Resumo: O presente artigo tem por objetivo estudar o movimento social das profissionais do sexo e as medidas que este grupo tem realizado para obter o reconhecimento dos seus direitos sociais frente à sociedade. Para tanto, procurou-se analisar a origem e o surgimento deste movimento social, seus objetivos e a luta para que ele tenha vida própria e seja reconhecido como qualquer outro movimento de classe. Buscou-se ainda estudar o Projeto de Lei n. 3.436/97 em que se visa regulamentar a atividade das profissionais do sexo, esperando dar a elas melhores condições de vida, a começar através da valorização de seu trabalho como outro qualquer. Por fim, o artigo tem o intuito de apontar as possíveis soluções para que o movimento social das profissionais do sexo tenha reconhecido sua legitimidade e seus membros os direitos sociais.
Palavras-chaves: Movimento social. Profissionais do sexo. Direitos sociais.
Abstract: This article aims to study the social movement of sex workers and the measures that this group has been to obtain recognition of their social rights before society. To this end, we tried to analyze the origin and rise of this social movement, its goals and the fight that he has life of its own and be recognized like any other class movement. We sought to further study the Bill No 3.436/97 in which it seeks to regulate the profession of sex workers, hoping to give them a better life, to get through the appreciation of his work like any other. Finally, the article aims to point out possible solutions to the social movement of sex workers have recognized their social rights.
Keywords: social movement. Sex workers. Social rights.
Sumário: 1. Introdução. 2. Origem e Surgimento do Movimento Social. 3. Objetivos do Movimento e Reconhecimento da Profissão. 4. A Criação do Projeto de Lei n. 3.436 de 1997 sobre a prostituição. 5. A Criação do Projeto de Lei n. 3.436 de 1997 sobre a prostituição. 6. Conclusão. Referências bibliográficas.
“As mulheres boas vão para o céu. As mulheres más vão para qualquer lugar.” (Slogan da Rede Brasileira de Prostitutas)
1. Introdução
O presente estudo tem por escopo analisar a origem e o surgimento do movimento social das profissionais do sexo desde os tempos remotos até os dias atuais, fazendo um paralelo do que se modificou neste caminho. Procura também enfatizar os objetivos do movimento e esclarecer como é árdua a trajetória a se percorrer na sociedade contemporânea para que sejam os direitos, assegurados pela Constituição de 1988, também extensivos a elas, classe marginalizada.
O trabalho pretende ainda mencionar quais os avanços tem-se conseguido para as profissionais do sexo, no sentido de ser reconhecida sua atividade como um trabalho digno. Para tanto, explica-se o Projeto de Lei 3.436/97 que tramita no Congresso Nacional, em que se busca regularizar a atividade destas profissionais como um trabalho, com pagamento de impostos, geração de rendas para o governo, mas, em contrapartida, assegurar a dignidade que toda pessoa humana que trabalha e ganha seu pão de cada dia merece ter.
Dispõe também sobre a precursora decisão de um juiz do trabalho concedendo vínculo empregatício a uma profissional do sexo e a boate onde trabalhava em um processo no qual ficou provado que as funções que ela exercia de limpar o estabelecimento, servir as mesas, entre outras, eram apenas de “fachada”.
Com isso, nota-se que os Tribunais e juízes estão atentos às mudanças e aos anseios da sociedade por um mundo mais igual para todos. Atenta-se também para o fato da classe das profissionais do sexo se unir em associações, encontros, conferências e a vontade de constituírem um sindicato da categoria em muito contribuiu para que a justiça e os direitos estabelecidos na Carta Magna de 1988 chegassem até elas. E é isso que se espera, afinal, o século XXI já chegou.
2. Origem e surgimento do movimento
A prostituição tem origem desde que o mundo é mundo. Trata-se de uma das mais antigas profissões. Foi nas civilizações avançadas da Antiguidade que ela se desenvolveu sob a forma tipicamente comercializada. Ao longo dos anos, assumiu novos contornos influenciados por condicionamentos econômicos, culturais e religiosos, apesar disso, sobre todos eles houve um denominador comum: a prostituição como uma alternativa simples e primitiva de luta da mulher pela sobrevivência.
Desde a Grécia Antiga já há relatos da prostituição. Nas cidades gregas mais importantes, e principalmente próximas aos portos, muitas eram as mulheres que trabalhavam com esta atividade econômica. A prostituição não era clandestina: as cidades não a puniam e os bordéis trabalhavam à vista da população. Em Atenas, Sólon criou bordéis e regulamentou os preços ali cobrados, uma vez que as prostitutas daquela época possuíam grande poder verbal, político e econômico.
Antes disso, na Babilônia, no Egito e na Suméria, as prostitutas eram tidas como semi-divindades. Os homens lhe rendiam caras oferendas, as quais eram trazidas pelas prostitutas aos templos religiosos que as abrigavam. As prostitutas significavam fertilidade e diferenciavam-se das esposas dóceis e submissas, tornando-se seres iguais aos homens em termos de posicionamento social e independência no agir.
Todavia, com o surgimento da burguesia, a prostituição tomou outro caminho, sendo considerada uma atividade proibida, relegada a periferia e colocada distante dos olhos das famílias moralmente decentes.
Já nos séculos XVIII e XIX, a industrialização chegou aos países ocidentais. A Revolução Econômica provocou o êxodo rural e o aumento do desemprego, agravando as condições de pobreza e promiscuidade das aglomerações urbanas, ocasionando o reflorescimento sem precedentes da prostituição por toda a Europa.
No Brasil, a prostituição é uma constante desde o período colonial e transformou-se em objeto de estudo a partir da segunda metade do século XX. As políticas públicas voltadas à prostituição começaram a mudar a partir da década de 1990. Iniciou-se uma rede de organizações integradas por prostitutas para reivindicação de seus direitos sociais de cidadania, e também o reconhecimento da prostituição “como um trabalho como outro qualquer” (ALVAREZ; TEIXEIRA, 2001, p.60), que acarretam direitos e deveres.
O surgimento dos movimentos sociais para a defesa dos direitos das prostitutas e a reavaliação da sua nomenclatura, deixando de ser um “trabalho sexual” para tornar-se um “trabalho como qualquer outro”, fez inovar também quanto ao termo “prostitutas” para “profissionais do sexo” ou “trabalhadoras do sexo”, para se referirem àquelas mulheres que fazem do sexo sua profissão.
Este fato trouxe à tona alguns princípios e direitos fundamentais encontrados na Carta Magna de 1988 e que são a expressão jurídica dos valores e fins da sociedade brasileira.
Assim, é possível vislumbrar o princípio da igualdade, liberdade, dignidade da pessoa humana, isso sem se esquecer dos fundamentos de cidadania e os valores sociais do trabalho, bem como dos objetivos da República Federativa do Brasil, quais sejam, construir uma sociedade livre, justa e solidária; erradicar a pobreza e marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; e promover o bem de todos sem preconceito de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.
No entanto, quando as prostitutas inovaram e se denominaram “profissionais do sexo”, elas clamaram por um trabalho digno e pelo reconhecimento do princípio da dignidade da pessoa humana. Este princípio expressa um conjunto de valores civilizatórios que se pode considerar incorporado ao patrimônio da humanidade, sem prejuízo da persistência de violações cotidianas ao seu conteúdo, como explica Luis Roberto Barroso. (BARROSO, 2010, p.253).
Dele se extrai o cerne dos direitos fundamentais, para tutela da liberdade, igualdade e promoção da justiça social. Em seu âmago inclui-se o princípio do patamar civilizatório mínimo, que a sociedade democrática não concebe ver reduzido em qualquer segmento econômico-profissional, sob pena de afrontarem a própria dignidade da pessoa humana e a valorização mínima deferível ao trabalho (art. 1º, III e 170, caput, CF/88), conforme ensinamentos de Maurício Godinho Delgado. (DELGADO, 2009, p. 1214).
Desse modo, as profissionais do sexo buscaram e buscam ainda hoje muito mais que sobrevivência, viver com dignidade através do seu trabalho.
No final do século XX, o aparecimento da epidemia de HIV/Aids, colocou as profissionais do sexo novamente em evidência, visto que muitos diziam ser elas as disseminadoras de tal doença, juntamente com os homossexuais masculinos e usuários de drogas endovenosas. Foram inclusive taxadas de “grupo de risco”. Isso fez crescer ainda mais a discriminação e o preconceito sobre elas, por outro lado, deu forças para que começasse a surgiu um movimento, destas profissionais, melhor organizado.
A discriminação e a violência policial, constantes no cotidiano das profissionais do sexo, fizeram surgir em 1987, na cidade do Rio de Janeiro, o 1º Encontro Nacional de Prostitutas, organizado e encabeçado pela proposta de Gabriela Leite. A finalidade deste 1º Encontro das Prostitutas foi para discutir o reconhecimento público da profissão e resgatar a cidadania das “profissionais do sexo”. Depois deste movimento, vários outros Estados mobilizaram-se para formar suas associações de “profissionais do sexo”, tentando discutir problemas regionais e, se quisessem vir a fazer parte da Rede Brasileira de Prostitutas.
Cabe esclarecer que a Rede Nacional de Prostitutas representa o Movimento Social das Prostitutas. Seu veículo de comunicação mais expressivo é o jornal “Beijo da Rua”, com tiragem de 10.000 (dez mil) exemplares e circulação em 17 estados do Brasil.
A criação de tal projeto foi desenvolvida durante o 1º Encontro Nacional de Prostitutas, acima citado. A ideia foi desenvolvida depois das mulheres presentes ao Encontro declararem “que estavam cansadas de aparecer apenas nas páginas policiais da imprensa, como se prostituta tivesse ligação intrínseca com a criminalidade.” (JORNAL FAZENDO MEDIA, 2005).
Participaram desse debate do 1º Encontro as representantes da Associação de Mulheres “profissionais do sexo” da Bahia, o Núcleo de Estudos da Prostituição de Porto Alegre (NEP), a ONG DAVIDA – Prostituição, Direitos Civis, Saúde e Igualdade, a Associação de Travestis e Transexuais do Rio Grande do Sul e o Grupo de Prostitutas do Estado do Pará.
O jornal foi lançado somente meses depois, em dezembro de 1988, em Recife, durante o 1º Encontro Norte e Nordeste de Prostitutas.
Não é preciso dizer que o grande público leitor do jornal é composto pelas profissionais do sexo, clientes, comerciantes e outras pessoas que estão no entorno da prostituição. O jornal também é veiculado entre outros movimentos sociais, como o gay e o soropositivo, gestores da saúde, educação, cultura, direitos humanos, além de políticos, pesquisadores, estudantes e formadores de opinião em geral.
Este veículo impresso de comunicação ganhou versão eletrônica em dezembro de 2004, mesmo com as dificuldades em se conseguir anunciantes, em razão do preconceito, ressalta Flávio Lenz, editor do “Beijo da Rua”.
Para o professor Adilson Cabral, doutor em Comunicação Social da Universidade Metodista de São Paulo e coordenador do boletim eletrônico Sete Pontos:
“quebrar preconceitos deriva não só de produtos, mas de processos comunicacionais. Não basta o veículo trabalhar uma determinada matéria, mas seus emissores trabalharem uma atitude que a reforce. O jornal reflete muito mais mudanças já acionadas pelos movimentos do que propriamente é, por si só, o responsável por essas mudanças. Por outro lado, sua importância fundamental é investigar e denunciar situações de preconceito e mostrar situações em que este é superado”. (CABRAL, JORNAL FAZENDO MEDIA, 2005).
Interessante observar que a própria fundadora da Rede Brasileira de Prostitutas, em entrevista concedida a Revista Época em 21 de abril de 2009, fala de como preferem ser chamadas as exercentes dessa profissão.
“ÉPOCA – Como a prostituta prefere ser chamada? Há tantos nomes?
Gabriela – As minhas colegas das América Latina detestam ser chamadas de prostitutas ou putas. Gostam de “trabalhadoras do sexo”. No Brasil, também gostam de “profissionais do sexo”. Mas, na minha opinião, isso também é preconceito. Seria bom é que os nomes considerados palavrões se tornassem comuns, sem a carga que têm hoje. Por exemplo: p… é um nome forte, sonoro. Gosto de ser chamada de p…, prostituta. Meretriz, então, acho lindo.”(LEITE, REVISTA ÉPOCA, 2009).
Dentro do próprio movimento das profissionais do sexo há um racha quanto à forma como devem ser chamadas essas profissionais. Todavia, a fundadora da ONG DAVIDA, da marca DASPU e presidente da Rede Brasileiras de Prostitutas entende que o reconhecimento do nome “prostituta”, significa exatamente o resgate da cidadania que o movimento tanto busca. Isto porque, dessa forma, procura confrontar diretamente o preconceito e a discriminação, ao mesmo tempo em que valorizam as mulheres que sobrevivem da “prostituição”, sem mascarar ou dar um nome mais sonoro e bonito a atividade que praticam.
3. Objetivos do movimento e reconhecimento da profissão
O movimento social das profissionais do sexo visa colocar em discussão a questão da cidadania, dando enfoque especial à questão dos direitos sexuais e trabalhistas da profissão e não apenas a assunto relacionado ao campo criminal/penal. Este movimento pretende não apenas constituir-se como uma classe, mas certamente eliminar preconceitos contra a prostituição, garantir condições salubres para o exercício profissional e, mais que isso, pleitear o quinhão que é devido a estes trabalhadores na milionária indústria do sexo.
A cidadania prevista no artigo 1º, II da CF/88, concede a ideia de que todos os indivíduos, de modo indistinto, são destinatários de direitos inerentes à participação na vida política do Estado (cidadania em sentido estrito) e também em prestações de cunho social, como decorre da concepção de cidadania em sentido amplo, segundo explica Renato Muçouçah.(MUÇOUÇAH, 2009, p. 1115).
Assim, já começa a se vislumbrar no mundo jurídico trabalhista a atividade da profissional do sexo como sendo um trabalho lícito, gerando, então, todos os consectários relativos à conquista de direitos sociais já concedidos aos demais trabalhadores protegidos pela CLT.
Importante dizer que o Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil, por meio da Portaria n. 397, de 9 de outubro de 2002, reconheceu a atividade de profissional do sexo como sendo lícita. Segundo a Portaria, estes profissionais são pessoas que buscam programas sexuais, atendem e acompanham clientes, além de participar em ações educativas no campo da sexualidade. As atividades são exercidas seguindo normas e procedimentos que minimizam a vulnerabilidade da profissão.
Assim, foi incluída a atividade da profissional do sexo na Classificação Brasileira de Ocupações (CBO). Isso significou um avanço no reconhecimento por parte do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) da profissional do sexo como uma trabalhadora e inovou no enfrentamento da questão da prostituição no país. Esta medida foi ao encontro dos anseios das exercentes dessa atividade, para retirar tudo o que diz respeito a sua profissão do código penal. Trouxe também novo fôlego para que elas pudessem reivindicar seus direitos trabalhistas, tal qual um trabalho como outro qualquer.
A ocupação de “profissional do sexo” indexada na CBO com número 5198-05, faz parte da família “prestador de serviços” e incluem também as denominações “garota de programa”, “garoto de programa”, “meretriz”, “messalina”, “miché”, “mulher da vida”, “prostituta”, “quenga”, “rapariga”, “trabalhador do sexo”, “transexual” (“profissionais do sexo”) e “travesti” (“profissionais do sexo”).
A valorização das entidades da categoria das profissionais do sexo e o engajamento de seus membros nessas associações têm sido de suma importância no combate a exclusão e discriminação das exercentes desta profissão, bem como para que conquistem sua cidadania.
4. A criação do Projeto de Lei nº 3.436 de 1997 sobre a prostituição
Cumpre ainda ressaltar que nesta luta das profissionais do sexo pelo reconhecimento legal de sua profissão, elas encontraram aliados importantes para a apresentação de propostas de mudanças capazes de alterar o estatuto legal da prostituição e se contrapor às iniciativas mais conservadoras do período.
Em Fevereiro de 2003, foi elaborado Projeto de Lei n. 3436 e encaminhado ao Plenário da Câmara Federal. O documento é de autoria do deputado federal Fernando Gabeira, ligado ao movimento ecológico e, então, filiado ao Partido dos Trabalhadores.
A Proposta tratava da exigibilidade de pagamento por serviço de natureza sexual e suprimia os artigos 228, 229 e 231 do Código Penal Brasileiro. A proposta implica uma alteração radical do modelo adotado no país na abordagem da questão das prostitutas. Isto porque, desde as primeiras iniciativas para resolução da prostituição, a alternativa adotada no Brasil, sempre foi no sentido segundo o qual a prostituição é um “mal necessário”. Em termos efetivos, sempre significou permitir a atividade em si e estabelecer limites ao seu exercício, seja através de segregação espacial, seja através de controle da polícia e entidades da saúde.
O fato é que o PL 98/2003 perdura até hoje no parlamento brasileiro e nada de concreto se decidiu até o presente momento. A matéria aguarda a apreciação do Plenário, em regime ordinário de tramitação.
Com isso, pode-se observar que muito da resistência dos parlamentares em votar e aprovar o projeto obtém-se através das resistências dos grupos organizados, cujas bases se situam principalmente entre instituições religiosas, funcionários e ex-funcionários do sistema de justiça criminal, com destaque para integrantes no parlamento emergentes do judiciário e da polícia, a quem não interessa tal modificação na legislação penal.
5. Possíveis soluções para que o movimento tenha reconhecimento de seus direitos sociais
A prostituição na maioria das vezes sempre foi e é, até hoje, encarada como assunto de polícia. Punida de forma violenta e arbitrária pelas autoridades policiais, principalmente no que concerne a grupos sociais como as profissionais do sexo, os travestis e transexuais.
Todavia, a jurisprudência dos Tribunais (tanto da Justiça Comum, quanto da Justiça do Trabalho) possui a habilidade necessária para mudar esta realidade, amoldando-se aos novos tempos e às exigências não apenas de liberdade do trabalho, mas também resolvendo conflitos oriundos da ausência de amparo legal a quem deseje dispor de seu próprio corpo para utilizá-lo como meio de sobrevivência.
Neste sentido, há decisão precursora proferida no processo n. 814/1999, em que o Juiz do Trabalho (ainda não havia designação “Federal” do Trabalho) Dr. Frederico Leopoldo Pereira julgou procedentes em parte os pedidos da ação ajuizada pela Reclamante, declarando-lhe o vínculo de emprego com a ré (Arlete’s Boite). A inicial induzia que a Reclamante apenas prestava serviços gerais, relacionados a limpar o salão, lavar o pátio e a piscina, servir os fregueses, etc. Todavia, constatou-se que a Reclamante era “garota de programa”, conforme comprovado nos autos pelos depoimentos da informante trazida pela Reclamante e da própria testemunha da Reclamada.
Diante disso, o Juiz do Trabalho não fugiu a realidade, aplicando o princípio da verdade real, o qual se dirige aos direitos indisponíveis, onde nenhuma prova prevalece sobre a outra. Cabendo ao juiz apreciá-las livremente (art. 131 CPC), impondo-se a primazia da realidade.
Assim, dispôs em sua sentença:
“Não obstante, em casos tais, a comodidade nos convide a buscar refúgio na singela declaração de ilicitude do vínculo, o drama humano e social que desfila ante os olhos do juízo exige o aprofundamento do exame da vexata quaestio, a fim de que não se perpetue a apática conivência da sociedade diante do tema.” (PEREIRA, 2009, p. 257).
Nesta decisão precursora, Márcio Túlio Viana teceu comentários, enfatizando a cidadania que tanto falta às profissionais do sexo. Ensinou, “é cidadã sem cidadania”. E continuou também lembrando as diversas outras pessoas que no silêncio da lei ficam sem abrigo, como os mendigos, os ambulantes, os sem-casa, os sem-terra e outros que também necessitam de ajuda. Lembra que “todos nós temos direito a uma vida digna” e comentou que a relação de emprego concedida através da sentença do Juiz do Trabalho, Dr. Frederico Leopoldo Pereira, entre uma garota de programa e a boate na qual trabalhava, é um passo importante no combate à discriminação, fazendo uso do bom Direito.
Ensinou que:
“Essa sentença é precursora também nos seus silêncios. Ou seja, na tese que insinua, para além de seu ponto final. Essa tese é a de que até mesmo a prostituta que não faz outros serviços, deve merecer direitos trabalhistas, seja no futuro, explicitamente, por obra do legislador, seja (também) desde logo, pela interpretação do juiz”. (VIANA, 2009, p. 267).
Conclui Márcio Túlio Viana que:
“Essa sentença, ao questionar a triste sina da prostituta, invade os terrenos mais amplos do direito e da justiça, abrindo possíveis caminhos. Ela desperta sensibilidade, faz-nos pensar um pouco mais fundo e talvez nos permita – quem sabe? – dizer alguma coisa onde a proteção se calou.” (VIANA, 2009, p. 268).
Cumpre aqui também mencionar o Princípio da Vedação ao Retrocesso, tendo em vista que a sentença acima citada significou grande avanço no reconhecimento do trabalho digno das profissionais do sexo.
Assim, tem-se trecho do livro da professora Daniela Muradas:
“Portanto, é de se destacar que, com a Carta das Nações Unidas, a proteção internacional dos direitos dos trabalhadores como categoria integrante dos direitos humanos sociais passa a estar sob o pálio de um sistema de proteção aos direitos humanos que não atente a uma única dimensão humana vinculada ao trabalho, mas a todas as dimensões de seu desenvolvimento espiritual (…) Portanto, as conveniências políticas e interesses econômicos das nações passam a se balizar por um estuário mínimo de garantias sociais e os direitos civis e liberdades políticas (ainda nesta altura não catalogados internacionalmente como direitos humanos) passam ao condicionamento da realização dos direitos dos trabalhadores.” (MURADAS, 2010, p. 63).
Diante de todo o exposto, ficam claros os desejos das profissionais do sexo em promover um movimento organizado, fortalecer a identidade profissional da categoria, visar o pleno exercício da cidadania, reduzir o estigma e a discriminação e, por fim, melhorar a qualidade de vida na sociedade em que vivem. (Rede Brasileira de Prostitutas, 2010).
Claro que tais mudanças não vão se operar da noite para o dia. O sindicato está aí para comprovar que as modificações por melhores condições de associativismo e pela luta dos seus interesses e direitos de classe perduram ao longo dos anos.
6. Conclusões
Percebe-se, portanto, que as profissionais do sexo enfrentam problemas não só relacionados à discriminação que sofrem de todos por parte da sociedade, mas também outros referentes ao reconhecimento do trabalho como uma profissão digna e legítima, bem como a dificuldade de engajamento entre elas para formar um movimento ou sindicato de classe forte e coeso.
A discriminação em estabelecer associação ou grupo de classe na defesa de seus direitos sociais mínimos, garantidos pela Constituição de 1988, tem início, antes mesmo de sua formação, pelas próprias profissionais do sexo, como bem demonstrou a entrevista à Revista Època pela presidente da associação.
Não obstante, avanços já houve para a defesa dos direitos das profissionais do sexo, haja vista ter sido regulamentada sua atividade de profissional do sexo como lícita, na classificação brasileira de ocupações (CBO), tendo a natureza de prestação de serviços, realizada através do Ministério do Trabalho e Emprego do Brasil, por meio da Portaria n. 397, de 9 de outubro de 2002.
Menciona-se ainda o Projeto de Lei que tramita perante o Congresso Nacional e que, até os dias atuais, muito pouco se fez em prol de melhorias e garantias na qualidade e condições de vida desta parcela da população. Há muito que se melhorar e fazer em prol das profissionais do sexo.
No entanto, encontros nacionais e regionais destas profissionais já foram realizados em vários Estados do Brasil, o que já é um começo para se modificar a realidade.
Ademais, os Tribunais do Trabalho também têm evoluído no sentido de proferirem sentenças concedendo vínculos de emprego entre a profissional do sexo e o estabelecimento no qual trabalha, garantindo, dessa forma, o mínimo existencial para este grupo da sociedade e, sobretudo, fazendo prevalecer o princípio da dignidade da pessoa humana para esta classe de trabalhadores.
Estas foram algumas reflexões trazidas pelo movimento social das profissionais do sexo, onde se espera que um dia, talvez, sejam resolvidas ou, pelo menos, tratadas com a devida dignidade que merecem.
Todavia, deixa-se aqui uma semente na mente daqueles que lutam por verem reconhecidos seus direitos, seja qual for o movimento social ao qual pertençam e também dos que não pertencem a movimento social algum. Isto porque, a luta é de todos nós!
Estudante do Mestrado em Direito do Trabalho da PUC/MG. Pós-Graduada em Direito de Empresa pelo IEC – Institutos de Educação Continuada da PUC/MG. Pós-graduada em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Uniderpe Anhanguera. Advogada.
Como reverter um indeferimento do INSS? Para reverter um indeferimento do INSS, o segurado pode…
O auxílio-doença é um benefício pago pelo Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) a trabalhadores…
A cirurgia bariátrica é um procedimento indicado para pessoas com obesidade grave que não obtiveram…
A recusa da seguradora em pagar a indenização prevista em contrato pode trazer uma série…
Entrar com uma ação judicial contra uma seguradora pode ser um processo necessário quando há…
Quando uma seguradora se nega a pagar a indenização que o segurado acredita ter direito,…