Resumo: O presente artigo trata dos princípios orientadores do direito internacional, estabelecido na lei internacional e nas correntes doutrinárias que sustentam o princípio da segurança jurídica enquanto elemento que fornece as bases do direito internacional público, tendo em vista ser tal princípio orientador do Estado Democrático de Direito, sem o qual não haveria soberania e, portanto, não haveria sociedade internacional.
Palavras-chave: Princípios de Direito Internacional Público, Princípios Gerais de Direito, Segurança Jurídica.
Abstract: This article want to sustain that the principles of international law, established in international law and doctrinal currents that sustaining the principle of legal certainty as an element that provides international law the bases in order to be such a guiding principle of the democratic rule of law, without which there would be no sovereignty and therefore there would be no international society.
Keywords: Principles of Public International Law, Principles of General Law;Legal Security;
Breves considerações acerca das fontes de Direito Internacional
No que diz respeito às fontes de Direito Internacional, existem três classificações históricas: fontes em sentido formal, de reproduzir, positivar ou revelar normas jurídicas já existentes; fontes instrumentais, onde estão contidas as normas jurídicas e os preceitos pelos quais a interpretação se converte em normas, e por fim; fontes materiais, que designam os autores da norma e lhe conferem natureza jurídica e obrigatoriedade[1].
Quando se fala em fontes de Direito, logo nos remetemos à tripologia clássica que diz que são elas a lei, o costume e a jurisprudência, mas sabemos que historicamente, as fontes de direito sempre foram mais amplas, quer seja o conhecimento transmitido historicamente, os fatos da vida social, a autoridade vigente em certas comunidades, entre outros. A questão é que em Direito Internacional, quando falamos em fonte, por conta de sua estrutura peculiar, mais do que de fontes estamos a falar de preceitos de validade, legitimidade e mais ainda do sentido de obrigatoriedade. Definir de maneira inequívoca quais são as fontes de Direito Internacional para além de um desafio em termos doutrinários, também o é em sentido prático, como veremos.
Defende Hildebrando Accioly que as fontes sob os quais emanam os direitos e obrigações regulados pelo Direito Internacional são classificadas por dois aspectos: um que é racional e objetivo, ou seja, uma fonte real, verdadeira e fundamental, que é constituída pelos princípios gerais do direito, chamada material; e outra que é formal e positiva, dá forma ao direito objetivo preexistente, e se apresenta sob o aspecto de regras aceitas e sancionadas pelo poder público[2].
Apesar da aceitação nesta tradicional distinção entre as fontes[3], alguns autores deste século criticam a divisão entre fontes formais e materiais, provando que o Direito Internacional evoluiu e ganhou certa independência, pelo que, não há razão para atribuir às fontes do Direito Internacional as mesmas classificações do direito interno ou constitucional[4], o que nos leva a conhecer outras formas doutrinárias de conhecer das fontes de Direito Internacional.
À falta de um texto constitucional que defina as fontes de Direito Internacional, tem cumprido o papel de defini-lo, segundo a doutrina, o art. 38 do Estatuto da Corte Internacional de Justiça (diploma que organiza o sistema judicial da ONU):
“Artigo 38.º
1 – O Tribunal, cuja função é decidir em conformidade com o direito internacional as controvérsias que lhe forem submetidas, aplicará:
a) As convenções internacionais, quer gerais, quer especiais, que estabeleçam regras expressamente reconhecidas pelos Estados litigantes;
b) O costume internacional como prova de uma prática geral aceite como direito;
c) Os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas;
d) Com ressalva das disposições do artigo 59 as decisões judiciais e a doutrina dos publicistas mais qualificados das diferentes nações como meio auxiliar para a determinação das regras de direito.
2 – A presente disposição não prejudicará a faculdade do Tribunal (*) de decidir uma questão ex aequo et bono, se as partes assim convierem.”
A doutrina é unânime[5] ao dizer que o art. 38ª do ECIJ é o diploma que regulamenta as fontes do Direito Internacional, no entanto, é também de percepção geral que existem problemas com o fato de adotar a letra do Estatuto de uma Corte, ainda que da Corte Internacional de Justiça – CIJ, para definir quais são as fontes de Direito Internacional.
Diz o professor Jorge Bacelar Gouveia que a adoção do art. 38ª do ETIJ está longe de ser a solução perfeita para a determinação das fontes de Direito Internacional, porque em si comporta deficiências como o fato de algumas das fontes não são certamente fontes de Direito, sua formulação contém erros técnicos, seu carácter exaustivo deixa de fora outras fontes relevantes, e por fim e mais importante o fato de não ter valor vinculativo internacional[6].
Em seu “O Conceito de Direito”, Hart, quando trata do Direito Internacional, lança mão de questionar se seria o Direito Internacional um direito, e faz uma averiguação detalhada desta questão, mas não deixa de afirmar que a ausência de um poder legislativo internacional, de tribunais com jurisdição obrigatória[7], diz ainda que a ausência destas instituições impede que o Direito Internacional especifique suas fontes de direito e que estabeleça regras de identificação de seus institutos normativos[8].
Segundo o Prof. Valério Mazzuoli, a Convenção da Haia, de 1907, foi que primeiro indicou o rol de fontes do DIP, ao estabelecer em seu art. 7º:
“Art. 7º– Se a questão de direito a resolver estiver prevista por uma convenção em vigor entre o beligerante captor e a Potência de que for parte do litígio, ou cujo nacional for parte dele, o Tribunal decidirá conforme as estipulações da mencionada convenção. Na falta dessas estipulações, o Tribunal aplicará as regras do Direito Internacional. Se não existirem regras internacionalmente conhecidas, o Tribunal decidirá de acordo com os princípios gerais de direito e da equidade.”
Como podemos ver, a diferença é que os princípios gerais de direito aparecem logo a seguir a convenção em vigor. Em verdade, existe discussão doutrinária a respeito da hierarquia das fontes de Direito Internacional, e a maior parte crê não haver uma disposição taxativa, tampouco hierárquica: a jurisprudência tem demonstrado ao longo dos anos, que as fontes de Direito Internacional interagem dinâmica e constantemente, de acordo com o momento e lugar, razão pela qual, o artigo não deve ser lido estaticamente[9]. Bem, se toda lei internacional, de uma forma ou de outra, deriva do consentimento do Estado, não deve haver uma hierarquia entre as fontes de direito internacional: se, em princípio elas (as leis internacionais) tem o mesmo caráter obrigatório não há que se falar em hierarquia.
No entanto, o Prof. Eduardo Correia Baptista é correligionário da tese de que existe sim, hierarquia de fontes em DIP, e alega, nomeadamente que o ius cogens (de que trataremos a seguir), ocupa o topo da lista. A explicação decorre de que a hierarquia é caracterizada pela incapacidade de os atos decorrentes de fonte inferior revogarem os decorrentes de fonte superior, e cita como exemplo, a superioridade hierárquica do costume frente aos tratados. Diz ainda que a flexibilidade abre portas ao subjetivismo[10].
Aliás, tendo em vista as características tão peculiares do Direito Internacional, assim como defende Jorge Miranda, mas com as reservas de Accioly, entendemos que se houvesse ordem, em primeiro lugar deveriam vir os princípios gerais de Direito Internacional[11].
Princípio[12] é sinônimo de início. A questão dos princípios se impõe no estudo de quaisquer dos ramos do direito, uma vez que, como ensina J.J. Gomes Canotilho “a questão metodológica da concretização de normas é indissociável da filosofia hermenêutica e da teoria da extrinsecação-realização do direito”. Em outras palavras, os princípios são a via primeira de interpretação do direito[13]. De maneira muito suscinta, e ainda sob o ensinar de Canotilho, o processo metodológico que se utiliza para diferenciar uma regra de um princípio é o de reconhecer que as regras se adaptam aos modelos tradicionais de interpretação, já os princípios apontam para os modelos de concretização e de ponderação.
A recente produção massiva de normas afeta o sistema jurídico, entorpece a justiça e enfraquece a segurança jurídica. Os princípios são condensadores do direito, uma vez que, como disse São Tomás de Aquino, sem entender seus princípios não é possível entender a mais elementar de suas instituições.
As leis tem por objetivo regular uma situação específica, a vida elementar do mundo jurídico em uma relação determinada, por exemplo, um contrato, o direito de propriedade, a alíquota do imposto sobre a renda, o regime de casamento, a pena aplicável ao homicida, entre outras muitas situações, sob a égide de um direito que evolui também diariamente; no entanto, cada uma dessas situações estão regulamentadas sobre os vários princípios gerais do direito, que organizam essas normas, que dão sentido e alcance à cada uma delas. Os princípios nos quais estão baseadas estas normas as transcendem, e tem como fim profícuo articular com o sistema jurídico, bem como protegê-las de eventual lacuna. Os princípios expressam sempre uma ordem de valores[14].
Violar um princípio, segundo o Prof. Celso Antônio Bandeira de Mello, é muito mais grave do que transgredir uma norma, e continua:
“… a desatenção ao princípio implica ofensa não apenas a um específico mandamento obrigatório, mas a todo um sistema de comandos. É a mais grave forma de ilegalidade e inconstitucionalidade, conforme o escalão do princípio violado, porque representa insurgência contra todo o sistema, subversão de seus valores fundamentais…”.[15]
Há quem defenda que o sistema romano-germânico (da qual se assemelha o sistema do Direito Internacional) é superior aos demais sistemas jurídicos históricos, não pela perfeição da lei ou a qualidade de seus legisladores, mas pelo fato de que os juristas deste sistemas foram os primeiros a interpretar a jurisprudência segundo princípios[16].
Os princípios carregam em si funções integrativas e interpretativas do direito, como critério auxiliar de decisão e por vezes, de fundamentação de uma decisão. O significado e o alcance de uma norma jurídica em determinado contexto, devem ser amparados pela lógica de seu sistema, que é definido por seus princípios.
O Direito Internacional é um fenômeno tão complexo, que vai além do fato e da regra de que pode ser aplicado num determinado lugar e num determinado momento[17]; dizer dos princípios em Direito Internacional é dizer do sentido de buscar solução para o problema da pluralidade de fontes e sistemas[18]. No entender de Jonas E.M.Machado, os princípios tem a função de estabelecer os limites do diálogo jurídico-interpretativo-internacional, a fim de garantir a unidade substancial entre o direito interno e o direito internacional[19].
Os princípios que regem as Nações Unidas são aqueles dispostos no art. da Carta das Nações Unidas, e são eles:
As Nações Unidas agem de acordo com os seguintes princípios:
– A Organização se baseia no principio da igualdade soberana de todos seus membros;
– Todos os membros se obrigam a cumprir de boa fé os compromissos da Carta;
– Todos deverão resolver suas controvérsias internacionais por meios pacíficos, de modo que não sejam ameaçadas a paz, a segurança e a justiça internacionais;
– Todos deverão abster-se em suas relações internacionais de recorrer à ameaça ou ao emprego da força contra outros Estados;
– Todos deverão dar assistência às Nações Unidas em qualquer medida que a Organização tomar em conformidade com os preceitos da Carta, abstendo-se de prestar auxílio a qualquer Estado contra o qual as Nações Unidas agirem de modo preventivo ou coercitivo;
– Cabe às Nações Unidas fazer com que os Estados que não são membros da Organização ajam de acordo com esses princípios em tudo quanto for necessário à manutenção da paz e da segurança internacionais;
– Nenhum preceito da Carta autoriza as Nações Unidas a intervir em assuntos que são essencialmente da alçada nacional de cada país.
Como dito, são princípios inscritos na Carta das Nações Unidas e visam orientar as ações da ONU com relação a seus membros (a expressão parece redundante) e a seus membros entre si. Não são princípios gerais de Direito.
No que diz respeito aos princípios gerais de direito na legislação internacional, o já visto art. 38º do ECIJ assim o coloca:
“c) Os princípios gerais de direito reconhecidos pelas nações civilizadas;”
Como se vê do texto do artigo, são os princípios fonte de direito em Direito Internacional. Vale dizer que, no que diz respeito ao comando do art. 38, os princípios consagrados pela doutrina como princípios de Direito Internacional são os princípios gerais do direito reconhecidos pelos Estados litigantes, que, por óbvio guarda em si a possibilidade de múltiplas interpretações, pelo que, bastava anunciar princípios gerais do direito. Aliás, para que fosse o bastante, seria também necessário dizer quais princípios, o que ficou por fazer. Não enumerar, ou indicar os princípios gerais de direito que sejam àqueles indicados ao Direito Internacional não só falta à Corte Internacional de Justiça para o sentido de suas decisões, faltou também ao Tribunal Penal Internacional, que em seu art. 21, prescreve:
“Artigo 21.º Direito aplicável
1. – O Tribunal aplicará:
a) Em primeiro lugar, o presente Estatuto, os elementos constitutivos do crime e o Regulamento Processual;
b) Em segundo lugar, se for o caso, os tratados e os princípios e normas de direito internacional aplicáveis, incluindo os princípios estabelecidos no direito internacional dos conflitos armados;
c) Na falta destes, os princípios gerais do direito que o Tribunal retire do direito interno dos diferentes sistemas jurídicos existentes, incluindo, se for o caso, o direito interno dos Estados que exerceriam normalmente a sua jurisdição relativamente ao crime, sempre que esses princípios não sejam incompatíveis com o presente Estatuto, com o direito internacional nem com as normas e padrões internacionalmente reconhecidos.
2. – O Tribunal poderá aplicar princípios e normas de direito tal como já tenham sido por si interpretados em decisões anteriores.
3 – A aplicação e interpretação do direito, nos termos do presente artigo, deverá ser compatível com os direitos humanos internacionalmente reconhecidos, sem discriminação alguma baseada em motivos tais como o sexo, tal como definido no n.º 3 do artigo 7.º, a idade, a raça, a cor, a religião ou o credo, a opinião política ou outra, a origem nacional, étnica ou social, a situação económica, o nascimento ou outra condição.” grifo nosso
Havemos de acrescentar uma questão de vital importância: qual é a função dos princípios como fonte de DIP? A função mais óbvia dos princípios em DIP é a de orientar a interpretação das normas convencionais e consuetudinárias e suprir eventuais lacunas que existam no Direito positivo[20]. Para o presente trabalho, nosso esforço se traduz na tentativa de demonstração de que, ainda que não haja lacuna, as decisões internacionais devem basear-se no sentido de utilidade do sistema, que está de todo, demonstrado através dos princípios, como veremos no Capítulo III.
O reconhecimento de uma lacuna legislativa no que diz respeito à definição dos princípios gerais de Direito Internacional foi tal que a Assembléia Geral das Nações Unidas, adotou em 1970 a Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional Regendo as Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados Conforme a Carta da ONU[21], que chegou ao consenso com relação aos seguintes princípios:
a) Proibição do uso ameaça da força;
b) Solução pacífica de controvérsias;
c) Não intervenção nos assuntos internos dos Estados;
d) Dever de cooperação internacional;
e) Igualdade de Direitos e Autodeterminação dos Povos;
f) Igualdade soberana dos Estados;
g) Boa-fé no cumprimento das obrigações internacionais.
São, portanto, estes os princípios gerais de Direito Internacional[22]. No entanto, a Declaração não constitui emenda à Carta das Nações Unidas, não tem caráter de tratado e não vincula os Estados, como bem pautado na sessão do Comitê Especial que elaborou a Carta, uma vez que um relatório da Assembléia não pode criar regras obrigatórias de direito internacional[23].
Talvez por isso, algumas obras, sequer mencionam a Declaração, seja como fonte de direito internacional, seja como aliado interpretativo à CIJ. Em seu Princípios de Direito Internacional Público, Ian Brownlie[24] dedica-se aos “Princípios Gerais de Direito na prática dos tribunais”, e aos “Princípios gerais do Direito Internacional”, e diz que são, exemplificativamente: princípio do consentimento, reciprocidade, igualdade dos Estados, carácter definitivo das decisões arbitrais e das resoluções de litígios, validade jurídica dos acordos, boa fé, jurisdição interna e liberdade dos mares. Não há qualquer menção à Declaração Relativa aos Princípios do Direito Internacional Regendo as Relações Amistosas e Cooperação entre os Estados Conforme a Carta da ONU.
Qual será então o objetivo de uma Declaração de Princípios que não vincula os Estados?Voltemos a Hart, que elabora questão semelhante: “como pode o direito internacional ser vinculativo?” ou ainda “pode dizer-se de forma significativa e verdadeira que regras como estas dão alguma vez origem a obrigações?”. De modo sucinto, e nisto concordamos, Hart diz que as questões de direito que surgem dentro de certo sistema de direito são resolvidas por referência a regras ou princípios daquele sistema[25].
Ao tratar dos princípios, Lênio Streck faz uma definição muito parecida com a conclusão de Hart:
“Os princípios gerais do Direito adquirem um significado apenas quando considerados em conjunto com o restante do sistema jurídico: daí a necessidade de pressupô-lo como uma totalidade. No mínimo os princípios gerais, em seus mais variados conteúdos, podem servir – e têm servido cotidianamente – como um topos hermenêutico.” [26]
Significa dizer que não há sistema jurídico, seja interno ou internacional, que não seja modelado por princípios, sob pena de, não incorporando princípios, não ser possível interpretá-lo; não sendo possível interpretá-lo, tampouco será possível aplicá-lo.
Sobre a segurança, cumpre dizer que é das necessidades básicas do ser humano, é consagrado que o homem prefere segurança à liberdade, haja vista que essa foi uma das principais razões para a vida em sociedade. Já a segurança jurídica implica na garantia de efetivação de direitos declarados pelo Estado.
Para a defesa do argumento de que o Princípio da Segurança Jurídica é mais do que um princípio, porque contém nele a razão de ser do Estado Democrático de Direito, não nos caberá fazer um estudo histórico evolutivo, mas situar o conceito: aexpressão Estado de Direito, como conhecemos, é fruto das Revoluções Americana e Francesa, que consistia, basicamente na limitação do arbítrio dos detentores do poder a partir de princípios como o da legalidade, da liberdade e da igualdade. É o nascer do anseio pelo reconhecimento do Estado à dignidade humana, o início das teorias do Estado do Bem Estar Social, as reações pelo socialismo, comunismo. E mais, o Estado de Direito passa a ser associado com a democracia política.
A Comunidade Internacional, através dos Estados que a compõe, tal seja, as Nações Unidas, tem o Estado de Direito como seu primado e a democracia se apresenta como valor a ser perseguido. Muito embora a Carta das Nações Unidas não traga em seu teor o termo “Democracia”, o Pacto Internacional sobre os Direitos Civis e Políticos sinaliza os fundamentos jurídicos e os princípios da democracia, notadamente em consonância com o direito internacional, tais como:
– a liberdade de expressão (Artigo 19);
– o direito de reuniãopacífica (Artigo 21);
– o direito de se associarlivremente com outros (Artigo 22);
– o direito de tomar parte nadirecção dos negóciospolíticos, diretamenteouporintermédio de representanteslivrementeeleitos, bemcomo o direito de votar e sereleito, emeleiçõesperiódicas, honestas, porsufrágio universal e igual e porescrutíniosecreto, assegurando a livre expressão da vontade dos eleitores (Artigo 25);
O ultimo relatóriopublicado pela Freedom House[27], instituiçãodedicada à vigilância da liberdade e da democracia no mundo, indicaqueatualmente, de 193 países considerados, 118 sãoconsideradoscomo livres (democraciaeleitoral), o restante, é parcialmente livre ounão livre.
Em a Lei dos Povos[28], John Rawl defende idêntica concepção ao afirmar que sociedades de democracia constitucional tendem a ser mais seguros que sociedades não-democraticas. Afirma também que muito embora sociedades democráticas tenham entrado em guerra, nenhuma das mais famosas guerras da história ocorreu entre povos democráticos e liberais estáveis.
E o que o garante o Estado Democrático de Direito? É a Constituição. Aliás, o grande cerne das constituições do século XX é a organização do poder político, que, segundo o Prof. Jorge Miranda, “não se cuida apenas de realizar até ao fim, de qualquer forma e em qualquer momento, a vontade popular, cuida-se também de sujeitar a vontade popular à soberania do Direito e portanto, antes de mais nada, da própria Constituição.” [29]
Sobre o Estado de Direito e a democracia, nos ensina Jorge Reis Novais que a tensão instalada entre o Estado de Direito, garantidor dos direitos individuais, e da Democracia, na apreciação coletiva desses direitos, é a que fornece a junção ideal para o Estado Democrático de Direito[30]. Ainda antes, o mesmo Jorge Reis Novais escreveu:
“Tal como o temos visto caracterizar, o Estado de Direito da nossa época é, por definição,social e democrático, pelo que, em rigor, seria desnecessária, por sua pleonástica, a referida adjetivação. Todavia a sua utilidade reside na transparência com que elucida as dimensões essenciais de uma compreensão actualizada do velho ideal de limitação jurídica do Estado com vista à garantia dos direitos fundamentais dos cidadãos. De fato ela surge imediatamente a confluência, no mesmo princípio estruturante da ordem constitucional, de três elementos que poderíamos sintetizar por: a segurança jurídica que resulta da proteção dos direitos fundamentais, a obrigação social de confirmação da sociedade por parte do Estado e a autodeterminação democrática.” [31]
Assim, o Princípio da Segurança Jurídica também é comumente citado na doutrina portuguesa como Princípio da Confiança,deriva de norma insculpida na Constituição[32] e implica na certeza do direito.
Diz Canotilho:
“Estes dois princípios – segurança jurídica e proteção da confiança – andam estreitamente associados a ponto de alguns dos autores considerarem o princípio da proteção da confiança como um subprincípio ou como uma dimensão específica da segurança jurídica. Em geral considera-se que a segurança jurídica está conexionada como elementos objetivos da ordem jurídica – garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito – enquanto a proteção da confiança se prende mais com as componentes subjetivas da segurança, designadamente a calculabilidade e a previsibilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos actos dos poderes públicos.” grifo do autor.[33]
Contrariamente, para Carlos Blanco de Morais, o princípio da segurança jurídica e o princípio da confiança são coisas distintas; para ele inclusive, o princípio da segurança jurídica não pode sequer ser chamado princípio, já que é um princípio sobre princípios, que “logra iluminar corolários como o da proibição da retroactividade de normas oneradas, proporcionalidade ouda confiança” [34]. A divergência não é só acerca da denominação, uma vez que como podemos ver na referida obra, há uma defesa da dissociação dos termos segurança e justiça, bem como da desconstrução dos principais corolários da segurança jurídica, como por exemplo, a positividade do direito, a publicidade, a durabilidade, a existência de regras de soluções de conflitos informativos, a clareza e a não retroactividade de normas. Não deixamos de considerar esses argumentos, no entanto, não conseguimos identificar no argumento do autor em que pese o argumento de outros doutrinadores, se existe uma fundamental diferença entre o princípio da confiança e o da segurança jurídica em termos práticos.
Antonio Cortês assinala que embora a segurança seja um valor jurídico secundário, que tem seu valor em função de um valor concreto, é certo dizer que sem a garantia desses valores não há Direito efetivo, razão pela qual poderíamos até falar de um princípio geral de efectividade dos direitos que implica instrumentalmente, a existência de garantias objectivas[35].
Embora os textos constitucionais não mencionem expressamente “segurança jurídica”, tampouco “proteção da confiança”, adotamos a terminologia “princípio da segurança jurídica".
É, portanto, o Princípio da Segurança Jurídica o corolário do Estado Democrático de Direito, porque dele deriva o fato de que todos os atos que derivam do Estado, quer sejam eles da esfera administrativa, legislativa ou judiciária deve estar baseado num fundamento de legalidade, no caso, na Constituição. As intervenções do Estado na vida daqueles que lhe são subordinados (cidadãos) obedece a um quadro de limitações, qual seja, o respeito pelos direitos e liberdades individuais, que são seus pressupostos, mas vai além, imputa aos Estados as obrigações do diploma que lhe confere status.
Concordamos com o posicionamento do Prof. Jorge Reis Novais, que também explicitou opinião neste sentido:
“Mesmo que a Constituição não institua expressamente um princípio da segurança jurídica e da protecção da confiança, ele é, seguramente, um princípio essencial na Constituição material do Estado de Direito, imprescindível como é, aos particulares, para a necessária estabilidade, autonomia e segurança na organização dos seus próprios planos de vida. De resto, a luta pela Constituição e pelo Estado de Direito era também, desde os primórdios das revoluções liberais, uma luta pela segurança jurídica no sentido de um projecto de organização racional do Estado e da sua actuação que mantivesse a esfera dos particulares, nomeadamente no domínio da sua actividade económica, ao abrigo das arbitrariedades típicas de um exercício ilimitados dos poderes de autoridade que caracteriza o Estado absoluto.” [36]
Assim, vemos que a segurança jurídica é uma condição do próprio direito, porque visa estabilizar a ordem jurídica para que esta seja efetiva e garanta a justiça, já que os elementos centrais da segurança jurídica são os valores de confiança, de calculabilidade e de cognoscibilidade sobre as normas ou sobre os fatos da vida[37].
O Princípio da Segurança Jurídica é, portanto, mais do que um Princípio e que deve vigorar em Direito Internacional. A idéia vem exatamente do que diz respeito à soberania (que veremos mais adiante): a figura de um Estado se manifesta na escolha de sua forma de governo, na criação de suas leis, na garantia de execução de seus preceitos, na subssunção de sua autoridade aos seus nacionais, pelo uso que faz das competências que essas leis lhe conferem, de sua identidade, de seu relacionamento interestatal. Esse é justamente o critério de legitimação exigido pelo DIP para a aceitação de um Estado. Ousamos prosseguir e afirmar que o Estado reconhecido pelo Direito Internacional Público carrega em si não só a figura do Estado Democrático de Direito, mas da figura do Estado Democrático de Direitos Humanos.
Nesta linha de pensamento, podemos localizar o Princípio da Segurança Jurídica insculpido nos arts. 2°, 6°, 12°, entre outros, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789[38], na Declaração Universal dos Direitos do Homem, de 1948[39], no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais, de 1966[40], entre muitos outros, embora seu fundamento deva permear todos os sistemas jurídicos[41].
O que queremos dizer é que, embora a expressão Segurança Jurídica não figure em nenhuma doutrina no que diz respeito à sua inclusão como princípio de DIP (exceto por referência, como demonstrado no parágrafo anterior), é o elo que une o DIP de seus principais atores, que são os Estados.
Vale dizer com essa afirmação, que o que tem feito o DIP ao longo do seu período de evolução é induzir (ou eleger) entre seus atores e sujeitos, o Estado Democrático de Direito como modelo ideal de responsabilidade, a soberania então, como veremos a seguir, é mais do que uma liberdade, é uma responsabilidade[42].
A idéia encontra algum respaldo na obra de Jónatas E. M. Machado, que anuncia:
“… parece verificar-se uma tendência internacional no sentido de afirmação do modelo de “Estado de direito, democracia e direitos humanos”, como princípio de direito internacional. Alguma doutrina considera que, partindo da afirmação do indivíduo como unidade primária e sujeito por excelência do direito internacional, a qualidade de Estado de direito democrático de direitos fundamentais deveria ser considerada pela comunidade internacional, como critério de legitimação da própria existência de um Estado enquanto tal. Neste sentido aponta a concepção de soberania como responsabilidade.”[43]
Nesta mesma linha de pensamento, a Comissão Interamericana de Direitos Humanos reiterou a intrínseca relação entre a democracia e o respeito aos direitos humanos na publicação do Relatório “Derecho a la verdad em América”[44]. Diz o relatório de maneira clara e inequívoca que a democracia representativa é a forma de organização política adotada pelos Estados membros da OEA, bem como, que a CADH estabelece como princípios que a organização politica dos Estados membros tenha como base o exercício efetivo da democracia, bem como elege a democracia como condição indispensável para a estabilidade, a paz e o desenvolvimento da região [45].
No Brasil, o princípio da segurança jurídica tem seu expoente processual na Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, tendo em vista que, como destacado no voto na ministra Carmen Lúcia na ADPF 101/DF:
“… é plausível admitir que o Tribunal deverá conhecer da argüição de descumprimento toda vez que o princípio da segurança jurídica restar seriamente ameaçado, especialmente em razão de conflitos de interpretação ou de incongruências hermenêuticas causadas pelo modelo pluralista de jurisdição constitucional, desde que presentes os demais pressupostos de admissibilidade.”[46]
Sob uma outra vertente, Radbruch desenvolveu uma Fórmula que consiste em três ingredientes que compõe para ele, a idéia de direito: a justiça, finalidade e a segurança jurídica[47]. A princípio nos compete expor a hierarquia desses valores, uma vez que, embora hajam antagonismos latentes entre eles, esses antagonismos precisam ser resolvidos antes que avancemos.
A primeira contradição é aquela entre a justiça e a finalidade:se a justiça é a base do fundamento de direito, e a base da justiça é a igualdade, a igualdade é uma abstração que se afasta do individual, ea finalidade, por sua vez, exige que se individualize tanto quando possível, ou seja, se o bem do povo é o que interessa, significa dizer que só o fim importa, e essa idéia contradiz a idéia de justiça.
A segunda contradição consiste em, se o direito positivo deve ser cumprido incondicionalmente ao custo de sacrificar os demais valores: em nome da segurança jurídica, a própria justiça estaria denegerada. Quanto a segurança jurídica, diz Radbruch, esta exige a positividade do direito, e, uma vez estabelecido, aspira a impor-se com uma incondicional validade e obrigatoriedade, independentemente de sua justiça ou mesmo de sua exata apropriação a quaisquer fins[48].
Mesmo diante desses antagonismos, Radbruch, em síntese, diz que esses valores devem complementar-se mutuamente, e que portanto, a justiça está, ou deve estar, acima do fim[49], e deve anteceder o postulado da segurança jurídica, e se não é possível fixar uma utilidade com validade universal, essa adequação não deve ceder, sob nenhum pretexto à arbitrariedade.
Conclusão
Sendo assim, nossa argumentação é a de que o princípio da segurança jurídica é o princípio balisador do Estado Democrático de Direito e da soberania.Para além disso, para nós o princípio da segurança jurídica está atrelado a idéia de que um Poder tenha a última palavra sobre um determinado assunto, porque assim promove uma estabilidade de modo a garantir que direitos, haja vista que a justiça é o elemento de maior valia na formação de um Estado. Para além de qualquer garantia social, é a justiça que sustenta a estabilidade das instituições. É baseada na justiça a idéia de desenvolvimento, governança com participação popular e o fortalecimento das instituições democráticas.
O princípio maior do Estado Democrático de Direito é o princípio da segurança jurídica. A segurança jurídica visa conferir coerência e integridade às decisões no campo internacional não só no sentido de verificar as posições já adotadas, mas que venham a servir de precedente para os casos futuros, por óbvio, essa observância deve ser levada no contexto de todo o sistema.
Advogada mestre em Direito Internacional Público pela Universidade de Lisboa
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