Publicidade enganosa e abusiva

Resumo: O presente artigo versa sobre a publicidade e a tutela dos direitos dos consumidores, panorama histórico da publicidade, abordando os princípios afetos à publicidade. Realiza profundo estudo sobre a tutela do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, diferenciando publicidade e propaganda, demonstrando qual é abordada pela legislação específica. Estuda ainda as formas de publicidade lícitas e ilícitas e a diferença entre enganosidade e abusividade, seu objeto jurídico tutelado e quem são os titulares dos direitos tutelados e os responsáveis pelos danos, além da espécie de responsabilidade e sanções cabíveis.

Palavras-chave: Direito do consumidor, publicidade, publicidade abusiva, publicidade enganosa, publicidade ilícita, Código de Proteção e Defesa do Consumidor.

Sumário: Introdução. 1 Publicidade e propaganda. 1.1 Histórico. 1.1.1 Propaganda no contexto internacional. 1.1.2 Propaganda no contexto interno do Brasil. 1.2 Conceito. 1.2.1 Considerações gerais. 1.2.2 Propaganda. 1.2.3 Publicidade. 2 Princípios afetos à publicidade e propaganda no Direito brasileiro. 2.1 Considerações gerais. 2.1.1 Princípio da identificação da publicidade. 2.1.2 Princípio da publicidade veraz. 2.1.3 Princípio da não-abusividade da publicidade. 2.1.4 Princípio da vinculação contratual da publicidade. 2.1.5 Princípio da transparência da fundamentação da publicidade. 2.1.6 Princípio da correção do desvio publicitário. 2.1.7 Princípio da boa-fé objetiva. 3 Publicidade: tutela do Código de Proteção e Defesa do Consumidor. 3.1 Introdução. 3.2 Formas de publicidade. 3.2.1 Publicidade enganosa. 3.2.2 Publicidade abusiva. 3.2.3 Publicidade comparativa. 3.2.4 Publicidade subliminar. 3.2.5 Merchandising. 3.2.6 Teaser. 3.2.7 Puffing. 3.3 Objeto jurídico tutelado. 3.3.1 Objeto jurídico. 3.3.2 Titular dos direitos tutelados. 3.4 Responsáveis pelo dano. 3.4.1 Fornecedor principal ou anunciante. 3.4.2 Agência de publicidade. 3.4.3 Veículo de comunicação. 3.4.4 Celebridade. 3.5 Sanções. 3.5.1 Considerações gerais. 3.5.2 Multa. 3.5.3 Advertência. 3.5.4 Remoção ou sustação da publicidade. 3.5.5 Contrapropaganda. Conclusão. Referências.

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Introdução

Esta pesquisa versa sobre a publicidade à luz da legislação consumerista, e sobre toda a tutela estabelecida, abordando-se a diferença entre as formas ilícitas e lícitas da publicidade, bem como as sanções aplicáveis em caso de dano.

Atualmente, o mundo encontra-se em um sistema de mercado galopante, no qual todo o sistema caminha em direção a um capitalismo selvagem que tem maior manifestação no terceiro setor, ou seja, o comércio, que é o principal responsável pelo giro de capital e fomento da economia mundial.

Assim, neste contexto, a publicidade surge com grande força, e como meio mais eficiente de chamar o consumidor a participar do galopante mercado de consumo, daí a importância da presente pesquisa, visto que o consumidor é vulnerável frente a tais mensagens publicitárias, bem como pode sofrer abusos que tornariam desequilibrada a relação de consumo e consequentemente, o mercado.

Para esta análise foi utilizada a pesquisa doutrinária e jurisprudencial, que, através de um raciocínio dedutivo foi exposta através de premissas, com a análise em capítulos de cada tema em separado, reservando-se ao último a resolução do tema.

Na primeira seção expõe-se todo o histórico da publicidade, de forma breve, para que possa ficar claro todo o avanço das técnicas utilizadas, e seus efeitos através da análise de sua aplicação em momentos marcantes, como a Segunda Guerra Mundial.

Ainda nessa seção, será abordado o conceito de publicidade e de propaganda, posto que há imensa discussão sobre o tema, de forma que se possa esclarecer a diferença entre os institutos com o fim de direcionar a pesquisa apenas para o que é tutelado pelo Direito do Consumidor.

A segunda seção aborda os princípios relacionados ao tema, visto que o próprio Código de Proteção e Defesa do Consumidor é lei principiológica, ou seja, possui todos seus fundamentos e comandos baseado em princípios gerais de direito, o que fará, no presente estudo, com que a pesquisa seja embasada e norteada por tais princípios, facilitando o entendimento de todo o sistema de tutela das publicidades abrangido pela legislação consumerista.

Já na terceira seção, é amplamente abordada a análise de toda a tutela da publicidade no Brasil, abordando o seu objeto jurídico, titulares do direito, responsáveis pelos danos, e sanções cabíveis. Tal capítulo se apresenta de forma conclusiva, abordando o tema do trabalho diretamente, com suas nuanças e aspectos práticos.

Conclui-se, ao término da pesquisa, que o sistema do Direito do Consumidor é extremamente protecionista com relação ao consumidor, que é visto, acertadamente, como polo mais frágil na relação de consumo e, portanto, vulnerável.

Diante de tal proteção especial, conclui-se pelo total repúdio da legislação à prática de publicidade ilícita, qualquer que seja sua forma de apresentação, resultando na repreensão de tal prática, bastando para tal a mera exposição do consumidor ao evento publicitário danoso.

1 Publicidade e propaganda

1.1 Histórico

1.1.1 Propaganda no contexto internacional

A propaganda e a publicidade são inerentes da natureza de qualquer sociedade humana, existindo relatos, desde os primórdios das sociedades, de pessoas que procuravam divulgar, por exemplo, seus ofícios em suas vilas, ou espalhar alguma corrente filosófica.

Contudo, o termo propaganda (do latim propagare), surgiu pela atuação da Igreja Católica Romana na com o intuito de difundir a fé cristã pelo mundo. Tal propaganda cristã foi realizada pela Congregação para propagação da fé, que consistia em “um ‘departamento’ da Igreja Católica Romana que por volta de 1630 iniciava uma história de sucesso na propagação da mensagem de Cristo”(CAVALHEIRO, 2010).

Tamanho o sucesso da propaganda adotada pela Igreja Católica, que o método voltou a ser usado posteriormente quando da Primeira Grande Guerra, quando foi documentado e estudado como ciência pela primeira vez.

Tal aplicação científica da propagando foi idealizada pelo jornalista Walter Lippman em parceria com o psicólogo Edward Bernays, a pedido do presidente dos Estados Unidos, que pretendia a vinculação de propaganda favorável à guerra a fim de convencer a população a aceitar o ingresso norte americano na beligerância em auxílio à Inglaterra.

Depois do referido episódio na Primeira Grande Guerra, a propaganda novamente foi utilizada, amplamente, ressalte-se, na Segunda Grande Guerra, tanto pelo partido nazista de Hitler, quanto pelas forças Aliadas.

A propaganda de Hitler alcançou uma escala sem precedentes, sendo a ela atribuída grande relevância no que tange à formação de toda a imagem do Führer bem como em todo apoio do povo alemão à campanha nazista.

Tal propaganda hitlerista foi classificada, com o fim da guerra como uma enorme propaganda enganosa, na qual foram veiculadas informações inverídicas que levavam todo aquele exposto às mesmas a engano quanto à realidade dos fatos reais. Diante de tal classificação, foi a essa propaganda atribuído o título de A grande mentira.

Tal propaganda nazista foi, embora maligna, de fundamental importância para a ciência, visto que através dela torna-se possível observar o poder e a influência que tal técnica pode exercer sobre seu interlocutor.

Após Hitler, a propaganda vem sendo amplamente utilizada, como se observa em diversos episódios posteriores, como a Guerra Fria, em que Estados Unidos e a extinta URSS procuravam promover suas ideologias (capitalismo e socialismo) aos demais países do mundo.

Por fim, vale ressaltar a extrema importância da publicidade e da propaganda quando do acontecimento da Revolução Industrial, que movimentou a economia global e expandiu o comércio, que, atualmente, é o setor da economia mais ligado à publicidade e à propaganda, embora, enfatiza-se, não seja o único que as utilize amplamente.

1.1.2 Propaganda no contexto interno do Brasil

No Brasil, a publicidade surgiu acompanhando o desenvolvimento da tecnologia e das necessidades do povo, neste sentido:

“O percurso da propaganda no Brasil acompanhou o desenvolvimento dos meios de comunicação. Os anúncios surgem essencialmente para vender produtos, preservar o espaço das marcas tradicionais e introduzir novas, destacando a sua utilidade e gerando uma necessidade real ou imaginária de adquiri-lo. Precisa chegar á um público, não só numeroso, mas também  receptivo à sua mensagem, para isso, utiliza os meios de comunicação”.

A propaganda e a publicidade no Brasil vieram com a chegada da família real ao país, que trouxe consigo a abertura dos portos brasileiros ao comércio exterior, bem como a inauguração do primeiro Banco da Colônia.

Com isso, fomentou-se o mercado brasileiro, surgindo assim a necessidade da publicidade e propaganda pelos comerciantes.

Nesse momento histórico, a propaganda era realizada através dos jornais brasileiros, com anúncios no estilo classificado, sedo reconhecido historicamente como primeiro anúncio do Brasil a oferta de venda de um sobrado realizada por uma senhora no ano de 1808.(TEICH, 2010)

Após a independência do Brasil, a propaganda girou em torno do mercado de escravos, que movimentava a economia do império, e foi caracterizada por publicações detalhadas a respeito das mencionadas “mercadorias”.

Com a abolição da escravatura a propaganda se voltou ao mercado de produtos importados, visto que o Brasil, àquele tempo, vivia das novidades e dos padrões de vida europeus. Dessa forma, diz-se que a propaganda no Brasil, nessa época, assumiu um papel de ensinar à nação recém formada o padrão de vida moderno (leia-se europeu).

Com o passar dos séculos, como exposto anteriormente, a propaganda e a publicidade no Brasil foram tomando forma, definindo-se e acompanhando passo a passo a evolução tecnologia dos meios de comunicação, com as veiculações à rádio, imprensa colorida (revistas, entre outros), a televisão e, atualmente, a internet.

1.2 Conceito

1.2.1 Considerações gerais

Os conceitos de publicidade e propaganda por muitas vezes são confundidos e tratados, erroneamente, como sinônimos.

Contudo, o que se percebe da análise de suas finalidades e conceitos é que se tratam de institutos totalmente diferentes e independentes, e, apenas por serem frequentemente utilizados em conjunto, não devem ser confundidos.

Assim, conforme será exposto a seguir, a propaganda se refere à difusão de ideias, enquanto a publicidade, por sua vez, visa incitar o consumo, apresentando novos produtos, bem como enaltecendo suas qualidades pra que o consumidor adquira produtos ou contrate serviços.

1.2.2 Propaganda

O termo propaganda é proveniente do latim propagare, que significa difundir, propagar. Assim, da origem da palavra torna-se possível extrair o conceito de propaganda, consistindo essa em toda atividade que vise difundir ideias.

Por difusão de ideias podemos entender qualquer tipo de propagação de informações com o intuito de convencer o interlocutor de determinada realidade. Nesse sentido temos a lição do Professor Mário A. L. Guerreiro, que afirma “a propaganda é uma atividade voltada para a difusão de uma ideia (propaganda política é o mais conhecido exemplo)”( GUERREIRO, apud GRINOVER, 2007, p. 318).

Assim, pode-se perceber que a propaganda está ligada à questão filosófico-ideológica, que se utiliza de um conjunto de técnicas para provocar o interlocutor no sentido de aderir à determinada ideologia.

1.2.3 Publicidade

A publicidade, por sua vez consiste em um conjunto de técnicas com intuito de promover determinada atividade econômica.

Assim, difere a publicidade do conceito de propaganda ao passo que a primeira visa o intuito lucrativo, ou seja, visa promover determinada ideia com o objetivo de gerar lucro, seja pela venda de produtos, seja pela contratação de serviços, ou pela simples difusão de ideias. Nesse sentido:

“A publicidade tem um objeto comercial (‘la finalité d’um rendement économique par Le recrutement d’um public consommateurs’), enquanto a propaganda visa a um fim ideológico, religioso, filosófico político, econômico ou social.”( AUBY, apud, GRINOVER, 2007, p. 318)

O Código de Defesa do Consumidor apenas tutela a utilização de publicidade, visto que, embora os conceitos sejam frequentemente confundidos, é a publicidade que mantém ligação com a relação de consumo, pois os fornecedores, para promover seus produtos e serviços, utilizam-se da mesma.

Vale ressaltar que a publicidade, diferentemente da propaganda, é de ação coletiva, o que significa dizer que a publicidade de um objeto atinge a toda sua categoria, enquanto a propaganda se restringe aos limites da ideologia divulgada.

Ainda, a publicidade pode ser institucional ou promocional. Será institucional quando visa à promoção da empresa, ou seja, da instituição, independentemente de qualquer produto ou serviço específico, trata-se de publicidade mediata, que visa promover o anunciante.

Será promocional a publicidade quando a mesma visar um objeto direto, ou seja, um produto ou serviço, trata-se de publicidade imediata, pois visa a promoção direta do objeto econômico.

2 Princípios afetos à publicidade e propaganda no direito brasileiro

2.1 Considerações gerais

O sistema de tutela da publicidade trazido pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor veio abarcado em uma série de princípios norteadores que visam a direcionar e limitar o uso das técnicas de publicidade evitando a exposição do consumidor a eventos lesivos aos direitos tutelados pelo mencionado Diploma Legal.

2.1.1 Princípio da identificação da publicidade

O princípio da identificação da publicidade, também conhecido com princípio da identificação obrigatória da mensagem como publicitária, encontra-se previsto no art. 36, caput, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que dispõe, in verbis: “A publicidade deve ser identificada de tal forma que o consumidor, fácil e imediatamente, a identifique com tal”.

Tal princípio visa garantir que o consumidor saiba que está sendo alvo de um evento publicitário, impedindo terminantemente a publicidade que se utilize de mensagem subliminar.

Por mensagem subliminar entende-se aquela realizada sem que o interlocutor tenha conhecimento da exposição e que é registrada apenas por seu subconsciente. Tal tipo de publicidade expõe o consumidor a um enorme potencial de sugestão inconsciente, podendo inclusive, forçá-lo a adquirir produtos ou serviços que não deseja.

Assim, segundo o princípio em tela, toda publicidade deve ser notória, ficando o consumidor ciente de que no momento da exposição está sendo alvo de publicidade e permitindo, por consequência, o seu livre direito de escolha na aquisição ou contratação do produto ou serviço veiculado.

Assim, o princípio consiste basicamente em:

“Proteger o consumidor, assegurando-lhe o direito de saber que aqueles dados e informações transmitidos não o são gratuitamente e, sim, têm uma finalidade específica, que é promover a venda de um produto ou a utilização de um serviço.”(MARQUES, 2006, p.526)

2.1.2 Princípio da publicidade veraz

O princípio da publicidade veraz, ou da veracidade da publicidade, ou da veracidade especial, como também é conhecido, trata-se de um dos princípios mais antigos e basilares da difusão de informação.

Por tal princípio, consagrado pela proibição de propaganda enganosa (art. 37, §1º, do CDC), consiste na vedação aquele que faz publicidade de veicular informações inverídicas ou que levem o consumidor a erro.

2.1.3 Princípio da não-abusividade da publicidade

 Trata-se de princípio intimamente ligado ao princípio da veracidade da publicidade, vez que enquanto este último visa impedir a publicidade enganosa, o primeiro visa coibir a abusividade das mesmas.

Tanto a publicidade enganosa quanto a abusiva serão discutidas em capítulo futuro, contudo, há que se expor aqui uma pequena diferença para demonstrar a relação de afinidade e de complementação que os mencionados princípios mantém entre si.

Enquanto a publicidade enganosa é aquela inverídica e que visa levar o consumidor a erro, a publicidade abusiva é aquela que encontra fundamento no art. 37, §2º, do CDC, e que viola diretamente outros valores da sociedade, como a moral e os costumes.

2.1.4 Princípio da vinculação contratual da publicidade

Tal princípio busca semelhança entre a relação estabelecida entre a publicidade e a realização da proposta abordada pelo Código Civil.

O princípio com previsão no art. 30, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, visa a tornar obrigatório o cumprimento das informações expostas na mensagem publicitária, assim como se fosse uma oferta, tratando-se verdadeiramente de uma fase pré-contratual, subordinando a oferta publicitária ao simples aceite do consumidor para se tornar um contrato completo. Nesse sentido dispõe a professora Claudia Lima Marques:

“Assim, aceita a proposta feita através da publicidade, o conteúdo da publicidade passará a integrar o contrato firmado com o consumidor, como se fosse uma cláusula extra, não escrita, mas cujo cumprimento poderá ser exigido, mesmo de maneira litigiosa frente ao Judiciário.”(MARQUES, 1995, p. 224)

2.1.5 Princípio da transparência da fundamentação da publicidade

O princípio da transparência da fundamentação consiste na obrigação de o fornecedor manter em seu poder todas as informações relativas às publicidades por ele realizadas, abrangendo tais informações dados técnicos, fáticos e científicos.

Tal princípio encontra previsão no art. 36, parágrafo único, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, e visa assegurar a preservação das informações que digam respeito à publicidade, bem como garantir que o consumidor tenha acesso a tais dados, ou garantir, através da inversão do ônus probatório (art. 38, do CDC), que o consumidor não seja lesado ante a falta de acesso às informações que devem estar em poder do fornecedor.

2.1.6 Princípio da correção do desvio publicitário

Tal princípio pode ser entendido como uma ramificação do princípio da reparação integral dos danos causados ao consumidor, vez que visa corrigir a publicidade que fora veicula com abuso ou enganosidade.

Assim, o princípio da correção do desvio publicitário visa garantir que a publicidade danosa não mais continue a ser veiculada, bem como é através desse princípio que se permite a realização de contrapropaganda, medida esta que será estudada em capítulo posterior.

2.1.7 Princípio da boa-fé objetiva

Trata-se de princípio não específico da publicidade, contudo é princípio norteador de todo o sistema do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, por isso sua breve abordagem se faz necessária.

Segundo o professor Rizzatto Nunes:

“Quando se fala em boa-fé objetiva, pensa-se em comportamento fiel, leal, a atuação de cada uma das partes contratantes a fim de garantir respeito à outra. É um princípio que visa garantir a ação sem abuso, sem obstrução, sem causar lesão a ninguém, cooperando sempre para atingir o fim colimado no contrato, realizando os interesses das partes.”(NUNES, 2009, p. 132)

Assim, diz-se que é objetiva a boa-fé quando analisada em relação ao que normalmente se espera de determinada relação jurídica, não se podendo analisar para sua caracterização o que ocorre em foro íntimo de cada uma das partes.

Dessa forma, não há que se confundir a boa-fé objetiva com a subjetiva, sendo aquele o princípio norteador de todo o sistema do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, devendo ser observado para toda a relação consumerista, seja ela publicitária ou não.

3 Publicidade: tutela do Código de Proteção e Defesa do Consumidor

3.1 Introdução

O Código de Proteção e Defesa do Consumidor optou por tratar apenas da matéria referente à publicidade, sendo a propaganda tutelada por outros diplomas, visto que, conforme exposto, apenas a publicidade, por seus fins comerciais, mantém relação estrita com o que protege o referido Diploma Legal.

Assim, neste capítulo serão abordados diversos aspectos a respeito da publicidade sempre sob a ótica do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, dentre eles as formas de publicidade, os responsáveis pelos danos, bem como os objetos jurídicos tutelados.

3.2 Formas de publicidade

3.2.1 Publicidade enganosa

A publicidade enganosa é proibida pelo sistema do Direito do Consumidor, com previsão expressa no art. 37, caput, e §1º, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que dispõe, in verbis:

“Art. 37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§1º É enganosa qualquer modalidade de informação ou comunicação de caráter publicitário, inteira ou parcialmente falsa, ou, por qualquer outro modo, mesmo por omissão, capaz de induzir em erro o consumidor a respeito da natureza, características, qualidade, quantidade, propriedades, origem, preço, e quaisquer outros dados sobre produtos e serviços” (grifo nosso)

Pela leitura do artigo percebe-se que o legislador, ao se preocupar com a definição de publicidade enganosa no próprio texto legal, o fez com a inserção de um rol exemplificativo de erros aos quais pode o consumidor ser induzido pela mencionada forma de publicidade.

A enganosidade, conforme exposto pelo próprio artigo, pode se dar de forma comissiva, ou seja, por ação direta na campanha, ou omissiva, quando se apresenta pela ausência de informação essencial a respeito do produto ou serviço.

A publicidade enganosa por omissão tem seu conceito estabelecido também pelo Código, com dispositivo específico no mesmo art. 37, em seu §3º, que dispõe: “para os efeitos deste Código, a publicidade é enganosa por omissão quando deixar de informar sobre dado essencial do produto ou serviço”.

Ainda, há que se ressaltar que para a concretização da publicidade como enganosa, desnecessária se faz a análise do elemento subjetivo do fornecedor, ou daquele que a vincula a mencionada publicidade, posto tratar-se de responsabilidade objetiva. Nesse sentido:

“Para que tais publicidades sejam consideradas abusivas ou enganosas não é necessária a vontade específica dolosa ou que a aproximação entre fornecedor e consumidor tenha sido com o intuito direto de vender, de comerciar, de concluir contratos – basta a atividade. Basta a atividade de publicidade, como determinação soberana e profissional do fornecedor e sob o risco profissional deste, em caso de falha, erro, ou culpa de terceiro da cadeia organizada ou contratada por ele próprio de fonecedores-auxiliares.”(MARQUES, 2006, p. 538)

Por fim, conclui-se que, essencialmente, publicidade enganosa é toda aquela que por ação ou omissão induzir o consumidor a erro sobre dados essenciais do produto ou serviço. Trata-se de publicidade terminantemente repudiada pelo sistema consumerista.

3.2.2 Publicidade abusiva

Assim como a publicidade enganosa, o legislador optou por conceituar a publicidade abusiva no texto legal, mais precisamente no art. 37, §2º, do CDC, que dispõe:

“Art.37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”(grifo nosso)

Assim como ocorre com a publicidade enganosa, ao inserir a expressão “dentre outras” no texto legal, o legislador tornou o conceito aberto, seguido de um rol exemplificativo de situações que são tidas como publicidade abusiva.

Do texto legal depreende-se que publicidade abusiva é toda aquela que se aproveite da vulnerabilidade do consumidor, ou que viole valores sociais e morais do mesmo.

Assim, ensina o mestre Eduardo Gabriel Saad (1999, p. 353) que “é abusiva a publicidade que se realiza com fins contrários à ordem pública, ao direito, à moral”. Assim, uma vez que a publicidade seja ofensiva à ordem social e à sociedade, torna-se abusiva, ferindo o interesse coletivo. Completa ainda o mestre em brilhante comparativo entre a publicidade abusiva e o abuso de direito:

“À semelhança do que ocorre com o abuso de direito, a publicidade abusiva aparentemente obedece aos cânones tradicionais da comunicação social, mas, em verdade, é prejudicial aos interesses do consumidor e do meio social em que se insere.”(SAAD, 1999, p. 353)

Dessa forma, a publicidade abusiva equipara-se ao abuso de direito, visto que se veste de um manto de falsa legitimidade para violar direitos dos consumidores e da sociedade ao extrapolar os limites estabelecidos pela lei.

Ainda, há que se esclarecer que os conceitos de publicidade enganosa e abusiva não se confundem, podendo uma publicidade ser perfeitamente honesta no que se refere à sua veracidade, e ainda sim ser ofensiva a qualquer valor social, ou moral.

3.2.3 Publicidade comparativa

Grande discussão paira sofre a legitimidade da publicidade comparativa. Inúmeros países europeus a proíbem terminantemente, enquanto outros países, como os Estados Unidos a permitem em larga escala.

No Brasil, o sistema consumerista em nada se opõe a tal prática, não podendo a mesma ser enquadrada como abusiva. Contudo, há que se ressaltar que não pode a comparação ser estabelecida de maneira irrestrita, devendo obedecer ao sistema, sob pena de extrapolar a legitimidade que o sistema lhe oferta e recair em abuso. De maneira brilhante, o professor Rizzatto Nunes sintetizou em sua obra sete regras básicas a serem seguidas para que se possa classificar a publicidade comparativa como legítima:

“a) O fim da comparação deve ser o esclarecimento e/ou a defesa do consumidor (art. 32, a);

b) A comparação deve ser feita de forma objetiva, evitando o uso de alusões de caráter subjetivo, e deve ser passível de comprovação (art. 32, b e c);

c) Os modelos a serem comparados devem ter sido produzidos no mesmo ano. A comparação entre modelos de épocas diferentes só é possível se se pretender demonstrar evolução, que deve ficar claramente caracterizada (art. 32, d);

d) Não se pode estabelecer confusão entre produtos, serviços e marcas concorrentes (art. 32, e);

e) Não se pode caracterizar concorrência desleal nem denegrir a imagem do produto, serviço ou marca concorrente (art. 32, f);

f) Não se pode utilizar injustificadamente a imagem corporativa ou o prestígio de terceiros (art. 32, g);

g) Se se tratar de comparação entre produto ou serviço cujo preço seja de desigual nível, tal circunstância deve ser claramente indicada (art. 32, h).”(NUNES, 2009, p. 462)

Por derradeiro, não há razão para a proibição da publicidade comparativa, visto que a mesma, se realizada corretamente, conforme as regras expostas pelo professor Rizzatto Nunes, não traz qualquer prejuízo ao consumidor, ao contrário, traz informações que podem ajudá-lo a decidir pelo produto ou serviço que melhor satisfaça suas necessidades.

3.2.4 Publicidade subliminar

Publicidade subliminar é aquela que se faz de maneira oculta, atingindo o subconsciente do interlocutor.

Trata-se, conforme exposto anteriormente quando do estudo do princípio da identificação da publicidade, de publicidade proibida, visto que expõe o consumidor a condição de fraqueza, abordando-o de forma a torná-lo mais sugestionável, limitando, assim, sua liberdade de escolha.

3.2.5 Merchandising

O merchandising é uma forma de publicidade bastante cercada pela controvérsia da doutrina a cerca de sua legitimidade.

Tal prática consiste na inserção de publicidade no decorrer de outro evento, seja um vídeo, áudio, ou qualquer outro evento que não seja a publicidade em si. Tal prática, a rigor, seria camuflada, apresentando o produto ou serviço em seu uso normal, sem menção direta à publicidade.

A doutrina se apresenta unânime ao duvidar da perfeita legitimidade deste tipo de publicidade, visto que a mesma, se realizada irrestritamente assemelhar-se-ia à mensagem subliminar, que, por ser oculta, é proibida pelo sistema consumerista.

Para tal, alguns doutrinadores propõem que, embora não haja vedação direta a tal prática, a mesma, indiretamente, é limitada pelo Código de Defesa do Consumidor e pelo princípio da identificação da publicidade, para tal, propõe-se:

“A utilização de ‘créditos’, ou seja, a veiculação antecipada de uma informação comunicando que, naquele programa, peça ou filme, ocorrerá merchandising de tais e tais produtos ou serviços. […] Esta tem por ratio evitar a identificação a posteriori.” (GRINOVER, 2007, p.333)

 Enfatize-se que a veiculação de créditos deve ser antecipada, posto que o consumidor, segundo o princípio da identificação da publicidade, deve saber que está, ou, no caso, que será alvo de publicidade, para que seja possível identificá-la, descaracterizando-se a mesma como mensagem subliminar, e, portanto, tornando-se legítima.

3.2.6 Teaser

O teaser consiste na prática de fragmentar a mensagem publicitária a fim de aumentar a expectativa do consumidor, publicando uma espécie de publicidade da publicidade.

É técnica permitida pela norma reguladora (Código Brasileiro de Auto-regulamentação Publicitária), mas que se aproxima da situação do merchandising, afastando-se dessa forma de publicidade apenas porque “o teaser nada mais é que uma parte da mensagem publicitária […] e o que o Código exige é que esta e não seu fragmento seja identificável facilmente”(GRINOVER, 2007, p.333, grifo nosso), o que o torna perfeitamente legítimo, afastando o caráter de mensagem oculta.

3.2.7 Puffing

O puffing, também conhecido como o exagero publicitário, é técnica de publicidade que se baseia na prestação de informações de forma extravagante para convencer o consumidor a adquirir determinado produto ou serviço.

A prática de tal forma de publicidade é bastante mitigada, pois o exagero, via de regra, não é admitido, pois abusivo ou enganoso. Contudo, se a mensagem de exagero for relativa a fato impossível de medição, ou absurdo, não há que se falar em abusividade ou enganosidade da publicidade.

Assim, o uso de puffing deve ser limitado à medida que não induz o consumidor a erro, ou o provoca a adquirir o que não deseja por ser a publicidade exagerada e abusiva. Dessa forma, apenas quando o exagero é de simples constatação, bem como tem caráter inofensivo, há a legitimidade de seu uso.

3.3 Objeto jurídico tutelado

3.3.1 Objeto Jurídico

A questão envolvendo o objeto jurídico que é tutelado e protegido pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor é bastante difícil de ser delimitada quando se analisa a questão da publicidade.

Embora, a priori, em caso de publicidade enganosa seja simples afirmar que o objeto jurídico é o direito à informação, previsto no próprio CDC, quando da análise das demais formas de publicidade, como por exemplo a abusiva, percebe-se que o objeto jurídico tutelado é deveras amplo e ilimitado.

Assim, prevê o Código de Defesa do Consumidor:

“Art. 6º. São direitos básicos do consumidor:[…]

[…] III – a informação adequada e clara sobre os diferentes produtos e serviços, com especificação correta de quantidade, características, composição, qualidade e preços, bem como sobre os riscos que apresentem;[…]”

Uma vez previsto o direito do consumidor de ser informado corretamente, percebe-se com clareza que a tutela prevista na primeira parte do inciso seguinte do mesmo art. 6º (IV – a proteção contra publicidade enganosa e abusiva[…]) vem como decorrência lógica daquele princípio, sendo, portanto, um dos objetos jurídicos tutelados.

Dessa forma, o direito do consumidor de ser informado de maneira completa e adequada é que se protege ao proibir a publicidade enganosa, a subliminar, o merchandising inadvertido (entendendo por este aquele realizado sem limites), ou até mesmo o puffing, conforme exposto em subitem anterior.

Por outro lado, quando da análise da proteção conferida pelo Código contra a publicidade abusiva, deflui da análise do texto legal que o objeto jurídico faz-se extremamente amplo, a saber:

“Art.37. É proibida toda publicidade enganosa ou abusiva.

§2º É abusiva, dentre outras, a publicidade discriminatória de qualquer natureza, a que incite à violência, explore o medo ou a superstição, se aproveite da deficiência de julgamento e experiência da criança, desrespeite valores ambientais, ou que seja capaz de induzir o consumidor a se comportar de forma prejudicial ou perigosa à sua saúde ou segurança.”

O legislador enumerou diversos objetos jurídicos, dentre eles a moral, o meio ambiente, a saúde, segurança, a liberdade de escolha do consumidor, entre outros. Dessa forma, ao incluir no texto legal a expressão entre outros, o legislador tornou ilimitado o objeto jurídico tutelado.

Diante de tal escolha legislativa, que, data venia, é totalmente adequada, visto que os ideais do Código como um todo são sempre voltados à proteção máxima do consumidor, o que seria impossível diante de um rol taxativo, há que se expor, sinteticamente, que o objeto jurídico tutelado na relação de proteção do consumidor contra a publicidade abusiva é todo aquele compreendido nos valores sociais, morais, filosóficos e econômicos presentes na sociedade.

Em resumo, como objeto jurídico da tutela do Código de Proteção e Defesa do Consumidor no que concerne à publicidade, entende-se que é o direito à informação aliado a todo e qualquer direito da sociedade que se apresente lesado por publicidade abusiva.

3.3.2 Titular dos direitos tutelados

Sem sombra de dúvida o titular dos direitos tutelados, e, consequentemente, o titular de toda a proteção conferida pelo Código é o consumidor. Por consumidor, devemos assumir o conceito legal fornecido pelo artigo 2º do CDC, in verbis:

“Art. 2º. Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.

Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo.”

Ainda, completa o art. 3º, §§ 1º e 2º:

“Art. 3º. […]

§1º Produto é qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial.

§2º Serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações trabalhistas.”

Dessa forma, pela análise conjunta dos dispositivos legais mencionados, percebe-se que, em se tratando de tutela da publicidade, consumidor é toda pessoa física ou jurídica individualmente, ou a coletividade dessas pessoas, ainda que indeterminável, que intervém na relação de consumo, sendo alvo (interlocutor) direto ou indireto do serviço publicitário.

Diante do conceito, percebe-se que a publicidade atinge a todos que podem ser classificados como consumidores dentro da sua área de exposição, não necessitando, exatamente, determinar quem foi exposto à lesão e quem não foi, vindo da lei a necessidade de reparar a lesão indistintamente.

Assim, pode se entender que o titular dos direitos tutelados é todo aquele que se caracteriza como consumidor, podendo ser uma única pessoa, agindo individualmente, ou uma coletividade de forma difusa, ou até mesmo em conjunto.

3.4 Responsáveis pelo dano

A responsabilidade pela publicidade exposta ao consumidor é de todos aqueles que concorrem para a sua apresentação, conforme dispõe expressamente o Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária, em seu art. 3º, in verbis: “Todo anúncio deve ter presente a responsabilidade do Anunciante, da Agência de Publicidade e do Veículo de Divulgação junto ao Consumidor.”

Trata-se de responsabilidade solidária entre todos aqueles que participam da publicidade, vez que o próprio Código Brasileiro de Autorregulamentação Publicitária prevê em seu artigo 45 essa igualdade entre os responsáveis, e em análise conjunta com o sistema do Código de Defesa do Consumidor, conforme exposto no artigo 7º deste último diploma, percebe-se que todos, pela referida equiparação, concorrem diretamente para a publicidade e são, consequentemente, responsáveis solidários.

Contudo, em relação à culpabilidade dos fornecedores (anunciantes), e dos demais envolvidos, há divergência doutrinária, conforme será analisado em cada um dos casos, a seguir.

3.4.1 Fornecedor principal ou anunciante

O fornecedor principal é aquele que deseja promover seu produto ou serviço através da publicidade. Trata-se do contratante, grosso modo, de todo o serviço de criação e veiculação da publicidade.

O fornecedor tem, evidentemente, responsabilidade não apenas pelo cumprimento da proposta publicitária perante seus consumidores, como também frente aos danos causados por publicidades enganosas ou abusivas.

Tal responsabilidade, unanimemente pela doutrina, é responsabilidade objetiva, ou seja, independe de dolo ou culpa, conforme é a regra geral adotada pelo Código de Proteção e Defesa do Consumidor, nos temos do que prevê o seu artigo 12.

A objetividade é indiscutível, visto que o fornecedor é aquele que detém todas as informações referentes ao seu produto e consequente publicidade, sendo assim, presumidamente responsável pelos danos que vier a causar. Neste sentido:

“O anunciante, como já dito, é responsabilizado, no plano cível, objetivamente pela publicidade enganosa e abusiva, assim como pelo cumprimento do princípio da vinculação da mensagem publicitária.” (GRINOVER, 2007, p.367)

3.4.2 Agência de publicidade

A agência de publicidade é aquela que elabora a mensagem publicitária, seja através de imagens, sons, ou qualquer outro recurso. A agência é a responsável pela criação publicitária.

A participação das agências começa com a contratação de seus serviços pelo fornecedor, sendo, de certa forma, o responsável mais próximo a este último.

A doutrina diverge quanto à natureza da responsabilidade deste sujeito, existindo duas teorias, sendo uma majoritária, abordada por Rizzatto Nunes, em que a mencionada responsabilidade é objetiva e solidária entre fornecedor e agência, devendo, inclusive, as eventuais cláusulas contratuais de limitação de responsabilidade celebradas entre eles ter eficácia apenas na relação interna, em nada afetando a relação com o consumidor:

“A agência, como produtora do anúncio, responde solidariamente com o anunciante, independentemente do tipo de contrato que com ele tenha estabelecido, da mesma maneira como na publicidade enganosa.

Suponhamos que no contrato de prestação de serviços firmado entre o anunciante e a agência exista cláusula contratual que disponha que, uma vez aprovado o anúncio pelo fornecedor, corre por conta dele o risco de causar dano. Essa cláusula terá validade apenas perante eles, não afetando a garantia legal conferida às pessoas atingidas pela publicidade. Havendo dano, a pessoa lesada pode acionar um dos dois ou ambos simultaneamente (já que são solidários), e, depois que eles pagarem a indenização pelos danos, acertarão entre si os gastos, com base naquela cláusula contratual.”(NUNES, 2009, p. 524-525)

A outra teoria, minoritária, mas não menos importante e não menos utilizada, defende que a responsabilidade da agência é solidária com o fornecedor, porém, limitada, o que quer dizer que não é responsabilidade objetiva, e sim subjetiva, sendo necessário que para a responsabilização da agência, esta deva ter concorrido para o dano com dolo ou culpa. Neste sentido:

“Não se exclui, porém, considerando-se a regra geral da solidariedade adotada pelo CDC, a responsabilidade da agência e do próprio veículo. Para esses agentes do fenômeno publicitário, adotamos, como veremos em seguida, a tese da responsabilidade solidária limitada. […]

Já a agência e o veículo só são co-responsáveis quando agirem dolosa ou culposamente, mesmo em sede civil. […]”(GRINOVER, 2007, p. 367)

Contudo, a segunda corrente doutrinária contraria, data venia, o que seria o espírito (art. 14) do Código de Autorregulamentação Publicitária, pois, com base no disposto no caput do art. 45, a e b, do mesmo diploma, percebemos que apenas foi ressalvada a responsabilidade do veículo de comunicação, ficando equiparados, para todos os efeitos, a agência e o fornecedor, in verbis:

“Artigo 45 A responsabilidade pela observância das normas de conduta estabelecidas neste Código cabe ao Anunciante e a sua Agência, bem como ao Veículo, ressalvadas no caso deste último as circunstâncias específicas que serão abordadas mais adiante, neste Artigo:

a. o Anunciante assumirá responsabilidade total por sua publicidade;
b. a Agência deve ter o máximo cuidado na elaboração do anúncio, de modo a habilitar o Cliente Anunciante a cumprir sua responsabilidade, com ele respondendo solidariamente pela obediência aos preceitos deste Código; […]”
(grifo nosso)

Ainda que se socorra da razoabilidade a teoria sustentada pela segunda corrente a cerca da responsabilidade da agência de publicidade, visto que seria teoricamente errôneo exigir que a agência deva exercer controle das informações apresentadas pelo fornecedor para a elaboração da publicidade, mas a intenção maior do Código de Defesa do Consumidor é proteger o destinatário final da publicidade, que, por sua vez, não tem meios de verificar a idoneidade das informações apresentadas, até ser exposto às mesmas.

Dessa forma, a agência tem o papel, como participante da cadeia publicitária, de fiscalizar as informações apresentadas, e se não o faz, deve responder, independentemente de culpa (lato sensu), pelos danos que forem causados, respondendo, assim, de forma solidária e ilimitada, ou seja, sem discussão de culpa.

3.4.3 Veículo de comunicação

Veículo de comunicação é o sujeito presente na cadeia do evento publicitário responsável pela apresentação ou divulgação da publicidade ao consumidor. Pode-se dizer que o veículo é o meio pelo qual o fornecedor leva a publicidade elaborada pela agência ao conhecimento do consumidor.

Em relação à responsabilidade do veículo de comunicação, são bastante claras a lei e a doutrina ao convergir na responsabilidade solidária (art. 45, caput do Código de Autorregulamentação Publicitária). Contudo, a responsabilidade do veículo apresenta a mesma discussão quanto a sua objetividade, assim como as agências de publicidade.

É razoável, para a mesma discussão, contudo agora em relação ao veículo, que permaneça a mesma posição nesta pesquisa, visto que pelos mesmos motivos, o veículo também deve exercer controle do que veicula, devendo responder objetivamente se veicular publicidade danosa.

Entretanto, a própria lei faz ressalvas quanto às causas que excluem a responsabilidade do veículo de comunicação, apresentando-se no art. 45 do Código de Autorregulamentação Publicitária, in verbis:

“Artigo 45 – A responsabilidade pela observância das normas de conduta estabelecidas neste Código cabe ao Anunciante e a sua Agência, bem como ao Veículo, ressalvadas no caso deste último as circunstâncias específicas que serão abordadas mais adiante, neste Artigo:

c. este Código recomenda aos Veículos que, como medida preventiva, estabeleçam um sistema de controle na recepção de anúncios.

Poderá o veículo:

c.1) recusar o anúncio, independentemente de decisão do Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR, quando entender que o seu conteúdo fere, flagrantemente, princípios deste Código, devendo, nesta hipótese, comunicar sua decisão ao Conselho Superior do CONAR que, se for o caso, determinará a instauração de processo ético;

c.2) recusar anúncio que fira a sua linha editorial, jornalística ou de programação;

c.3) recusar anúncio sem identificação do patrocinador, salvo o caso de campanha que se enquadre no parágrafo único do Artigo 9º ("teaser");

c.4) recusar anúncio de polêmica ou denúncia sem expressa autorização de fonte conhecida que responda pela autoria da peça;

d. o controle na recepção de anúncios, preconizado na letra "c" deste artigo, deverá adotar maiores precauções em relação à peça apresentada sem a intermediação de Agência, que por ignorância ou má-fé do Anunciante, poderá transgredir princípios deste Código;

e. a responsabilidade do Veículo será equiparada à do Anunciante sempre que a veiculação do anúncio contrariar os termos de recomendação que lhe tenha sido comunicada oficialmente pelo Conselho Nacional de Autorregulamentação Publicitária – CONAR.”

Dessa forma, percebe-se que o veículo responde solidariamente e objetivamente sempre que, no exercício de seu dever fiscalizador, não recusar publicidade que seja danosa.

Assim, por enumerar causas em que a recusa da veiculação da publicidade é permitida e recomendada ao veículo, o legislador instituiu o dever de exercer o controle da publicidade por este sujeito, ficando assim em total consonância com o sistema previsto no Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que visa sempre a maior e mais efetiva prevenção de danos contra o consumidor.

Dessa forma, o veículo, assim como a agência publicitária tem o dever de fiscalizar a danosidade de eventual publicidade, devendo o veículo recusar tais publicidades, pois, não o fazendo, responderá solidária e objetivamente por quaisquer danos decorrentes da publicidade.

3.4.4 Celebridade

Celebridade é toda pessoa de grande notoriedade, amplamente conhecida por seus feitos, sejam eles artísticos, ou de qualquer outra natureza.

Esses sujeitos são amplamente utilizados nas campanhas publicitárias para a promoção de produtos e serviços, diante de seu caráter de confiabilidade. A celebridade transmite ao consumidor a mensagem de que determinado produto é de boa qualidade e de satisfação garantida.

A imagem da celebridade é utilizada em diversas publicidades, vinculando-se a atividade da mesma a determinado produto, como, por exemplo, um velocista que anuncia determinado calçado. Tal fato ocorre para que o consumidor busque um espelho para a aquisição ou contratação de certo produto ou serviço, visto que ao fazê-lo, muitas vezes o faz para ser como a celebridade admirada.

A grande doutrina, estranhamente, ignora o assunto, não apresentando teses sobre a espécie de responsabilidade, ou, sequer, se a celebridade se vincula a publicidade e por ela responde.

Contudo, é notável que as celebridades exercem forte influência sobre o consumidor, levando-o, muitas vezes, a escolher determinado produto ou serviço, em detrimento de seus competidores, em razão da recomendação da celebridade a cerca de certo fornecedor. Neste sentido:

“Sem dúvida, há algumas pessoas que exercem grande influência sobre as outras, criando modas e costumes. Essas pessoas, quando apresentam produtos ou serviços em comerciais, pelas características que possuem, fazem com que o consumidor acredite em sua opinião. Imaginemos a figura da Xuxa: quantos consumidores, ‘baixinhos’ ou não, teriam a tendência de adquirir um produto por ela aprovado ou recomendado, como, por exemplo, uma sandália, um creme contra celulite ou um equipamento de ginástica?” (GUIMARÃES, apud, OLIVEIRA, 2010)

Dessa forma, é evidente a qualidade da celebridade como garante do produto ou serviço que anuncia, conforme leciona Paulo Jorge Scartezzini Guimarães (apud OLIVEIRA, 2010), assim, responde a celebridade como qualquer um dos outros responsáveis. Assim:

“A celebridade deve ser vista pelo Direito como sendo mais uma integrante da cadeia de consumo, figurando ao lado de todos os outros agentes, inclusive o consumidor, devendo, portanto, serem a ela aplicadas todas as diretrizes do Código de Defesa do Consumidor, principalmente no tocante a responsabilidade em caso de danos aos consumidores.” (GUIMARÃES, apud, OLIVEIRA, 2010)

Dessa forma, percebe-se que é evidente a responsabilidade da celebridade quanto à mensagem publicitária que transmite, pois tem a mesma o dever se fornecê-la corretamente e de forma fiel ao consumidor, que, vulnerável, tenderá a confiar na figura de seus ídolos.

Contudo, discute-se se tal responsabilidade será objetiva ou subjetiva, vez que a celebridade não elabora diretamente o texto publicitário, nem participa da fabricação do produto ou prestação do serviço, contribuindo apenas com sua imagem.

Nesse ponto, há que se traçar um paradigma entre a responsabilidade da celebridade e a do veículo de comunicação, que, igualmente, apenas transmite a mensagem publicitária, não contribuindo para sua criação ou para o desenvolvimento do produto ou serviço.

Para o veículo, aplica-se a regra da responsabilidade solidária e objetiva com as ressalvas em que pode e deve o veículo se recusar a transmitir a publicidade, assim presumindo seu dever e possibilidade de fiscalização sobre o que será exposto ao consumidor.

Contudo, parece demais exigir que a celebridade, como pessoa física, individualmente seja capaz de distinguir e testar todos os produtos que anuncia, embora sua influência seja indiscutível. Dessa forma, seria pouco razoável responsabilizar a celebridade objetivamente quando apenas anuncia determinado produto sobre o qual não possui conhecimento técnico para avaliá-lo.

 Assim, em um primeiro momento, pode-se afirmar que a responsabilidade da celebridade que transmite determinada mensagem publicitária existe se concorrer ao dano por dolo ou culpa. Então, haverá responsabilidade se a celebridade souber ou deva saber, conforme o que seria razoavelmente perceptível pela mesma, observando inclusive seu nível técnico de conhecimento, que a mensagem a ser transmitida é danosa ao consumidor, ou que o produto anuncia não possui as características que se informa na publicidade.

Em contrapartida, se a celebridade garantir determinado produto ou serviço de forma expressa, como, por exemplo, pelo uso de expressões como “eu garanto”, “desse produto eu assino em baixo”, “em determinado produto eu confio”, estará assumindo o risco da informação que transmite, respondendo, assim, objetivamente pelo dano, visto que se incluiu diretamente na cadeia de responsabilidade, ratificando todas as informações com uma espécie de aval.

Em resumo, a celebridade, como tem a evidente capacidade de influenciar o consumidor e dar credibilidade a determinado produto ou serviço, vincula-se à publicidade, e por ela responde solidariamente com os demais integrantes da cadeia publicitária, de forma subjetiva, via de regra, sempre que não garantir expressamente as informações que fornece, ocasião em que ficará objetivamente responsável pela publicidade danosa.

3.5 Sanções

3.5.1 Considerações gerais

Uma vez veiculada publicidade danosa, seja ela abusiva, enganosa, ou de qualquer outra espécie, é possível ao consumidor buscar a reparação dos danos causados, bem como a inúmeros órgãos fiscalizadores estabelecer sanções aqueles responsáveis.

Em relação às sanções não há que se falar em reparação de danos, visto que a primeira modalidade tem caráter exclusivamente punitivo, vez que a segunda tem natureza reparatória. Assim, quanto à reparação de danos, não haverá abordagem específica nesta pesquisa, visto que a mesma segue o rito normal para seu processamento e não possui nuanças específicas como as sanções.

3.5.2 Multa

A multa é pena administrativa imposta aquele responsável pela publicidade danosa. Tem caráter puramente punitivo e visa coibir futuras práticas publicitárias lesivas.

Tal sanção é imposta, via de regra, por órgãos alheios ao Poder Judiciário, como por exemplo o PROCON, que é fundação de Direito Público a qual exerce função fiscalizadora defendendo os interesses do consumidor, como se pode depreender do entendimento jurisprudencial pátrio:

“MANDADO DE SEGURANÇA – IMPOSIÇÃO DE MULTA PELA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA – DIREITO LÍQUIDO E CERTO. O Estado, via de seu órgão competente (PROCON), detém atribuição legal para imposição de multas decorrentes da infração das regras consumeristas. Para que se coíba eventual ilegalidade da sanção via mandado de segurança, mister se faz que o direito líquido e certo exsurja límpido e inquestionável, sem sombra de dúvida, devendo o impetrante, em caso contrário, valer-se das vias ordinárias. Segurança denegada (TJGO – MS95864-101 – rel. Des. Sandra Regina Teodoro Reis – DJU 06.01.2003)” (MARQUES, 2006, p.863)

É evidente que o Poder Judiciário também pode impor a pena de multa aquele responsável por dano causado por publicidade, vez que é o órgão público responsável pelo exercício da jurisdição nacional. As multas impostas pelo Poder Judiciário tem, igualmente, caráter punitivo, e são pleiteadas através de ações coletivas. Há, também, o caráter coercitivo de algumas multas impostas pelo Poder Judiciário, como, por exemplo, as multas diárias, ou astreintes, que tem o desiderato único de fazer cessar abuso ou lesão, ou forçar a reparação de dano.

A multa, via de regra, não é pena imposta em primeira infração, e sim pelo descumprimento reiterado de outra penalidade, ou reincidência sobre infração. Dessa forma, a pena de multa é pena complementar, sempre acompanhando outra decisão, seja uma advertência, seja uma obrigação de fazer em retirar a publicidade da veiculação, ou qualquer outra pena principal.

3.5.3 Advertência

A pena de advertência consiste em um aviso ao responsável para que este corrija sua conduta. Consiste em um aviso sem qualquer outro encargo, sujeitando ao bom senso do responsável a sua observância.

A advertência é utilizada para uma primeira conduta irregular, a título prévio, ou seja, aplicada antes e para evitar pena mais grave, como, por exemplo, a multa.

Essa pena é a menos gravosa de todas, consistindo, em essência, em uma notificação, ao invés de uma sanção propriamente dita. A advertência é tratada na seção que pertine às sanções, pois macula o responsável, tornando evidente sua conduta irregular, que, se não for revista espontaneamente, será objeto de sanção mais gravosa.

3.5.4 Remoção ou sustação da publicidade

A remoção ou sustação da publicidade é pena imposta com o objetivo de que a publicidade danosa seja retirada de circulação para evitar que continue a causar prejuízo ao consumidor.

Tal penalidade pode ser imposta tanto pelos órgãos extrajudiciais responsáveis, como o CONAR, bem como pelo Poder Judiciário. A remoção ou sustação de publicidade é a sanção mais aplicada, visto que deve ser medida primeira para a cessação dos danos causados, pois em nada adiantaria reparar o dano se o mesmo nunca cessasse.

Ainda, há que se ressaltar que o Poder Judiciário, quando provocado, pode impedir que a publicidade seja apresentada ao público, posto que se tem o poder para fazer cessar o dano, é lógico que possa também impedir que o mesmo seja causado. Neste sentido:

“Pode, também, o Judiciário impedir a publicação e/ou transmissão do anúncio, não só porque tal ato decorre da lógica da garantia dos direitos (se pode suprimir, pode impedir para prevenir), como está expressamente previsto na Lei nº 8.078 (inciso VI do art. 6º).” (NUNES, 2009, p.508)

O CONAR amplamente aplica a pena de sustação de publicidade, sendo, por vezes acompanhada de advertência, e, em raríssimos casos de multa, como se pode perceber na decisão:

MSC Cruzeiros do Brasil – Memorável – Sublime – Cinematográfico

Representação nº 225/09

Autor: Conar, a partir de queixa do consumidor

Anunciante e agência: MSC Cruzeiros do Brasil e Euro RSCG

Relator: Conselheiro Luiz Celso de Piratininga Jr.

Primeira Câmara

Decisão: Sustação

Fundamento: Artigos 1º, 3º, 27, parágrafos 1º, 2º, 3º, e 50, letras “a” e “c” do Código

O alvo da representação é o anúncio veiculado em jornal pela MSC Cruzeiros do Brasil. Segundo denúncia de consumidor de São Paulo, a referida mensagem traz a oferta de uma viagem de cruzeiro marítimo no valor de R$ 2.527,66. Porém, ao dirigir-se às agências de viagem indicadas, obteve a informação de que todas as cabines duplas da categoria ofertada estavam esgotadas, mas que haveria outras disponíveis. O valor, porém, seria o dobro ou o triplo do anunciado. Relata o consumidor que, apesar desta informação, o anúncio continuou sendo veiculado pela empresa, o que resultou na constatação de que pode tratar-se de um chamariz para atrair clientes e direcioná-los para outros produtos.

O anunciante defendeu-se da acusação, alegando que a oferta é verdadeira e que, na época da denúncia, havia inclusive disponibilidade para a aquisição das cabines que fazem parte da promoção.

Para o relator, é legítima a indignação do consumidor. No seu entender, a publicidade em questão foi empregada como meio de ‘fisgar’ o consumidor e gerar consulta para a obtenção do referido pacote promocional.

O voto pela sustação do anúncio e pela pena de advertência ao anunciante foi acatado pela maioria dos conselheiros reunidos na Primeira Câmara. A MSC Cruzeiros do Brasil e Euro RSCG estão recorrendo da decisão.” (grifo nosso)

3.5.5 Contrapropaganda

A contrapropaganda é a pena mais grave que pode ser imposta pelo Poder Judiciário, com fundamento no art. 56, XII, do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, que dispõe, in verbis:

“As infrações das normas de defesa do consumidor ficam sujeitas, conforme o caso, às seguintes sanções administrativas, sem prejuízo das de natureza civil, penal e das definidas em normas específica: […]

XII – imposição de contrapropaganda.”

Essa sanção vem sempre precedida, por óbvio, pela sustação ou remoção de publicidade, posto que não há razão em realizá-la se a publicidade danosa continua a causar seus efeitos.

A contrapropaganda, que, formalmente deveria receber a nomenclatura de contrapublicidade, é aplicada com o intuito de reparar parcialmente o dano já causado. É evidente que o consumidor lesado não será integralmente reparado, pois, conforme expõe o professor Rizzatto Nunes (2009, p.508-509), vez que já foi exposto ao evento danoso, e a exposição não pode ser retirada de sua memória, contudo, todas as informações podem ser revistas através desta espécie de sanção.

Em brilhante lição, Antônio Herman de Vasconcellos e Benjamin sintetiza a funcionalidade da contrapropaganda, in verbis:

“Sempre as expensas do infrator, efetua-se como divulgação no mesmo veículo de comunicação utilizado e com as mesmas características empregadas, no que se refere à duração, espaço, local e horário. Vem expressamente prevista no Código. Seu objetivo é fulminar a força persuasiva da publicidade enganosa ou abusiva, mesmo após a cessação de sua veiculação.” (GRINOVER, 2007, p.368)

Assim, percebe-se que a contrapropaganda é obrigatória e, uma vez imposta, deve objetivar reparar o dano causado por publicidade enganosa ou abusiva, pelos mesmo meios que tal publicidade danosa foi realizada, a fim de atingir o mesmo público.

Considerações finais

A pesquisa aborda os diversos aspectos da publicidade no sistema de proteção dos direitos do consumidor no Brasil, de forma a esclarecer a tênue diferença entre a propaganda lícita e a ilícita, sob a ótica do sistema nacional.

Assim, torna-se possível concluir que toda a sistemática do Direito do Consumidor, composta pela reunião e análise de toda a legislação sobre o assunto, demonstra que o sistema pende a maior proteção do consumidor frente a qualquer um presente no outro lado da relação de consumo na posição de fornecedor em sentido amplo, entendendo-se assim, como todo aquele que, em matéria de publicidade, concorre para que esta seja apresentada ao consumidor, desde a criação até a efetiva exposição.

Tal proteção especial existe para que o consumidor, como polo mais fraco e vulnerável na relação, não seja lesionado livremente por aqueles que se valem da publicidade para fins ardis e ilícitos.

Assim, prima o sistema pelo máximo acesso à informação por parte do consumidor, sendo este princípio, aliado ao princípio da boa-fé, basilar da relação de consumo publicitário. O direito de ser informado do consumidor, do qual deflui o dever de informar pelo fornecedor, é consequência lógica da proteção, bem como único meio de impedir o abuso do direito exercido pela má publicidade.

Há que se destacar que diante da análise efetuada nesta pesquisa, percebe-se que o fornecedor, em sentido amplo, vale-se de seu direito de fazer a publicidade, mascarado de legitimidade, para seduzir o consumidor a contratar produtos e serviços que não deseja realmente.

Diante de tal abuso no exercício regular de direito, surge a necessidade, como ocorre na prática, da criação de órgãos para a repressão da ilegalidade na publicidade, de forma que seja coibido qualquer abuso praticado.

Não há que se falar em censura prévia, sob pena de se violar a liberdade de expressão garantida constitucionalmente, porém, pode haver a censura posterior, uma vez que seja caracterizada a ilicitude da publicidade e a consequente lesão ao direito do consumidor.

Por derradeiro, é de fundamental importância esclarecer que uma vez veiculada a publicidade ilícita, a mesma torna-se danosa, independentemente ou não de ter atingido os efeitos danosos pretendidos, ou seja, a mera exposição ao abuso, enganosidade, ou qualquer outra ilicitude, já é suficiente para se presumir o dano, de forma absoluta, e aplicar a punição prevista em lei aquele que for responsável.

 

Referências
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CAVALHEIRO, Rodrigo Costa Ratto. História da Publicidade. UNICEP. Disponível em: <http://www.unicep.edu.br/cursos/publicidade/hist.asp>. Acesso em: 21 junho de 2010 às 9:15h.
GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código  Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
GUERREIRO, Mário A. L., apud GRINOVER, Ada Pellegrini, et al. Código  Brasileiro de Defesa do Consumidor /; Comentado pelos autores do anteprojeto. 9ª Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2007.
GUIMARÃES, Paulo Jorge Scartezzini, apud, OLIVEIRA, Josinaldo Leal de. A função social da celebridade. Jus Navigandi. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=12404>.  Acesso em: 21 de setembro de 2010.
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MARQUES, Claudia Lima, BENJAMIN, Antônio Herman, MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 2ª Ed. rev. , atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006.
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MIRANDA JÚNIOR, Darcy Arruda. Código do Consumidor na Jurisprudência. 1ªEd. São Paulo: Jurídica Brasileira, 1999.
NUNES, Rizzatto. Curso de Direito do Consumidor. 4ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
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SAAD, Eduardo Gabriel. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 4ª Ed. rev. e ampl. São Paulo:LTr, 1999.
TEICH, Daniel Hessel. História da propaganda: A publicidade também chegou com Dom João. Mercado Corporativo. Disponível em: <http://www.fashionbubbles.com/historia-da-moda/historia-da-propaganda-a-publicidade-tambem-chegou-com-dom-joao/>. Acesso em: 21 junho de 2010 às 9:15h.
WIKIPÉDIA. Propaganda. Wikipédia, a enciclopédia livre Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/Propaganda>. Acesso em: 21 junho de 2010 às 9:00h.

Informações Sobre o Autor

Henrique de Campos Gurgel Speranza

Advogado e professor universitário na UNIESP. Graduado em Direito e pós-graduado em Direito e Processo do Consumidor e Direito Processual do Trabalho pela UNISANTOS


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Equipe Âmbito Jurídico

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