O Processo Telemático, objeto do presente estudo acadêmico, é arquitetado com espeque na aplicação ao procedimento judicial, de forma integral e integrada, da informática e da telemática, termos que ora passamos a elucidar.
A criação da palavra informática é atribuída ao francês Philippe Dreyfus, tendo derivado da junção dos vocábulos informação e automática, embora haja quem defenda que seria uma resultante da junção dos étimos informação e eletrônica (PIMENTEL, 1997, p. 35).
Para Pimentel (1997, p. 42), a informática, quando considerada em sentido amplo, seria sinônimo de documentação; se analisada em sentido restrito, por certo a definição mais difundida, corresponderia ao processamento eletrônico de dados.
Como de forma clara e objetiva elucida o citado jurista, especialista do Direito Informático:
“se à informática aplicarmos os expedientes das telecomunicações, estaremos diante do que se denomina de telemática ou teleinformática. Os experimentos telemáticos quando aplicados ao Direito, conformarão o que parte da doutrina moderna intitula de direito telemático, ou teleinformático”.
A expressão telemática tem origem na França, sendo atribuída ao então presidente Valery Giscard d’Estaing, durante painel, pelo mesmo apresentado, com o título “a informatização da sociedade”, tendo por escopo debater o aproveitamento da rede francesa de telecomunicação para a integração de seus computadores (PIMENTEL, 1997, p. 45).
A telemática, assim, pode ser conceituada como a “técnica que trata da comunicação de dados entre equipamentos informáticos distantes uns dos outros” (PIMENTEL, 1997, p. 45), denominando-se sistema teleinformático o conjunto desses equipamentos e meios de comunicação.
Logo, como será adiante detalhado, é precisamente nesse sentido que adotaremos a expressão processo judicial telemático: aquele processo cujo procedimento se desenvolve em ambiente informático – com o processamento eletrônico das informações jurídicas – e telemático – com o auxílio das telecomunicações, com vistas à eliminação dos óbices de ordem geográfica e à imposição de celeridade ao transporte dos dados jurídicos.
Em linhas gerais, o Processo Telemático pode ser definido como aquela relação jurídico-processual cujo procedimento se desenvolve em ambiente informático – com o processamento eletrônico das informações jurídicas – e telemático – com o auxílio das telecomunicações, com vistas à eliminação dos óbices de ordem geográfica e à imposição de celeridade ao transporte dos dados jurídicos.
Nos termos do documento intitulado Diretrizes para o Desenvolvimento Estratégico do Processo Civil Telemático, elaborado pela Comissão de Planejamento do Projeto de Apoio à Realização do Processo Civil Telemático – esta, por sua vez, vinculada ao Ministério da Justiça italiano – e apresentado no Congresso Unitário dos Sete Tribunais Pilotos que serviram de laboratório para a implementação, naquele país, do Processo Civil Telemático, ocorrido na data de quatro de maio de 2004, em Roma, entende-se por Processo Civil Telemático a gestão integral e integrada da documentação e das comunicações produzidas, em forma digital e telemática, no âmbito de um procedimento contencioso cível qualquer (ZAN, 2004, p. 17).
Adotando-se um enfoque mais geral, que englobe as diversas espécies de processo judicial – e não apenas o processo civil – poderíamos pensar, na ótica conceitual italiana, no Processo Judicial Telemático, protagonista da jurisdição tecnológica, como a gestão integral e integrada da documentação e das comunicações produzidas, em forma digital e telemática, no âmbito de um procedimento judicial qualquer (abrangendo-se não só a jurisdição contenciosa, mas, ademais, a dita voluntária, ou graciosa).
Cumpre destacar, outrossim, que, tecnicamente, o que se afigura informatizado e telematizado é o procedimento – o rito ou forma de exteriorização da relação jurídico-processual, na clássica definição doutrinária – e não o processo, pois este, sendo vínculo jurídico, não é outra coisa senão fruto da abstração humana, prescindindo de existência fora dos precisos limites do mundo jurídico. Não obstante, ainda assim denominaremos esse novo fenômeno de processo – e não procedimento – pelas razões, de ordem metodológica, a seguir expostas.
Urge elucidar – posto que se difundem com velocidade exponencial na doutrina e na jurisprudência, o que pode gerar certa insegurança na identificação de fenômenos equivalentes – a existência de denominações imprecisas, e, destarte, inadequadas do ponto de vista científico, tais como processo eletrônico, e-processo, processo digital, processo virtual e processo cibernético, exempli gratia.
Nesse sentido, interessante notar que, inclusive, são essas denominações, em nossa opinião, equívocas, as mais freqüentes, até hoje, na incipiente doutrina brasileira sobre a matéria, quase inexistindo Autores que se filiem à denominação processo telemático, utilizada no presente trabalho e em consonância com a mais avançada doutrina italiana.
Foi com esse enfoque que decidimos adotar a denominação Processo Telemático para o fenômeno processual efetivado através de meios informáticos e telemáticos, preferindo-a, por entendê-la compreensiva de todo o fenômeno envolvido e não somente parte dele como ocorre naqueles epítetos.
Isso porque tais expressões abrangem a idéia do desenvolvimento do procedimento judicial por meio eletrônico, mas não refletem a necessária presença do elemento telemático, sendo, por isso mesmo, imprecisas.
Como já evidenciado, é o rito ou procedimento – forma de exteriorização do processo – que se sujeita ao fenômeno da informatização e da telematização e não a relação jurídico-processual, abstrata por natureza, e, sendo assim, insuscetível à influência de qualquer energia de ordem física, sendo, sob a ótica material, indiferente aos elétrons que, contudo, revolucionarão a velocidade com que as lides, seu objeto de trabalho, serão resolvidas.
Contudo, adotaremos o vocábulo processo com o fito metodológico de identificar e classificar cientificamente aquelas relações jurídicas processuais caracterizadas por um procedimento informático e telemático, o que seria deveras complexo, por ausência de praticidade, caso adotássemos tão somente a denominação procedimento telemático, mesmo porque, ontologicamente, o procedimento nada mais é do que a exteriorização da relação jurídica processual, essa sim, por ser a essência e razão de existir do Direito Processual, merecedora de maior atenção teórica e pesquisa científica quanto à precisa indexação de suas variadas formas de manifestação.
Outrossim, relevante é a ressalva feita por Pimentel (2003, p. 887) no sentido de que poderíamos adotar a expressão processo teleinformático, entretanto, como releva esse Autor, preferível seguir a experiência doutrinária italiana – que adotou o termo Processo Telemático – e, desta forma, homenagear uma cientificamente desejável uniformidade de identificação em escala universal.
No que concerne à expressão processo virtual, correlata a todo processo judicial que integra a ‘realidade virtual’ forense e científica, como preconiza o sempre citado jurista, essa deve ser concebida como gênero do qual o processo telemático e o processo cibernético são espécies – sendo que esse último teria um plus em relação àquele, uma vez que o seu procedimento “além do emprego de meios informáticos e telemáticos, que proporcionam a digitalização de peças processuais e o seu envio por redes computacionais, também utiliza a inteligência artificial na tomada de decisões judiciais” (PIMENTEL, 2003, p. 887). Logo, o processo cibernético, ao utilizar as vantajosas funções do processo telemático somadas ao atributo da inteligência artificial como instrumento para a tomada de decisões judiciais rotineiras de forma automatizada, estabelece-se como uma etapa mais futurista da Informática Forense, que ainda merece maior atenção e amadurecimento até que, eventualmente, venha a ser implementada.
Contudo, ao contrário da realidade do processo cibernético, os alicerces para a implementação do Processo Telemático já estão postos, não se podendo deixar de enfatizar a inserção do art. 154 no Código de Processo Civil pela Lei 11.280, promovendo a validade jurídica dos atos processuais realizados por meio eletrônico, bem como a edição da novíssima Lei 11.419/2006, originada do P.L. 5.828/01, idealizado pela Associação dos Juízes Federais – AJUFE, que, doravante, regulamentará o processo judicial totalmente informatizado e telematizado no ordenamento jurídico brasileiro, um dos pioneiros nesse sentido.
Tal regulamentação legal apresenta inúmeros pontos polêmicos, aspectos verdadeiramente aplaudíveis e outros que, de forma diametralmente oposta, colocam em risco todo o sucesso desse sistema de jurisdição tecnológica que, realizando a simbiose entre o Poder Judiciário e a Tecnologia, se bem planejado e executado, poderá revolucionar o acesso à justiça – ousamos prognosticar uma “quarta onda de acesso à justiça” – sob o enfoque de Mauro Cappeletti. Todavia, tal como está, o modelo de informatização do processo judicial brasileiro apresenta pontos perniciosos que podem tornar inócuos, ou, ainda pior, caóticos os efeitos da implementação da jurisdição telemática.
Nos próximos artigos, abordaremos muitos desses aspectos, com o desiderato de contribuir para a efervescência da discussão acadêmica de tema tão pragmático e cuja implementação revolucionará, para o bem ou para o mal, toda a prática forense, e que, a despeito disso, vem sendo debatido de forma ainda escassa e superficial no momento em que normas jurídicas já estão sendo editadas e deverão ser cumpridas.
Referências bibliográficas
Acadêmico de Direito pela Universidade Federal de Pernambuco; Bacharelando em Administração de Empresas pela Universidade de Pernambuco; Pesquisador do CNPq
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