Resumo: Pretende-se, por meio do presente artigo, evidenciar e discutir alguns aspectos do processo legislativo que originou a nova Lei n.º 13.491/2017. Por intermédio dessa nova legislação, alterou-se o Código Penal Militar, aumentando-se consideravelmente as hipóteses de caracterização do crime militar. Definiu-se também determinadas situações em que os crimes dolosos contra a vida de civis voltaram a ser de competência da Justiça Militar da União. No entanto, a análise neste breve ensaio delimitar-se-á ao processo legislativo que resultou na Lei n.º 13.491/2017. Isto porque é possível detectar vícios formais em seu procedimento, tanto no Senado Federal, como Casa Revisora, quanto na fase do veto presidencial. Desse modo, examinar-se-á primeiramente o início do referido processo legislativo na Câmara dos Deputados, para melhor compreensão da discussão proposta. Em seguida, analisar-se-á a sua tramitação no Senado Federal, etapa em que surgem os vícios formais em questão, expondo e discutindo estes últimos. Por fim, verificar-se-á outros equívocos ocorridos no momento do veto presidencial.
Palavras-chave: Lei n.º 13.491/2017. Código Penal Militar. Processo legislativo.
Abstract: The purpose of this article is to highlight and discuss some aspects of the legislative process that originated the new Law n.º 13.491/2017. Through this new legislation, the Military Penal Code was amended, considerably increasing the hypotheses of characterizing the military crime. It was also defined certain situations in which the intentional crimes against the life of civilians returned to be within the jurisdiction of the Military Justice of the Union. However, the analysis in this brief essay will be limited to the legislative process that resulted in Law n.º 13.491/2017. This is because it is possible to detect formal defects in its procedure, both in the Federal Senate, as House Revisora, and in the phase of the presidential veto. Thus, it will first examine the beginning of the said legislative process in the Chamber of Deputies, for a better understanding of the proposed discussion. Next, it will be analyzed its process in the Federal Senate, stage in which the formal vices in question appear, exposing and discussing the latter. Lastly, there will be other misconceptions that occurred at the time of the presidential veto.
Keywords: Law n.º 13.491/2017. Military Penal Code. Legislative process.
Sumário: Introdução; 1 Origem da nova lei: a tramitação do Projeto de Lei n.º 5.768/2016 na Câmara dos Deputados; 2 O Projeto de Lei n.º 44/2016 no Senado Federal: desacertos no processo legislativo da Casa Revisora; 3 Novos equívocos ocorridos no veto presidencial; Considerações finais; Referências.
INTRODUÇÃO
Recentemente, por meio da Lei n.º 13.491, de 13 de outubro de 2017, o Código Penal Militar (CPM) sofreu novas alterações em seu texto. Em que pese essas modificações terem sido de pequenas proporções em termos quantitativos, já que poucas foram as mudanças no texto do CPM, elas terão relevantes impactos no ordenamento jurídico e na vida prática. Em síntese, ampliaram-se consideravelmente as hipóteses de caracterização do crime militar e também se estabeleceram certas situações em que os crimes dolosos contra a vida de civis voltaram a ser de competência da Justiça Militar da União. Entretanto, o foco desta breve análise recairá na condução do processo legislativo que originou essa norma legal, já que é possível vislumbrar a existência de vícios formais em sua tramitação.
1 ORIGEM DA NOVA LEI: A TRAMITAÇÃO DO PROJETO DE LEI N.º 5.768/2016 NA CÂMARA DOS DEPUTADOS
Inicialmente, o Projeto de Lei (PL) n.º 5.768, de 2016, de autoria do Deputado Esperidião Amin, pretendia originar uma legislação sem prazo de vigência predeterminado, espécie denominada lei permanente. Almejava-se, então, seguir a regra da continuidade das leis, que vigoram até que outra norma legal as modifique ou as revogue (art. 2º, caput, da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro). Ocorre que, durante a tramitação do PL n.º 5.768/2016, foi apresentado um substitutivo ao texto original pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional, em parecer da relatoria do Deputado Julio Lopes, incluindo uma cláusula de vigência temporária, nos seguintes termos: “Art. 2º. Esta Lei terá vigência até o dia 31 de dezembro de 2016 e, ao final da vigência desta Lei, retornará a ter eficácia a legislação anterior por ela modificada”.
Sobre a classificação das leis quanto a sua duração, Venosa (2004, p. 117) explica: “As leis permanentes, que são regra geral no sistema, são editadas para vigorar por tempo indeterminado, deixando de ter vigência apenas mediante outro ato legislativo que as revogue […]”. Por outro lado: “As leis temporárias são exceções dentro do ordenamento. Já nascem com um período determinado de vigência. São editadas, geralmente, para atender a situações fáticas emergenciais, transitórias ou circunstanciais.”
Desse modo, transmudou-se o texto original em um projeto de lei temporária, com início e fim de vigência previamente determinados. Além disso, a supracitada cláusula também incluiu uma hipótese de repristinação no novo texto do PL n.º 5.768/2016, isto é, o restabelecimento da vigência do texto do Código Penal Militar que seria derrogado pela nova legislação, após o dia 31 de dezembro de 2016. Vale lembrar que essa possibilidade de repristinação expressa encontra amparo no § 3º do artigo 2º da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (LINDB).
Por sua vez, a justificativa apresentada para essa transformação do texto original em lei temporária (com prazo de vigência predeterminado) foi a excepcionalidade de realização dos Jogos Olímpicos e Paraolímpicos Rio 2016. Isto porque havia a previsão do emprego das Forças Armadas para Garantia da Lei e da Ordem durante esses jogos, o que efetivamente ocorreu nesse período.
Em seguida, o substitutivo apresentado pela Comissão de Relações Exteriores e de Defesa Nacional foi aprovado pelo plenário da Câmara dos Deputados, após discussão, em regime de urgência. Dessa maneira, o projeto de lei, agora de caráter temporário, seguiu para a Casa Revisora, no caso o Senado Federal, onde passou a tramitar como Projeto de Lei n.º 44, de 2016.
2 O PROJETO DE LEI N.º 44/2016 NO SENADO FEDERAL: DESACERTOS NO PROCESSO LEGISLATIVO DA CASA REVISORA
Ao chegar ao Senado Federal, encaminhou-se, então, o Projeto de Lei n.º 44, de 2016, para a Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, que proferiu o Parecer n.º 76/2017, sob a relatoria do Senador Pedro Chaves. Nesse parecer, opinou-se pela aprovação do referido projeto, mas com a inclusão de uma emenda que suprimia a cláusula de vigência temporária constante na redação final do projeto de lei proveniente da Câmara dos Deputados, com vistas a transformá-lo em um projeto de lei permanente. Mesmo porque já havia extrapolado o prazo final de vigência previsto no projeto de lei quando este foi analisado pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional.
De todo modo, acordou-se nessa comissão em aprovar o relatório sem a referida emenda, ou seja, permanecendo a cláusula de vigência temporária mesmo já expirada. Tomou-se essa decisão tão somente para se evitar que o projeto tivesse que retornar à Câmara dos Deputados (conforme externado por parlamentares no dia da votação do projeto em plenário[1]), pois, consoante previsto na Constituição Federal (art. 65, parágrafo único), “sendo o projeto emendado, voltará à Casa iniciadora.” O supracitado acordo incluía ainda o compromisso assumido pelo parlamentar líder do Governo de se conseguir o veto presidencial ao dispositivo que previa a vigência temporária no projeto de lei, para se evitar, assim, o seu retorno à Casa Iniciadora (segundo declarou-se na sessão de votação[2]).
Ressalte-se também que foi proposta uma outra emenda ao projeto que pretendia modificar a cláusula de vigência da lei, que era até o dia 31 de dezembro de 2016, substituindo-a por uma com vigência até o dia 31 de dezembro de 2017. No entanto, essa emenda, de autoria da Senadora Vanessa Grazziotin, foi rejeitada pela Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional, por meio do Parecer n.º 77/2017, e posteriormente pelo plenário do Senado Federal.
Ao final, o Projeto de Lei n.º 44, de 2016, foi votado pelo plenário do Senado Federal, em regime de urgência, sendo aprovado pela maioria dos parlamentares daquela Casa. Manteve-se, então, a cláusula de vigência temporária, mesmo com seu prazo já ultrapassado (a vigência prevista no texto da Câmara era até 31 de dezembro de 2016 e a votação no Senado ocorreu em 10 de outubro de 2017), sob a condição de se conseguir o veto presidencial desse dispositivo. Esse acordo, como anteriormente mencionado, pretendeu evitar o retorno do PL n.º 44/2016 à Câmara dos Deputados, o que necessariamente aconteceria se houvesse qualquer emenda a ele. Após a sua aprovação, o referido projeto de lei foi encaminhado à sanção presidencial, havendo o veto do dispositivo que previa a vigência temporária e repristinação da lei anterior ao término do prazo estipulado, originando-se, assim, a Lei n.º 13.491, de 13 de outubro de 2017.
Como se vê, o artifício utilizado pelo Senado Federal para aprovação do Projeto de Lei n.º 44, de 2016, acabou subtraindo uma prerrogativa constitucional da Câmara dos Deputados. Esta última Casa, como iniciadora do projeto de lei, deveria necessariamente reexaminá-lo, decidindo sobre a sua conveniência ou não diante da nova realidade imposta. Competia, assim, à Câmara dos Deputados em relação ao referido projeto: ou decidir pelo seu arquivamento, uma vez que o seu intuito era o de se estabelecer uma vigência temporária e esta já havia chegado a termo; ou decidir pela sua aprovação sem prazo de vigência predeterminado, aquiescendo com o que pretendia o Senado Federal. Porém, para que pudesse tomar essa decisão, era imprescindível que este último, como Casa Revisora, apresentasse uma emenda ao projeto, já que tinha a intenção de modificá-lo em sua natureza, retirando-lhe a característica de lei temporária.
Como visto anteriormente, a redação original do Parecer n.º 76/2017, de relatoria do Senador Pedro Chaves, previa acertadamente uma emenda que suprimia a cláusula de vigência temporária prevista na redação final do projeto de lei oriundo da Câmara dos Deputados. Todavia, aprovou-se o texto final desse parecer sem a referida emenda, isto é, conservando-se a cláusula de vigência temporária mesmo com prazo já ultrapassado, o que posteriormente foi confirmado pelo plenário do Senado Federal. Como já esclarecido, decidiu-se dessa forma no intuito de se evitar que o projeto retornasse à Câmara dos Deputados, nos termos do que determina o parágrafo único do artigo 65 da Constituição Federal. Ocorre que, com essa manobra da Casa Revisora, feriu-se manifestamente o disposto na Constituição Federal, eivando de vício formal o processo legislativo que originou a Lei n.º 13.491/2017.
3 NOVOS EQUÍVOCOS OCORRIDOS NO VETO PRESIDENCIAL
De outra parte, o veto presidencial ao dispositivo que estabelecia a vigência temporária não sanou o vício formal existente no projeto de lei, mas, ao invés disso, consistiu igualmente em inconstitucionalidade. Com esse veto parcial, modificou-se completamente a natureza original da lei pretendida pelo Poder Legislativo, que expressamente era de uma lei temporária (com início e fim de vigência previamente determinados), para uma lei com prazo indeterminado, chamada permanente. Essa decisão, alterando o caráter da lei, nitidamente não competia ao Poder Executivo, que acabou por legislar; mas, sim, ao Poder Legislativo. Aliás, o próprio Presidente da República na atualidade (que proferiu o veto em comento), Michel Temer, já defendeu que: “a) o todo lógico da lei pode desfigurar-se também pelo veto, por inteiro, do artigo, do inciso, do item ou da alínea. E até com maiores possibilidades; b) se isto ocorrer — tanto em razão do veto da palavra ou de artigo — o que se verifica é usurpação de competência pelo Executivo, circunstância vedada pelo art. 2º da CF.” (TEMER, 2005, p. 142).
Constata-se, pois, que foi exatamente isso que ocorreu na situação ora analisada, uma vez que, por meio do veto do artigo que previa a vigência temporária da lei, modificou-se inteiramente a sua natureza, transformando-a em lei permanente. Com isso, a Câmara dos Deputados, que foi a Casa responsável pela elaboração do projeto de lei, não pôde sequer manifestar-se sobre uma completa e substancial mudança em sua criação legislativa. E não se pode dizer que a Câmara dos Deputados poderá reverter essa situação na fase de apreciação do veto na sessão conjunta no Congresso Nacional. Isto porque o veto só poderá ser rejeitado pelo voto da maioria absoluta dos deputados e senadores, nos termos do § 4º do artigo 66 da Constituição Federal, tornando-se muito mais difícil corrigir o vício demonstrado até aqui.
Sobre essa questão, recorre-se mais uma vez a Temer (2005, p. 142): “[…] aposto o veto, retorna o projeto ao Legislativo e este poderá rejeitá-lo, com o quê se manterá o todo lógico da lei. Objeta-se, entretanto: a rejeição do veto exige maioria absoluta e, por isso, uma minoria (1/3) poderá editar a lei que, na verdade, não representa a vontade do legislador.” Em seguida, ele apresenta uma possível solução para essa hipótese: “Responde-se: se isto suceder, qualquer do povo, incluídos os membros do Legislativo, do Executivo ou do Judiciário, pode representar aos legitimados constitucionalmente (art. 103, I a IX, da CF) para promoção da representação de inconstitucionalidade daquela lei em face de usurpação de competência vedada pelo art. 2º da CF.” (TEMER, 2005, p. 142).
Portanto, como isso de fato já sucedeu em relação à Lei n.º 13.491/2017, resta essa opção sugerida no sentido de representação aos legitimados pela Constituição Federal a propor ação direta de inconstitucionalidade. De qualquer modo, vale ressaltar que, até que haja pronunciamento por parte do Judiciário acerca dessa alegada inconstitucionalidade da Lei n.º 13.491/2017, presume-se a sua validade. Isto porque, conforme salienta Agra (2002, p. 57), “para resguardo da segurança jurídica, as normas inferiores à Constituição só serão declaradas inconstitucionais quando isso for expressamente afirmado pelo Poder Judiciário”. Ou seja, enquanto não houver manifestação do Judiciário em relação a inconstitucionalidade de lei infraconstitucional, incide o princípio da presunção de constitucionalidade das leis.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Em suma, entendemos que as alterações operadas por meio da Lei n.º 13.491/2017, ampliando as hipóteses de caracterização do crime militar e firmando a competência da Justiça Militar da União em determinadas situações de crimes dolosos contra a vida de civis, podem ser bastantes positivas. A Justiça Militar — seja no âmbito federal, seja no âmbito estadual — tem demonstrado, ao longo de sua extensa atuação, a perícia necessária para melhor resolução dos casos que envolvem as instituições militares em suas particularidades, fato este que justifica a própria existência dessa Justiça especializada.
Todavia, por mais que se entenda que a nova lei traz aspectos benéficos para a sociedade, isso não releva os vícios e inconstitucionalidades averiguados em seu processo legislativo, que sucederam tanto em sua tramitação no Senado Federal como no momento do veto presidencial. Não se pode aceitar, nesse caso, a premissa de que os fins justificam os meios, sob pena de se legitimar manobras que podem ser utilizadas em detrimento da própria sociedade. Devendo-se sempre lembrar que esse mesmo mecanismo pode ser igualmente utilizado para modificar projetos de lei no sentido de torná-los favoráveis a determinados setores ou grupos, mas contrários ao interesse social.
Mestre em Segurança Pública Justiça e Cidadania pela Faculdade de Direito da Universidade Federal da Bahia UFBA; Pós-Graduado em Direito Penal Militar e Processual Penal Militar; Pós-Graduado em Ciências Criminais; Bacharel em Direito; Professor de Direito Penal Militar e de Direito Penal; Sócio Especial da Associação de Magistrados das Justiças Militares Estaduais AMAJME
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