Revista 176

Os Diferentes Valores de Vida do Código Penal em Detrimento a Constituição Federal de 1988

Pedro Vinícius Lopes Ribeiro

Resumo: A proposta deste presente artigo consiste em interpretar sistematicamente os crimes contra a vida dispostos no Código Penal Brasileiro, em consonância com a Constituição Federal de 1988, a fim de analisar e criticar quais critérios foram utilizados pelo legislador para estabelecer referidos tipos penais, posto a existência de diferentes relativizações do exercício do direito à vida entre tal código e o aspecto constitucional e internacional. Foram realizadas pesquisas bibliográficas que exploram o tema acerca conceito de vida e a grande necessidade de analisar-se todo o ordenamento jurídico para estabelecer sua valoração. Pelo trabalho realizado restou clara a inobservância do legislador a aspectos essenciais para a criação de estes tipos penais, causando divergências no ordenamento jurídico, o que pressupõe a necessidade de reconsideração da existência e consequente validade, bem como a eficácia destes.

Palavras-Chave: Vida. Diferentes Valorações. Inobservância do Legislador.

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Abstract: The purpose of this article is to systematically interpret the crimes against life set forth in the Brazilian Penal Code, in accordance with the Federal Constitution of 1988, in order to analyze and criticize what criteria were used by the legislature to establish such criminal offenses the existence of different values ​​of life between such code and the constitutional aspect and in international scope. Bibliographical research was carried out that explored the theme about the concept of life and the great need to analyze the entire legal system to establish its valuation. Due to the work done, the lack of compliance of the legislator with aspects essential to the creation of such types of crime has been clear, causing divergences in the legal system, which presupposes the need to reconsider the existence and consequent validity, as well as their effectiveness.

Key words: Life. Different Valuations. Non-Compliance by the Legislator.

 

Sumário: Introdução. 1. A etimologia e a evolução do conceito de vida. 2. A desproporcionalidade do valor da vida no código penal. 2.1. Procedimento de pesquisa. Conclusão. Referências.

 

INTRODUÇÃO

É indispensável pensar na vida como sendo um bem jurídico de grande importância para todos os indivíduos, seja no seu aspecto biológico ou no seu aspecto imaterial e jurídico. De acordo com a Constituição Federal de 1988, no caput do seu artigo 5º:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida (…)”.

Veja-se a importância dada pelo constituinte ao enumerar a vida como um direito fundamental e, ademais, inviolável, assegurando-o a todos os indivíduos de maneira quase absoluta e indistinta.

No entanto, a legislação infraconstitucional trata tal dispositivo normativo de maneira diversa (e consequentemente desigual), como se pode observar nos crimes contra a vida no Código Penal Brasileiro, dispostos nos artigos 121 a 128, onde se relativiza a plenitude do exercício deste direito, tornando-se, em primeiro plano, incoerente à seara constitucional e até mesmo internacional, tendo em vista que o Brasil é signatário de diversos Acordos e Convenções internacionais que reconheçam e reiterem o direito à vida, como o Pacto de São José da Costa Rica, positivado no ordenamento jurídico Brasileiro por intermédio do Decreto de número 678, de 6 de novembro de 1992.

Como consequência, pode-se perceber de antemão um grande risco à plenitude do exercício à vida em todos os seus sentidos, uma vez que esta é um dos mais relevantes objetos da tutela jurisdicional, e o bem jurídico indispensável para a existência e usufruto de todos os outros assegurados pela lei.

Dessarte, é conveniente inquirir quais foram os critérios adotados pelo legislador que o fizeram estipular de maneira diferentes interpretações da vida no âmbito do Direito Penal Brasileiro, a fim de realizar reflexões sobre até onde vai a inviolabilidade da vida; como deve ser feita a interpretação no que concerne a onde esta começa, e até onde o ser humano pode dispor dela (no caso de suicídio e aborto), e por conseguinte estabelecer possíveis inadequações no ordenamento normativo Brasileiro.

 

1 A ETIMOLOGIA E A EVOLUÇÃO DO CONCEITO DE VIDA

A vida, como qualquer outro bem jurídico, tem recebido diferentes relativizações de sua valoração com o passar dos tempos. Portanto, faz-se necessário a análise do conceito de vida para os mais diversos campos da ciência ao decorrer dos anos, com o propósito de melhor alcançar o seu sentido moderno.

O primeiro conceito do que seria o valor de vida a ser positivisado que se tem registro se encontra implicitamente na Bíblia Sagrada, onde enfatiza-se o corpo como mero recipiente, e onde a vida faria morada através de um espírito, de uma alma individual que ali residiria. Portanto, para a religião, a vida seria um bem imaterial e metafísico, que independe do corpo e da matéria para a sua existência. Nesta seara, influenciou-se muito o direito Brasileiro no que se refere à imaterialidade da vida, como veremos adiante.

Por outro lado, no conceito gramatical, a vida se reflete em um substantivo feminino, proveniente da palavra vita, em latim, que constitui, de acordo com o dicionário Aurélio:

(…) período de tempo que decorre desde o nascimento até à morte dos seres. Modo de viver. Comportamento. Alimentação e necessidade da vida. Ocupação, profissão ou carreira. Princípio de existência, de força, de entusiasmo, de atividade. Fundamento, essência, causa, origem. Biografia.(…)

Perceba-se o caráter material da vida que dispõe o sentido gramatical, que faz com que esta passe a ser entendida como objeto ou bem material, constituindo um sentido biológico e natural, mas também um sentido subjetivista de se sentir e de se conviver com o ambiente que o rodeia. Neste entendimento, a vida deve ser conceituada como bem material e imaterial.

Neste sentido, reforçando esta compreensão, muito bem explana o célebre doutrinador José Afonso da Silva: “É mais um processo (processo vital), que se instaura com a concepção (ou germinação vegetal), transforma-se, progride, mantendo sua identidade, até que muda de qualidade, deixando, então, de ser vida para ser morte.” (2009, pág. 198)

Ainda de acordo com a obra do doutrinador, “A vida é intimidade conosco mesmo, saber-se e dar-se conta de si mesmo, um assistir de si mesmo e um tomar posição de si mesmo.”

Dessarte, é possível se vislumbrar um conceito que rompe as barreias do mero materialismo biológico da vida, e adentra em um sentido imaterial, espiritual, que corresponde à subjetividade do indivíduo enquanto ser humano e enquanto pessoa, convivendo em sociedade e entrando em harmonia com o que o cerca.

Em um entendimento Constitucional do que seria este bem, pode-se frisar que a vida é objeto jurídico indivisível, indisponível, irrenunciável e intangível e inerente à pessoa, além de constituir pressuposto para a personalidade jurídica. Veja-se também que a própria Constituição assegura os direitos do nascituro, que de fato, não possui a materialidade, isto é, o corpo físico, mas já é dotado de pressupostos imateriais que ensejam o respaldo do seu direito à vida.

Por último, cumpre salientar o disposto no art. 4º do Pacto de São José da Costa Rica, ao qual o Brasil é signatário, onde se explana que: “1. Toda pessoa tem o direito de que se respeite sua vida. Esse direito deve ser protegido pela lei e, em geral, desde o momento da concepção. Ninguém pode ser privado da vida arbitrariamente.”

Constituindo direito fundamental, e respaldado por instrumentos supralegais, pode-se verificar a importância do respaldo do exercício à vida, e a não-relativização de seu valor por outras normas, que podem vir a  regular e limitar a sua plenitude.

 

2 A DESPROPORCIONALIDADE DO VALOR DA VIDA NO CÓDIGO PENAL

Os crimes contra a vida estão tipificados no título I dos Crimes contra a Pessoa, previstos nos artigos 121 a 128 do Código Penal Brasileiro, sendo o primeiro destes o Homicídio, que segue:

“Art. 121. Matar alguém:

Pena – reclusão, de 6 (seis) a 20 (vinte) anos.”

Este primeiro tipo penal se trata de uma conduta bastante genérica, onde se descreve não só uma conduta específica, mas um parâmetro a ser adotado pelas demais que dela possam surgir. Consoante ao comentário, diz Hungria (1955, pág. 25):

“O homicídio é o tipo central dos crimes contra a vida e é o ponto culminante na orografia dos crimes. É o crime por excelência. É o padrão da delinquência violenta ou sanguinária, que representa como que uma reversão atávica às eras primevas, em que a luta pela vida, presumivelmente, se operava com o uso normal dos meios brutais e animalescos. É a mais chocante violação do senso moral médio da humanidade civilizada.”

Portanto, como restou analisado, o homicídio é o crime-base para a relativização e formação de todos os outros, onde se vislumbra uma primeira preocupação com a interferência do processo vital natural da pessoa.

Observe-se a pena estabelecida pelo legislador como parâmetro para a conduta genérica, que vai de 6 (seis) a 20 (vinte) anos, se for cometido de maneira simples dolosa; de 12 (doze) a 30 (trinta), se for cometida de forma qualificada dolosa (parágrafo 2º e ss.); e de 1 (um) a 3 (três) anos se for cometida de forma culposa, por meio de imperícia, imprudência ou negligência.  Desde já é notório a presença de três penas relativamente distintas, que penalizam tal conduta.

No artigo 122 do Código Penal, temos outra conduta atentatória à vida, qual seja o Induzimento, Instigação e auxílio ao suicídio, que versa:

“Art. 122. Induzir ou instigar alguém a suicidar-se ou prestar-lhe auxílio para que o faça:

Pena – reclusão, de 2 (dois) a 6 (seis) anos, se o suicídio se consuma; ou reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, se da tentativa de suicídio resulta lesão corporal de natureza grave.”

Neste dispositivo, encontramos um dos maiores equívocos do legislador ao elaborar o presente Código. Isto porque a pessoa que se suicida é a pessoa dominante do fato, e a consumação desta depende única e exclusivamente da vítima, uma vez que, em não ocorrendo suicídio, ou pelo menos a tentativa deste em que resulte lesão corporal de natureza grave (art. 129, parágrafo 1º), a conduta passa a ser atípica. Diante deste raciocínio, explana Emiliano Borja Jiménez:

“O suicídio, que pode ser definido como a morte voluntária, querida e desejada, de uma pessoa com capacidade de agir, é uma conduta propriamente humana, e praticamente desconhecida pelo resto dos seres vivos. Quando uma pessoa chega à convicção de que sua existência já não tem sentido, de que o sofrimento apaga todos os seus projetos, desejos e prazeres, e decide quitar a sua própria vida, o Direito não pode intervir proibindo esse comportamento, e menos ainda sancioná-lo. Pois se o suicida conseguiu seu objetivo, nada nem ninguém pode atuar juridicamente contra ele. E se não logrou seu propósito, o único que poderia conseguir a imposição de uma sanção era justamente um efeito contrário ao que se persegue: que o sujeito volte a tentar acabar com sua vida por conta do sofrimento adicional que deriva de seus novos problemas com a administração da justiça.”

Portanto, note-se que o legislador não poderia sobre nenhuma hipótese estipular este tipo penal, uma vez que a consumação depende principalmente da pessoa da vítima, e não se pode, consequentemente, limitar a liberdade de uma pessoa que sequer tem a responsabilidade objetiva do resultado que possa vir a ocorrer, o que enseja a não interferência do Direito Penal neste âmbito, uma vez que o Direito Penal, ao funcionar como uma forma de Intervenção Mínima, priva direitos e liberdades do indivíduo por motivos de grande relevância social, funcionando assim como ultima ratio.

Além disto, existem mais duas valorações diferentes para sancionar o crime, que é reclusão de dois a seis anos se resulta o suicídio; ou reclusão de um a três anos se da tentativa, resultar lesão corporal grave. Então, salienta-se não tão somente a inobservância do legislador a tais pontos acima elencados, mas também à exacerbação da pena para este tipo, e a possibilidade de resolução da punição por tal conduta no âmbito de outros ramos do direto, como o Direito Civil. Ou seja, em apenas dois tipos penais, tem-se 5 tipos de valoração da vida totalmente desproporcionais.

No Artigo 123 do Código Penal, por sua vez, está tipificado o crime de Infanticído:

“Art. 123 – Matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após:

Pena – detenção, de dois a seis anos.”

Vislumbra-se neste dispositivo uma modalidade de homicídio privilegiado, onde a vida se trona relativizada à condição subjetiva da mãe. Isto porque a mãe que, estando em estado puerperal, comete o infanticídio (mata seu filho durante o parto ou logo após), responde por sanção mais leve à geral prevista do crime de homicídio. Mas, o que vem a ser o Estado Puerperal?

Jorge de Rezende nos dá tal conceito:

“Puerpério, sobreparto ou pós-parto, é o período cronologicamente variável, de âmbito impreciso, durante o qual se desenrolam todas as manifestações involutivas e de recuperação da genitália materna havidas após o parto. Há, contemporaneamente, importantes modificações gerais, que perduram até o retorno do organismo às condições vigentes antes da prenhez. A relevância e a extensão desses processos são proporcionais ao vulto das transformações gestativas experimentadas, isto é, diretamente subordinadas à duração da gravidez.”

Neste caso, o crime contra a vida do recém-nascido, para o legislador, tem culpabilidade e reprovabilidade menor, uma vez que o Estado Puerperal é uma condução natural à mãe, que consequentemente independe desta, e que, por consciência ou não, pode vir a levá-la à prática de tal conduta. Assim ocorrendo, é compreensível a ideia de que a pena será menor, pois entendeu-se que as consequências resultantes do crime cometido podem igualmente atingir gravemente o agente ativo (a mãe).

No que concerne ao Aborto, tem-se os artigos 124 a 128 do Código Penal. Segue o artigo 124:

“Art. 124 – Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:

Pena – detenção, de um a três anos.”

É importante salientar que o legislador elaborou três condutas criminalizantes para condutas similares do aborto. A primeira conduta (art. 124) tipifica a figura do autoaborto, ou seja, provocar em si mesmo, ou consentir que alguém o provoque. Este tipo é uma exceção à teoria monista adotada pelo Código Penal, que afirma que autores, coautores e partícipes responderão pelo mesmo crime, prevista em seu artigo 29, pois é crime próprio e pune tão somente a gestante que permite que lhe seja provocado o aborto, ou esta o realize. O terceiro que a auxilie responderá pelo crime do artigo 126.

No artigo subsequente, temos o aborto provocado por terceiro sem o consentimento da vítima, que explana:

“Art. 125 – Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:

Pena – reclusão, de três a dez anos.”

Esta é a conduta mais reprovável de acordo com o legislador, levando em consideração que este tipo penal não protege tão somente o nascituro, mas também a integridade fisica ou até a vida da gestante. Veja-se o “Consentir” da gestante como separador de águas para o Direito Penal, uma vez que não havendo devida concordância, ou esta sendo inválida (no caso de vício de consentimento), a pena será notavelmente exacerbada.

O próximo tipo se refere ao aborto provocado por terceiro com o consentimento da vítima, que segue:

“Art. 126 – Provocar aborto com o consentimento da gestante:  

Pena – reclusão, de um a quatro anos.

Parágrafo único. Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de quatorze anos, ou é alienada ou debil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.”

Esta conduta pune o terceiro que auxilia, ou provoca, com a concordância da gestante, o aborto. É de se frisar que o “consentir”, no presente tipo penal, faz com que a reprovabilidade da conduta.

Inobservante, no entanto, foi o legislador ao estabelecer três tipos penais distintos para tal conduta, e em especial, ao estabelecer o consentimento da vítima como circunstância de menor reprovabilidade. Isto porque a gestante nunca poderia consentir com a retirada da vida do nascituro, uma vez que é um bem alheio, próprio do nascituro, e ainda mais, indisponível e fundamental, ou seja, não se pode dispor, tendo em vista a sua importância para o usufruto de todos os outros direitos. A realização desta conduta de consentir com a retirada da vida do feto ensejaria uma reprovabilidade tão elevada quanto a de quem auxilia neste ato, uma vez que interromperia (muitas vezes de maneira egoísta) o processo vital. O próprio Código Civil estabelece os direitos do nascituro:

“Art. 2o A personalidade civil da pessoa começa do nascimento com vida; mas a lei põe a salvo, desde a concepção, os direitos do nascituro.”

Consta-se neste dispositivo normativo não só a imaterialidade do valor da vida, mas o respaldo legal deste, assegurando-o ao menos a expectativa de direito do nascituro, desde sua concepção.

Cabe analisar-se, dessarte, quando o Direito Penal entende que se começa a vida. Para este ramo do direito, é adotada a teoria da nidação, que estabelece que pode-se considerar vida após à implantação do óvulo fecundado nas paredes do útero, que ocorre em média quatorze dias após a fecundação. Neste lapso temporal, portanto, enquanto não acontecer tal fato, não pode ser considerada a existência de vida.

Nesta visão, a previsão de três tipos penais para conduta bastante semelhantes ensejam esta crítica, uma vez que poderiam fazer parte do mesmo tipo penal (como qualificadoras, agravantes específicas ou causas de aumento e diminuição de pena), e apresentam inadequações, em especial, à maneira em que se faz referência ao consentimento da gestante em todos os tipos penais, como se esta pudesse consentir de livre e espontânea vontade para dispor da vida de outrem, que inclusive é assegurada pelo ordenamento jurídico brasileiro, sendo que tal ato repercutirá em uma pena de menor quantidade por mero subjetivismo egoístico, sem qualquer fundamento jurídico ou sequer doutrinário, o que se faz relativizar o valor da vida como sendo mais um bem a que se pode dispor, entrando em desarmonia com o ordenamento jurídico como um todo.

Observe-se também que a pena do homicídio é imensamente desproporcional à pena do aborto, em quaisquer das suas modalidades, sem nenhuma justificativa plausível, nem sequer na exposição de motivos do Código Penal, e sem relevância jurídica para assim o fazer, o que pressupõe tão somente o descuido e desatenção do legislador ao elaborá-los, uma vez que ambos tutelam a vida (que deveria ser interpretada como uma só), e a vida extrauterina deve ser diferenciada da vida intrauterina somente no seu aspecto material, corpóreo, não se fazendo um juízo de valor diferenciado baseando-se neste sentido.

Por fim, é importante enfatizar que tais dispositivos criminalizadores do aborto dispõem de institutos descriminalizadores, quais sejam, o aborto profilático, em caso de estado de necessidade da mãe, quando não há outro meio de salvar a sua vida; no caso de gravidez resultante de estupro, pois a doutrina entende que o estupro produz um dano de tamanha proporção à pessoa da gestante, que seria inviável exigir desta que suporte o fruto de sua desonra; e no caso de feto anencefálico, nas hipóteses em que o feto é desprovido de cérebro, ou tem o desenvolvimento deste comprometido, pois a doutrina entende que estaria tão somente prolongando o sofrimento do feto, bem como o da mãe deste. Destaca-se tal tipificação:

“Art. 128 – Não se pune o aborto praticado por médico:

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;”

No entanto, no que diz respeito ao aborto resultante de estupro, vemos o valor da vida ser inferiorizada à dignidade da pessoa da mãe, uma vez que o feto resultante do estupro pode ser abortado sem que seja antijurídico, e sem que a mãe possa ser responsabilizada penalmente por isso. Segue o artigo:

“Aborto no caso de gravidez resultante de estupro

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.”

Vemos, consequentemente, o descaso do legislador ao estabelecer a possibilidade de tal aborto legal, sem a observância do Código Civil, que reitera e garante os direitos do nascituro, como no caso do direito à vida.

 

2.1 PROCEDIMENTOS DE PESQUISA

Para elaboração de tal artigo científico, houve a necessidade de pesquisas bibliográficas, com o intuito de identificar e distinguir o que está contido nos termos legais com a sua devida aplicabilidade, verificando a eficiência material que possui a legislação vigente sobre tal assunto, realizando uma interpretação hermenêutica sistemática, a fim de verificar possíveis desarmonias no ordenamento jurídico Brasileiro.

 

3 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Evidente fica que a vida possui juízo de valores totalmente distintos na medida em que se dá o caso em concreto, relativizando-a a critérios desprovidos de fundamentação adequada que justifiquem a sua desproporção, o que faz com que a vida se apresente com diferentes e desiguais valores.

Por conseguinte, consoante à fragilidade e possível violação ao direito mais importante do indivíduo por parte do Código Penal Brasileiro, pressupõe-se a necessidade de uma reavaliação e possível reconceituação de valores protegidos pelo presente código, a fim de melhor regular a vida em sociedade e assegurar os direitos fundamentais inerentes a todos os indivíduos.

 

REFERÊNCIAS

BÍBLIA. Português. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição revisada e ampliada. São Paulo: Paulus, 1985.

BORJA JIMÉNEZ, Emiliano. Curso de política criminal. Valencia: Tirant lo Blanch, 2003.

BRASIL. Código de Direito Penal (1940). Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de Dezembro de 1940.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Dicionário da língua portuguesa. Curitiba: Positivo. 5ª edição. 2010.

GRECO, Rogério. Curso de direito penal. Parte geral, Rio de Janeiro: Impetus, 2002.

HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal. Rio de Janeiro: Forense. 3ª edição. 1955.

REZENDE, Jorge de. O puerpério Rio de Janeiro: Guanabara Koogan. 8ª edição. 1998.

SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros Editores, 9º edição. 1994.

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