Obra que reúne dez artigos do psicólogo Lucas Veiga será lançada em novembro e também discute arte, práticas clínicas e efeitos psicológicos da pandemia
“Quando falo de uma clínica do impossível, refiro-me à prática terapêutica com pessoas pretas. Esses pacientes, além de suas questões individuais e singulares, trazem algo em comum, da ordem do impossível de se resolver imediatamente: o racismo. Todos os meus pacientes, negros e negras, continuarão lidando com a violência do racismo, inclusive eu”, argumenta Veiga.
Mas no livro, o impossível é apresentado como um duplo, que tem também sentido de resistência. “Se por um lado não há possibilidade de fim imediato do racismo, é impossível que pessoas negras sejam totalmente capturadas por ele”, diz.
Para isso, o psicólogo recorre à noção de fuga, sugerindo pensá-la como tecnologia de resistência, produtora de novos horizontes, negados pela dinâmica colonial. “A fuga é a recusa à subjugação, a ser definido por um outro, é a recusa a ter sua singularidade e potencialidade reduzidas pelo racismo estrutural”, conta.
“Era impossível a população negra sobreviver ao projeto de extermínio do colonialismo e do genocídio ainda presente no Brasil, mas não apenas sobrevivemos como estamos em todos os lugares, nas ciências, na música, na literatura, na filosofia, na política, nas artes, no cinema. Apesar de termos de lidar com a máquina mortífera do racismo, seguimos produzindo realidades e modos de vida impossíveis considerando o cenário em que vivemos”, diz o autor em trecho do livro.
Em capítulos como “Clínica do impossível”, que dá nome ao livro, “Descolonizando a Psicologia: notas para uma Psicologia Preta” e “Como criar para si um corpo descolonizado”, o psicólogo apresenta aplicações da Psicologia Preta e de práticas transdisciplinares.
Apoiados em temas cotidianos, “E se eu fosse a Beyoncé?” e “As diásporas da bixa preta: sobre ser negro e gay no Brasil”, debatem as relações entre racismo e saúde mental da população negra na atualidade.
Efeitos da pandemia
Em “Pandemia e neurotização da vida: como será o amanhã?”, Veiga explora os efeitos pandêmicos da Covid-19 na saúde mental dos indivíduos. “Vivemos agora uma neurotização da vida em escala planetária no sentido de que somos convocados à interiorização, a nos fecharmos em torno de nossos países, nossas casas, de nós mesmos. […] Entendendo a interiorização como motor da neurose, a pandemia poderá gerar em nós uma dificuldade radical na lida com o fora, com o exterior, o estrangeiro, com o que não sou eu”, analisa.
Arte, política e ética no cuidado
Ao discutir a clínica transdisciplinar, o psicólogo fala do atravessamento de campos como o da arte, da filosofia e da política no fazer clínico. “O próprio trabalho do analista e do paciente é um trabalho artístico, ético e político, já que se refere a todo momento à criação de novos modos de vida”, explica.
Em “O analista está presente”, explora as aproximações entre a clínica e a arte. O título é inspirado na obra “A Artista está presente” (2012), da artista sérvia Marina Abramović. “Tivemos a oportunidade de nos conhecer aqui no Brasil, em 2015, e esta performance da Marina se tornou uma referência importante para minha pesquisa e prática clínica tanto no mestrado, quanto no trabalho que desenvolvo hoje”, conta.
Sobre o autor
Lucas Veiga é psicólogo e mestre em psicologia clínica pela Universidade Federal Fluminense (UFF). Em 2019, criou o curso Introdução à Psicologia Preta, ministrado para mais de 1.200 alunos em oito capitais, no Distrito Federal e em formato virtual. É idealizador da plataforma descolonizando.com, que reúne textos, vídeos e cursos sobre saúde mental, questões raciais e anticoloniais. Tem atuado dando palestras e consultorias em saúde mental para organizações nacionais e multinacionais. Foi embaixador do projeto “Pode Falar”, da Unicef/ONU, capacitando profissionais para atendimento clínico emergencial de adolescentes e jovens de 13 a 24 anos.
Sobre a Editora Telha:
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