Ele é um importante instituto do Direito Civil que se encontra inserido no âmbito do Direito dos Contratos.
Quando a pessoa adquire alguma coisa, é esperado que ela esteja em excelentes condições e livre de qualquer imperfeição ou disformidade.
Contudo, em raras circunstâncias, a coisa que se recebe após a compra apresenta algum defeito que era desconhecido. Nesses casos, o comprador tem a faculdade de suscitar o chamado vício redibitório.
Nomenclaturas fundamentais
ALIENANTE: é aquele que vende a coisa… o vendedor.
ADQUIRENTE: é aquele que compra a coisa… o comprador.
O que é vício redibitório?
De acordo com o doutrinador Carlos Roberto Gonçalves, os vícios redibitórios podem ser definidos como “defeitos ocultos em coisa recebida em virtude de contrato comutativo, que a tornam imprópria ao uso a que se destina, ou lhe diminuam o valor”.
Nesse sentido, o comprador pode, em razão da coisa recebida com defeito, adotar as seguintes condutas:
– se o vendedor não era ciente do defeito da coisa, rejeitá-la e exigir a quantia paga de volta acrescida dos custos contratuais;
– continuar com a coisa com defeito, mas exigir, do vendedor, um abatimento no valor pago;
– se o vendedor era ciente do defeito da coisa, além de rejeitá-la e exigir a quantia paga de volta, o comprador tem o direito de pleitear por perdas e danos.
Tais regramentos estão expressos nos artigos 441, 442 e 443, do Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/2002) da seguinte maneira:
Art. 441. A coisa recebida em virtude de contrato comutativo pode ser enjeitada por vícios ou defeitos ocultos, que a tornem imprópria ao uso a que é destinada, ou lhe diminuam o valor.
Parágrafo único. É aplicável a disposição deste artigo às doações onerosas.
Art. 442. Em vez de rejeitar a coisa, redibindo o contrato (art. 441), pode o adquirente reclamar abatimento no preço.
Art. 443. Se o alienante conhecia o vício ou defeito da coisa, restituirá o que recebeu com perdas e danos; se o não conhecia, tão-somente restituirá o valor recebido, mais as despesas do contrato.
ATENÇÃO: a alegação de vício redibitório nos moldes citados anteriormente cabe nas ocasiões de contratos comutativos, dação em pagamento, permuta e nas empreitadas.
Observado que a coisa padece de defeito, qual o prazo para alegar vício redibitório e obter “redibição” ou “abatimento no preço”?
Segundo o disposto no artigo 445, caput, do CC/2002, os prazos para que o comprador alegue a existência de vício redibitório variam conforme o tipo da coisa:
– se for coisa móvel, 30 dias;
– se for coisa imóvel, 1 ano;
– “[…] se já estava na posse, o prazo conta-se da alienação” (ou seja, da transferência da propriedade da coisa do alienante para o adquirente), “reduzido à metade”.
DETALHE IMPORTANTE:
em se tratando de cláusula de garantia, os prazos elencados no artigo 445, caput, do CC/2002, “não correrão”, “[…] mas o adquirente deve denunciar o defeito ao alienante nos trinta dias seguintes ao seu descobrimento, sob pena de decadência”.
Aqui, vale destacar as ponderações feitas pelo legislador nos parágrafos 1º e 2º do artigo apontado neste tópico:
A aplicação do ato de alegação do vício redibitório de forma tempestiva, ou seja, dentro do prazo legal, evita inúmeros transtornos, sendo o principal deles, a consequente decadência do direito a que se almeja.
O vício redibitório nos contratos de compra e venda de automóveis
A compra de um carro zero quilômetro é um sonho compartilhado por parte do povo brasileiro. Tendo em vista que se está falando de um veículo novo que passou por variados testes de segurança e qualidade, por lógica, a presença de alguma falha sequer é cogitada.
No Superior Tribunal de Justiça (STJ), porém, correm diversas demandas de pessoas em busca de tutela jurisdicional por danos morais e/ou materiais em detrimento de irregularidades em seus bens automotores.
Vejamos algumas decisões no âmbito da jurisprudência do STJ:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE VEÍCULO AUTOMOTOR. RESCISÃO CONTRATUAL. VÍCIO REDIBITÓRIO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. OMISSÃO. INEXISTÊNCIA. VIOLAÇÃO À BOA-FÉ. AUSÊNCIA DE INFORMAÇÃO SOBRE O VEÍCULO. COMPROVAÇÃO. REEXAME DE PROVAS. INVIABILIDADE. AGRAVO INTERNO IMPROVIDO.
(AgInt no AREsp 918.638/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 22/03/2021, DJe 13/04/2021)
(grifo nosso)
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. RECURSO MANEJADO SOB A ÉGIDE DO NCPC. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO POR VÍCIO REDIBITÓRIO. VEÍCULO COM DEFEITO. DANOS MATERIAIS. VALOR DA TABELA FIPE PARA UTILIZAÇÃO DO CÁLCULO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. SÚMULA Nº 211 DO STJ. VEÍCULO ZERO KM. VÍCIOS. TRIBUNAL ESTADUAL QUE CONCLUIU PELA EXISTÊNCIA DE DANOS MORAIS, PORQUE A SITUAÇÃO ULTRAPASSOU O MERO DISSABOR. MODIFICAÇÃO. ACORDÃO EM CONSONÂNCIA COM O ENTENDIMENTO FIRMADO NESTA CORTE. REEXAME DE MATÉRIA FÁTICO-PROBATÓRIA. IMPOSSIBILIDADE. INCIDÊNCIA DAS SÚMULAS NºS 7 E 568 DO STJ. DECISÃO MANTIDA. AGRAVO INTERNO NÃO PROVIDO.
Revisão do valor fixado na origem. Impossibilidade. Súmula nº 7 do STJ.
(AgInt no REsp 1703563/AC, Rel. Ministro MOURA RIBEIRO, TERCEIRA TURMA, julgado em 19/10/2020, DJe 22/10/2020)
(grifo nosso)
Ainda acerca dos vícios redibitórios, existe no contexto jurisprudencial do STJ, decisões que indeferem os pedidos dos adquirentes (por redibição ou abatimento do preço) e que demonstram, em seus fundamentos, os casos que ensejam os referidos vícios. Observe o exemplo abaixo:
AGRAVO INTERNO NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RESPONSABILIDADE CIVIL POR VÍCIO DO PRODUTO CUMULADA COM PEDIDO DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MATERIAIS E MORAIS. COMPRA E VENDA DE AUTOMÓVEL NOVO. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. PROVA EMPRESTADA. POSSIBILIDADE. POTÊNCIA INFERIOR À ANUNCIADA. DIFERENÇA MÍNIMA. VÍCIO QUE NÃO TORNOU O VEÍCULO IMPRÓPRIO OU INADEQUADO AO USO. DESCUMPRIMENTO CONTRATUAL. DANOS MORAIS NÃO CARACTERIZADOS. SEGUNDOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO REJEITADOS. MULTA PROCESSUAL. CABIMENTO. AGRAVO DESPROVIDO.
III) o abatimento proporcional do preço.
(AgInt no AREsp 1521140/SP, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, QUARTA TURMA, julgado em 24/08/2020, DJe 15/09/2020)
(grifo nosso)
RECURSO ESPECIAL. DIREITO CIVIL. PRETENSÃO ESTIMATÓRIA (QUANTI MINORIS). NEGÓCIO JURÍDICO. VÍCIO REDIBITÓRIO. DIREITO DE USO, GOZO E FRUIÇÃO DA ÁREA DE LAJE DA COBERTURA. AUTORIZAÇÃO MUNICIPAL POSTERIOR. SANEAMENTO. AFASTAMENTO DA PRETENSÃO DE ABATIMENTO DO PREÇO. POSSIBILIDADE DE INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS, DECORRENTE DO PERÍODO EM QUE IMPEDIDO DE EXERCER O DIREITO DE USO, GOZO E FRUIÇÃO DA LAJE COBERTURA.
(REsp 1478254/RJ, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, QUARTA TURMA, julgado em 08/08/2017, DJe 04/09/2017)
(grifo nosso)
Segundo a juíza de Direito, Ana Lúcia Penhalbel Moraes, “a responsabilidade em decorrência de vícios redibitórios é, fundamentalmente pessoal, ou seja, somente pode ser exercido o direito de pleitear a redibição do contrato ou o abatimento proporcional do preço em face daquele que vendeu o bem, não existindo solidariedade com antecessores do negócio, caso, porventura, possa ser caracterizada uma cadeia negocial”.
O entendimento de Penhalbel Moraes é salutar para entender que, no caso do contrato de compra e venda de automóvel, há, de fato, uma relação de consumo nos moldes do que preceitua o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
No Brasil, o CDC é a legislação específica que aborda sobre as questões norteadoras na defesa dos direitos dos consumidores.
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
[…]
II – ação governamental no sentido de proteger efetivamente o consumidor:
[…]
Em seus 119 artigos, o CDC, por óbvio, é mais amplo quanto à proteção do comprador – nas relações de consumo – do que Código Civil Brasileiro de 2002 (CC/2002).
Todavia, nas palavras do pesquisador na área do Direto, Rodrigo do Prado Bittencourt, da Universidade de Coimbra, “o instituto do vício redibitório continua relevante nas situações não cobertas pelo Código de Defesa do Consumidor, como são as transações entre empresas (desde que não atendam às exigências do código para caracterizar relação de consumo) e muitos negócios praticados entre pessoas físicas”.
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