Resumo: O presente artigo foi elaborado com o objetivo de apresentar a importância e a aplicabilidade dos princípios processuais penais, bem como a evolução do sistema processual penal brasileiro. Dentre os mais importantes, encontra-se o princípio do favor rei ou favor libertatis, que proporciona, quando houver dúvida acerca da situação, uma interpretação sempre favorável ao acusado, evitando arbitrariedades e injustiças.Sedimenta-se, pois, a concepção de uma justiça ideal quando está pautada nos princípios da liberdade, do contraditório e da ampla defesa, da duração razoável do processo e da presunção de não culpabilidade.Destaque-se, ainda, o devido processo legal como instrumento capaz de solucionar o conflito entre o direito de punir do Estado e o direito à liberdade do indivíduo.
Palavras-chave: Processo penal. Princípios. Interpretação. Criminosos. Presunção de inocência.
Abstract: This article was prepared with the aim of presenting the importance and applicability of criminal procedural principles, as well as the evolution of the Brazilian criminal justice system. Among the most important, is the principle of favor king or favor libertatis, which provides, when in doubt about the situation, always an interpretation favorable to the accused, avoiding arbitrariness and injustice. Up sediments since the conception of an ideal justice when it is based on the principles of liberty, contradictory and full defense, the reasonable duration of the process and the presumption of not guilty. Stand out also the due process of law as an instrument to resolve the conflict between the right to punish the state and the right to freedom of the individual.
Keywords: Criminal proceedings. Principles. Interpretation. Criminals. Presumption of innocence.
Sumário: Introdução. 1. Direito de punir versus direito à liberdade.2. Princípios da não culpabilidade e da presunção de inocência. 3. Princípio da inércia.4. Princípio do juiz natural. 5. Princípio da identidade física do juiz. 6. Devido processo legal. 7. Princípios da ampla defesa e do contraditório. 8. Princípios do favor libertatis e do in dubio pro reo. 9. Princípio da anterioridade da lei e a proibição da reformatio in pejus. 10. Reformatio in mellius.11. Sistema do cross examination.12. Princípio da verdade real. 13. Duração razoável do processo.Conclusão. Referências.
Introdução.
O objetivo do presente artigo consiste no estudo dos mais importantes princípios processuais penais, permitindo, pois, uma análise sobre os impactos que os mesmos causam na sociedade.
Com previsão expressa no Código de Processo Penal, bem como, na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, alguns princípios provocam ainda discussões doutrinárias e jurisprudenciais relativamente aos benefícios de suas aplicabilidades.
Logo, as aplicações dos princípios processuais penais exigem do operador do direito o conhecimento acerca de suas peculiaridades e efeitos, razão pela qual é importante para os operadores do direito terem uma visão ampla sobre os mesmos, de maneira que a justiça possa ser alcançada de maneira efetiva, evitando, assim, arbitrariedades no que tange às aplicações deles nos casos concretos.
O tema é de grande relevância, residindo justificativa de seu estudo no fato de que, além dos potenciais efeitos para o agente, a aplicação dos princípios também interfere na sociedade.
1. Direito de punir versus direito à liberdade.
O Estado tem o direito abstrato de punir quem pratica conduta tipificada como infração penal. Esse direito do Estado, tem como oposição, o dever de todos os indivíduos em não praticar a conduta punível. Assim, quando alguém pratica uma conduta tipificada como crime, gera um conflito entre o direito de punir do Estado e o direito à liberdade do acusado.
Frise-se que o direito a liberdade é transindividual, ou seja, ultrapassa a esfera individual, sendoindisponível. Inclusive, ninguém pode abrir mão desse direito, sendo cediço que o réu tem a liberdade resguardada pelo próprio Estado.
Por assim dizer, assegurando a liberdade, dispõe o art. 5º, caput, da CRFB/1988, in verbis: “Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança (…).”
Logo, ocorre a superação do conflito entre o direito de punir do Estado e o direito à liberdade do acusado através da aplicação do princípio do devido processo legal.
2. Princípios da não culpabilidade e da presunção de inocência.
No processo penal brasileiro, também vigora o princípio da presunção deinocência ou presunção de não culpabilidade.
Insta salientar, que a CRFB/1988 consagra o princípio da presunção de não culpabilidade, enquanto que o Pacto de São José da Costa Rica, da qual o Brasil é signatário, consagra o princípio da presunção de inocência. Na prática, ambos os princípios almejam a mesma coisa, ou seja, que ninguém seja considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença.
O art. 5º, inc. LVII, da CRFB/1988, cuida do princípio intitulado como presunção de não culpabilidade, in verbis: “ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Por sua vez, o art. 8º, item 2, do Pacto de São José da Costa Rica (1969), cuida do princípio intitulado como presunção de inocência, prevendo, em sua redação: “Toda pessoa acusada de um delito tem direito a que se presuma sua inocência, enquanto não for legalmente comprovada sua culpa.”
3.Princípio da inércia.
O Princípio da Inércia visa garantir a imparcialidade do juízo e versa que o Poder Judiciário deve ser provocado. Tal princípio exige a manifestação da parte que teve seu direito lesado para que movimente a máquina judiciária.
4. Princípio do juiz natural.
Destaca-se também como princípio constante na CRFB/1988, o princípio do juiz natural, segundo o qual o processo deve ser julgado por um magistrado que tenha prévia jurisdição e competência estabelecidas pelo processo penal.
A finalidade de tal princípio é resguardar a imparcialidade do julgador, bem como, vedar tribunal de exceção, evitando, assim, as arbitrariedades que ocorreram no passado.
Os inc. XXXVII e LIII do art. 5º da CRFB/1988,que cuida do princípio intitulado como juiz natural, bem como, da vedação do tribunal de exceção, prevê: “XXXVII – não haverá juízo ou tribunal de exceção; (…); LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente”.
5. Princípio da identidade física do juiz.
O princípio da identidade física do juiz é muito importante, pois, como ele atuou no feito desde o início do processo, ele tem domínio sobre mais detalhes sobre o fato e estará apto a proferir uma sentença mais justa.
Nesse diapasão, prevê o art. 399, § 2º, do Código de Processo Penal: “O juiz que presidiu a instrução deverá proferir a sentença.”
Logo, o princípio da identidade física do juiz é muito importante, pois, como ele atuou no feito desde o início do processo, ele tem domínio sobre mais detalhes sobre o fato e estará apto a proferir uma sentença mais justa.
6. Devido processo legal.
Devido Processo Legal é um princípio que garante o respeito às fases processuais para todos os indivíduos, bem como, que sejam respeitados todos os preceitos contidos na CRFB/1988. De acordo com tal princípio, deve-se seguir o procedimento previsto na lei, desde que garantidos os princípios inerentes à matéria.
Neste ínterim, o art. 5º, inc. LIV, da CRFB/1988, cuida do princípio intitulado como devido processo legal, prevendo, em sua redação:“ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal”.
Assim, o sistema processual penal brasileiro vigente é o acusatório, o qual tem como principais características o processo triangular, sendo formado por magistrado, Ministério Público e réu. Omagistrado é inerte e imparcial, visando à igualdade das partes, conquanto, devem-se aplicar os princípios do contraditório e da ampla defesa. Além disso, impõe-se a liberdade dos meios de prova, o livre convencimento motivado do magistrado, a publicidade dos atos processuais e a oralidade. Dessa forma, para acionar a máquina judiciária, o Poder Judiciário deve ser provocado.
7. Princípios da ampla defesa e do contraditório.
A fim de satisfazer a ampla defesa no processo penal, devem-se incluir a autodefesa e a defesa técnica.
A autodefesa é disponível para o réu e indisponível para o magistrado, abrangendo o direito à audiência, ou seja, o direito de ser ouvido pelo magistrado e também o direito de permanecer em silêncio, o direito de presença e o direito de não produzir prova contra si mesmo.
Nesse contexto, o art. 5º, inc. LXIII, da CRFB/1988, cuida do direito de permanecer calado, sendo uma manifestação do princípio da ampla defesa, na modalidade autodefesa, prevendo, em sua redação: “o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado”.
Já a defesa técnica engloba a necessidade da presença de um advogado, sendo que o entendimento doutrinário é no sentido de que tal defesa deve ser efetiva. No entanto, o entendimento jurisprudencial adotado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) é o de que a deficiência da defesa não gera nulidade, mas somente a falta de defesa pode ocasioná-la.
Por sua vez, o princípio do contraditório, também conhecido pela expressão audiatur et altera pars, significa: ouça-se também a outra parte. Isso significa que o magistrado deve ser imparcial e ouvir as duas versões no casosub judice antes de proferir a sentença.
Cabe ressaltar que o principal momento de exercer o contraditório no processo penal é durante a colheita de provas.
Ademais, os princípios do contraditório e da ampla defesa estão consagrados no art. 5º, inc. LV, da CRFB/1988, in verbis: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Historicamente, vigorava no Brasil o sistema inquisitivo ou inquisitório, pelo qual o magistrado não era inerte e imparcial, inclusive, atuando também como acusador. O réu era um mero objeto de investigação. O processo era linear e o magistrado acumulava as três funções processuais. Não existia nem contraditório, nem ampla defesa. O sistema era da prova legal e tarifada, ou seja, a prova era definida pela lei a um valor probante, onde cada prova tinha um valor. Nessa época, a confissão era considerada a rainha das provas e podia ser obtida de qualquer maneira, até mesmo através de tortura.
Mas, atualmente, o sistema processual penal brasileiro é acusatório, ainda que alguns doutrinadores possam defender que no Brasil haja um sistema acusatório misto porque o inquérito policial ainda é inquisitivo, em que pese este sê-lo mera fase pré-processual e dispensável. Já outros doutrinadores defendem que o sistema acusatório é misto porque não seja puro, existindo vestígios do sistema inquisitório, como por exemplo, a aplicação da busca pela verdade real.
8. Princípios do favor libertatis e do in dubio pro reo.
O princípio do favor rei, também conhecido como favor libertatis, reforça as bases do Estado Democrático de Direito. De acordo com tal princípio, quando houver qualquer dúvida, em qualquer fase processual, no que tange as atitudes do réu, a interpretação deve ser sempre favorável a ele.
Insta salientar que o princípio do favor rei ou favor libertatis é gênero, do qual o famoso princípio do in dubio pro reo é espécie. Distinguem-se, pois o primeiro pode ser aplicado em qualquer fase processual e o segundo, aplica-se apenas no momento de prolação de sentença e configura-se em absolvição por insuficiência de provas.
Aliás, o art. 386, inc. VII, do Código de Processo Penal cuida do instituto do in dubio pro reo, prevendo:“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (…); VII – não existir prova suficiente para a condenação.”
Ressalte-se, que no processo penal, a interpretação deve ser sempre em favor da liberdade, para que não corra o risco de condenar uma pessoa inocente, evitando, assim, arbitrariedades.
9. Princípio da anterioridade da lei e a proibição da reformatio in pejus.
Dessa forma, pode-se constatar que a manifestação do favor rei ou favor libertatisestá presente em vários institutos processuais, dentre eles, pode-se citar o princípio da anterioridade e a proibição da reformatio in pejus.
De acordo com o princípio da anterioridade a lei só deverá retroagir se for para beneficiar o réu.
Sendo assim, o art. 1º do Código Penal versa sobre o princípio da anterioridade da lei, prevendo, na redação dada pela Lei Ordinária Federal n. 7.209/1984, que: “Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”
Nesse desiderato, a proibição da reformatio in pejus ocorre quando somente o réu apela da sentença condenatória, onde a situação dele não pode piorar, tal como previsto no art. 617 doCódigo de Processo Penal, in verbis: “O tribunal, câmara ou turma atenderá nas suas decisões ao disposto nos arts. 383, 386 e 387, no que for aplicável, não podendo, porém, ser agravada a pena, quando somente o réu houver apelado da sentença.”
Jurisprudencialmente:
“AGRAVO EM EXECUÇÃO PENAL. SUPERVENIÊNCIA DE NOVA CONDENAÇÃO CRIMINAL. UNIFICAÇÃO DAS PENAS. FIXAÇÃO DA DATA-BASE PARA A CONCESSÃO DE FUTUROS BENEFÍCIOS. ÚLTIMA PRISÃO EM FLAGRANTE DO AGENTE. IMPOSSIBILIDADE. TRÂNSITO EM JULGADO DA NOVA CONDENAÇÃO. CONDENAÇÃO SUPERVENIENTE AINDA NÃO TRANSITADA EM JULGADO. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE PENA. ADOÇÃO DA DATA DA DECISÃO DE UNIFICAÇÃO DAS PENAS COMO DATA-BASE. DECISÃO PRIMEVA QUE FIXOU DATA ANTERIOR À DA SUA PROLAÇÃO. MANUTENÇÃO. NECESSIDADE. PROIBIÇÃO DA “REFORMATIO IN PEJUS”. ISENÇÃO DE CUSTAS. CABIMENTO. AGRAVANTE ASSISTIDO PELA DEFENSORIA PÚBLICA. DADO PARCIAL PROVIMENTO AO RECURSO. 1. A superveniência de nova condenação ao reeducando, durante a execução da pena, interrompe a contagem do prazo para a concessão dos benefícios de execução penal, que, necessariamente, deverá ser novamente calculado com base na soma das penas restantes a serem cumpridas. 2. O marco inicial da contagem do novo prazo é, em regra, a data do trânsito em julgado geral da nova condenação, não podendo se adotar, para tal fim, a data da última prisão do agente. Precedentes. 3. Não tendo a nova condenação ainda transitado em julgado, eis que em relação a ela o apenado encontra-se em execução provisória da pena, deve-se adotar como data-base para a contagem de prazos a data da própria decisão de unificação das penas. 4. Tendo a decisão primeva fixado data anterior à da sua prolação, qual seja, a da publicação da mais recente sentença condenatória recorrível, impõe-se a manutenção da decisão, sob pena de configuração de “reformatio in pejus”. 5. Tendo o agravante sido assistido pela Defensoria Pública Estadual, impõe-se isentá-lo do pagamento das custas processuais, nos termos da Lei Estadual 14.939/03, eis que demonstrada a sua hipossuficiência. 6. Dado parcial provimento ao recurso. (…).” (TJMG, 7ª Câmara Criminal, Agravo em Execução Penal n. 1.0231.12.032947-0/001, Rel. Des. Marcílio Eustáquio Santos, Publ. em 10/07/2015).
10. Reformatio in mellius.
No entanto, é plenamente possível a reformatio in mellius, ou seja, em recurso exclusivo da acusação é possível manter a decisão, piorar ou até mesmo melhorar a situação do réu, tendo em vista que para melhorar sempre é possível porque ocorre a aplicação do favor rei ou favor libertatis e o sistema é favorável à liberdade.
Dessa forma, pode-se constatar que são possíveis de serem proferidas as seguintes decisões do tribunal:a) condenatória quando apela somente o réu, sendo possível melhorar a situação do mesmo, bem como, é possível manter a decisão, inclusive, em vista da proibição da reformatio in pejus; b) condenatória quando apelam acusação e defesa, sendo possível manter a decisão, bem como, melhorar a situação do réu, e ainda, piorar a situação do mesmo; c) condenatória quando a apelação é exclusiva da acusação, sendo possível manter a decisão, piorá-la, bem como melhorar a situação do réu, salientando-se que a reformatio in melliusé admitida.
Jurisprudencialmente:
“APELAÇÃO. DELITOS CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTOS QUALIFICADOS PELO ROMPIMENTO DE OBSTÁCULO, PRATICADOS EM CONTINUIDADE DELITIVA. IRRESIGNAÇÃO MINISTERIAL. DOSIMETRIA DA PENA. Busca o Ministério Público a exasperação da pena-base, reconhecendo-se como negativos os vetores circunstâncias, culpabilidade, antecedentes, personalidade e consequências. Revaloração das circunstâncias judiciais do artigo 59 do Código Penal. Exasperação da reprimenda para 01 (um) ano, 04 (quatro) meses e 10 (dez) dias de reclusão. CRIME CONTINUADO. Considerando que o reconhecimento da figura do crime continuado na origem, a pena de multa merecia igual tratamento. Ensina Rogério Sanches Cunha que “Para fins de aplicação da pena, no direito brasileiro, o crime continuado, por ficção jurídica, é considerado crime único. Logo, aplica-se a pena de multa uma única vez.” Desta forma, a pena pecuniária de um dos crimes vai aumentada na fração de 1/6 (mesmo quantum de aumento da figura da continuidade delitiva), totalizando em 09 (nove) dias-multa, à razão de 1/30 do salário mínimo vigente à época do fato, o que se faz em sede dereformatio in mellius, por ser mais favorável ao acusado. SUSPENSÃO DA EXIGIBILIDADE DO PAGAMENTO DA PENA PECUNIÁRIA. O artigo 155 do Código Penal prevê as sanções de reclusão e multa, a serem aplicadas cumulativamente, sendo que eventual impossibilidade de pagamento, como bem referido pelo órgão acusador, é matéria que deverá ser submetida ao juízo de execução. APELO MINISTERIAL PARCIALMENTE PROVIDO, POR MAIORIA. DE OFÍCIO, EM REFORMATIO IN MELLIUS, REDUZIDA A PENA DE MULTA DO ACUSADO.”(TJRS, 6ª Câmara Criminal, Apelação n. 70064529027, Rel. Des. Vanderlei Teresinha Tremeia Kubiak, Julg. em 28/05/2015).
“EMBARGOS DE DECLARAÇÃO. CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO. FURTO SIMPLES TENTADO. ACÓRDÃO ULTRA PETITA. NÃO OCORRÊNCIA. A regra do tantum devolutum quantum appellatum define que ao tribunal é devolvido o conhecimento da matéria objeto do recurso, sendo, contudo, tal regra relativizada em face da vedação dareformatio in pejus e da possibilidade dareformatio in mellius. Caso em que a matéria trazida pela acusação através do recurso de apelação, interposto contra decisão que rejeitou a denuncia, refere-se ao cabimento (ou não) da denúncia, já que ela foi rejeitada pelo juízo a quo. Assim, a decisão proferida no acórdão embargado, que recebeu a denúncia, está dentro dos limites estabelecidos pela regra do tantum devolutum quantum appellatum, não havendo falar em acórdão ultra petita por ter a acusação requerido no seu recurso de apelação apenas o afastamento do argumento que rejeitou a denúncia (crime impossível) e o colegiado ter recebido a denúncia. EMBARGOS DECLARATÓRIOS DESACOLHIDOS.” (TJRS, 7ª Câmara Criminal, Embargos de Declaração n. 70065437790, Rel. Des. José Conrado Kurtz de Souza, Julg. em 09/07/2015).
11. Sistema do crossexamination.
Há algum tempo atrás vigorava no processo penal o chamado sistema presidencialista, que recebia esse nome porque o magistrado era quem fazia as perguntas para o réu, sendo que as partes formulavam as perguntas e o juiz as repetia para o réu.
Com o passar do tempo, constatou-se que essa repetição de perguntas ocasionava uma perda de tempo muito grande, então, passou a vigorar o sistema chamado de cross examination, sistema em que as partes perguntam diretamente para as testemunhas.
Aliás, o art. 212 do Código de Processo Penal fez tombar de vez o sistema presidencialista, a par da redação dada pela Lei Ordinária Federal n. 11.690/2008, in verbis: “As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.Parágrafo único. Sobre os pontos não esclarecidos, o juiz poderá complementar a inquirição.”
Sendo assim, de acordo com tal artigo, as partes podem formular as perguntas diretamente para as testemunhas. Esse artigo também permite que o magistrado indefira as perguntas que julgar desnecessárias eas complemente em busca da verdade real.
Logo, a posição majoritária é a de que tal artigo configure o cross examination. No entanto, há divergência no que tange tal classificação por haver interferência do magistrado em alguns momentos e não ser o crossexaminationpuro.
12. Princípio da verdade real.
Importante ressaltar que para uma pessoa ser condenada, torna-se necessário que o magistrado estude e examine bastante o caso concreto para evitar possíveis erros e que a verdade seja constatada.
Aliás, um dos mais importantes princípios no processo penal, é o princípio da verdade real, pelo qual o magistrado deve buscar as melhores provas em matéria criminal, não podendo se contentar apenas com aquelas fornecidas pelas partes, salvo se forem efetivamente as melhores.
Inclusive, o art. 156 do Código de Processo Penal possibilita ao juiz a determinação de diligências complementares, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, quando necessárias para sanar dúvidas sobre pontos relevantes. Veja-se: “A prova da alegação incumbirá a quem a fizer, sendo, porém, facultado ao juiz de ofício: I – ordenar, mesmo antes de iniciada a ação penal, a produção antecipada de provas consideradas urgentes e relevantes, observando a necessidade, adequação e proporcionalidade da medida; II – determinar, no curso da instrução, ou antes de proferir sentença, a realização de diligências para dirimir dúvida sobre ponto relevante.”
Este princípio recebe algumas críticas doutrinárias, tendo em vista que no sistema acusatório o magistrado deve ser inerte e imparcial, bem como, atualmente não vigora mais o sistema presidencialista e sim o cross examination. No entanto, tal princípio é aceitável, pois a verdade deve prevalecer e o magistrado necessita de subsídios concretos e esclarecedores sobre o fato para que possa proferir uma sentença justa.
Assim, o princípio da verdade real busca o convencimento do julgador, mas ele está limitado pelas provas que constam nos autos, razão pela qual representam limites: a inadmissibilidade das provas obtidas por meios ilícitos, a vedação da revisão criminal contra o réu e a transação penal, que é uma verdade consensual.
Nesse contexto, vigora no processo penal brasileiro, a liberdade dos meios de prova, que é uma característica do sistema acusatório.No entanto, a liberdade probatória possui exceções: são vedadas as provas ilícitas (que violam direito material) e as provas ilegítimas (que violam direito processual).
A inadmissibilidade da prova ilícita está consagrada no art. 5º, inc. LVI, da CRFB/1988, in verbis: “são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos”.
De acordo com a teoria dos frutos da árvore envenenada (fruits of poisonous tree), também chamada de teoria da prova ilícita por derivação, as provas que derivarem da prova ilícita, também não serão admitidas, pois estarão contaminadas por ela.
Alguns doutrinadores são bem radicais e defendem que a prova ilícita contamine o magistrado de tal forma que ele estaria tão influenciado por ela ao ponto de interferir em sua sentença, desta forma, alguns defendem a necessidade de trocar o próprio magistrado para que seja possível uma sentença justa e livre de provas ilícitas.
No entanto, isso não ocorre, até porque, tal conduta contraria o princípio da identidade física do juiz, devendo ser o que presidiu a instrução, o mesmo para prolatar a sentença.
Destaque-se, ainda, que a decisão do juiz será válida, desde que ele não fundamente sua decisão na prova ilícita. Isso é chamado de livre convencimento motivado.
13. Duração razoável do processo.
No que tange àduração razoável do processo, saliente-se que é um preceito fundamental consagrado na CRFB/1988 e também no Pacto de São José da Costa Rica, no sentido de visar uma garantia da celeridade processual, e, por via de consequência, evitando atrasos nas resoluções das lides.
Porém, nem sempre tal princípio é observado e, muitas das vezes, percebe-se uma demora excessiva.
Mas o art. 5º, inc. LXXVIII, da CRFB/1988, assegura a duração razoável do processo, incluída pela Emenda Constitucional n. 45/2004, in verbis: “a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação”.
Assim, o Código de Processo Penal brasileiro adota a teoria do não prazo, ou seja, não está definido um tempo certo para cada tipo de ação, ou seja, não há um prazo específico, que depende do caso concreto, em que pese não poder ocorrer demora excessiva e sempre dever zelar pela celeridade processual.
Conclusão.
Conclui-se que o sistema acusatório é mais efetivo que o sistema inquisitivo para a consecução da justiça, haja vista que no primeiro são respeitados os direitos e garantias individuais, ainda que haja vestígios do sistema inquisitivo no que tange a busca pela verdade real.
Sedimenta-se, ainda, a concepção de uma justiça ideal quando está arrimada nos princípios da liberdade, do contraditório e da ampla defesa, da duração razoável do processo e da presunção de não culpabilidade, os quais asseguram as aplicações das liberdades individuais e coletivas, bem como garantem as mesmas oportunidades aos membros da sociedade.
Dentre as dificuldades de aplicação dos princípios, como se observou ao longo deste trabalho, destaca-se a semelhança de alguns deles, como o favor rei oufavor libertatis e o in dubio pro reo, o que pode levar a ocorrências de distorções.Em breve síntese, pode-se dizer que o favor rei ou favor libertatis é gênero do qual o in dubio pro reo é espécie, ou seja, o primeiro é mais abrangente e pode ser aplicado em qualquer fase processual e o segundo é aplicado somente no momento de prolação da sentença.
Entende-se, ainda, que as dificuldades para solucionar o conflito entre o direito de punir do Estado e o direito à Liberdade do acusado são superadas através da aplicação do devido processo legal.
Por fim, percebe-se que muito embora não seja tarefa fácil, muitos problemas poderão ser resolvidos e arbitrariedades evitadas, bastando a aplicação dos princípios como fundamentos para prática das ações e tomada das decisões.Isto implica dizer que, de forma geral, é necessário não somente sustentar os princípios com palavras ou frases bem elaboradas, mas também com ações e decisões coerentes à importância e ao que representa o verdadeiro significado de tais palavras.
Bacharela em Direito pelo Centro Universitário de Lavras – MG (UNILAVRAS). Pós-Graduada em Direito Processual pela UNIFENAS Câmpus Campo Belo – MG. Advogada
Pós-Doutor em Democracia e Direitos Humanos pela Universidade de Coimbra (Portugal). Doutor em Direito pela PUC-SP. Mestre em Direito do Estado pela UNIFRAN. Especialista em Direito Processual pela PUC Minas. Bacharel em Direito pela UNIFENAS. Professor orientador no curso de pós-graduação lato sensu em Direito Processual da UNIFENAS Campus Campo Belo – MG. Doutrinador Jurídico. Associado ao Conselho Nacional de Pesquisa e Pós-Graduação em Direito (CONPEDI). Membro da Academia Dorense de Letras, Artes e Ciências (ADLAC), de Boa Esperança – MG. Advogado
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