demanda tem assolado o Poder Judiciário em se tratando de distribuição de medicamentos por parte do Poder Público, ênfase especial para a judicialização em oncologia que cresceu substancialmente nos últimos anos. Isso, de certa forma, afeta o sistema, considerando que o Estado não se mostra preparado para assumi-la, bem como a jurisprudência até o momento não adotou critérios consolidados para a concessão dos medicamentos, ora proferindo decisões extravagantes condenando a Administração a custear tratamentos caros, ora determinando a concessão de medicamentos, muitos de alta onerosidade.
Essas demandas judiciais terminam por acarretar superposição de esforços e defesas, envolvendo várias entidades federativas e mobilizando uma grande quantidade de agentes públicos, servidores e procuradores, acarretando um enorme impacto na vida das pessoas que demandam judicialmente, tanto quando satisfeita sua pretensão, assim como quando negada.
Especificamente no tema em discussão, no Brasil são inúmeras as decisões judiciais proferidas Pelo Judiciário com base no direito constitucional à saúde, em especial os julgados que obrigam o Poder Público a fornecer medicamentos diversos a pessoas com câncer, como também que condenam o Estado a custear tratamentos e exames específicos, muitas vezes não incluídos na lista do SUS.
Além disso, a discussão sobre o tema reflete a dicotomia que cerca a questão: privilegiar o individual ou o coletivo? De um lado, a participação do Judiciário significa a fiscalização de eventuais violações por parte do Estado na atenção à saúde. Mas, de outro, o excesso de ordens judiciais pode inviabilizar a universalidade da saúde, um dos fundamentos do SUS.
Essa discussão, adentrada no tópico dos denominados entendimentos contraditórios entre si: “Mínimo Existencial” e “Reserva do Possível”, revela que é essencial um desvelo ao se dar efetividade a um direito fundamental que demanda em volumosos gastos financeiros aos poderes públicos. Deve-se verificar até onde a decisão está sujeita ao atendimento sem arriscar o equilíbrio financeiro do SUS, sobretudo em período de crises econômicas, por outro lado as alegações de negativa de efetivação de um direito social com base no argumento da reserva do possível precisam sempre ser analisadas com cautela. Não basta simplesmente alegar que não há possibilidade financeira de se cumprir a ordem judicial, é preciso demonstrá-la.
Destarte, o argumento da reserva do possível apenas deve ser acolhido se o Poder Público evidenciar de maneira satisfatória que a decisão acarretará mais danos do que vantagens à efetivação de direitos fundamentais, o que, em última análise, implica numa ponderação, com base na proporcionalidade em sentido estrito, dos interesses em jogo.
Conclui-se que sendo comprovado que o indivíduo que sofre com aplasia maligna, tem direitos especiais assegurados em lei, em destaque o Estatuto da Pessoa com Câncer que elenca como se deve ocorrer a efetiva prestação estatal em prol de seu tratamento. Por tal motivo, quando tais pessoas necessitam de determinado medicamento para tratá-la, o remédio deve ser fornecido com urgência e de forma precisa, de modo a atender ao princípio maior, que é a garantia à vida digna. Com a devida atenção de que é preciso investigar a condição financeira do doente, comprovando a impossibilidade de arcar com o custo.
É evidente que o Judiciário não deve ignorar o fato de que indivíduos com aplasias correm sérios riscos de vida, visto não terem acesso a novas tecnologias farmacêuticas ou condições financeiras para a aquisição dos medicamentos oncológicos que possuem valores vultuosos. Porém, é preciso que os interesses individuais sejam contextualizados dentro das políticas públicas estabelecidas, a fim de garantir um tratamento mais igualitário. A dignidade da pessoa humana é o centro de irradiação dos direitos fundamentais, conhecido também como o núcleo essencial de tais direitos.
No mais, a judicialização em oncologia é um fenômeno que de fato é responsável por salvaguardar vidas, vidas de pessoas que por sua condição de saúde encontram-se fragilizadas e vulneráveis, lutando pela vida e buscando a cura. Nesse ínterim, a tutela estatal é de suma importância para transformação da condição de saúde dessas pessoas, contudo os atos jurisdicionais devem se ater a requisitos preestabelecidos, que estão em construção dia a dia para trazer segurança jurídica ao Estado e as pessoas que pleiteiam por tratamentos de saúde de forma ampla, que a judicialização seja a ultima ratio a ser buscada e que a prestação e o acesso ao direito da saúde possa ser ordinária pelo Poder Executivo.
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1 Graduanda em Direito pela UNITINS. E-mail: antoniabeatriz@unitins.br
2 Graduando em Direito pela UNITINS. E-mail: joaoemanuel@unitins.br
3 Mestra em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos (PPGPJDH), pela Universidade Federal do Tocantins (UFT). Advogada inscrita na Ordem dos Advogados do Brasil – Seccional Tocantins. Docente da Graduação em Direito na Universidade Estadual do Tocantins (UNITINS). E-mail: mairaregina2011@gmail.com.
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