Resumo: No âmbito empresarial existem crises de diversos tipos e intensidades, que podem afetar o empresário de maneira mais ou menos grave. Crises mais agudas podem desestruturar o empresário de modo a torná-lo inadimplente, sem crédito, e na pior das hipóteses, insolvente. A Recuperação Judicial é, então, uma tentativa de manutenção da empresa, que objetiva a viabilização da superação da crise. Para demonstrar tal instituto no caso concreto, analisaremos um processo no qual a sociedade empresária insolvente faz o pedido de recuperação e, a partir daí, inicia-se todo um procedimento para a “cura” do empresário. Para que possamos compreendê-lo de maneira menos superficial, observaremos o caso sob o aspecto legal, não desprezando, porém, a visão doutrinária e jurisprudencial.
Palavras-chave: Crise Econômico- Financeira, Recuperação Judicial.
Abstract: In business there are crises of various types and intensities, which may affect the business in a more or less serious. Acute attacks can disrupt the business to make it in default, no credit, and at worst, insolvent. The Judicial Recovery is then an attempt to maintain the company, which aims at the feasibility of overcoming the crisis. To demonstrate such an institute in this case, we analyze a process in which the company is insolvent company’s application for recovery and, from there starts a whole procedure to “cure” the entrepreneur. So we can understand it in a less superficial, we will observe the case under the legal aspect, not neglecting, however, the doctrinal and jurisprudential vision.
Keywords: Economic and Financial Crisis, Judicial Recovery.
Com o fim da Concordata e a conseguinte vigência de uma nova lei de Falências e Recuperação Judicial, impera o espírito recuperatório ao invés do liquidatório, no sentido de ter a Recuperação se tornado regra, e a Falência, exceção. Da nova lei de Falências, 11.101/05 emanam dois princípios fundamentais que são norteadores de todo o processo, quais sejam: Princípio da Conservação da Empresa e o Princípio da Recuperação. Este último, esculpido no art. 47 da referida lei é o que fundamenta o processo de Recuperação Judicial, trazendo consigo o objetivo de “viabilizar a superação da crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e do interesse dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo a atividade econômica.” (Lei 11.101, art. 47)
Assim, o empresário em estado de crise tem duas opções: a Recuperação, caso apresente viabilidade ou a Falência, caso em que deverá ser liquidado e eliminado, além de ter seus fatores de produção distribuídos a outro agente, a fim de conservar a “empresa”, aqui entendida como atividade econômica exercida.
A Recuperação Judicial é, portanto, uma forma de manutenção da empresa, que não interessa apenas ao empresário, mas a diversos atores que serão direta ou indiretamente atingidos pela crise, dependendo de sua intensidade. Como bem leciona Sérgio Campinho, “a superação do estado de crise dependerá da soma de esforços entre credores e devedor, podendo ser reversível ou não, caso em que o caminho será a liquidação do ativo insolvente para ser repartido entre seus credores seguindo um critério especial de preferências – a falência.” (Campinho,2006,p.119)
O presente estudo tem a finalidade de apresentar aspectos que produzam conhecimento acerca do instituto da Recuperação Judicial. Buscando ampliar nossa visão em torno do tema, inserimos o processo supramencionado, a fim de melhor compreendê-lo na realidade fática. Para tanto, nos utilizamos da revisão de literatura, fundamentando-nos nas principais idéias de doutrinadores do Direito Empresarial, além de consultar primordialmente a Legislação pertinente e a rica Jurisprudência.
A razão da Recuperação Judicial é a crise, que pode ser leve e momentânea, ou aguda e irreversível, nesta última hipótese, quando o empresário não tem recursos e a falta de pagamento é involuntária, e a temida conseqüência é a falta de crédito no mercado. A insolvência é o retrato da pequenez de seu ativo.
Concordamos com Sérgio Campinho, quando ilustremente doutrina que “a crise econômico-financeira constitui-se em um fenômeno tradutor de um desequilíbrio entre os valores realizáveis pelo devedor e as prestações que lhe são exigidas pelos credores. Espelha, assim, sob o ponto de vista econômico, um efeito patológico do funcionamento do crédito.”
Já o autor não menos ilustre, Fábio Ulhôa expõe distintos tipos de crises e formas de analisá-las:
. Crise econômica, onde há a retração na aquisição do produto;
. Crise financeira, onde há o problema com a liquidez do empresário
. Crise patrimonial, em que até os bens do empresário se mostram comprometidos, de quão endividado.
Ulhôa ensina ainda, que deve ser feita uma análise da crise, interpretando esta como uma doença que pode ter cura ou não. Para ele, tal análise deve ser feita por pessoas externas e sem vínculos, que provavelmente terão visão e compreensão mais imparciais e sensatas.
A Recuperação atinge como regra, todos os credores existentes ao tempo da impetração do benefício e após a aprovação do Plano de Recuperação, estarão sujeitos às condições nele estabelecidas.
Conforme dispõe o artigo 49 da Lei 11.101/05, estão sujeitos à recuperação judicial todos os créditos existentes na data do pedido, mesmo os que ainda não venceram, os credores do devedor em recuperação judicial conservam seus direitos e privilégios contra os coobrigados, fiadores e obrigados de regresso.
As obrigações anteriores à recuperação judicial observarão as condições originalmente contratadas ou definidas em lei, inclusive no que diz respeito aos encargos, salvo se de modo diverso ficar estabelecido no plano de recuperação judicial.
Estão excluídos dos efeitos da recuperação judicial o proprietário fiduciário de bens móveis ou imóveis, de arrendador mercantil, ou negociante de imóvel (como vendedor, compromitente vendedor ou titular de reserva de domínio), cujos respectivos contratos contenham cláusula de irrevogabilidade ou irretratabilidade.
Também não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial, a importância entregue ao devedor, em moeda corrente nacional, decorrente de adiantamento a contrato de câmbio para exportação, desde que o prazo total da operação, inclusive eventuais prorrogações, não exceda o previsto nas normas específicas da autoridade competente.
Igualmente, os bancos credores por adiantamento aos exportadores (ACC) não se sujeitam aos efeitos da recuperação judicial .
Esses credores excluídos dos efeitos da recuperação judicial não são minimamente atingidos pela medida, e podem continuar exercendo seus direitos reais e contratuais nos termos da lei própria.
Os titulares de determinadas garantias reais ou posições financeiras (fiduciário, leasing etc.) e os bancos que anteciparam recursos ao exportador em função de contrato de câmbio excluem-se dos efeitos da recuperação judicial para que possam praticar juros menores (com spreads não impactados pelo risco associado à recuperação judicial), contribuindo a lei, desse modo, com a criação do ambiente propício à retomada do desenvolvimento econômico.
Os créditos garantidos por penhor sobre títulos de créditos, direitos creditórios, aplicações financeiras ou valores mobiliários, poderão ser substituídas ou renovadas as garantias liquidadas ou vencidas durante a recuperação judicial e permanecerão em conta vinculada durante o período de suspensão enquanto não ocorrer a substituição ou renovação (artigo 6º, § 4º da Lei 11.101/05)
Os credores cujos créditos se constituírem depois de o devedor ter ingressado em juízo com o pedido de recuperação judicial ficam excluídos dos efeitos deste, ou seja, não poderão ter os seus créditos alterados ou novados pelo Plano de Recuperação Judicial. Por terem contribuído com a tentativa de reerguimento da empresa em crise terão seus créditos reclassificados para cima, em caso de falência, conforme o artigo 67 da Lei 11.101/05.
Os credores posteriores à distribuição do pedido estão excluídos porque, se assim não fosse o devedor não conseguiria mais acesso nenhum a crédito comercial ou bancário, inviabilizando-se o objeto da Recuperação.
O plano de recuperação judicial é para o sempre citado Fábio Ulhoa Coelho “a mais importante peça do processo de recuperação judicial e depende exclusivamente dele a realização ou não da preservação da atividade econômica e o cumprimento de sua função social.”
A empresa terá a chance de se reestruturar e superar a crise se a Recuperação Judicial for realizada de maneira consistente, mas se ocorrer o contrário limitar-se-á apenas ao cumprimento de mera formalidade processual com o fracasso e completa desmoralização.
A consistência econômica do plano está diretamente relacionada ao adequado diagnóstico das razões da crise e de sua natureza e à adequação dos “remédios“ indicados para o caso.
O artigo 53 da Lei 11.101 dispõe que o Plano de Recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável, peremptório e não dilatório de 60 dias da publicação da decisão que deferir o processamento da Recuperação Judicial, sob pena de convolação em Falência.
No Plano de Recuperação deverá conter a discriminação minuciosa dos meios a serem utilizados e seu resumo, para atingir o objetivo proposto com a demonstração da viabilidade econômica e o laudo econômico-financeiro e avaliação dos bens e ativos do devedor elaborado por profissional competente e legalmente habilitado ou empresa especializada, podendo utilizar de outros requisitos além dos apresentados do artigo 50 da Lei que não são taxativos.
Sobre a concessão de prazo para complementação de documentos, a jurisprudência é unânime, assim como o entendimento de doutrinadores como Fábio Ulhoa Coelho, referindo-se à documentação exigida por lei, nos seguintes termos:
“De qualquer forma, se o devedor em estado crítico não tem em mãos a totalidade dos documentos e elementos indispensáveis à regular instrução de seu pedido de recuperação judicial, ele pode afora-lo incompleto e requerer ao juiz lhe conceda prazo para a complementação.” (Comentários à Nova Lei de Falências e de Recuperação de Empresas, Saraiva, pág. 153).
“A concessão de prazo razoável para oferecimento da documentação exigida pelo artigo 159 do Decreto-Lei nº 7.661/45, não ofende o disposto no artigo 161 do mesmo diploma legal (TJSP, RT, 499/142, Acórdão relatado pelo Des. Andrade Vilhena)”. (Nova Lei de Falências e Recuperação de Empresas Anotada, Saraiva, pág. 152).
Conforme visto, a Recuperação Judicial é um novo meio de enfrentamento da crise do empresário. Esta, mostra-se eficaz, se pressupormos agentes econômicos viáveis e com capacidade de superação. Pudemos compreender que em virtude da Lei 11.101/05, a Recuperação Judicial deve ser regra, e a Falência, exceção.
Acadêmica de Direito.
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