Resumo: Trata o artigo, de forma sucinta, da análise da ausência de políticas públicas na implantação de sistemas de processo eletrônico o que vem a caracterizar uma barreira de acesso à Justiça.
Palavras-Chave: Processo eletrônico, políticas públicas, acesso à Justiça.
Abstract: This article succinctly does the analysis of the lack of public policies in implementation of electronic processing systems what comes featuring a barriers to access to justice.
Keywords: Electronic process, public policy, access to justice.
Sumário: Introdução. 1. Referencial Teórico. 2. Prévia à Conclusão. Conclusão
INTRODUÇÃO
A ideia de utilização de sistemas de processo eletrônico surgiu com alternativa a alguns problemas crucias do judiciário, que dizem respeito, principalmente, a utilização e armazenamento de papel, morosidade da prestação jurisdicional e diminuição de custo.
Segundo o Justiça em Números do CNJ[1] hoje tramitam no Brasil mais de 92,2 milhões de processos, com um número crescente de cerca de 4,3% de processos novos por ano, e uma diminuição em número de processos julgados.
Esses poucos números demonstram que a Justiça brasileira se aproxima do caos, e não é necessário ir longe para perceber, pois basta chegar em um foro e visitar qualquer cartório judicial que se encontrará praticamente a mesma situação na maioria dos tribunais brasileiros: montanhas de processos aguardando a prática de algum ato, um número de servidores que não consegue atender o volume de trabalho, falta de juízes e uma infraestrutura totalmente precária e arcaica.
Não há onde colocar tanto papel, e o gasto com transporte, segurança e armazenamento desse papel é absurdo. O Processo Eletrônico não elimina, mas diminui em uma proporção muito grande a necessidade de utilização do papel, reduzindo custos, a necessidade de espaço físico e dando aquela impressão, que todos gostam de falar, de que é ecologicamente correto e evita o corte de árvores.
Alia-se a esse fato a possibilidade de que, pela utilização do meio eletrônico, elimina-se uma série de atos burocráticos que podem passar a ser automatizados e outros que se tornam totalmente desnecessários, obtendo-se um ganho de produtividade de mais de 60% do tempo do processo. Isso, é óbvio, se for um sistema de Processo Eletrônico bem desenhado, automatizado, caso contrário, o ganho não será tão satisfatório.
Mas o grande problema que se tem hoje é que, pensando nisso, cada tribunal buscou criar o seu sistema de Processo Eletrônico, com investimentos próprios, cara própria e DNA de alguém que levaria o nome de ser o criador de um sistema “melhor” que o do vizinho, ao menos para ele.
Isso fez com que atualmente se tenha mais de 40 sistemas de Processo Eletrônico em pouco mais de 90 tribunais. Alguns chegam a utilizar três ou quatro sistemas diferentes. Nada mais do que tentativas frustradas de implementar sistemas totalmente falhos.
Para acabar de vez com esse problema, é que o CNJ buscou, durante anos, desenvolver alguns sistemas para colocar à disposição dos tribunais e tentar fazer com que se tivesse um sistema único no Brasil.
A primeira experiência foi com o Projudi, implementado em alguns tribunais estaduais e que hoje está em plena produção no TJPR. Atualmente o CNJ investe no PJe, adotado integralmente pela Justiça do Trabalho, por poucos Tribunais de Justiça e pelo TRF5.
A Resolução 185, de 13/12/2013, do CNJ, obriga os tribunais a adotarem o PJe em um prazo de três a cinco anos e proíbe novos investimentos na criação de outros projetos do setor.
Com isso, a intenção do CNJ é de impor o PJe como um sistema único de Processo Eletrônico, o que parece não estar dando muito certo, pois, ainda que a propaganda seja toda nesse sentido, o PJe não é e nem nunca foi um sistema único, tendo em vista que o utilizado pelo CNJ (PJE-CNJ) é diferente do PJe que o próprio CNJ repassa aos tribunais estaduais (PJ-TJ), que por sua vez é diferente daquele utilizado na Justiça do Trabalho (PJe-JT), que na realidade utiliza um para o 1º Grau de jurisdição, que não é o mesmo do implementado no 2º Grau e nem com ele se comunica.
Não há, portanto, um PJe. Há diversos PJes com funcionalidades diferentes, mas que têm uma cara semelhante e que não se comunicam em nada um com o outro. O próprio CNJ reconhece isso e hoje busca uma solução para essa diversidade de PJes.[2]
Isso demonstra a total ausência de políticas públicas no que se refere a implantação de sistemas de processo eletrônico no Brasil.
1. Referencial teórico
A virtualização do processo judicial é a alternativa encontrada pelo Judiciário para resolver o problema. Sem embargo, a proposta deveria vir acompanhada de políticas públicas com o objetivo de proporcionar o efetivo acesso à justiça, já que, no atual estado da implantação, algumas barreiras, causam prejuízo ao exercício desse direito fundamental, tais como: a) deficiência do setor energético; b) deficiência de conexão à internet; c) falta de infraestrutura básica dos tribunais e dos usuários para trabalhar plenamente com sistemas de processo eletrônico; d) não unificação dos sistemas em produção nos tribunais; e) não implantação de meios que garantam o acesso aos sistemas (e aos processos) a idosos, portadores de deficiência visual, dentro outros; f) falhas estruturais do sistema imposto pelo CNJ (PJe); g) grave violação as prerrogativas profissionais.
a) Deficiência do setor energético
É comum observar nas manchetes dos principais jornais do Brasil que o país está à beira do caos energético, e, principalmente do setor de energia elétrica, caso não haja investimentos públicos relevantes nos próximos anos.
O problema não decorre tão somente da falta de investimentos públicos, mas nos últimos anos, principalmente pelas mudanças climáticas que o país vem passando, que tem provocado a escassez de chuvas em determinadas regiões do país.
Não resta dúvida que o problema não se apresenta como um dos mais importantes para fins de funcionamento de sistemas de processo eletrônico, sem embargo, pontualmente, em algumas regiões do país, principalmente no Norte e Nordestes, o problema toma certa relevância, pois a falta de energia é sistemática[3], e com isso há prejuízo no acesso à Justiça.
A situação tende a se agravar.
b) Deficiência do setor telecomunicações (conexão à Internet)
Há 27 anos a Internet se popularizava no Brasil, e os problemas de conexão que o Brasil enfrenta vêm desde aquela época. O serviço sempre foi um dos piores prestados pelo setor, que é o campeão de reclamações e de demandas no judiciário brasileiro.
Recente estudo feito pela OAB/RS, pela Coordenadoria das Subseções e de autoria do Conselheiro Seccional Jorge Luiz Dias Fara, constatou que no Rio Grande do Sul, nas 110 subseções existentes, portanto nas 110 maiores cidades do Estado, apenas 18 contavam conexão de banda larga com relativa estabilidade, o que pode comprometer de forma drástica o acesso à Justiça de forma eletrônica.
Se levar em consideração no âmbito Nacional, ainda existem milhares de municípios que não contam com qualquer tipo de conexão banda larga, e mesmo assim o Conselho Nacional de Justiça e, principalmente o Conselho Superior da Justiça do Trabalho, estão implementando o sistema PJe-JT de forma açodada e obrigatória na grande maioria destes municípios.
Inclusive grandes municípios, que contam com serviço de internet banda larga, a cobertura do serviço é precária, e atende apenas uma pequena região central.
Segundo o IBOPE MEDIA, hoje somos cerca de 105 milhões de internautas[4], Já, segundo a revista Olhar Digital[5], enquanto no Brasil a média de velocidade de conexão no terceiro trimestre de 2013 era de 2,7Mbps (84ª lugar mundial), a média mundial era de 3.6 Mbps. Alguns dados do ano de 2011, também deixam claro a desigualdade social na utilização da Internet no Brasil[6]: entre os 10% mais pobres, apenas 0,6% tem acesso à Internet; entre os 10% mais ricos esse número é de 56,3%. Somente 13,3% dos negros usam a Internet, mais de duas vezes menos que os de raça branca (28,3%). Os índices de acesso à Internet das Regiões Sul (25,6%) e Sudeste (26,6%) contrastam com os das Regiões Norte (12%) e Nordeste (11,9%).
Fica claro que os problemas e a baixa velocidade conexão à internet é uma barreira de acesso ao Judiciário na era eletrônica, assim como o é a expressiva representatividade dos números que deixam claro a exclusão digital do jurisdicionado e do advogado.
c) falta de infraestrutura básica dos tribunais e dos usuários para trabalhar plenamente com sistemas de processo eletrônico
Outro ponto relevante é a falta de infraestrutura básica dos tribunais e dos usuários para trabalhar plenamente com sistemas de processo eletrônico.
A implementação de sistemas de processo eletrônico é feita de forma abrupta, sem o devido planejamento, estudo de impacto e consequências jurídicas de sua implementação. Prova está, nos próprios tribunais superiores do país, como o STJ, Superior Tribunal de Justiça, que adotou seu sistema próprio de Processo Eletrônico, E-STJ, determinou que todos os tribunais firmassem convênios para que os envios de processos em grau de recurso para ele chegassem pelo meio eletrônico, sem embargo, ao arrepio da Lei, continuou cobrando o porte do envio do recurso, como se ainda fosse expedido pelo meio físico.
Não há planejamento. O TRT1, Tribunal Regional do Trabalho é outro exemplo típico da falta de planejamento e ausência de políticas públicas. Atendendo determinação do CSJT, colocou em produção no âmbito da 1ª. Região do sistema PJe-JT, e justo na cidade com maior poder de litígio, que é a capital, Rio de Janeiro, e sem fazer investimentos relevantes na modernização do parque de informática. Resultado: em alguns meses em produção o sistema não funcionou. No mês de outubro de 2013 o sistema permaneceu no ar apenas algumas horas seguidas, e com lentidão, o que prejudicava o acesso dos advogados e da cidadania. Hoje o problema volta a aparecer[7].
Estes são apenas alguns exemplos, fora outros, mais complexos, e que influenciam diretamente na vida dos atores do sistema, como o agravamento de doenças decorrentes da utilização dos sistemas de processo eletrônico por parte de servidores[8].
d) não unificação dos sistemas em produção nos tribunais
Este item já foi parcialmente comentado na introdução, ao presente artigo. Hoje em cerca de 90 tribunais do Brasil existem em funcionamento cerca de 40 sistemas diferentes de processo eletrônico, alguns com requisitos de acessibilidade tão diversos que torna impossível o acesso de um usuário lego em informático, como o profissional do Direito desde um mesmo computador.
Para se ter uma ideia, um advogado no Estado do Rio Grande do Sul, que advogue no âmbito dos 3 principais tribunais, TRT4, TRF4 e TJRS, tem de trabalhar no âmbito do TRT4[9], no sistema PJe-JT (lembrando que ainda existem alguns processos remanescentes no sistema PJ4 que o TRT4 tentou implementar antes que o CSJT tornasse obrigatória a utilização do PJe-JT); no âmbito do TRF4[10], no sistema E-Proc (que conta hoje com mais de 5 milhões de processos distribuídos); no âmbito do TJRS, no sistema e-Themis de 1º grau e de 2º grau[11], que recentemente passou a ser chamado de Portal do Processo Eletrônico (e em algumas cidades no PJe, para executivos fiscais de alguns municípios).
E se ainda advogar nos Tribunais Superiores, em grau de recurso, terá de acessar no STF[12] o sistema Pet-V2; no STJ[13] o sistema E-STJ, no âmbito do TST o Portal do Advogado[14] e o PJe-JT[15] (que ainda não está em produção, e não existe nenhum aviso sobre o fato na página do sistema, levando os advogados a erro); e, por fim, no âmbito do CNJ o PJe-CNJ[16].
As tentativas de unificação em torno a um único sistema, até o presente momento tem se mostrado totalmente frustradas. Uma das principais causas é o fato de que o sistema único, PJe, que o CNJ tenta impor como obrigatório não está pronto, totalmente desenvolvido, além de ser um sistema desenvolvido em uma plataforma totalmente antiquada, sem uma arquitetura de software, com problemas graves de concepção e que gera um banco de dados muito grande. Para mantê-lo em funcionamento há necessidade de um trabalho muito grande por parte de servidores.
No Espírito Santo, até meados de 2013, o advogado para ter acesso aos sistemas de processo eletrônico que ali funcionavam necessitavam ou ter dois computadores, ou ter conhecimento de informática suficiente para particionar um computador, como se duas máquinas fossem, devido a necessidade de versões distintas do JAVA para acesso a alguns sistemas, como o E-Jud e o PJe-JT.
Não resta dúvida que tal fato leva a exclusão digital e constitui uma barreira de acesso a cidadania ao Judiciário.
e) não implantação de meios que garantam o acesso aos sistemas (e aos processos) a idosos, portadores de deficiência visual, e outros
Dentro da análise que nos propomos no presente trabalho, não há de se olvidar a questão dos idosos e dos deficientes visuais. Em um ambiente com uma pluralidade de sistemas distintos, pessoas que não estão acostumadas com a informática e não tem conhecimentos mínimos sobre o sistema não tem condições de trabalhar.
Os idosos são um grande exemplo disso. Eles não nasceram, como a atual geração de advogados brasileiros, com um computador à disposição deles. O arranjo cerebral deles ainda não alcançou a era digital, e obriga-los a trabalhar em sistemas complexos de informática certamente provocará a exclusão digital.
Neste aspecto a lei é clara. Segundo o Estatuto do Idoso:
“Art. 2º O idoso goza de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, sem prejuízo da proteção integral de que trata esta Lei, assegurando-se-lhe, por lei ou por outros meios, todas as oportunidades e facilidades, para preservação de sua saúde física e mental e seu aperfeiçoamento moral, intelectual, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade.
Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.”
Portanto, é obrigação do Estado, em especial do Poder Judiciário, quando da imposição de acesso à Justiça por meios de sistemas de processo eletrônico, assegurar ao idoso os meios mínimos de acesso ao sistema, com a possibilidade de práticas de atos processuais em meio físico, conforme previsto na Resolução 136 do CSJT:
“Art. 10. Os órgãos da Justiça do Trabalho manterão instalados equipamentos à disposição das partes, advogados e interessados para consulta aos autos digitais, digitalização e envio das peças processuais e documentos em meio eletrônico.
§ 1º Para fins do caput, os órgãos da Justiça do Trabalho devem providenciar auxílio técnico presencial às pessoas com deficiência ou que comprovem idade igual ou superior a 60 (sessenta anos).
§ 2º Aos peticionários, inclusive advogados, com deficiência física impeditiva do uso adequado do sistema, será assegurado o direito de peticionamento físico, devendo as peças e documentos serem digitalizados e juntados ao sistema PJe-JT por servidor da unidade judiciária competente”.
Já quanto aos deficientes visuais. Hoje o Conselho Federal da OAB soma mais de 1700 advogados no Brasil que são cegos ou deficientes visuais, que necessitariam de algum tipo de ajuda para utilizar os sistemas de processo eletrônico.
Nenhum, dos mais de 40 sistemas existentes no Brasil possui aplicativos capazes de proporcionar o acesso a estes advogados. Não existem políticas públicas que tratem do tema.
Ainda é cedo para se saber como os juízes e tribunais reagirão ao pedido de peticionamento em papel de advogados com idade superior a 60 anos, que mesmo não tendo dificuldade de peticionar de forma eletrônica, têm o direito de peticionar em papel.
f) falhas estruturais do sistema imposto pelo CNJ (PJe)
Recente notícia veiculada nos principais periódicos informativos jurídicos na internet[17], dão conta de um projeto elaborado pelo CSJT (PJe versão 2.0)[18], datado do ano de 2013, que reconhece explicitamente que o sistema PJe apresenta problemas estruturais cruciais que dificultam a sua implementação com segurança em todos os campos da Justiça brasileira.
Num primeiro momento, o projeto reconhece que o sistema está desenvolvido em tecnologia ultrapassada:
“O cenário futuro desejado para o PJe aponta para uma necessidade de revisão da sua arquitetura, para que a mesma possa se tornar mais robusta e aderente aos padrões tecnológicos atuais e também às diretrizes para a Gestão da Segurança da Informação no âmbito do Poder Judiciário. Muitas das tecnologias utilizadas atualmente pelo sistema (JBossAplication Server, JBossSeam, Motor de Fluxo, Postgresqletc) possuem versões mais atuais, que corrigem problemas conhecidos e ampliam as suas funcionalidades. É necessário também que sejam retirados do sistema os aspectos transversais, tais como: controle de segurança, controle de transação, gestão documental e auditoria do sistema, dentre outros.”
Logo comenta sobre a complexidade da aplicação, que contém mais de 3.600 classes, 23.000 métodos, 350.000 linhas de código e cerca de 25.000 pontos de função, o que leva a contrariedade “as boas práticas da engenharia de software, tendo como principais consequências: a dificuldade para a manutenção do software, degradação de desempenho, aumento da probabilidade de erros de codificação, dificuldade para se adequar a novos requisitos”, dentro outros problemas de segurança graves.
O projeto ainda reconhece um outro problema crucial, que diz respeito ao fato de que a “tentativa de corrigir erros de versões anteriores do sistema leva a introdução de novos erros”. Em um ano foram solicitadas mais de 7478 correções, sendo que apenas 5.401 foram atendidas e restaram pendentes 2077.
O grupo de trabalho do CSJT aponta também a existência de diversas falhas de segurança do sistema, principalmente no que tange a infraestrutura do software, no banco de dados e no aplicativo, o que vem a ser gravíssimo para a segurança dos dados e do acesso ao sistema, além de sérias restrições para ser executadas em dispositivos móveis, que não possuem entrada USB para conectar leitores de cartão, que é uma grande tendência do mercado atual; e sérios problemas de acessibilidade muitos deles causados pela tecnologia de interface atualmente utilizada, e graves defeito de arquitetura de software.
O PJe, portanto, é publicamente reconhecido, pelo órgão responsável pela sua manutenção no CSJT, como uma aplicação insegura, frágil, sujeita a erros, que restringe o acesso dos usuários e com problemas críticos de infraestrutura, arquitetura, banco de dados e aplicativo, e mesmo assim, o CNJ e o CSJT continuam insistindo para que os tribunais coloquem em funcionamento os sistemas no âmbito de suas jurisdições.
Um sistema como este, no atual estado em que se encontra de (sub)desenvolvimento, não teria condições de ser utilizado em alguns dos principais tribunais do Brasil, como o TJRS, por exemplo, com o fluxo de procedimentos que um TJ possui e o poder de litígio no âmbito do Tribunal.
g) grave violação as prerrogativas profissionais
Por último, e não menos grave, os sistemas de processo eletrônico, na forma como estão concebidos, vêm causando graves violações as prerrogativas profissionais dos advogados.
Desde a sua concepção, como um sistema excludente, que requer a necessidade de softwares e hardwares especiais, os sistemas são totalmente excludentes, pois muitas vezes impedem um grande número de advogados de desenvolver sua atividade profissional. Requerem um investimento financeiro elevado e conhecimentos de informática que o profissional do direito não tem.
Os sistemas não são concebidos como as páginas web comerciais, que permitem o acesso com qualquer sistema operacional e a navegação por qualquer software. São desenvolvidos em plataformas totalmente ultrapassadas e com requisitos dos mais diversos, que normalmente não se atualizam e preveem a homologação pelos softwares comercializados no momento. Prova está que o certificado digital, que é o instrumento de acesso, identidade e autenticação, e assinatura de peças enviadas pelos sistemas, ainda não está homologado, pela maior certificadora do país para o sistema operacional Windows 8.1, que é comercializado.
Alguns navegadores, como o Mozilla Firefox, apresentam problemas quando utilizado em alguns sistemas, na sua última versão disponível no mercado, como no PJe-JT de segundo grau, demorando as vezes alguns meses, para que o tribunal informe o problema em sua página, o que caracteriza uma violação ao dever de informação, transparência, típico do serviço público.
As atualizações do JAVA, software de segurança utilizado pelos certificados digitais, demoram muito para serem reconhecidas pelos sistemas, causando em alguns momentos a dificuldade de acesso ao sistema e de peticionamento, como a que ocorreu em janeiro de 2014, na qual as máquinas que atualizaram o Java automaticamente pararam de acessar os sistemas de processo eletrônico, sem qualquer informação aos usuários, por alguns dias, até que o CNJ tomasse as providencias cabíveis.
Alguns sistemas tendem a limitar o número de caracteres no peticionamento, como o sistema de Peticionamento dos Juizados Especiais Cíveis do TRF3, que limitou, por meio da Resolução 0486435, de 20 de maio de 2014[19], o número de caracteres para descrição dos fatos e fundamentos (10 mil), indicação do pedido (3 mil) e indicação de provas (1 mil), e determinou que todo documento que ultrapassar o limite de 20 Mb deverá ser fatiada em 100 Kb por página.
Estes são os mais simples dos fatos que se pode mencionar, pois outros piores ainda podem ser lembrados, como a impossibilidade de apresentação de documentos que acompanham a contestação em audiência, no PJe-JT, mesmo garantido o direito de apresentação de contestação oral, na forma do disposto no art. 29, § 2º, da Resolução 136, de 29 de abril de 2014, do CSJT; a impossibilidade de assinatura de atas de audiências pelas partes e seus procuradores e a não entrega da mesma, a não ser quando tenha sido firmado acordo em audiência, no âmbito do PJe-JT; o aviltamento dos honorários profissionais, que em diversos acórdãos estão sendo diminuídos por entenderem os magistrados de primeiro e segundo grau que com o profissional do direito não mais necessitar se deslocar até o foro, gastar com papel, dentre outros, como no caso do acórdão proferido na Apelação 5024927-93.2010.404.7000[20], do TRF4, no sistema E-Proc; a não consideração do prazo em dobro do art. 191 do CPC[21], no âmbito do processo eletrônico, devido ao fato de não haver necessidade de retirada sucessiva do processo pelos advogados procuradores,[22] até um dos mais graves casos que é a criação do “Código Varal” que dá na Justiça do Trabalho a discricionariedade aos juízes de interpretarem e resolverem todas as questões relativas a utilização e funcionamento do PJe-JT, em cada caso concreto[23]; e, dentre tantas outras, a faculdade dada ao juiz de excluir e bloquear o acesso ao sistema, de forma discricionária, sem do devido processo legal, e direito ao contraditório e ampla defesa, prevista no art. 38 da Resolução 136, do CSJT[24].
Diversos outros fatos têm sido relatados às Seccionais da OAB e levados aos Tribunais para um estudo acurado dos problemas e solução dos conflitos deles decorrentes. A OAB tem se mostrado sempre disposta a buscar soluções de forma amigável e o diálogo no sentido de resolvê-los, e os tribunais, ao menos do RS, tem dialogado abertamente visando o entendimento. Sem embargo, em algumas regiões do país, essa não é a realidade.
3. Prévia à conclusão
Está-se diante da 4ª onda de acesso à Justiça, em uma alusão a classificação de Cappelletti, na sua obra Acesso à Justiça (1988, p.8), para quem “o sistema deve ser igualmente acessível a todos”, e a “justiça social, tal como desejada por nossas sociedades modernas, pressupõe o acesso efetivo”.
Na obra, publicada em 1978, Cappelletti faz referência a um significado de um direito ao acesso à Justiça e cita uma série de obstáculos, barreiras a serem transpostos. Suas preocupações, são perfeitamente aplicáveis aos dias atuais, tais como: “os obstáculos são mais pronunciados às pequenas causas, aos autores individuais” (p. 28), e aqui se pode fazer referência aos advogados pequenos, solitários, que são mais de 80% dos advogados do Brasil. Certamente que será mais difícil a estes advogados o acesso às tecnologias de ponta, que aos grandes escritórios contra quem enfrentarão no outro lado.
Segundo o próprio Cappelletti,
“Embora o acesso efetivo à Justiça venha sendo crescentemente aceito como um direito social básico nas modernas sociedades, o controle de ‘efetividade’ é, por si só, algo vago. A efetividade perfeita, no contexto de um dado direito substantivo, poderia ser expressa como a completa ‘igualdade de armas’ – a garantia de que a conclusão final depende apenas dos méritos jurídicos relativos das partes antagônicas, sem relação com diferenças que sejam estranhas ao Direito e que, no entanto, afetam a afirmação e reivindicação dos direitos. Essa perfeita igualdade, naturalmente é utópica. As diferenças entre as partes não podem ser completamente erradicadas. A questão é saber até onde avançar na direção do objetivo utópico e a que custo. Em outras palavras, quantos dos obstáculos ao acesso efetivo à justiça podem e devem ser atacados? A identificação desses obstáculos, consequentemente, é a primeira tarefa a ser cumprida”. (p. 15)
Ainda que faça alusão a desigualdade entre as partes, as palavras de Cappelletti são perfeitamente apropriadas ao momento de transição pelo qual a Justiça brasileira passa. É importante que Poder Judiciário trace objetivos claros, que conheça todos os obstáculos que encontrará pela frente, saiba o custo econômico, humano e social da implantação de sistemas de processo eletrônico e deixe de lado os objetivos utópicos.
O acesso à Justiça é “a ideia central a que converge toda a oferta constitucional e legal” (Grinover, p. 40) dos princípios e garantias fundamentais. É representado pela universalidade de jurisdição, de acordo com as regras e respeitando o devido processo legal e o contraditório, de forma a proporcionar uma prestação jurisdicional justa.
É, portanto, ínsito ao princípio da dignidade da pessoa humana, uma vez que é por meio dele que o indivíduo garante todos os demais direitos (busca a efetividade). Para Barroso (p. 305) existe um núcleo material elementar composto do mínimo existencial, locução que identifica o “conjunto de bens e utilidades básicas para a subsistência física e indispensável ao desfrute da própria liberdade”.
O princípio da dignidade, tem natureza de regra, o que significa dizer que mesmo caracterizado por um “conjunto de prestações materiais mínimas, sem as quais se poderá afirmar que o indivíduo se encontra em situação de indignidade” (Barcellos, 2002, p. 305), onde há a mera sobrevivência não há dignidade”, já que ele deve ter uma aplicação segundo o esquema do “tudo ou nada” (Barroso, 306).
Nesse sentido, as barreiras enumeradas, levam a sua não concretização de forma efetiva, e por via de consequência a violação da dignidade humana, principalmente quando os sistemas de processo eletrônico são impostos de forma açodada e obrigatória, como o que está ocorrendo na atualidade.
CONCLUSÃO
As barreiras de acesso aos sistemas de processo eletrônico violam o direito fundamental de acesso à Justiça, já que não permitem o seu pleno e efetivo gozo. Devem os tribunais rever seus conceitos e buscar a implantação de um sistema único que atenda as reais necessidades e priorizem soluções dos problemas pelo quais atravessa a Justiça brasileira, sem, contudo, impedir que os cidadãos possam bater as suas portas na busca da proteção aos seus direitos e garantias fundamentais, sob pena de exclusão.
Doutor em Direito Civil.
Professor de Direito Civil da Fundação Universidade Federal do Rio Grande/RS.
Advogado
Diretor do Âmbito Jurídico
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