Criminal Policies For Drug Users: Problems and Perspectives
Letícia Silva Oliveira – Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Desenvolvimento do Centro-Oeste – (Unidesc), data de formação: 26 de agosto de 2021. Pós-Graduanda em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pela Legale.
Orientador: Rafael de Deus Garcia. Doutorando (2018) e Mestre em Direito pela Universidade de Brasília (UNB) na área de Processo Penal (2013-2015). Advogado criminalista. Graduação em Direito pela Universidade de Brasília (2008-2012).
Resumo: A Lei Antidrogas de 2006 despenalizou a conduta de portar drogas para consumo próprio, embora tenha mantido sua criminalização. Neste trabalho, defende-se que o crime de porte de drogas para consumo pessoal ofende os princípios da intimidade e da vida privada, bem como o princípio da lesividade, compreendido como a necessidade de uma previsão típica penal ter por objetivo a proteção efetiva de um bem jurídico tutelado. Diante dessas perspectivas, surge a descriminalização das condutas de consumo de drogas, medida que vem sendo adotada em diversos países. Este trabalho busca analisar as discussões sobre a regulamentação de drogas, como também a dificuldade em se distinguir o usuário do traficante. A política criminal de drogas que é adotada no Brasil, de matriz proibicionista, não conseguiu acabar com o tráfico de drogas, muito menos reduzir o uso dessas substâncias. Com a aplicação dessa política, o único resultado percebido foi a guerra contra indivíduos, em sua maioria vulneráveis, por meio de práticas policiais e judiciais seletivas, contribuindo com a lotação penitenciária.
Palavras-chave: descriminalização; despenalização; drogas; legalização; princípio da lesividade.
Abstract: The 2006 Anti-Drug Law decriminalized the conduct of carrying drugs for personal consumption, although it maintained its criminalization. This paper argues that the crime of drug possession for personal use offends the principles of intimacy and privacy, as well as the principle of harmfulness, understood as the need for a typical criminal provision to have as its objective the effective protection of a protected legal value. Facing these perspectives, the decriminalization of drug use has arisen as a measure that has been adopted in many countries. This paper seeks to analyze the discussions about drug regulation, as well as the difficulty in distinguishing the user from the trafficker. The prohibitionist criminal drug policy adopted in Brazil has not managed to end drug trafficking, much less reduce the use of these substances. With the application of this policy, the only result perceived was the war against individuals, most of them vulnerable, through selective police and judicial practices, contributing to prison overcrowding.
Keywords: decriminalization; drugs; legalization; principle of injury.
Sumário: Introdução. 1. Breve síntese do proibicionismo. 2. A lei de drogas e o problema da distinção entre usuário e traficante. 3. A política de redução de danos em Portugal e a experiência do Uruguai na legalização do consumo da maconha. 4. Consumo de drogas e a ausência de lesão a bem jurídico relevante. Considerações finais. Referencial bibliográfico.
Introdução
O presente artigo tem como objetivo analisar o crime de porte de drogas para consumo pessoal (art. 28 da Lei nº 11.343/2006). O tema ganhou especial relevância por conta do julgamento no Supremo Tribunal Federal no tocante à inconstitucionalidade do art. mencionado (Recurso Extraordinário 635.659). Para análise do art. 28, é preciso também discutir sobre a política criminal quanto ao uso de drogas consideradas ilícitas.
Tal julgamento aconteceu por conta do caso concreto que ocorreu em Diadema-SP, no qual o presidiário Francisco Benedito de Souza foi pego no Centro de Detenção Provisória portando três gramas de maconha em sua marmita. Foi, assim, condenado no crime de posse de drogas para consumo próprio, elencado no mencionado art. 28.
Deste modo, o recorrente apresentou o Recurso Extraordinário 635.659 ao STF, garantindo que a criminalização do porte de drogas para consumo próprio infringe o art. 5º, inciso X da Constituição Federal, que dispõe: “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação”.
Tal julgamento teve início em agosto de 2015, no momento votou o ministro Gilmar Mendes e, logo após, nesse mesmo ano no mês de setembro, votaram os ministros Edson Fachin e Roberto Barroso – destaca-se que os três votos enunciados decretaram pela inconstitucionalidade do art. 28 da Lei nº 11.343/2006. No entanto, o processo permanece interrompido desde o pedido de vista realizado pelo ministro Teori Zavascki, no dia 13 de maio de 2015. Após a morte do ministro Teori em 19 de janeiro de 2017, o processo ficou com seu sucessor, Alexandre de Moraes, que até a presente data não apresentou voto.
Vale mencionar que a pena colocada ao cidadão que comete a conduta do art. 28 teria sofrido um enfraquecimento em comparação à norma semelhante à lei anterior. Observando a revogada Lei nº 6.368/76, percebe-se uma afinidade e igualdade do art. 28 da atual Lei de Drogas com o art. 16 da lei revogada. No entanto, ainda é possível dizer que há a efetiva e forte criminalização de usuários. Desse modo, este estudo procura entender dentro de um contexto histórico (baseado em leis, livros, artigos científicos), o desenvolvimento da política criminal tanto na finalidade de criminalização quanto no seu oposto: a descriminalização que atinge o usuário de drogas.
A pergunta geral orientadora, portanto, é: quais os principais problemas na criminalização do uso para consumo pessoal, e quais perspectivas podem ser apontadas para solucionar esses problemas?
A metodologia empregada na produção deste estudo foi a de revisões de literaturas especializadas, normas reguladoras e comparação do direito penal brasileiro com os de outros países no que se refere ao tratamento oferecido àquelas pessoas ligadas ao consumo de drogas.
O estudo em questão se inicia no capítulo 1, onde é exposta a origem do proibicionismo e a questão das drogas e debatido o desenvolvimento da política proibicionista, apresentando as normas internacionais criminalizadoras mais importantes que foram elaboradas a partir do século XX. O debate sobre a proibição ou legalização estabelece um conteúdo muito polêmico e controverso, como o próprio conceito do termo droga cuja origem não é suficientemente clara[1].
Percebe-se que há controvérsias quando esse assunto é tratado. Nesse sentido, recomenda-se evitar críticas de cunho moralista, visto que “todos os julgamentos morais são falsos, uma vez que não existe uma realidade moral objetiva que lhes sirva de referência” (MACKIE, 1977)[2]. A questão da droga deve ser analisada como um fato social complexo e questionável, que abrange diversas áreas do conhecimento, merecedor de debates bem fundamentados. Na perspectiva jurídica, ao discorrer acerca do controle penal sobre as drogas ilícitas deve-se ter em consideração o propósito irrevogável do Direito – a pacificação coletiva –, e os possíveis recursos para encontrá-la: e pela consideração aos direitos e garantias individuais.
O capítulo 2 aborda a figura do usuário e do traficante na atual lei de drogas, como também a explicação dos parâmetros legais aplicados pelo juiz para diferenciá-los no caso concreto. Quanto aos usuários, estes estão definidos no art. 28 da Lei nº 11.343/06, já o traficante é visto no art. 33 da mesma lei. Como se perceberá, os crimes são quase idênticos em suas figuras típicas, o que leva à distinção ser feita não tanto pelo fato praticado, mas pelas condições pessoais e sociais dos indivíduos pegos pelo sistema de justiça e policial.
No capítulo 3, a título de aprofundamento da discussão sobre uma possível descriminalização, é interessante dissertar sobre a política das drogas em Portugal e Uruguai. O Uruguai se sobressai por ter legalizado a produção e o consumo da cannabis, passando a ser o primeiro Estado a solicitar, para si, a regulamentação de toda etapa produtiva da droga, ficando esta responsabilidade sob a responsabilidade do Estado desde 2013.
Em Portugal, por sua vez, o uso de drogas deixou de ser assunto de âmbito penal desde 2000. No entanto, em Portugal, o consumo não foi legalizado, e mantém-se sob a fiscalização do Estado, porém passou a ser uma simples infração administrativa.
Por fim, o capítulo 4 destina-se à análise do crime de porte de drogas para consumo pessoal a partir da dogmática penal no tema da lesividade a bens jurídicos. Com a chegada do positivismo, Karl Binding (1922) cita como bem jurídico o bem da vida porque esta deve ser protegida. Portanto, tudo aquilo que é relevante para a vida coletiva. Assim, não podemos considerar como crime a conduta de autolesão, uma vez que tal conduta não atinge a vida de terceiros. Assim, o sujeito que lesiona a si mesmo não afeta nenhum bem jurídico. Sendo assim, o usuário de drogas se limita apenas a seu uso, não interferindo em nada na vida do próximo. Qualquer pessoa tem o direito de fazer o que quiser com seu próprio corpo sem que o Estado precise intervir por meio de seu âmbito penal.
Nesse capítulo é analisada a origem do proibicionismo, que se inicia pequeno, inferior, delicado, e entender sua contingência, seu desenvolvimento, até sua fundação como política criminal. De acordo com Salo de Carvalho, o início da criminalização das drogas “é fluído, volátil, impossível de ser adstrita e relegada a objeto de estudo controlável” (2010, p. 10).
Informa Carvalho que a representação de política criminal é criada por Beccaria[3], quando se interessa pelas “formas eficazes de prevenção do delito e com o conteúdo legislativo efetivo para alcançar tal finalidade” (2010, p. 87). Em outros termos, o direito penal acaba se tornando dispositivo não apenas de estudo da lei penal, como também de pesquisa por respostas ao problema de criminalidade. Posteriormente, a política criminal será conceituada por Feuerbach como “o conjunto dos procedimentos repressivos através dos quais o Estado reage contra o crime” (apud CARVALHO, p. 87).
Afinal, quando criaram o proibicionismo? Tudo aponta para eventos que se revela a partir do século XX (KARAM, 2009, p. 3). Embora haja proibições e até criminalização de drogas no Brasil desde o século XVI, o proibicionismo das drogas como ideal, como política criminal, só foi concebido no começo do século passado.
No Brasil, o Código Penal de 1830 “nada mencionava sobre a proibição de consumo ou comércio de entorpecentes” (CARVALHO, p. 11). O Código de 1890, quando legisla sobre os crimes contra a saúde pública, anuncia em seu artigo 159 que a conduta de “expor à venda, ou ministrar substâncias venenosas” sem permissão ou sem os devidos requisitos, seria punido com multa. Porém, como exposto, tal regra ainda não é apta de caracterizar uma política proibicionista estruturada.
Maria Lucia Karam manifesta a especificidade de idealização social do proibicionismo nesse âmbito ao indicar a diferença entre as drogas lícitas e ilícitas:
A política criminalizadora de condutas relacionadas à produção, à distribuição e ao consumo de determinadas substâncias psicoativas e matérias primas para sua produção, ocultando a identidade essencial em todas as substâncias psicoativas e a artificialidade da distinção entre drogas lícitas e ilícitas, é, hoje, a mais organizada, mais sistemática, mais estruturada, mais ampla e mais danosa forma de manifestação do proibicionismo a nível mundial (2009, p. 1).
Apesar de a maconha ter sido considerada ilícita no século passado, antigamente, a maconha não somente era legalizada, como também tinha importância na economia com sua matéria prima. Na Europa, é usada desde a época do paleolítico (BARROS; PERES, 2011, p. 2).
Valois afirma que o ópio não foi a primeira droga a ser criminalizada na China, mas sim o tabaco, cujo hábito do uso havia sido trazido pelos portugueses. A proibição da droga ocorreu quando um imperador chinês havia se incomodado com um inimigo usuário de ópio e, por esta razão, resolveu proibir o consumo desse derivado da papoula (2006, p. 35-36).
Depois que o tabaco foi proibido na China, no século XVIII percebeu-se que uma das razões do início de seus problemas foi a própria proibição. Ainda assim, o país resolveu também proibir o ópio fundamentado no fato de que a importação da mercadoria, oriunda do aumento do consumo, descontrolava sua balança comercial, momento em que também ficou proibida a plantação da papoula (ARAÚJO, 2012, p. 53).
O impedimento do plantio somente piorou o estado da balança comercial chinesa, visto que o ópio permaneceu sendo importado, apesar da legislação proibitiva, tornando os comerciantes – agora ilegais – do ópio, os maiores beneficiários da proibição.
A instabilidade comercial chinesa se deu com a ampliação do impedimento de plantio do ópio, e que se iniciou com a queda de seu estoque de prata, retirada para fazer frente ao cancelamento de divisas causadas pela aquisição do ópio por sua população, entre os anos de 1839-40 e 1856-60 quando se deram as guerras do ópio (JAY, 2011, p. 57). A guerra e a necessidade do comércio do ópio acabaram intensificando a condição do próprio consumo, que agravou diante da possibilidade de compra e venda estabelecida à força.
Com o comércio da substância sendo aceito pelo poder público houve então um recuo na escalada ascensional do ópio no território chinês. Aos poucos o ópio foi deixando de ser procurado provavelmente por não mais ser proibido e por expressar a exploração por um povo estrangeiro. No ano de 1880, o imperador modificou drasticamente a sua política e pôs em execução programas de informação pública, produzindo leitos hospitalares para receber os casos agudos associados à droga, eliminando de uma vez as preferências britânicas (ESCOHOTADO, 2008, p. 533).
A partir de então passou a ser permitido na China a plantação da papoula e o país parou de ser dependente do ópio estrangeiro e, conforme Escohotado “bastaram alguns anos para que o parlamento inglês considerasse o tráfico de ópio em grande escala, com destino às casas de fumo, uma atividade moralmente injustificável” (2008, p. 534).
Para Valois (2006, p. 103) um exemplo negativo do proibicionismo é a experiência de proibição do álcool nos EUA. Tal proibição ocorreu entre 1920 e 1933, com a autorização realizada pela 18ª Emenda à Constituição e por participação Volstead Act, lei que estabeleceu o impedimento da fabricação, importação ou o comércio de bebidas alcóolicas. Esta Emenda gerou, no entanto, efeitos negativos para a comunidade norte-americana que via expandir “a perigosa erosão do respeito pelo sistema de justiça criminal” (GRAY, 1998, p. 67).
Mike Gray concentra na lei do mercado clandestino a responsabilidade pela reação da sociedade à proibição das drogas. É comum o tráfico ilegal concentrar a droga, transformando-a mais forte e ampliando sua capacidade de dano, isto porque a proibição e a rejeição fazem com que o vendedor tenha que levar a droga ilegalmente, sendo assim, em pacotes menores. Por esse motivo o consumo de cerveja caiu e o consumo do whisky cresceu no decorrer da proibição, pois este “é compacto e fácil de esconder” (GRAY, 1998, p. 68). Feiling considera isso como “efeito balão”, como se o problema fosse o ar dentro de balões ligados juntos, e após um esvaziar, o outro iria se encher ao mesmo tempo (2009, p. 159).
Outro efeito negativo do comércio ilegal é que a droga não terá o mesmo controle de qualidade. Diferente das drogas proibidas atualmente em que o traficante tem como objetivo ampliar o seu lucro, ou suprir algum dano ligado à proibição, adicionando produtos desconhecidos à droga, na época da proibição do álcool era exclusivamente o governo o causador pela mistura perigosa da droga.
Para Barros e Peres há várias justificações para considerar inconstitucional a criminalização do consumo de drogas ilícitas, são elas: primeiro, danifica o princípio da igualdade, porque ao incriminar usuários de drogas ilícitas, ao mesmo tempo em que é descriminalizado o consumo de drogas lícitas. Segundo, infringe o princípio da lesividade, no momento em que criminaliza uma ação que não lesiona terceiros, somente o próprio usuário, ferindo apenas sua saúde e de modo algum a saúde pública. E, terceiro, a criminalização atinge o pensamento da ideologia iluminista do “Império da Lei”, ao desconsiderar as garantias republicanas da intimidade e vida privada (2011, p. 18).
De acordo com as garantias individuais, as leis não podem autorizar o Estado a interferir penalmente na decisão do que cada pessoa quer consumir, nem monitorar o direito que cada um tem de desfrutar sua própria vida.
Acerca do proibicionismo no Brasil, vale mencionar brevemente: o decreto 2930 entrou vigência em 1932, e nele passava-se a criminalizar o usuário, diferenciando-o do traficante. O Decreto-Lei 891/38 determinou o vício como uma doença compulsória, discorrendo sobre internação civil e interdição de toxicômanos. Novamente, em 1940 entrou em vigor um novo Código Penal, que criminalizava a ação de traficar, previsto no art. 281 (BARROS; PERES, 2011, p. 14). Em 1968 houve a mudança desse artigo do Código Penal pátrio, comparando o usuário do traficante, onde ambos recebiam a mesma pena. Foi editada a Lei 5.726 em 29 de outubro de 1971 que conservava essa assimilação e trazia normas ainda mais repressivas, como o oferecimento de denúncia mesmo que não existisse substância alguma, ou seja, sem existência de prova material.
No ano de 1976, entrou em vigência a Lei nº 6.368, que caracterizava a figura do traficante – no art. 12 – e a do usuário – art. 16. A Lei vigorou até 2002, quando o então presidente Fernando Henrique Cardoso aprovou a Lei nº 10.409/02. No entanto, houve tanta crítica relacionada a esta nova lei que ela tão logo foi substituída. Em agosto de 2006, época da reeleição, o então presidente Lula sancionou a Lei nº 11.343/06 – atual Lei de Drogas – retirando a pena de prisão para os usuários de drogas e para o indivíduo que plantar em pequena porção maconha para uso pessoal (BARROS; PERES, 2011, p. 15), porém mantendo sua criminalização.
A importância desse capítulo ocorre pelo fato de a política proibicionista ter criado forma somente nas últimas décadas – se intensificando somente após a década de 70. O consumo de drogas, contudo, acontece desde os primórdios. Portanto, nosso objetivo é desnaturalizar a ideia de que o consumo de drogas deva ser algo criminoso, e mostrar que essa ideologia proibicionista com o usuário só passou a existir muito recentemente.
A antiga Lei de Drogas, Lei nº 6.368/76 previa pena de prisão para o agente que portasse droga para o consumo próprio. Nesse aspecto, houve aparentes avanços com a Lei nº 11.343/2006, por não haver mais previsão de pena no sentido formal ao usuário de drogas. Todavia, a lei permite ampla margem de interpretação para enquadramento de quem porta drogas para consumo pessoal.
Barbosa (1998) alerta que há um problema enorme ao tentar diferenciar usuário de traficante, atentando para o hábito no Brasil quanto ao uso concomitante à comercialização das drogas. O autor destaca uma imagem simbólica dessa indefinida separação entre o vício em drogas e o tráfico, e o perigo relativo à venda delas. Refere-se a um papel que muitas pessoas conhecem, pois são encontrados nas ruas de várias cidades, conhecido como “aviãozinho”. Este personagem tem como dever “subir o morro” ou ir à favela para pegar droga, assim ganhando um valor em dinheiro ou até mesmo em drogas para seu consumo.
É bem notória a dificuldade em se distinguir o usuário do traficante. Referente à identificação do usuário, dado pelo §2º do mesmo art. 28, incumbe ao juiz averiguar se a droga descoberta em sua autoridade se era concedido a uso próprio ou não. Para isso, terá de examinar a natureza e a quantidade da substância apreendida, o local e as condições onde se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais, como também a conduta e os antecedentes do agente.
O usuário de drogas, na condição de dependente químico, deve ser considerado como doente. A melhor maneira seria protegê-lo de si mesmo. Nesse sentido, é determinado ao Estado a responsabilidade de proporcionar os métodos pertinentes para tratamento do vício. O art. 196[4] da Constituição trata deste assunto, visto que a saúde é dever do Estado.
Entre novembro de 2007 e julho de 2009 foi realizada uma pesquisa coordenada pelo professor Roberto Kant de Lima, sendo denominada “O uso de drogas e o sistema de justiça criminal”. Tal pesquisa tinha como foco entender de que maneira a modificação da legislação interferiu na forma como eram conduzidos os conflitos referentes ao uso da droga, e também identificar as instituições nas quais os dependentes químicos eram internados, de modo que se possa observar a movimentação do processo social e institucional a que foram designados os indivíduos pegos usando drogas.
O estudo, a princípio, foi feito em três Juizados Especiais Criminais (JECrim), onde eram julgados os crimes de menor potencial ofensivo, entre eles, o uso de drogas[5]. Posteriormente, em uma delegacia localizada na zona norte do Rio de Janeiro; e, por último com usuários de crack no ponto conhecido como Complexo do Salgueiro, no povoado de São Gonçalo. Assim, para a pesquisa acima mencionada, foram colhidos depoimentos de pessoas de classe média que usam diferentes drogas, e também com policiais militares. Por meio dessas entrevistas foi observada a forma como a lei é aplicada na prática, ou seja, como é realizado o controle legal sobre o consumo de substâncias ilícitas. A pesquisa mostra que a mesma circunstância de porte de drogas ilegais é passível de ser enquadrada tanto no art. 28 como no 33. A parcialidade dos parâmetros abre espaço para a objetificação das pré-concepções policiais sobre quem sejam os traficantes e usuários.
Os fatores informados por alguns policiais civis, durante a pesquisa de campo em uma delegacia no Rio de Janeiro, mostram alguns tópicos da seletividade policial:
Se um cara é pego com drogas, mesmo que em pequena quantidade, e estiver em um lugar onde todo mundo sabe que tem uma boca, se ele morar naquela comunidade, ele pega tráfico. Se o cara for lá de Duque de Caxias, mesmo que esteja com uma quantidade maior, vai pegar uso, pois a gente sabe que ele não ‘tava’ vendendo ali. Mas aí a gente pede a carteira de trabalho. Se ele tiver emprego, tudo bem, mas se não tiver emprego, ‘tava’ comprando droga com que dinheiro? Era pra revender, né? Aí ele pega tráfico (A., policial civil).
Com a modificação da lei, encerrou-se permanentemente a possibilidade da pena de prisão para os usuários. Contudo, devido à situação de serem os usuários conduzidos ao JECrim, permanecem recebendo “informação desabonadora constante em registros de antecedentes” (ABI-EÇAB, 2007). Tal apontamento criminal, apesar de provisório, carrega problemas desagradáveis, especialmente quando se procura determinar relações de trabalho formal, como a carteira assinada (POLICARPO, 2007).
Mesmo com o fim da pena de prisão, foram preservados os demais métodos criminais previstos para a análise legal desses eventos, de modo que os indiciados ainda estão dispostos sob as seguintes deliberações: advertência verbal, prestação de serviço à comunidade, medida educativa de comparecimento a programa ou curso educativo, e, em último caso, multa.
A Lei nº 11.343/06, em compensação à despenalização quanto ao uso de drogas, fortaleceu a condenação para o crime de tráfico, ampliando a pena mínima de três para cinco anos de reclusão. Em 2006, com a promulgação desta lei, Boiteux manifestou-se a respeito dessa rigidez penal acerca do tráfico afirmando que poderia haver o crescimento da população carcerária, tendo em vista que os traficantes ficarão ainda mais tempo na prisão, “além de ter sido mantida, pelo art. 44 da nova lei, a inafiançabilidade do delito, proibida a concessão de sursis, graça, indulto, anistia e liberdade provisória[6], bem como a conversão da pena em restritiva de direitos, o que fará com que os presos por tráfico fiquem encarcerados um tempo ainda maior” (BOITEUX, 2006, p. 4).
Além do mais, ao analisar as sentenças e acórdãos referentes ao tráfico de drogas, a mesma autora aconselha que, embora o parágrafo 4º do art. 33[7] possa proporcionar “uma causa especial de redução da pena em determinadas hipóteses, quando a conduta é considerada menos grave” (idem, p. 35), os juízes permanecem, ainda que com os indiciados abrangendo todas as condições, a julgar os condenados como se fizesse parte do “crime organizado” (GRILLO; POLICARPO; VERÍSSIMO, 2011, p. 140).
Maronna e Elias (2018) mencionam que, após a publicação da Lei nº 11.343/06, a quantidade de presos no Brasil cresceu 81%, de maneira que o público carcerário do país foi atribuído a terceira maior do mundo em 2017. Conforme o Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), 74% desses presos são negros e 45% não terminaram o ensino fundamental (Ministério da Justiça e da Segurança Pública [MJ] (2017)). Conforme declaram Telles, Arouca, e Santiago (2018), “os custos da guerra às drogas recaem desproporcionalmente sobre os jovens negros, a maioria do sexo masculino” (p. 108).
É de suma relevância destacar que o assunto das drogas é envolvido por fundamentos econômicos e sociais, existindo tratamentos diferenciados aos usuários descendentes de diferentes lugares na sociedade. Nessa perspectiva, os pronunciamentos modernos que radicalizam concepções a respeito do tratamento liberado às pessoas que usam drogas terminam prejudicando de maneira diversa aqueles em posição de vulnerabilidade: moradores de rua, população de periferias das grandes cidades, indivíduos em conflito com a lei, etc., equipes nos quais pessoas negras são mais destacadas (PAZ & CUNHA, 2017).
Comprovando tal análise, informações de várias pesquisas mostram que pobres e pretos são os mais atingidos de modo geral por ações policiais, como prisões por porte e tráfico de drogas. Sendo assim, evidenciando um retrato oficial do racismo no Brasil, levando em consideração que algumas políticas públicas modernizam princípios higienistas de organização urbana e social (Conselho Federal de Psicologia [CFP], 2019).
Oliveira e Ribeiro demonstram – ao se referirem às pesquisas relacionadas ao tema – que o crescimento “do número de mortes entre pessoas jovens e negras, [se deve] com base no combate ao crime organizado nas comunidades pobres do Brasil e no aumento do encarceramento por delitos relacionados às drogas” (2018, p. 1). Os autores também mostram que o paradigma da guerra às drogas “corroboram e acentuam vulnerabilidades violações pré-existentes relacionadas às condições de raça, geração e classe no Brasil” (OLIVEIRA & RIBEIRO, 2018, p. 1).
Para Foucault (2005, p. 304), o racismo “é, primeiro o meio de introduzir afinal, nesse domínio da vida de que o poder se incumbiu, um corte: o corte entre o que deve viver e o que deve morrer”. Desse modo, “o racismo é a condição de aceitabilidade de tirar a vida numa sociedade de normalização” (FOUCAULT, 2005, p. 306), sendo por meio dele que o Estado tem o poder de permitir a morte de um povo estabelecido, sejam estes negros, judeus, loucos, criminosos, drogados, traficantes, etc.
A ativista norte-americana Deborah Small deu uma entrevista a Débora Melo (2016), onde salienta que “[…] o sucesso da guerra às drogas foi fazer as pessoas acreditarem que um grupo está mais propenso à criminalidade que outro”. É notório que a política de Lei e Ordem inserida pelo Estado pretendendo despenalizar e libertar o usuário de drogas, ocasionou progressos meramente simbólicos. Isso acontece porque, embora o sistema contenha todas as categorias, num país que procura a conservação do racismo e que contém um sistema prisional exigente, os principais atingidos são os negros.
Pode-se definir a política de redução de danos como um conjunto de métodos que pretendem reduzir os danos provocados pelo consumo de diversas drogas, não obrigando a necessidade de abstinência do seu uso (BASTOS; MESQUITA, 1994, p. 181).
A redução de danos é contrastada com o modelo tradicional, de caráter exclusivamente proibicionista-punitivo, que ignora a dificuldade do acontecimento, procurando uma única finalidade: a extinção da produção e consumo de drogas que são consideradas ilícitas. Por sua vez, a redução de danos baseia-se nos princípios de pluralidade democrática, exercício da cidadania, respeito aos direitos humanos e de saúde (DOMANICO, 2006, p. 70).
O uso de drogas, principalmente o LSD era aceito em Portugal entre os artistas, era aleatório e não tinha tanto impacto social. Somente no final da década de 70 é que a questão das drogas passou a ser percebida em Portugal. São vários fatores que poderão ter ajudado para o crescimento do consumo de drogas no país: o fim da guerra colonial no continente africano, a chegada de pessoas das colônias e a queda do regime Salazar em 1974, que decorreu numa abertura imediata de um país trancado para o mundo externo (DOMOSTAWSKI, 2011, p. 19).
No início da década de 1980, a droga mais usada em Portugal era o haxixe e a marijuana, mas a heroína já havia ganhando palco no final de 1970. Por meio da ex-colônia de Moçambique, a heroína traficada do Paquistão e da Índia por portugueses de nacionalidade paquistanesa era comercializada nas ruas de Portugal no final da década de 70 e no começo da década de 1980 (DOMOSTAWSKI, 2011, p. 20).
Como afirma Domostawski, a heroína chegou à Holanda após dois grandes grupos de tráficos serem derrubados em Moçambique. O tráfico de heroína em Portugal era garantido por pequenos grupos de traficantes e as autoridades não conseguiram impedi-los. O uso dessa droga começou a ser alterado porque os próprios consumidores passaram a fumar e injetá-las em seus organismos (2011, p. 20).
Em 1997 foi feito por João Goulão um estudo denominado Eurobarômetro, que tinha o intuito de mostrar como os portugueses percebiam os assuntos ligados às drogas como sendo o problema social fundamental do país. Em 2009, após a execução da lei de descriminalização de drogas, essas substâncias passaram a ocupar o 13º lugar na lista de assuntos sociais que ocasionavam maior angústia aos portugueses.
Conforme o Inquérito Nacional ao Consumo de Substâncias Psicoativas na População Geral, realizado pelo professor Casimiro Balsa, o consumo de drogas em Portugal, no ano de 2001, era o mais baixo da Europa. Aproximadamente 8% dos portugueses assumiram ter consumido drogas no decorrer de sua vida.
Em 1998, o governo de Portugal nomeou um comitê de especialistas, compostos por médicos, sociólogos, psicólogos, advogados e ativistas sociais, e solicitou-se que examinasse a polêmica das drogas no país e que desenvolvesse orientações que poderiam vir a modificar-se num planejamento nacional (DOMOSTAWSKI, 2011, p. 23).
Domostawski diz ainda que esse comitê, após 8 meses de sua criação, exibiu a conclusão do seu trabalho, propondo a descriminalização da posse de drogas para consumo, de ambos os tipos, pesadas e leves, como a maneira mais eficaz de controlar o consumo de drogas e diminuir o número de dependentes de tóxicos. Além do mais, o comitê solicitou várias mudanças, nas quais o governo precisaria centralizar-se nos problemas da prevenção e educação, redução de danos, aumento e reparação dos programas de tratamento de dependentes de tóxicos além de exercícios que contribuíssem com os grupos de risco ou consumidores de drogas a manterem o vínculo com suas famílias, o trabalho e a sociedade (2011, p. 23).
O comitê entendeu que condenação repressiva não tem interpretação racional e é desigual no que se refere a um exercício que pode não ser saudável para quem consome, mas que normalmente não prejudica diretamente terceiros (DOMOSTAWSKI, 2011, p. 24).
O autor diz ainda que especialistas que participaram do comitê sentiram que discorrer sobre o uso de drogas por meio do sistema criminal complicava a busca voluntária de tratamento por parte dos dependentes de tóxicos. Os usuários de drogas sentiam medo de solicitar ajuda médica por conta da criminalização, isso porque tinham receio de ter um registro criminal que os impedia de serem inseridos em sociedade (2011, p. 24).
Com base nesses conceitos, o comitê fez da descriminalização do uso de drogas uma das fundamentais sugestões ao governo. No que diz respeito à descriminalização, o Estado conservaria a ordem da proibição, mas aplicaria suas penas distante do enquadramento do sistema judicial. Assim, ela cria um enquadramento legal para a elaboração de políticas de redução de danos provocado pelo uso de drogas e para uma nova inclusão social de dependentes de tóxicos (DOMOSTAWSKI, 2011, p. 24).
Para os usuários, a descriminalização desconsidera a razão pela qual os dependentes tinham receio de se sujeitarem a tratamento. Autoriza também as pessoas que apoiam os dependentes de tóxicos a realizarem auxílio, sem medo de serem classificados como coautor da prática de um crime (DOMOSTAWSKI, 2011, p. 24).
Para melhor entendimento de descriminalização, Hermann (2000, p. 80), conceitua a descriminalização como sendo a absolvição da acusação de crime. A ideia seria conceder a inocência ao indivíduo acusado de uma determinada conduta criminosa.[8] Com esse pensamento, descriminalizar significa deixar de ser crime.
No caso da despenalização, conforme Zaffaroni, é a execução da pena, em sua forma mínima, portanto, não criminalizando, isto é, deixando de ser classificado como crime[9] (1991, p. 358).
A lei portuguesa nº 30/2000 determina as quantidades apropriadas de cada substância para que a sua posse para consumo próprio seja classificada como uma infração punível com uma sanção pecuniária não é convertível em prisão. Em geral, esta quantidade é o que se atribuiu ser o suficiente para o uso de uma pessoa durante 10 dias. Vale mencionar que a posse e uso de substâncias ilícitas em quantidades maiores que as fundamentais para 10 dias de uso permanece sendo classificado como crime e será capaz de provocar a execução de sanções de esfera criminal (DOMOSTAWSKI, 2011, p. 28).
No Uruguai, por sua vez, o proibicionismo deu início na década de 1930 (GARAT, 2013; TENENBAUM, 2016) e permanece até os dias atuais, apesar de a normalização da maconha em 2013 tenha tornado mais rígido o costume e pareça mostrar que as políticas de drogas podem ir para o caminho oposto para que o mundo tenha realizado nos últimos 100 anos.
Tradicionalmente, as políticas proibicionistas eram observadas como um método para arruinar os comércios de mercadorias ilegais. Todavia, a oferta e a demanda de substâncias psicoativas não foram reduzidas pelo proibicionismo ou pelo combate às drogas (THOUMI, 2009; TOKATLIAN, 2010), bem diferente: o proibicionismo concebeu um crescimento enorme da violência e das divergências armadas em diversas regiões do mundo e produziu uma importante rentabilidade do comércio de drogas.
O que ocorre na Lei da Oferta e Demanda é o seguinte: o crescimento no valor de um bem ocasiona uma queda na demanda de tal bem. Entretanto, no comércio de drogas ilegais, o uso (principalmente da maconha, cocaína e certas substâncias sintéticas) continua aumentando com bastante frequência sem a importância do preço. Isto é, a demanda por drogas, em se tratando das mais consumidas, é indiferente aos preços das substâncias psicoativas (BECKER, MURPHY & GROSSMAN, 2006; BERGMAN, 2016; CASACUBERTA et al., 2012).
No Uruguai, os crimes de drogas são definidos pela Lei de Entorpecentes, Lei nº 17.016/98, e aprovados pela OIC (Justiça Criminal especializada em Crime Organizado), no momento em que aborda sobre grupos de criminosos organizados (Nações Unidas, 2004; Lei nº 18.362, artigo 414), e o JP (Justiça Criminal) quando se discorrer sobre crimes individuais (ou duas pessoas) que não têm “aparato organizacional” (TENENBAUM, 2018, p. 862).
Os crimes associados com drogas ocupam o terceiro lugar no resultado dos crimes sentenciados pelo JP e a primeira ocupação em todos os crimes determinados pela OIC. Dessa maneira, o comércio ilegal de drogas é um trabalho sedutor na “lista” das probabilidades criminosas ou, pelo menos, configura uma considerável carga de trabalho para o sistema punitivo uruguaio (TENENBAUM, 2018, p. 863).
O sistema punitivo estadual tem uma vocação maior para identificar relações debilitadas nas organizações, do que capturar líderes ou derrubar grupos criminosos organizados: “a grande maioria das pessoas perseguidas e presas são pequenos infratores que, uma vez presos e encarcerados, são imediatamente substituídos por novos infratores” (BERGMAN, 2016, p. 157).
É preciso levar em conta, contudo, que a regulamentação pode beneficiar a ocultação da distribuição ilegal, como exemplo, a maconha paraguaia que tradicionalmente tem sido usada no Cone Sul. Assim sendo, tal como aconteceu e acontece até hoje com outras drogas que foram ilegais e estão regularizadas, o comércio ilegal de cannabis pode diminuir, mas é provável imaginar que não deixará de ser lucrativo para estabelecidas organizações criminosas. Uma representação é o tráfico de cigarros e álcool, e a Lei Seca nos Estados Unidos (TENENBAUM, 2018, p. 873).
Afinal, quem faz a procura por drogas? É nítido que os indivíduos que consomem apenas uma vez na vida, ou uma vez ao ano não entram na demanda que sustenta o comércio de drogas. Pode-se afirmar que o grupo de usuários, a “demanda constante”, tem um grau de uso diário e semanal. Tendo em vista essa explicação, o Observatório Uruguaio de Drogas (OUD) define que o “consumo habitual” de maconha era de 21.355 pessoas no ano de 2014, quantidade que retrata 34,2% do total de consumidores (2016a, p. 68).
As informações foram produzidas somando 21% dos que usam “poucas vezes na semana” e 13,2% das pessoas que declaram consumir “diariamente”. Uma definição mais extensa poderia considerar a existência de uma “demanda flexível” formada, além dos conjuntos anteriores, por indivíduos que consomem drogas uma ou diversas vezes por mês.
A avaliação OUD (2016a) confirma que a maior parte da procura por maconha se centraliza em Montevidéu, acontecimento que, por se ultrapassar, aponta a região para onde se conduz a maior parte do fornecimento doméstico da substância. Outro elemento a ser enfatizado é que, ao final de 2014, ao menos 62% dos consumidores constantes de maconha moradores em Montevidéu e sua região metropolitana investiram no comércio ilegal nos últimos 6 meses (BOIDI, QUEIROLO & CRUZ, 2016).
O predomínio da maconha parece encontrar-se associado, pelo menos relativamente, à facilidade de compra da substância. Desse modo, quando, em um colégio, a turma do ensino médio foi interrogada sobre a facilidade de aproximação a certas drogas, os cálculos foram: 53,3% para a maconha, 15,6% para a cocaína, 6,9% para o ecstasy e 5,5% para as metanfetaminas (OUD, 2016b). O uso da maconha por alunos do ensino médio está centralizado em Montevidéu, como habitantes em geral (OUD, 2016b), mesmo que a desigualdade com o resto do país não seja tão importante.
É cedo discorrer sobre os resultados da normatização da maconha no Uruguai, visto que certos procedimentos (adquirentes, autocultivadores e clubes) deram início apenas em 2017, quatro anos depois da validação da Lei. É necessário levar em conta que o aumento da procura por maconha pode ser “real”, como também relacionado à limitação da subnotificação do meio de pesquisa em consequência de um processo social de naturalização do uso. A regulamentação, acontecimento social que justifica uma prática social pelo princípio da legalidade, é um protesto de análise de que, provavelmente está abrangendo a aceitação social (TENENBAUM, 2018, p. 873).
Destaca Polaino Navarrete que “sem a presença de um bem jurídico de proteção prevista no preceito punitivo, o próprio Direito Penal, além de resultar materialmente injusto e ético-socialmente intolerável, careceria de sentido como tal ordem de direito” (1974, p. 21-22).
A definição de bem jurídico é bastante importante, visto que a presente ciência penal não “abre mão” de uma estrutura empírica nem de uma conexão com a realidade que lhe proporciona a referida noção (PRADO, 2003, p. 21). Desta forma, vale destacar que não são todos os preceitos e interesses sociais e individuais que são antepostos como bem jurídico penal, tão somente aqueles cuja “relevância social” torne relevante o seu reconhecimento e a sua proteção pelo Direito. Zaffaroni (2002, p. 462) conceitua bem jurídico como sendo “a relação de disponibilidade de um indivíduo com um objeto, protegido pelo Estado, que revela seu interesse mediante a tipificação penal de condutas que o afetam”.
Segundo Renato Brasileiro (2016, p. 702) os crimes de drogas são de perigo abstrato e não de dano, visto que crimes de dano são aqueles que para sua consumação é necessário que haja uma verdadeira lesão a um bem jurídico protegido, tendo como exemplo o homicídio. Por sua vez, crimes de perigo são aqueles em que há uma possibilidade de dano, isto é, que há a exposição do bem a perigo de dano, porém não é necessário acontecer para ser consumado. Quando o legislador estabelece um crime de perigo, seu intuito é ter como finalidade a punição do agente, antes que sua ação cause lesão a bem jurídico tutelado. Por este acontecimento, os crimes de perigo são, normalmente, de natureza subsidiária[10].
Parte da doutrina não é a favor aos crimes de perigo abstrato, Greco (2011, p. 75), por exemplo, afirma que, pela perspectiva do princípio da lesividade, só se justifica a punição de uma conduta se o agente realizar efetiva lesão ou perigo concreto de lesão a bem jurídico protegido, embora tais crimes sejam aceitos pela jurisprudência brasileira. Um breve pensamento de Clarice Lispector, feito em 1941, no A Época, órgão oficial do corpo discente da Faculdade, demonstra que “não há direito de punir. Há apenas poder de punir”.
Para Canterji (2008, p. 75), a missão do Direito Penal é proteger bens jurídicos, e posteriormente ensina que bem jurídico é todo Estado Social que o Direito pretende garantir contra lesões. Para Nilo Batista (2007, p. 111), a missão seria preservar a sociedade, protegendo bens, valores ou interesses, garantindo a segurança jurídica ou confirmando a validade das regras, e sua execução estaria na resolução de casos.
O bem jurídico é o bem da vida que especialmente deve ser protegido. Na visão de Karl Binding, a norma escolhe quais são os bens jurídicos relevantes e protegidos, ou melhor, bem jurídico é tudo aquilo que, no ponto de vista do legislador, é relevante para a vida coletiva. Assim, não pode ser considerado bem jurídico a punição daquilo que a pessoa é, ou seja, ser negro, judeu, homossexual. Não se pode também punir condutas internas, ou seja, aquilo que o indivíduo pensa, acredita ou crê. O que é diferente da pessoa que, baseada em suas crenças, age contra terceiros, e é isso que significa transcendência, condição necessária para proibição penal. Não pode ser bem jurídico aquilo que não transcenda a terceiros, cita-se como exemplo a autolesão. O sujeito que lesiona a si mesmo não afeta nenhum bem jurídico.
Conforme o professor Maurício Stegemann Dieter, do Departamento de Direito Penal, Criminologia e Medicina Forense da Faculdade de Direito da USP, à exceção do perigo de lesão a terceiros, qualquer pessoa tem a liberdade de fazer o que bem entender com seu corpo e sua consciência. Ele acrescenta que “isso é base dos direitos humanos de matriz liberal: ninguém – nem terceiros, nem o Estado – tem o direito de opinar em como vou buscar a felicidade, com a única ressalva de que o uso de uma substância não pode colocar em perigo a vida e a integridade física dos demais” (apud FUENTES, 2016).
Claus Roxin defende (2009, p.16) que se apontem razões e alegações para o entendimento do bem jurídico como um componente essencial à concessão da interferência jurídico-penal. Dessa forma, é dever predominante do Estado a proteção à vida, à integridade física, à liberdade. Estes são os preceitos objetos adotados à tutela penal.
A indispensabilidade de se explicar o significado de bem jurídico manifesta a determinação correspondente e juridicamente fundamentada de seu conteúdo (ROXIN, 1997, p. 54). Mediante os problemas metodológicos, apareceu um aviso de que um conceito de bem jurídico correria o risco de encontrar-se limitado ao entendimento a respeito do “sentido e finalidade das normas concretas de Direito Penal”, abdicando-se ao conceito de bem jurídico em benefício de significado material de delito.
Em menção ao conceito de bem jurídico como uma utilidade constitucional, é também determinada a considerável limitação do processo de criminalização por meio da ofensividade, no qual se revigora no Direito Penal ao reforçar seu atributo de ultima ratio, que, para Luiz Flávio Gomes (2007, p. 24), deve ser “o último instrumento que deve ter incidência para sancionar o fato desviado (em outras palavras: só deve atuar subsidiariamente)”.
Ferrajoli (2002, p. 372) cita o princípio da “utilidade penal” para defender que o campo das proibições penais apenas pode se relacionar às ações reprováveis correspondentes à efetiva lesão a terceiros. Defende o autor que a lei penal tem obrigação de prevenir os mais graves custos individuais e sociais, sendo somente os efeitos lesivos que podem justificar os custos das penas e proibições. E com relação ao princípio axiológico da “separação entre direito e moral”, impede-se a proibição de atitudes meramente imorais, estados de ânimos pervertidos e hostis.
O autor (2002, p. 372) lista uma dupla limitação ao poder proibitivo do Estado, o princípio da necessidade e o princípio da lesividade. O primeiro trata da limitação através da expressão nulla lex poenalis sine nessecitate, oriundo da legalidade das penas e do delito; a exigência da pena mínima necessária, no latim nulla poena sine necessitate; e da economia na caracterização dos delitos. O princípio da necessidade determina que o dever de proibir certa conduta, porque essa categoria discorre sobre a interferência estatal controlando a sociedade, lesionando a liberdade e a dignidade dos cidadãos. Tal princípio permite a proibição somente das condutas realmente lesivas a bens jurídicos, impondo a pena mínima necessária com intuito de conservar os direitos fundamentais dos cidadãos.
O princípio da lesividade (2002, p. 373) por sua vez, não pode ser conservado, no que se trata da necessidade penal como tutela de bens jurídicos fundamentais. Trata-se de natureza axiológica, e é determinado que seja lesivo a terceiros os efeitos fornecidos através de uma atitude que deseja punir. A necessidade da lei penal submete-se a lesividade da conduta à terceiros, da maneira que seja capaz de compreender que nulla necessitas sine iniuria e nulla poena, nullum crimen, nulla necessitas sine iniura.
Ferrajoli (2002, p. 375) menciona que em meados do século XIX, havendo atuação das teorias anti-iluminista e antigarantista, ocorreu uma alteração em seus conceitos originais típicos da era iluminista. Assim, houve um confronto entre os direitos subjetivos dos indivíduos com o interesse do Estado. O conceito de bem jurídico só retomou seu caráter garantista, devido ao esforço de penalistas, logo após a Segunda Guerra Mundial.
Para Ferrajoli (2002, p. 376) há quatro questões em que se trata da causa da não diferenciação entre diversas ordens que giram em torno do conceito de bem jurídico, nas quais são: a) se as proibições penais devem tutelar um bem jurídico para não ficar sem justificação moral e política; b) se um determinado ordenamento oferece a garantia de lesividade, isto é, as proibições legais e as sanções concretas são legítimas juridicamente se produzem um ataque a um bem jurídico; c) quais bens, ou não bens, tutelam normativamente as leis penais; d) quais bens, ou não bens, tutelam, de fato, as mesmas leis, e quais bens ou não bens, são atacados pelas condutas que elas proíbem.
Ferrajoli oferece alguns parâmetros para uma política penal conduzida à tutela máxima de bens, havendo proibições e castigos com o mínimo essencial para tal. O primeiro critério é o de explicar as proibições apenas quando se dirigem a impossibilitar ataques concretos a bens fundamentais individuais ou da sociedade, compreendendo por ataque não apenas o dano causado, como também o perigo concreto causado. No que tange os bens externos ao direito penal, está também os “direitos fundamentais”, não somente os clássicos individuais e liberais, assim como os coletivos e/ou sociais, tal qual o direito ao meio ambiente ou à saúde.
Posteriormente há outro critério axiológico, equivalendo a um perfil utilitarista: as proibições não apenas devem estar “dirigidas” à tutela de bens jurídicos, mas também devendo ser “idôneas”. Por último, há explicação para uma política penal de tutela de bens e confiança apenas quando é secundária de uma política extrapenal, no qual protege os mesmos bens.
Concluindo o que diz Ferrajoli (2002, p. 380) em seu livro, o princípio da lesividade tem um valor coringa na minimização das proibições penais. Correspondendo a um princípio de tolerância tendencial, capaz de reduzir a intervenção penal ao mínimo necessário, fortalecendo sua credibilidade e legitimidade.
O princípio da lesividade é uma maneira de abranger o poder do legislador, conduzindo com o propósito de saber quais são as práticas que não poderão suportas as severidades da lei penal. Conforme Nilo Batista (1990, p. 92), há quatro funções no que se refere a este princípio. A primeira é “proibir a incriminação de uma atitude interna”, ou seja, ninguém pode ser penalizado por aquilo que pensa ou até menos pelos seus sentimentos (cogitationis poenam nemo patitur). Se estes pensamentos não colocarem em risco os bens de terceiros, em nenhum momento o indivíduo poderá ser punido por aquilo que pensa.
A segunda função é “proibir a incriminação de uma conduta que não exceda o âmbito do próprio autor”, isso se refere que o Direito Penal não poderá penalizar as ações que não sejam lesivas a bens de terceiros, pois não ultrapassam a esfera do próprio autor.
Já o terceiro é a “proibição à incriminação de simples estados ou condições existenciais”, trata da impossibilidade do agente ser punido aquilo que ele é, e não por tal ato cometido. Em tempo algum poderá punir o ‘ser’ de um indivíduo, tão somente o seu agir, visto que o Direito é uma norma reguladora de ação humana.
O último e não menos importante é “proibir a incriminação de condutas desviadas que não afetem qualquer bem jurídico”, significa que deve distanciar da ocorrência de aplicação da lei penal tais ações que apesar de desviadas não lesionam qualquer bem jurídico de terceiros, ou melhor, ações que ofendem o senso comum da sociedade.
O comportamento do Direito Penal é inverossímil, na hipótese de um bem jurídico importante de terceira pessoa não se torne realmente atacado. O que estiver no campo do próprio autor terá de ser respeitado pela sociedade, especialmente pelo Estado que impreterivelmente deve ter compreensão na convivência entre indivíduos que, consequentemente, são divergentes.
Desde 2015 tramita no Supremo Tribunal Federal o julgamento sobre descriminalização do porte de drogas para uso próprio (RE 635.659). Conforme Gilmar Mendes, em voto, “a criminalização da posse de drogas para uso pessoal conduz à ofensa à privacidade e à intimidade do usuário. Está-se a desrespeitar a decisão da pessoa de colocar em risco a própria saúde”. Nesse mesmo entendimento, em seu voto, Gilmar Mendes apontou que a descriminalização não se compara com a legalização ou liberação da droga, que continua sendo repreendida por medidas legislativas sem natureza penal. (CONJUR, 2015).
Questiona o ministro Roberto Barroso se há um perigo superior no indivíduo que fuma um “baseado”, antes de deitar, com o intuito de descansar, onde ressalta o caso concreto (3g de maconha), em relação àquele que consome uma garrafa de whisky. Desse ponto entende-se que a criminalização da maconha infringe o princípio da proporcionalidade e que existe um desrespeito à vida privada da pessoa humana.
Em síntese, para além do problema de política criminal, a criminalização do porte de drogas para consumo pessoal também viola princípios da própria dogmática penal, especialmente o da lesividade. Configurando-se como crime de perigo presumido e abstrato, sem vinculação a um perigo iminente ou concreto, e por se trata de, no máximo, autolesão, não se deveria haver proibição penal da conduta de porte de drogas para consumo pessoal.
Conclusão
O presente artigo buscou examinar alguns debates existentes referentes ao art. 28 da Lei nº 11.343/2006, o crime de porte de drogas ilícitas para consumo pessoal. Para o estudo foram utilizadas algumas pesquisas em relação ao tema proposto, como também os importantes entendimentos dos ministros do STF.
Atualmente não é permitido tratar o usuário de drogas como um delinquente, pois a complicação que rodeia o tema passou a ser da área da saúde. No entanto, o Título III, em seu Capítulo III da Lei nº 11.343/2006, determina como nomen iuris “Dos Crimes e das Penas”, dessa maneira, o legislador proporcionou uma contradição entre as finalidades da lei e o mencionado título.
Perante tantos casos de uso de drogas no Brasil, torna-se fundamental a correção da legislação, porque algumas informações na lei foram mal elaboradas. Melhorias nas políticas proibicionistas devem ser desenvolvidas com a finalidade de efetivamente despenalizar o consumo de drogas no país.
Pelo fato de a lei não determinar de maneira certa e objetiva, a tarefa difícil de distinguir os delitos de consumo (art. 28) e tráfico (art. 33) tem provocado muitas punições embasadas na discrição da polícia e de juízes, que expressam suas deliberações conforme a adaptação do indivíduo ao estereótipo de traficante produzido na sociedade.
Fica claro que as formas de combate às drogas são fracas, visto que elas acabam fortificando o seu tráfico, uma vez que o usuário não tem outros recursos para garantir seu consumo. Sendo o Estado o titular do comprometimento de arcar com a saúde pública dos usuários, como também o bem estar de todos, ele deverá oferecer tratamento médico de qualidade e arcar com a ressocialização do indivíduo.
Conforme o tempo passa, mais a problemática das drogas vem evoluindo na perspectiva de fornecer uma nova resposta à sociedade que não a política proibicionista. Com isso temos os princípios constitucionais que estão presentes para que haja uma mudança do comportamento repressivo do Estado, que diversas vezes acaba se intrometendo no campo da intimidade dos indivíduos, vedando o desempenho das liberdades individuais, como também, violando o princípio da lesividade.
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[1] Originado do holandês antigo droog, que significa folha seca, visto que no passado, praticamente todos os remédios eram compostos à base de vegetais.
Na perspectiva médica, a Organização Mundial de Saúde descreve a droga como “toda substância natural ou sintética que introduzida no organismo vivo, pode modificar uma ou mais de suas funções” (1993, p. 69-82).
[2] Trecho traduzido e editado por Apud OUTHWAITE, William et al. Dicionário do Pensamento Social do século XX. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1996, p. 484.
[3] Beccaria ou Cesare Beccaria, foi um aristocrata milanês classificado como o pai do Iluminismo, formado em Direito pela Universidade de Paiva, em 1758. Em 1764 escreveu o livro “Dos delitos e das Penas”.
[4] Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantindo mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação.
[5] Quando a Lei nº 9.099/95 foi criada, o conceito de crime de menor potencial ofensivo era de até um ano. Contudo, com a elaboração de 2001, esse conceito foi mudado, passando a ser dois anos, por meio da Lei nº 10.2059 que regulamenta os JECrim Federais.
[6] Embora o STF tenha declarado a inconstitucionalidade da vedação de liberdade provisória nos crimes de drogas, os juízes continuam aplicando, em sua maioria, prisão preventiva em julgamentos de tráfico (VALOIS, 2017).
[7] Parágrafo 4º do art. 33 da Lei nº 11.343/06: “nos delitos definidos no caput e no §1º deste artigo, as penas poderão ser reduzidas de 1/6 a 2/3, vedada a conversão em penas restritivas de direitos, desde que o agente seja primário, de bons antecedentes, não se dedique às atividades criminosas e nem integre organização criminosa”.
[8] “Descriminar é palavra forma pelo prefixo “des” + “criminare” (acusar) e significa absolver, tirar a culpa a, inocentar, absolver da acusação de crime. A ideia reporta o significado de imputar inocência a determinada pessoa acusada de alguma prática criminosa, distanciando-se, portanto, do conceito de criminalização (primária) que expressa a postura legal de passar a considerar crime”.
[9] “É o ato de ‘degradar’ a pena de um delito sem descriminalizá-lo, no qual entraria toda a possível aplicação das alternativas às penas privativas de liberdade (prisão de fim de semana, multa, prestação de serviço a comunidade, multa repartória, semidetenção, sistema de controle de conduta em liberdade, prisão domiciliar, inabilitações, etc.)”
[10] Para Brasileiro (2016, p. 703) há duas espécies de crimes de perigo, concreto e abstrato. Os crimes de perigo abstrato têm risco presumido pela lei, não havendo necessidade de exposição real ou iminente de perigo a um bem jurídico. Há uma suposição de que a execução de determinada conduta apresenta um risco ao bem jurídico, sendo irrelevante, desse modo, a legitimação no caso concreto de que a ação do agente tenha realmente gerado a situação de perigo que o tipo penal pretende impedir. Nos crimes de perigo concreto, por seu turno, o risco deve ser confirmado. A imputação tem a obrigação de comprovar que a partir da conduta houve perigo real para a verdadeira vítima escolhida.
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