Resumo: É de reiterada sabença que a Educação Alimentar e Nutricional é instrumento fundamental na busca por uma alimentação adequada e bem-estar, e que este vem desde os anos 2000 sendo aplicado de forma mais ampla em diferentes meios sociais. Toda via apesar de seguir diretrizes próprias dependendo de em qual meio atua, a EAN tem princípios básicos, fundados sob o entendimento que apesar de se moldar a cada situação em si, tem preceitos fundamentais que devem ser rigorosamente seguidos, quais quer que sejam os contextos. Dessa forma, apesar de ser maleável, a idéia fundamental da EAN permanecerá imutável, tornando quaisquer que sejam suas aplicações, de certa forma, uniforme.
Palavra-Chave: Educação Alimentar e Nutricional. Princípios da Educação Alimentar e Nutricional. Direito Humano à Alimentação Adequada.
Abstract: It is a well-known fact that Food and Nutrition Education is a fundamental instrument in the search for adequate food and well-being, and that this has been applied since the 2000s and is applied more broadly in different social environments. In spite of following its own guidelines depending on the medium in which it operates, the EAN has basic principles, founded on the understanding that, although shaped by each situation in itself, it has fundamental precepts that must be rigorously followed, regardless of the contexts . Thus, despite being malleable, the fundamental idea of the EAN will remain unchanged, making whatever its applications, in a certain way, uniform.
Keyword: Food and Nutrition Education. Principles of Food and Nutrition Education. Human Right to Adequate Food.
1 INTRODUÇÃO
Inicialmente, fundamental se faz, conhecer os motivos pelos quais o instituto chamado Educação Alimentar e Nutricional (EAN) foi composto por tais termos, levando consigo a idéia tanto alimentar, quanto nutricional. Isso ocorre para que seja garantida, a atuação das políticas públicas, desde o alimento e alimentação em si, aos processos de produção, abastecimento, transformações e aspectos nutricionais dos mesmos.
“A adoção de um conceito de EAN deve considerar aspectos que contemplem desde a evolução histórica e política da EAN no Brasil às múltiplas dimensões da alimentação e do alimento e os diferentes campos de sabores e práticas conformando uma ação que integra o conhecimento científico ao popular” (BRASIL, 2012, p. 23).
Neste ponto, se dá um dos grandes desafios, muito além de desenvolver teses e estudos acerca do tema, são necessárias ações concretas que, atinjam a parcela populacional que não tem acesso por si só, a informações, como as tratadas neste artigo. Contudo a teoria se faz fundamental à aqueles que são responsáveis por desenvolver as políticas, que atingirão a tal contingente populacional, ao passo que, políticas públicas, mal traçadas e estudadas, têm o potencial de criar verdadeiras problemáticas sociais, como os exemplos já implantados no Brasil em décadas passadas.
Atualmente, apesar de já ter demonstrado avanços, a estruturação da EAN no país ainda se faz insuficiente diante das problemáticas brasileiras. Para que seja possível ter-se uma dimensão do tamanho deste quadro, cabe reconhecer que alguns dados são fundamentais. Segundo a Organização das Nações Unidas para Alimentação e Agricultura (FAO), cerca de 1,3 bilhões de toneladas de tudo que é produzido por ano é desperdiçado, ou seja, não chega a finalidade a que se destinaria. Ora, 30% (trinta por cento) da produção mundial se perde na cadeia produtiva e obsta a concretização do direito à alimentação adequada. O desperdício é responsável por cerca de 8% das emissões globais de efeito estufa. Além disso, a produção de alimentos é a principal responsável pelo desmatamento, pela ampliação das fronteiras produtivas e pelo esgotamento de água do planeta. Portanto, mesmo que a produção anual de alimentos tenha alcançado elevados patamares de qualidade e seja mais do que suficiente para atender a população mundial, elevado é o número daqueles que sofrem fome crônica no século XXI.
Ora, é ilógico que, com tanto alimento de qualidade sendo produzido no mundo anualmente, o número de pessoas atingido pela fome seja tão elevado. De acordo com os estudos apresentados pela FAO (2016), os maiores índices de fome estão concentrados na Ásia e na África, como se percebe dos dados apresentados: (i) 15,2% da população total da Índia é subnutrida, o que equivale a 194,6 milhões de pessoas; (ii) 16,4% da população de Bangladesh, o que perfaz o número de 26,3 milhões de pessoas; (iii) 47,7% da população da República Centro Africana, o que perfaz 2,3 milhões de pessoas; (iv) 47,8% da população da Zâmbia, isto é, 7,4 milhões de pessoas; (v) 42,3% da população da Namíbia, ou seja, cerca de 1 milhão de pessoas. Entretanto, a problemática não se encontra limitada apenas aqueles continentes, mas também é verificada no continente americano, sendo possível, ainda, fazer alusão: (i) 53,4% da população do Haiti, ou seja, 5,7 milhões de pessoas; (ii) 16,6% da população da Nicarágua, isto é, 1 milhão de pessoas; (iii) 15,9% da população da Bolívia, o que equivale a 1,8 milhões de pessoas.
No cenário nacional, a temática da fome, segundo os dados da FAO (2016), apresentou elevada evolução, reduzindo os índices de subnutridos. Neste sentido, convém mencionar que, no período entre 2000-2002, o Brasil apresentava uma população de 19,9 milhões de pessoas subnutridas (FAO, 2016). Vale ressaltar que o direito à alimentação adequada substancializa um proeminente direito humano e tem amparo jurídico. Isso significa dizer, que a legislação brasileira protege o direito de alimentação da pessoa humana, e mais que isso, tem o intuito de garanti-lo, sendo isso graças à emenda constitucional 064/2010, onde passou a figurar o mesmo, no artigo 6º como direito social.
“Art. 6º São direitos sociais a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição” (BRASIL, 1988).
O real problema da fome vai além de não se ter o que comer, ou seja, identificar a alimentação como uma simples ração a ser distribuída periodicamente, pois não basta ter o que comer, mas sim é necessário comer com qualidade, em quantidade suficiente e hábitos culturalmente aceitáveis para que se supram as necessidades biológicas humanas, e para que isso ocorra, se faz fundamental uma população preparada alimentarmente par que seja possível alcançar níveis pelo menos aceitáveis.
2 DIREITO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: BREVES APONTAMENTOS
É imprescindível dizer, portanto, que o Direito Humano à Alimentação Adequada (DHAA) encontra intrínseca relação com o direito à vida, comportando, por vezes, “confusão” ideológica em seu núcleo sensível. Tal fato destaque-se, decorrer da premissa que a alimentação é condição básica para o exercício do direito à vida e, dessa forma, portanto, fica demonstrado incontestavelmente a importância do reconhecimento e da concretização da essencialidade que o DHAA passa a ser revestido. Neste passo, cuida ponderar que o acesso à alimentação é um direito humano centrado em si mesmo, reconhecendo-se, portanto, que o direito à alimentação constitui o próprio direito à vida. Neste aspecto, negar o direito em comento, antes de qualquer coisa, é negar a primeira condição para o exercício pleno da cidadania que é o próprio direito à vida.
Prosseguindo na discussão da temática, é imperioso sublinhar que o Direito Humano à Alimentação Adequada inclui o acesso estável e permanente a alimentos saudáveis, seguros e sadios, em quantidade suficiente, culturalmente aceitos, produzidos de uma forma sustentável, e sem prejuízo da implementação de outros direitos para as presentes e futuras gerações (BRASIL, 2008, p.15). A relação do homem com a alimentação extrapola os fenômenos químicos necessários para a subsistência do individuo, há toda uma cultura ritualística no ato de se alimentar e, sobretudo, há toda uma gama de responsabilidade histórica na ideia de alimentação, já que este é um dos principais motivos pelo qual surgiram as sociedades, e as mesmas evoluíram, ou seja, alimentar-se é preciso, e pode ser feito com mais facilidade em grupo. Primeiramente com a caça, a pesca e a colheita, com os nômades; posteriormente com surgimento da agricultura, nas sociedades mais evoluídas; e, assim por diante, com o surgimento do comércio, por exemplo. Ou seja, a busca pelo alimento, levou o homem a evoluir, o ensinou viver em sociedade.
“A fome — eis um problema tão velho quanto a própria vida. Para os homens, tão velho quanto a humanidade. E um desses problemas que põem em jogo a própria sobrevivência da espécie humana, a qual, para garantir sua perenidade, tem que lutar contra as doenças que a assaltam, abrigar-se das intempéries, defender-se dos seus inimigos. Antes de tudo, porém, precisa, dia após dia. encontrar com que subsistir — comer” (CASTRO, 1984, p. 05).
Dito isso, é fácil concluir que a alimentação mudou, evoluiu, e com a multiplicação da população mundial, multiplicou-se também a carência por alimentos e, da mesma forma, a necessidade de uma correta distribuição dos mesmos para essa população. O que lamentavelmente inúmeras vezes não ocorre, ferindo assim o DHAA de cada individuo, tanto daquele que passa fome, quando daquele que não passa, já que, a responsabilidade de solidariedade trazida pela terceira dimensão dos direitos fundamentais, impõe que quando um único individuo tem seu DHAA ferido, o DHAA de cada individuo do planeta é ferido da mesma forma. Isto é, enquanto houver no planeta um único indivíduo sofrendo de fome, nenhum ser humano terá seu DHAA concretizado. Vale ressaltar que a fome em si, é um problema tão grave, que segundo estudos, as diferenças entre os indivíduos que enfrentam a fome e os que não enfrentam, se manifestam fisicamente e posteriormente intelectualmente, o que por si só gera um circulo vicioso, considerando que essa desnutrição seja causada pelo fator financeiro, já que um indivíduo desnutrido tem sua capacidade intelectual diminuída, já que o cérebro não tem fontes energéticas, nutricionais e hormonais para realizar as sinapses necessárias para a conclusão de raciocínios mais complexos.
O direito humano à alimentação adequada substancializa o direito de todos os seres humanos vivos, entendendo-se neste contexto também o direito de alimentação do nascituro, já que apesar de não nascido, este tem seus direitos resguardados. No primeiro momento, pode parecer óbvio, já que a alimentação do feto depende no primeiro momento da alimentação da mãe, assim como na fase do aleitamento exclusivo, entretanto cabe ressaltar, que no período de gestação, a gestante em prol do nascituro carece de vitaminas, que supram a alimentação, sendo assim, portanto, tais vitaminas não são essenciais para a vida da gestante, mas são fundamentais para a manutenção da vida do nascituro. Dessa forma, entende-se, portanto, que fica assim resguardado também o direito ao acesso a tais vitaminas. Há uma extensão robusta do direito à alimentação adequada, inclusive, para aqueles que foram concebidos, mas, ainda, não nascidos, a fim de resguardar o acesso à possibilidade de desenvolvimento desde o útero materno.
Cabe, no mesmo sentido, destacar os diferentes tipos de fome enfrentados atualmente, a saber: a fome aguda e a fome crônica, bem como quais serão as implicações dessas no DHAA de cada indivíduo. Primeiramente, a fome aguda, que é a fome momentânea, ocorre pela privação de alimentação pelo um determinado espaço de tempo; De outro lado, tem-se a fome aguda, que é, realmente, a mais relevante para esse estudo, já que essa é a que causa ao faminto a permanente falta de alimento suficiente para suprir suas necessidades energéticas e nutricionais, é a fome que causa a desnutrição, a perda ou, então, a falta do ganho de peso e que torna os indivíduos, na grande maioria das vezes, menor, em quesito de estatura e de desenvolvimento de suas capacidades biológicas. Neste ponto, vale ressaltar que essas características ficam muito claras e contrastadas na fase da adolescência, fase que comumente o indivíduo daria o chamado “estirão”, ou seja, uma fase em que o indivíduo cresce e tem grandes transformações corporais rapidamente.
Para a consecução do DHAA, é importante explicitar que o alimento deve reunir uma tríade de aspectos característicos, a saber: disponibilidade, acessibilidade e adequação. No que concerne à disponibilidade do alimento, cuida destacar que, quando requisitado por uma parte, a alimentação deve ser obtida dos recursos naturais, ou seja, mediante a produção de alimentos, o cultivo da terra e pecuária, ou por outra forma de obter alimentos, a exemplo da pesca, caça ou coleta. Além disso, o alimento deve estar disponível para comercialização em mercados e lojas. A acessibilidade alimentar, por seu turno, traduz-se na possibilidade de obtenção por meio do acesso econômico e físico aos alimentos. “La accesibilidad económica significa que los alimentos deben estar al alcance de las personas desde elpunto de vista económico” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, s.d., p. 03). Em relação à acessibilidade, as pessoas devem ser capazes de adquirir o alimento para estruturar uma dieta adequada, sem que haja comprometimento das demais necessidades básicas. A acessibilidade física materializa-se pela imperiosidade dos alimentos serem acessíveis a todos, incluindo indivíduos fisicamente vulneráveis, como crianças, enfermos, deficientes e pessoas idosas.
A acessibilidade do alimento estabelece que deve ser assegurado a pessoas que estão em ares remotas e vítimas de conflitos armados ou desastres naturais, tal como a população encarcerada. Renato Sérgio Maluf, ao apresentar sua conceituação sobre segurança alimentar (SA), faz menção ao fato de que se deve considerar aquela como “condições de acesso suficiente, regular e a baixo custo a alimentos básicos de qualidade. Mais que um conjunto de políticas compensatórias, trata-se de um objetivo estratégico […] voltado a reduzir o peso dos gastos com alimentação” (1999, p. 61), em sede de despesas familiares. Por derradeiro, o alimento adequado pressupõe que a oferta de alimentos deve atender às necessidades alimentares, considerando a idade do indivíduo, suas condições de vida, saúde, ocupação, gênero etc. “Los alimentos deben ser seguros para el consumo humano y estar libres de sustancias nocivas, como los contaminantes de losprocesosindustriales o agrícolas, incluídos los residuos de losplaguicidas, las hormonas o las drogas veterinarias” (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, s.d., p. 04). Um alimento adequado, ainda, deve ser culturalmente aceitável pela população que o consumirá, inserido em um contexto de formação do indivíduo, não contrariando os aspectos inerentes à formação daquela.
3 PRIMEIROS COMENTÁRIOS À EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL (EAN)
Em um primeiro momento, é necessário explicitar que a educação alimentar e nutricional (EAN) materializa um campo de conhecimento e de e prática contínua, permanente, transdisciplinar, intersetorial e multiprofissional que objetiva a promoção da prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis, inserido no contexto do DHAA e na garantia da SAN. Partindo, portanto, de tal concepção, Santos (2005) verificou a crescente importância dispensada à EAN nos documentos que elaboram as políticas públicas no campo da alimentação e nutrição no Brasil, notadamente na PNSAN, no SISAN, da proposta Fome Zero, tal como a Estratégia Global para a Promoção da Alimentação Saudável, Atividade Física e Saúde. “Em seguida, o Ministério da Saúde lançou a Política Nacional da Promoção da Saúde e o Programa de Saúde Escolar, em 2006 e 2008, respectivamente” (SANTOS, 2012, p. 454). Trata-se, portanto, de instrumento relevante no fortalecimento de prática autônoma e voluntária de hábitos alimentares saudáveis, visando à promoção do DHAA e da SAN.
Contudo, apesar do cenário nacional atualmente se fazer crescente, insta acentuar que, nem sempre, esse foi a realidade brasileira, e parte dos problemas que a EAN atual busca solucionar, foram conseqüências, de antigas políticas, firmadas sobre conceitos errôneos. Alguns momentos históricos da EAN valem ser destacados: (i) década de 1930, em meio a formação do parque industrial e com a organização de uma classe trabalhadora, são instituídas as leis trabalhistas, definida a cesta básica de referência e os estudos de Josué de Castro revelam a verdadeira realidade da fome brasileira, diante de tal contexto a abordagem da EAN era voltada aos trabalhadores e suas famílias, de forma bastante preconceituosa, pretendendo ensiná-los a se alimentar de forma totalmente incondizente com os costumes e possibilidade desses, além de usar parâmetros unicamente biológicos; (ii) décadas de 1970 e 1980, em meio a explosão do cultivo de soja, iniciativas visavam incentivar o cultivo deste produto e seus derivados, como forma de escoar o excedente de produção, neste aspecto é possível notar, de que forma agressiva o interesse econômico pode influir diretamente na EAN, diante de tais políticas completamente destorcidas e limitadas aplicadas até então, ocorre a desqualificação da EAN quanto a sua legitimidade e seu papel; (iii) década de 1990, diante da pouca valorização da EAN e dos índices apontando os hábitos alimentares como fator determinante para o surgimento em todo mundo de doenças crônicas, a mesma passou a ser uma medida necessária para a formação e proteção de hábitos saudáveis, neste mesmo período a EAN volta a ser tema de discussões em congressos da área, (iv) já nos anos 2000, com a implantação do Programa Fome Zero, na proposta original, o programa contemplava a EAN sob duas frentes, a primeira visando campanhas publicitárias e palestras a respeito do assunto, havendo a demanda para que tais temas fosse incluídos no currículo escolar obrigatório do primeiro grau, a segunda propunha a criação de uma Norma Brasileira de Comercialização de Alimentos Industrializados, similar a existente para lactantes, o programa também frisava a importância do controle da publicidade e da correta rotulagem de alimentos industrializados.
“A partir de 2003, observa-se um progressivo aumento de ações de EAN nas iniciativas públicas, no âmbito dos restaurantes populares, dos bancos de alimentos, das equipes de atenção básica de saúde, e na requalificação do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) e do Programa de Alimentação de Trabalhador (PAT)” (BRASIL, 2012, p. 19).
Faz-se fundamental destacar a atual preocupação e atenção dada a temática da educação e alimentação saudável no país, tanto fato é, que, nota-se uma expressiva mobilização a esse respeito, com grande numero de eventos, discussões, congressos, seminários e até pressão politica para que normas como a Regra de Rotulagem de Produtos com Lactose sejam editadas e passem a vigorar e a serem supervisionadas pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária).
4 OS PRINCÍPIOS NORTEADORES DA EDUCAÇÃO ALIMENTAR E NUTRICIONAL
A EAN pode estabelecer-se em vários meios e deve estar em consonância com aquele o qual está inserida, isto é, deve obedecer aos preceitos e costumes e se moldar a esse determinado âmbito. Desta forma, no contexto da Segurança Alimentar e Nutricional, deverá observar os princípios da SISAN:
“A sociedade civil organizada, que atua no campo da Segurança Alimentar e Nutricional, propôs a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – SISAN, por reconhecer que a realização do Direito Humano à Alimentação Adequada – DHAA requer ações públicas que devem ser participativas, articuladas e intersetoriais […]
O SISAN, portanto, surge de demanda da sociedade civil é instituído por meio da Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, Lei nº 11.346, em 2006 com o objetivo primordial de garantir, através de ações intersetoriais, o DHAA, para todas as pessoas que se encontram no Brasil, através da Política Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PNSAN (art. 1ª e 3ª da LOSAN), cujo instrumento é o Plano Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional – PLANSAN” (CONSEA, 2013).
Enquanto inserida no âmbito da Saúde deve ser consoante com os temos do SUS:
“Em 1988, por ocasião da promulgação da Constituição da República Federativa do Brasil, foi instituído no país o Sistema Único de Saúde (SUS), que passou a oferecer a todo cidadão brasileiro acesso integral, universal e gratuito a serviços de saúde. Considerado um dos maiores e melhores sistemas de saúde públicos do mundo, o SUS beneficia cerca de 180 milhões de brasileiros e realiza por ano cerca de 2,8 bilhões de atendimentos, desde procedimentos ambulatoriais simples a atendimentos de alta complexidade, como transplantes de órgãos” (FIOCRUZ, s.d., s.p).
Na Educação deve estar em conformidade com os preceitos PNAE:
“O Programa Nacional de Alimentação Escolar (Pnae), implantado em 1955, contribui para o crescimento, o desenvolvimento, a aprendizagem, o rendimento escolar dos estudantes e a formação de hábitos alimentares saudáveis, por meio da oferta da alimentação escolar e de ações de educação alimentar e nutricional.
São atendidos pelo Programa os alunos de toda a educação básica (educação infantil, ensino fundamental, ensino médio e educação de jovens e adultos) matriculados em escolas públicas, filantrópicas e em entidades comunitárias (conveniadas com o poder público), por meio da transferência de recursos financeiros.
O Pnae tem caráter suplementar, como prevê o artigo 208, incisos IV e VII, da Constituição Federal, quando determina que o dever do Estado (ou seja, das três esferas governamentais: União, estados e municípios) com a educação é efetivado mediante a garantia de “educação infantil, em creche e pré-escola, às crianças até cinco anos de idade” (inciso IV) e “atendimento ao educando, em todas as etapas da educação básica, por meio de programas suplementares de material didáticoescolar, transporte, alimentação e assistência à saúde” (inciso VII)” (BRASIL, s.d.,s.p.).
Na rede sócio-assistencial em harmonia com a SUAS, e assim progressivamente. Ademais, a esses princípios norteadores de cada instituto a que se solidifica, a EAN tem princípios próprios que devem ser somados, quais sejam: (i) sustentabilidade social, ambiental e econômica; (ii) abordagem do sistema alimentar na sua integralidade; (iii) valorização da cultura alimentar local e respeito à diversidade de opiniões e perspectivas, considerando a legitimidade dos saberes de diferentes naturezas; (iv) a comida e o alimento como referências; valorização da culinária enquanto prática emancipatória; (v) a promoção do autocuidado e da autonomia; (vi) a educação enquanto processo permanente e gerador de autonomia e participação ativa e informada dos sujeitos; (vii) a diversidade nos cenários de prática; (viii) intersetorialidade; (ix) o planejamento, avaliação e monitoramento das ações;
No que concerne ao primeiro princípio, é irrefutável problemática é a coadunada a Sustentabilidade, seja ela, social, ambiental ou econômica, já que a mesma se faz dificultosa em todas essas esferas, principalmente, quando se trata das ações de produção, abastecimentos, comercialização, distribuição e consumo de alimentos. Vale ressaltar que este princípio, não limita a ideia de sustentabilidade a temática ambiental, mas abarca a ideia de sustentabilidade nos meios sociais, relacionais humanos e econômicos envolvidos em todas as etapas do sistema alimentar.
“Assim, a EAN quando promove a alimentação saudável refere-se à satisfação das necessidades alimentares dos indivíduos e populações, no curto e no longo prazos, que não implique o sacrifício dos recursos naturais renováveis e não renováveis e que envolva relações econômicas e sociais estabelecidas a partir dos parâmetros da ética, da justiça, da equidade e da soberania” (BRASIL, 2012, p. 24).
Neste prisma, no que atina ao segundo princípio, é fundamental, que a abordagem do sistema alimentar se dê de forma plena, isto é, que compreenda desde os processos iniciais da produção, como o acesso a terra, a água, aos meios de produção, processamento e distribuição, aos processos finais como comercialização, distribuição e consumo, incluindo as praticas alimentares individuais e coletivas até a geração e a destinação de resíduos. Contribuindo ainda para uma melhor escolha de maneira consciente e sensata e que concomitantemente interfira nas etapas anteriores do sistema alimentar.
Sendo o Brasil um país de vasto território, considerado inclusive como país de dimensões continentais, o quarto princípio vinculado à EAN vai reconhecer uma variedade de cultura alimentar muito particular. Isso se dá tanto pela diversidade de alimentos que cada região apresenta, quanto pela bagagem cultural que cada povo imigrante trouxe consigo, levando-se em consideração ainda a grande miscigenação existente no país. Por conseguinte, a EAN deve contemplar uma idéia de valorização do que cada cultura traz consigo de melhor, respeitando a cultura e o paladar de cada região e, além disso, a difundir de forma que as outras regiões passem a conhecer outras culturas, outros paladares, preparações, combinações e costumes alimentares. O princípio em comento se debruça, fundamentalmente, acerca da diversidade alimentar, e os meios através dos quais se deve, diante de uma sociedade demasiadamente globalizada, preservar as praticas e saberes tradicionais de um determinado povo.
Preconiza o quarto princípio que os seres humanos, diferentemente dos demais seres vivos não se alimentam apenas com o intuito de suprir suas necessidades nutricionais, mas se alimentam por prazer. Sendo assim, a alimentação humana, apresenta diversos aspectos que exprimem a cultura de um determinado povo, os alimentos de determinada região, e as preferencias destes, já que os alimentos passam por processos de escolha e preparação demasiadamente particulares. “Quando a EAN aborda estas múltiplas dimensões ela se aproxima da vida real das pessoas e permite o estabelecimento de vínculos, entre o processo pedagógico e as diferentes realidades e necessidades locais e familiares“ (BRASIL, 2012, p. 26). Quanto às práticas culinárias, vale ressaltar a importância de técnicas e processos que transformam o alimento, torna possível novas combinações e sabores, além de criar no indivíduo um espírito de independência, já que o mesmo se faz autossuficiente quanto à possibilidade de preparo de seu próprio alimento.
No que atina ao quinto princípio, cuida analisar que o autocuidado é intimamente ligado ao viver saudável já que é a materialização de condutas que visam, o bem estar de si mesmo, ou do ambiente em que se está inserido. Tais ações se dão de maneira voluntária e intencional, pois exigem tomadas de decisões e têm o condão de contribuir de forma objetiva na integridade estrutural, no funcionamento e desenvolvimento humano. Imperioso lembrar que tais decisões vão sofrer forte influência de fatores individuais, ambientais, sócio-culturais, de acesso a serviços entre outros, evidenciando-se aí a importância do EAN para que na parte que lhe caiba cumpra com os idéias traçados, ajudando tal individuo na tomada de decisão ou até mesmo em sua conclusão.
“O exercício deste princípio pode favorecer a adesão das pessoas às mudanças necessárias ao seu modo de vida. O autocuidado e o processo de mudança de comportamento centrado na pessoa, na sua disponibilidade e sua necessidade são um dos principais caminhos para se garantir o envolvimento do indivíduo nas ações de EAN.
A promoção do autocuidado tem como foco principal apoiar as pessoas para que se tornem agentes produtores sociais de sua saúde, ou seja, para que as pessoas se empoderem em relação à sua saúde. Os principais objetivos do apoio ao autocuidado são gerar conhecimento e habilidades às pessoas para que conheçam e identifique seu contexto de vida; e para que adotem, mudem e mantenham comportamentos que contribuam para a sua saúde” (BRASIL, 2012, p. 27).
Estabelece o sexto princípio que as abordagens educativas da EAN devem ter condão de valorizar as práticas, costumes, saberes e matérias locas, de maneira que essas possam ser incorporadas verdadeiramente no cotidiano dos indivíduos e que esses passem a ser também transmissores dessa educação, integrando quase utopicamente a teoria e a prática. O caráter permanente buscado pela EAN é o aprendizado e conscientização do indivíduo de forma tamanha que tais práticas sejam incorporadas perpetuamente daquele ponto em diante.
A participação ativa do indivíduo nesse processo causa uma transformação de consciência neste, ampliando seus graus de autonomia para escolhas e práticas alimentares, contribuindo para o aumento da capacidade de interpretação e análise do sujeito, sobre si e sobre o mundo, e de fazer escolhas, governar, transforma e produzir a própria vida. Neste diapasão vale ressaltar que é fundamental a formação de senso critico no indivíduo, para que esse não possa ser manipulado, como no exemplo da agressividade da publicidade de indústrias alimentícias.
A diversidade nos cenários de prática, enquanto o sétimo princípio, propõe que as estratégias e os conteúdos de EAN devem ser desenvolvidos de maneira coordenada e utilizar abordagens que se complementem de forma harmônica e sistêmica, contudo, essa máxima não impossibilita que os ensinamentos da EAN se moldem ao meio em que está inserida, já que a mesma tem o merecido espaço nos mais diferentes meios sociais.
A intersetorialidade, na condição de princípio, reclama o envolvimento do trabalho de múltiplos setores governamentais a fim de se garantir a alimentação saudável e adequada, realizados de maneira conjunta. As ações intersetoriais são valorativas para essa busca, ao passo que a troca de informação, dados e conhecimentos entre cada órgão é grande, além de, buscar mais entendimentos, posicionamentos, visões ou aspectos de um mesmo assunto ou matéria. “Neste processo cada setor poderá ampliar sua capacidade de analisar e de transformar seu modo de operar, a partir do convívio com a perspectiva dos outros setores, abrindo caminho para que os esforços de todos sejam mais efetivos e eficazes” (BRASIL, 2012, p. 29).
Por sua vez, o nono princípio estabelece que o planejamento do processo é imprescindível para a mantença dos ensinamentos do EAN. Contudo, para a real efetividade dessa etapa, é fundamental o real envolvimento e interesse tanto dos profissionais quando do indivíduo ou grupo ao qual determinada lição é passada. Fase fundamental também se faz o diagnóstico local, já que através destes é que a ações poderão se empenhadas de forma específica e personalizada, com claros objetivos, traçados sob as reais necessidades de um indivíduo, grupo ou comunidade, de maneira que as tomadas de decisões sejam integradas entre profissionais e educandos.
5 CONCLUSÃO
Os princípios supramencionados traçam diretrizes para a EAN de forma que a educação, conhecimentos e práticas sejam passadas de maneira uniforme, isto é, seguindo uma só idéia central. Ademais tais princípios trazem consigo as reflexões a respeito dos fatores, quantidades, qualidade, cultura, autonomia, possibilidade financeira, materiais regionais, sustentabilidade, entre tantas outras, fundamentais para promover uma alimentação adequada e saudável como direito humano básico, com acesso permanente e regular ao alimento de forma socialmente justa de acordo com o curso de vida e das necessidades especiais de cada indivíduo e ainda com sua determinada faixa etária.
O objetivo principal é de colaborar para a criação de formas de mudar hábitos alimentares e torná-los mais saudáveis, já que a problemática se tornou questão de saúde pública. Contudo tende-se em mente que apesar das mudanças necessárias, a origem de cada região, a cultura e costumes devem ser respeitadas, entre outros fatores, daí a importância dos princípios que se tornam parâmetros para as ações.
Acadêmica de Direito do Instituto de Ensino Superior do Espírito Santo IESES Unidade Cachoeira de Itapemirim
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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