Resumo: Em sede de comentários introdutórios, cuida destacar que a filiação socioafetiva não esta lastreada no nascimento, enquanto fato biológico, mas sim decorre de ato de vontade, construída e reconstruída, cotidianamente, no tratamento e na publicidade, colocando em destaque, concomitantemente, a verdade biológica e as presunções jurídicas. Socioafetiva é aquela filiação que se constrói a partir de um respeito recíproco, de um tratamento em mão-dupla como pai e filho, inabalável na certeza de que aquelas pessoas, de fato, são pai e filho. Desta sorte, o critério socioafetivo de determinação do estado de filho apresenta-se como um instrumento que aquilata o império da genética, conferindo concreção a um rompimento dos liames biológicos que emolduram a filiação, possibilitando, via de consequência, que o vínculo paterno-filial não esteja estanque à transmissão de genes. Trata-se, com efeito, da possibilidade de cisão entre o genitor e o pai. À sombra dos comentários expendidos até o momento, notadamente a proeminência contida no corolário da afetividade, é possível destacar que o preceito ora mencionado representa vetor de interpretação, sendo considerado como verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o Ordenamento Pátrio vigorante, traduzindo, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática, salvaguardada pelo sistema de direito constitucional positivo.
Palavras-chaves: Dupla Paternidade. Princípio da Busca pela Felicidade. Entendimento Jurisprudencial.
Sumário: 1 Comentários Introdutórios: A Filiação à Luz do Princípio da Igualdade entre os Filhos; 2 O Princípio da Afetividade enquanto Axioma de Validação da Filiação Socioafetiva; 3 A Filiação Socioafetiva: A Complexidade dos Arranjos Familiares Contemporâneos como elementos de influência do estabelecimento dos Vínculos de Filiação; 4 O Reconhecimento da Dupla Paternidade e o Princípio Constitucional da Busca pela Felicidade: Primeiras Considerações ao Recurso Extraordinário nº 898.069
1 Comentários Introdutórios: A Filiação à Luz do Princípio da Igualdade entre os Filhos
Em sede de comentários introdutórios, cuida destacar que a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, buscando promover um diálogo entre os anseios da sociedade e as maciças modificações insertas na sociedade, em decorrência do cenário contemporâneo, estabeleceu um sucedâneo de alterações em valores que, até então, estavam impregnados de aspecto eminentemente patrimonial. Nesta senda, denota-se que as disposições legais que norteavam as relações familiares, refletindo os aspectos característicos que abalizavam a Codificação de 1916, arrimada no conservadorismo, estavam eivadas de anacrocidade, não mais correspondendo aos desejos da sociedade. Nesta toada, é possível pontuar que, com clareza solar, o artigo 227 da Constituição Federal, em seu parágrafo 6º, hasteia o princípio da isonomia entre os filhos, afixando que “os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”[1]. Por oportuno, cuida evidenciar que o ideário de igualdade, enquanto flâmula orientadora, tem o condão de obstar as distinções entre filhos, cujo argumento de fundamentação é a união que estabelece o liame entre os genitores, casamento ou união estável, além de repudiar as diferenciações alocadas na origem biológica ou não. “Não há mais, assim, a possibilidade de imprimir tratamento diferenciado aos filhos em razão de sua origem. Sequer admite-se qualificações indevidas dos filhos”[2]. Ora, com a promulgação da Carta de 1988, verifica-se que o Constituinte, sensível ao cenário contemporâneo apresentado, bem como impregnado pela mutabilidade, passou a valorar as relações familiares enquanto emolduradas pelo aspecto de afetividade.
Desta feita, com supedâneo em tal sedimento, é plenamente possível anotar que todo e qualquer filho gozará dos mesmos direitos e proteção, seja em órbita patrimonial, seja em âmbito pessoa. Destarte, todos os dispositivos legais que, de maneira direta ou indireta, acinzelem algum tratamento diferenciado entre os filhos deverão ser rechaçados do Ordenamento Pátrio. Operou-se, desta sorte, a plena e total equiparação entre os filhos tanto na constância da entidade familiar como aqueles tidos fora de tal entidade, bem assim os adotivos. Ademais, não mais prosperam as regras discriminatórias que antes nomeavam os filhos como sendo ilegítimos. Trata-se, com efeito, da promoção da dignidade da pessoa humana, superprincípio hasteado pelo Ordenamento Pátrio como pavilhão, que fora, em razão dos costumes e dogmas adotados pelo Códex de 1916 olvidados. Colaciona-se, além disso, o entendimento jurisprudencial que obtempera:
“Ementa: Direito de Família. Filiação Adulterina. Investigação de Paternidade. Possibilidade Jurídica. I – Em face da nova ordem constitucional, que abriga o princípio da igualdade jurídica dos filhos, possível é o ajuizamento da ação investigatória contra genitor casado. II – Em se tratando de direitos fundamentais de proteção a família e a filiação, os preceitos constitucionais devem merecer exegese liberal e construtiva, que repudie discriminações incompatíveis com o desenvolvimento social e a evolução jurídica.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 7.631/RJ/ Relator Ministro Sálvio de Figueiredo Teixeira/ Julgado em 17.09.1991/ Publicado no DJ em 04.11.1991, p. 15.688).
Nesse diapasão, a mais proeminente consequência da afirmação do corolário da isonomia entre os filhos é tornar o interesse menorista o essencial critério de solução de conflitos que envolvam crianças ou adolescentes, inserindo robustas alterações no poder familiar. Ao lado disso, cuida citar as ponderações de Madaleno, “embora ainda não tenha sido atingido o modelo ideal de igualdade absoluta da filiação, porque esquece a lei a filiação socioafetiva, ao menos a verdade biológica e a adotiva não mais encontram resquício algum de diferenciação e tratamento”[3]. Sobreleva ponderar que a isonomia propalada no Texto Constitucional compreende a prole havida ou não durante a constância do matrimônio, bem como “os filhos adotivos e aqueles havidos por inseminação artificial heteróloga (com material genético de terceiro)”[4], como bem destacam Flávio Tartuce e José Fernando Simão. Neste sentido, é possível colacionar que “a licença maternidade conferida às mães adotantes encontra-se embasada no princípio da isonomia insculpido na Carta Magna, que garantiu tratamento igualitário aos filhos naturais e adotivos, consoante disposto no art. 227, da CR/88”[5]. Com toda a propriedade e pertinência, as modificações propiciadas pelos anseios da coletividade e pela contemporaneidade, as quais influenciaram o Constituinte na elaboração da Carta Cidadã, permitiram que fossem extirpadas do Ordenamento Pátrio as discriminatórias expressões de filho adulterino e filho incestuoso, tal como a nomenclatura de filho espúrio ou filho bastardo, que refletiam o tratamento diferenciador existente durante o Estatuto Civil de 1916, o qual privilegiava a família pautada no conservadorismo e no patrimônio. Ora, a norma abrigada no Texto Constitucional estabelece a isonomia entre toda a prole, consagrando, por mais uma vez, os aspectos de afetividade, não permitindo mais a diferenciação que vigia.
Insta salientar que, conquanto a legislação não tenha consagrado à proteção a filiação socioafetiva, os Tribunais de Justiça, com fincas no superprincípio da dignidade da pessoa humana, têm ofertado respaldo a tal situação. Afora isso, impender negritar que a estruturação de uma relação pautada em liames socioafetivos, de maneira indelével e robusta, a existência do filho afetivo assegura o direito subjetivo, inclusive, de vindicar em juízo o reconhecimento desse vínculo. No mais, deve a filiação socioafetiva ser inconteste, reunindo, via de consequência, além do óbvio convívio entre os possíveis genitores e os pretensos filhos, elemento concretos, que demonstrem, com segurança, que aqueles detinham o desejo de exercerem a condição de pais, conjugado com o nome, o tratamento e os fatores caracterizadores da posse do estado de filho. Cita-se, oportunamente, o seguinte entendimento jurisprudencial que se coaduna com o lançado a campo:
“Ementa: Civil e Processual Civil. Recurso Especial. Família. Reconhecimento de Paternidade e Maternidade Socioafetiva. Possibilidade. Demonstração. 1. A paternidade ou maternidade socioafetiva é concepção jurisprudencial e doutrinária recente, ainda não abraçada, expressamente, pela legislação vigente, mas a qual se aplica, de forma analógica, no que forem pertinentes, as regras orientadoras da filiação biológica. 2. A norma princípio estabelecida no art. 27, in fine, do ECA afasta as restrições à busca do reconhecimento de filiação e, quando conjugada com a possibilidade de filiação socioafetiva, acaba por reorientar, de forma ampliativa, os restritivos comandos legais hoje existentes, para assegurar ao que procura o reconhecimento de vínculo de filiação sociafetivo, trânsito desimpedido de sua pretensão. 3. Nessa senda, não se pode olvidar que a construção de uma relação socioafetiva, na qual se encontre caracterizada, de maneira indelével, a posse do estado de filho, dá a esse o direito subjetivo de pleitear, em juízo, o reconhecimento desse vínculo, mesmo por meio de ação de investigação de paternidade, a priori, restrita ao reconhecimento forçado de vínculo biológico. […]” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1.189.663/RS/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 06.09.2011/ Publicado no DJe em 15.09.2011).
“Ementa: Direito civil. Família. Recurso Especial. Ação de anulação de registro de nascimento. Ausência de vício de consentimento. Maternidade socioafetiva. Situação consolidada. Preponderância da preservação da estabilidade familiar. […] – O descompasso do registro de nascimento com a realidade biológica, em razão de conduta que desconsidera o aspecto genético, somente pode ser vindicado por aquele que teve sua filiação falsamente atribuída e os efeitos daí decorrentes apenas podem se operar contra aquele que realizou o ato de reconhecimento familiar, sondando-se, sobretudo, em sua plenitude, a manifestação volitiva, a fim de aferir a existência de vínculo socioafetivo de filiação. Nessa hipótese, descabe imposição de sanção estatal, em consideração ao princípio do maior interesse da criança, sobre quem jamais poderá recair prejuízo derivado de ato praticado por pessoa que lhe ofereceu a segurança de ser identificada como filha. – Some-se a esse raciocínio que, no processo julgado, a peculiaridade do fato jurídico morte impede, de qualquer forma, a sanção do Estado sobre a mãe que reconheceu a filha em razão de vínculo que não nasceu do sangue, mas do afeto. – Nesse contexto, a filiação socioafetiva, que encontra alicerce no art. 227, § 6º, da CF/88, envolve não apenas a adoção, como também “ parentes com os de outra origem”, conforme o pelo art. 1.593 do CC/02, além daqueles decorrentes da consanguinidade oriunda da ordem natural, de modo a contemplar a socioafetividade surgida como elemento de ordem cultural. – Assim, ainda que despida de ascendência genética, a filiação socioafetiva constitui uma relação de fato que deve ser reconhecida e amparada juridicamente. Isso porque a maternidade que nasce de uma decisão espontânea deve ter guarida no Direito de Família, assim como os demais vínculos advindos da filiação. – Como fundamento maior a consolidar a acolhida da filiação socioafetiva no sistema jurídico vigente, erige-se a cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade do ser humano. Permitir a desconstituição de reconhecimento de maternidade amparado em relação de afeto teria o condão de extirpar da criança – hoje pessoa adulta, tendo em vista os 17 anos de tramitação do processo – preponderante fator de construção de sua identidade e de definição de sua personalidade. E a identidade dessa pessoa, resgatada pelo afeto, não pode ficar à deriva em face das incertezas, instabilidades ou até mesmo interesses meramente patrimoniais de terceiros submersos em conflitos familiares. […]” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1.000.356/SP/ Relatora Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 25.05.2010/ Publicado no DJe em 07.06.2010).
A realidade inaugurada pela Constituição da República Federativa do Brasil de 1988[6], notadamente a robusta tábua principiológica que a influencia, concatenada com os anseios da sociedade, rendeu ensejo a um polimorfismo familiar, manifestado precipuamente no princípio da diversidade das entidades familiares, viabilizando que núcleos familiares distintos gozem do amparo legal e reconhecimento, bem assim especial proteção do Ente Estatal, como instrumento de afirmação dos feixes irradiados pela dignidade da pessoa humana. Não se pode olvidar que os princípios constitucionais concernentes a institutos típicos de direito privados passaram a nortear a própria interpretação a ser conferida à legislação infraconstitucional. O bastião robusto da dignidade da pessoa humana passou a assumir dimensão transcendental e normativa, sendo a Carta de 1988 içada a centro de todo o sistema jurídico, irradiando, por conseguinte, seus múltiplos valores e conferindo-lhe unicidade. No mais, cuida pontuar que o direito é fato, norma e valor, motivo pelo qual a modificação maciça do fato deve, imperiosamente, conduzir uma releitura do fenômeno jurídico, iluminado pelos novos valores hasteados. A família é um fenômeno fundamentalmente natural-sociológico, cuja gênese é antecedente a do próprio ente Estatal.
2 O Princípio da Afetividade enquanto Axioma de Validação da Filiação Socioafetiva
Ao se analisar as relações compreendidas pelo Direito de Família, denota-se que o afeto é o axioma de sustentação dos laços familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, a fim de atribuir sentido ao corolário da dignidade da pessoa humana. Consoante lecionam Tartuce e Simão, “o afeto talvez seja apontado, atualmente, como o principal fundamento das relações familiares. Mesmo não constando a expressão afeto do Texto Maior como sendo um direito fundamental, pode-se afirmar que ele decorre da valorização constante da dignidade humana”[7]. Neste aspecto, é possível salientar que o corolário da afetividade, enquanto preceito implicitamente alocado no superprincípio da dignidade da pessoa humana, apresenta-se como proeminente vetor de inspiração das relações familiares.
Após o advento da Constituição Federal de 1988, surgiu um novo paradigma para as entidades familiares, não existindo mais um conceito fechado de família, mas, sim, um conceito eudemonista socioafetivo, moldado pela afetividade e pelo projeto de felicidade de cada indivíduo. Assim, a nova roupagem assumida pela família liberta-se das amarras biológicas, transpondo-se para as relações de afeto, de amor e de companheirismo. Vale dizer, em razão da fluidez e complexidade dos contemporâneos arranjos familiares, é plenamente possível destacar que os vínculos, notadamente a filiação, não decorrem tão somente de uma questão biológica; ao reverso, o afeto se apresenta como baldrame impregnado de substância, notadamente quando é responsável por estabelecer os vínculos entre os integrantes da entidade familiar.
Cuida destacar que o afeto não decorre tão somente da biologia, mas sim dos liames de sentimentos e responsabilidade que decorrem da convivência. O contemporâneo Direito das Famílias, superado o aspecto patriarcal-patrimonialista que vigorava durante a regência do Estatuto de 1916, valora o cânone em comento como bastião sustentador das relações, conferindo a proeminência à complexidade dos arranjos familiares. “Em que pese o distanciamento entre a verdade real e a biológica, o acolhimento do pleito anulatório não se justifica quando o ato jurídico de reconhecimento de filho não padece de vício e quando ficou claro que se estabeleceu forte liame socioafetivo”[8]. O novo ordenamento jurídico estabeleceu como fundamental o direito à convivência familiar. Faz-se necessário reconhecer que a Constituição Federal legitimou o afeto, emprestando-lhe efeitos jurídicos.
3 A Filiação Socioafetiva: A Complexidade dos Arranjos Familiares Contemporâneos como elementos de influência do estabelecimento dos Vínculos de Filiação
Em sede de comentários introdutórios, cuida destacar que a filiação socioafetiva não esta lastreada no nascimento, enquanto fato biológico, mas sim decorre de ato de vontade, construída e reconstruída, cotidianamente, no tratamento e na publicidade, colocando em destaque, concomitantemente, a verdade biológica e as presunções jurídicas. “Sócio-afetiva é aquela filiação que se constrói a partir de um respeito recíproco, de um tratamento em mão-dupla como pai e filho, inabalável na certeza de que aquelas pessoas, de fato, são pai e filho”[9]. Desta sorte, o critério socioafetivo de determinação do estado de filho apresenta-se como um instrumento que aquilata o império da genética, conferindo concreção a um rompimento dos liames biológicos que emolduram a filiação, possibilitando, via de consequência, que o vínculo paterno-filial não esteja estanque à transmissão de genes. Trata-se, com efeito, da possibilidade de cisão entre o genitor e o pai. Aliás, a valoração da socioafetividade, em sede de liames familiares, já foi consagrada pelo entendimento jurisprudencial, consoante se extrai do aresto paradigmático coligido:
“Ementa: Direito de família. Recurso especial. Ação investigatória de paternidade e maternidade ajuizada pela filha. Ocorrência da chamada "adoção à brasileira". Rompimento dos vínculos civis decorrentes da filiação biológica. Não ocorrência. Paternidade e maternidade reconhecidos. 1. A tese segundo a qual a paternidade socioafetiva sempre prevalece sobre a biológica deve ser analisada com bastante ponderação, e depende sempre do exame do caso concreto. É que, em diversos precedentes desta Corte, a prevalência da paternidade socioafetiva sobre a biológica foi proclamada em um contexto de ação negatória de paternidade ajuizada pelo pai registral (ou por terceiros), situação bem diversa da que ocorre quando o filho registral é quem busca sua paternidade biológica, sobretudo no cenário da chamada "adoção à brasileira". 2. De fato, é de prevalecer a paternidade socioafetiva sobre a biológica para garantir direitos aos filhos, na esteira do princípio do melhor interesse da prole, sem que, necessariamente, a assertiva seja verdadeira quando é o filho que busca a paternidade biológica em detrimento da socioafetiva. No caso de ser o filho – o maior interessado na manutenção do vínculo civil resultante do liame socioafetivo – quem vindica estado contrário ao que consta no registro civil, socorre-lhe a existência de "erro ou falsidade" (art. 1. 604 do CC/02) para os quais não contribuiu. Afastar a possibilidade de o filho pleitear o reconhecimento da paternidade biológica, no caso de "adoção à brasileira", significa impor-lhe que se conforme com essa situação criada à sua revelia e à margem da lei. 3. A paternidade biológica gera, necessariamente, uma responsabilidade não evanescente e que não se desfaz com a prática ilícita da chamada "adoção à brasileira", independentemente da nobreza dos desígnios que a motivaram. E, do mesmo modo, a filiação socioafetiva desenvolvida com os pais registrais não afasta os direitos da filha resultantes da filiação biológica, não podendo, no caso, haver equiparação entre a adoção regular e a chamada "adoção à brasileira". 4. Recurso especial provido para julgar procedente o pedido deduzido pela autora relativamente ao reconhecimento da paternidade e maternidade, com todos os consectários legais, determinando-se também a anulação do registro de nascimento para que figurem os réus como pais da requerente.” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.167.993/RS/ Relator: Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 18.12.2012/ Publicado no DJe em 15.03.2013).
À sombra dos comentários expendidos até o momento, notadamente a proeminência contida no corolário da afetividade, é possível destacar que o preceito ora mencionado representa vetor de interpretação, sendo considerado como verdadeiro valor-fonte que conforma e inspira todo o Ordenamento Pátrio vigorante, traduzindo, de modo expressivo, um dos fundamentos em que se assenta a ordem republicana e democrática, salvaguardada pelo sistema de direito constitucional positivo. “A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto”[10]. Com efeito, os vínculos sanguíneos não têm o condão de se sobrepor aos laços afetivos nutridos, podendo, inclusive, ser afirmada a prevalência desses em relação àqueles[11]. Ora, não se pode olvidar que, corriqueiramente, se vislumbra a concreção da filiação socioafetiva enquanto processo contínuo e diário, no qual a convivência e a responsabilidade são responsáveis por nutrir e desenvolver laços que superam o biológico, estando pautados em uma identificação afetiva. “A filiação sócio-afetiva é aquela em que se desenvolvem durante o tempo do convívio, laços de afeição e identidade pessoal, familiares e morais”[12]. A partir daí, o afeto passou a merecer a tutela jurídica tanto nas relações interpessoais como também nos vínculos de filiação. A partir da Constituição de 1988, linhas fundamentais foram regulamentadas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e projetaram-se no Código Civil de 2002, dando prevalência à paternidade afetiva e aos interesses primordiais da criança.
Esta paternidade é aquela que se sobrepõe aos laços sanguíneos decorrentes das alterações familiares da atualidade: desconstituição das famílias, pai que não assume a paternidade, adoção, entre outros. Na verdade, é aquela em que o pai não biológico passa a tratar a criança, no âmbito de uma família, como filha, criando-a e sendo responsável pela mesma. O afeto, enquanto constitutivo de dogma, se revela de maciça importância, sendo, inclusive, um dos baldrames estruturantes dos argumentos que inspiraram o reconhecimento da união homoafetiva pelo Supremo Tribunal Federal, explicitando a valoração dos vínculos pautados no mútuo respeito, companheirismo e busca pela felicidade. No mais, com bastante proeminência, Daniel Sarmento, ao lecionar acerca do tema em debate, saliento, oportunamente, que:
“Enfim, se a nota essencial das entidades familiares no novo paradigma introduzido pela Constituição de 88 é a valorização do afeto, não há razão alguma para exclusão das parcerias homossexuais, que podem caracterizar-se pela mesma comunhão e profundidade de sentimentos presentes no casamento ou na união estável entre pessoas de sexos opostos, não existindo, portanto, qualquer justificativa legítima para a discriminação praticada contra os homossexuais”[13].
Em que pese o substancial destaque da afetividade, enquanto elemento estruturação de filiações, cuida salientar que aquela não tem o condão de suplantar, cegamente, o critério biológico. Com efeito, tão somente no caso concreto, consideradas as mais diversas e complexas circunstâncias, tal como os elementos probatórios que instruem o apostilado processual, para que seja possível definir um determinado critério para estabelecer o vínculo paterno-filial. “O acolhimento de uma pessoa como filho, mesmo sem a presença do elemento biológico, não é recente na história do Direito, apenas passou por um tempo oculto pela força da presunção decorrente do casamento”[14]. Ao lado disso, quadra salientar que a filiação socioafetiva decorre da convivência cotidiana, de uma edificação diária, não encontrando explicação nos laços genéticos, mas sim no tratamento estabelecido entre pessoas que ocupam, de maneira recíproca, o papel de pai e filho. Não há que se falar, contudo, que a filiação socioafetiva decorre de um único ato; ao reverso, imprescindível se faz um conjunto de atos de afeição e solidariedade, que, com clareza solar, tornam explicitados a existência de uma relação entre pai/mãe e filho.
Ora, não se trata de qualquer dedicação afetiva que tem o condão de construir um liame paterno-filial, promovendo, por consequência, a alteração do estado filiatório do indivíduo. Nesta senda, é preciso que o afeto existente na relação seja capaz de sobrepujar os vínculos biológicos, em razão da sua robustez, sendo elemento decisivo na construção intelectual do indivíduo. É o afeto substancializado, rotineiramente, por dividir diálogos e projetos de vida, repartir carinho, conquistas, esperanças e preocupações, orientar os caminhos a ser seguido, ensinar e aprender, reciprocamente. Há, neste aspecto, uma compreensão ética da filiação no critério socioafetivo, concedendo prestígio ao comportamento das partes envolvidas ao longo de defluxo do lapso temporal. Nas situações em que se verifica no caso de incidência do critério socioeducativo, a filiação está assentada no serviço e no amor dispensado e não na procriação. Com maestria, Rolf Madaleno sustenta que:
“Maior prova da importância do afeto nas relações humanas está na igualdade da filiação (art. 1.596, CC), na maternidade e paternidade socioafetivas e nos vínculos de adoção, como consagra esse valor supremo ao admitir outra origem de filiação distinta da consanguínea (art, 1.593, CC), ou ainda através da inseminação artificial heteróloga (art. 1.597, V, CC); na comunhão plena de vida, só viável enquanto presente o afeto, ao lado da solidariedade, valores fundantes cuja soma consolida a unidade familiar, base da sociedade a merecer prioritária proteção constitucional”[15].
Por óbvio, o laço socioafetivo reclama de comprovação da convivência respeitosa, pautada na publicidade e alicerçada firmemente. Entrementes, não é preciso que o afeto esteja presente no instante em que é discutida a filiação em juízo, sendo comum, quando a demanda alcança as vias ordinárias judiciais, o afeto ter cessado por diferentes motivos. Importante faz-se provar a existência do afeto durante a convivência e que aquele era o liame que entrelaçou os envolvidos durante suas existências, sendo possível sublinhar que a personalidade do filho foi constituída sobre o vínculo afetivo, ainda que, naquele exato momento, não mais exista. O exemplo mais corriqueiro é a “adoção à brasileira”, na qual o indivíduo registra como seu filho um estranho e, depois de anos de uma relação pautada no afeto e de uma vivência como pai e filho, busca negar a relação filiatória por algum motivo. Rememorar se faz imperioso que, mesmo cessado o afeto em determinado momento, a filiação, in casu, se estabeleceu pelo critério afetivo, o qual deve ser reconhecido pelo Poder Judiciário, nos casos concretos.
Destacam Farias e Rosenvald que “adquire o critério sócio-afetivo singular importância para a determinação filiatória por implicar o reconhecimento da insuficiência do critério biológico”[16]. Nesta senda, a filiação, a depender de cada situação concreta, atento às diferentes circunstâncias da vida humana, é possível apresentar diferentes feições, ora alicerçada, essencialmente, na genética e noutras situações, sedimentada no afeto, daquele que assumiu função paterna. É possível, em algumas hipóteses, verificar a presença de afeto, como elemento delineador do estado de filiação, a saber: (i) na adoção obtida de maneira judicial; (ii) no fenômeno de acolhimento de um “filho de criação”, quando explicitada a presença da posse do estado de filho; (iii) na “adoção à brasileira”, consistente no reconhecimento voluntário de seu um filho que sabe não ser; e (iv) no reconhecimento voluntário ou judicial da filiação de um filho de outra pessoa[17]. Remansoso é o entendimento jurisprudencial que consagra a filiação afetiva, consoante se inferem dos arestos:
“Ementa: Direito de Família. Ação Negatória de Paternidade. Exame de DNA negativo. Reconhecimento de paternidade socioafetiva. Improcedência do pedido. […] 2. No caso, as instâncias ordinárias reconheceram a paternidade socioafetiva (ou a posse do estado de filiação), desde sempre existente entre o autor e as requeridas. Assim, se a declaração realizada pelo autor por ocasião do registro foi uma inverdade no que concerne à origem genética, certamente não o foi no que toca ao desígnio de estabelecer com as então infantes vínculos afetivos próprios do estado de filho, verdade em si bastante à manutenção do registro de nascimento e ao afastamento da alegação de falsidade ou erro. […].” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 1.059.214/RS/ Relator: Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 16.02.2012/ Publicado no DJe em 12.03.2012).
“Ementa: Direito Civil e da Criança. Negatória de paternidade socioafetiva voluntariamente reconhecida proposta pelos filhos do primeiro casamento. Falecimento do pai antes da citação. Fato superveniente. Morte da criança. 1. A filiação socioafetiva encontra amparo na cláusula geral de tutela da personalidade humana, que salvaguarda a filiação como elemento fundamental na formação da identidade e definição da personalidade da criança. […] 3. Recurso especial provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 450.566/RS/ Relatora: Ministra Nancy Andrighi/ Julgado em 03.05.2011/ Publicado no DJe em 11.05.2011).
Mencionar faz-se imperioso que o critério socioafetivo, tal como os demais, pode ser empregado em todas as ações que versem acerca da filiação, desde a ação investigatória de parentalidade, aforada pelo filho para o reconhecimento de seu pai ou mãe, até a ação negatória de filiação, ajuizada pelo pai/mãe ou pelo filho para negas a existência do vínculo paterno filial, caminhando pela ação de impugnação de filiação, promovida pelo filho, pelo pai/mãe ou mesmo pelo terceiro interessado para demonstrar a inexistência de uma relação paterno-filial já reconhecida. Em qualquer demanda, contendo no seu bojo a discussão acerca do estado de filho, é possível alegar e discutir a tese da afetividade, com o escopo de determinar se é, ou não, o critério caracterizador daquela situação concreta. “De qualquer sorte, releva a lembrança de que a afetividade somente pode ser invocada para determinar o estado de filiação, jamais para negá-lo. Isto é, não pode o juiz acolher a tese de desafetividade, de modo a negar um vínculo”[18]. Visando negar o vínculo, deverá o indivíduo invocar os demais critérios, destoantes do afetivo, em razão dos argumentos expostos.
Registrar faz-se carecido de que, uma vez fixada a filiação, com supedâneo no critério socioafetivo, quando a afetividade foi a marca caracterizadora da relação entre as pessoas envolvidas, afasta-se, em definitivo, o vínculo biológico, não sendo possível, em razão disso, vindicar verba alimentar ou participar da herança do genitor. Com destaque, essa é a única solução, consolidando, inclusive, o fenômeno de despatrimonialização do Direito das Famílias. Ora, não faz sentido que se determine a paternidade ou maternidade com arrimo em interesses puramente econômicos, devendo ressaltar e ser prestigiado o indivíduo e, por consequência, a proteção da personalidade. Nesta senda, são rompidos os vínculos com o biológico, que atua, simplesmente, como genitor, não podendo ser compelido a prestar alimentos e não transmitindo herança para o filho que estabeleceu uma filiação socioafetiva com outrem.
4 O Reconhecimento da Dupla Paternidade e o Princípio Constitucional da Busca pela Felicidade: Primeiras Considerações ao Recurso Extraordinário nº 898.069
Recentemente, nos dias 21 e 22.09.2016, o Supremo Tribunal Federal decidiu a temática envolvendo a (im)possibilidade da concomitância de dupla paternidade e os efeitos destas para o filho. Na oportunidade, o paradigmático voto condutor, do relator Ministro Luiz Fux, acompanhado pela maioria dos integrantes da Suprema Corte Brasileira, assentou a possibilidade coexistência entre os vínculos socioafetivo e biológico, bem como que a ocorrência do primeiro, por si só, não tem o condão de afastar as responsabilidades advindas do segundo. Neste sentido, “o ministro Luiz Fux votou no sentido de se estabelecer que a paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica”[19]. Em complemento ao expendido, cuida observar que o artigo 226, §7º, da Constituição Federal[20], ao anunciar o princípio da paternidade responsável, estabelece que na perspectiva da dignidade da pessoa humana e da busca pela felicidade, impõe o acolhimento, no espectro legal, a existência dos vínculos de filiação edificados pela relação afetiva entre os envolvidos, tal como daqueles advindos da ascendência biológica, sem que seja necessário decidir entre um ou outro vínculo quando o melhor interesse do descendente for o reconhecimento jurídico de ambos.
Denota-se, portanto, em um primeiro momento, que a Suprema Corte Brasileira, na condição de intérprete do Texto Constitucional, buscou, a partir do primado da dignidade da pessoa humana, alargar a interpretação, de modo a assegurar que tal perspectiva se voltasse para a promoção e realização daquele que terá a possibilidade de usufruir do reconhecimento de ambos os vínculos. Ademais, ao reconhecer que o Direito e as leis produzidas são contemporâneas às necessidades apresentadas pela sociedade e que esta, com destaque, deve ser observada como mote para aplicação do ordenamento jurídico, o Ministro Relator explicitou que o reconhecimento da dupla paternidade configura estrutura imprescindível para se alcançar o ideário da família como célula-base da sociedade e o local primordial em que o indivíduo encontra sua realização, a partir da confluência de zelo, afeto e cuidados. “Destacando que a paternidade sociafetiva é uma realidade e que o conceito de pluriparentalidade não é novidade, o ministro afirmou que o direito é que deve curvar-se às vontades e necessidades das pessoas, ‘não o contrário’”[21]. Nesta esteira, extrai-se do voto do relator:
“Como afirma o Tribunal Constitucional Federal alemão, a dignidade humana compreende o ser humano como um ser intelectual e moral, capaz de determinar-se e desenvolver-se em liberdade. [omissis] Cuida-se, assim, da assunção, pelo ordenamento jurídico, de que a eleição das próprias finalidades e objetivos de vida do indivíduo tem preferência absoluta em relação a eventuais formulações legais definidoras de modelos preconcebidos, destinados a resultados eleitos a priori pelo legislador. No campo da família, tem-se que a dignidade humana exige a superação de óbices impostos por arranjos legais ao pleno desenvolvimento dos formatos de família construídos pelos próprios indivíduos em suas relações afetivas interpessoais. Em estreita conexão com a dignidade humana, dela derivando ao mesmo passo que constitui o seu cerne, apresenta-se o denominado direito à busca da felicidade. Se a referência a este direito é relativamente recente no Brasil, a sua origem remonta ao próprio surgimento do conceito moderno de Constituição”[22].
No mais, o paradigmático julgamento explicitou, de acordo com o voto do relator, que a concepção de pluriparentalidade não é novidade no Direito Comparado. Luiz Fux, inclusive, vai invocar que os Estados Unidos, nos quais os Estados têm a competência de legislar em matéria de Direito de Família, a Suprema Corte de Louisiana vai ostentar jurisprudência consolidada no sentido de reconhecimento a dupla paternidade (dual paternity). Em 1989, inclusive, o Tribunal de Lousiana cristalizou o conceito para afixar que a criança nascida durante o casamento de sua mãe com um homem diverso do seu pai biológico pode ter a paternidade reconhecida com relação aos dois, superando o rigorismo da legislação pertinente estabelecida.
“O sobreprincípio da dignidade humana, na sua dimensão de tutela da felicidade e realização pessoal dos indivíduos a partir de suas próprias configurações existenciais, impõe o reconhecimento, pelo ordenamento jurídico, de modelos familiares diversos da concepção tradicional. O espectro legal deve acolher, nesse prisma, tanto vínculos de filiação construídos pela relação afetiva entre os envolvidos, quanto aqueles originados da ascendência biológica, por imposição do princípio da paternidade responsável, enunciado expressamente no art. 226, § 7º, da Constituição”[23].
É imprescindível frisar que a concepção de família não pode ser confinada em modelos padronizados, nem é lícita a hierarquização entre as diversificados modelos de filiação, sendo, em decorrência do expendido, contemplar sob o âmbito jurídico de todas as formas pelas quais a parentalidade pode se expressas, a saber: (i) pela presunção decorrente do casamento ou outras hipóteses legais, tais como se denota da fecundação artificial homologa ou a inseminação artificial heteróloga; (ii) pela descendência biológica; ou (iii) pelo estabelecimento de vínculos socioafetivos. Ora, é primordial ponderar que os arranjos familiares que surgem da dinamicidade e das relações típicas de uma sociedade contemporânea globalizada, conquanto alheios à regulação estatal, por omissão, não podem ser lançados ao desabrigo, motivo pelo qual situações de pluriparentalidade reclamam tutela jurídica concomitante.
Ademais, tal salvaguarda, inclusive, é estendida para todos os fins de direito, os vínculos parentais de origem socioafetiva e biológica, notadamente com o intuito de prover a mais ampla e adequada tutela aos indivíduos envolvidos nos liames de tal relação, em especial devido à interpretação conjunta dos corolários da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável, respectivamente plasmados no artigo 1º, inciso III, e no artigo 226, §7º, ambos da Constituição da República Federativa de 1988. Nesta linha, o fato de reconhecer a dupla paternidade não eximirá, com efeito, o detentor do vínculo biológico de suas obrigações em relação à criança ou ao adolescente, devendo, portanto, serem preservados os direitos ao nome, à prestação alimentar e à herança.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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