Reflexos da lei 11.464/07 nos crimes hediondos e assemelhados

Os crimes
hediondos estão tipificados no art. 1º, sendo acrescentado os assemelhados no
art. 2º da lei n. 8.072/90, com alterações realizadas pelas leis n. 8.930/94 e
9.677/98. Mas, foi com a edição da lei n. 11.464/07 que houve expressa
permissão em conceder liberdade provisória, findando-se com o regime
integralmente fechado e, por via de conseqüência, definindo-se prazos para
progressão de regime nos crimes hediondos e equiparados.

No âmbito
doutrinário e jurisprudencial discutia-se a validade do art. 2º, II da lei n.
8.072/90 que dispunha sobre a proibição da liberdade provisória. De modo que,
para uma corrente, vedar a liberdade provisória seria perfeitamente cabível
tendo em vista proibição legal, prescindindo de pressupostos legais e, para uma
outra, se inexistentes requisitos que imporiam a prisão preventiva com suporte
na jurisprudência[1]
não existiria causa que impedisse autorização da mesma, devendo ser analisado o
caso concreto, independentemente da gravidade do delito. E esta última é a
posição do Renato Marcão[2].

A Nova Lei
Antidrogas (Lei nº 11.343/06) em seu art. 44, “caput”, também veda a concessão
de liberdade provisória para os crimes definidos nos arts. 33, “caput” e § 1º
e, 34 a
37, mas a lei 11.464/07 cuidou de revogá-lo. Assim, é possível conceder a
liberdade provisória em comento, bem como há possibilidade de autorizá-la
tratando-se dos delitos dispostos nos arts. 16 ao 18 da lei do Estatuto do
Desarmamento que embora não haja referência ao art. 21, tornou-se
inquestionável o entendimento de revogação deste que previa vedação da
liberdade em questão.

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Esclaresce-se
sobre prisão provisória que, se por flagrante ou preventiva, quando constatados
pressupostos legais do art. 312 do Código de Processo Penal torna-se legítima,
por outro lado, torna-se inconstitucional caso nenhuma dessas hipóteses forem
visualizadas. E a lei dos crimes hediondos e equiparados proíbe, ainda que
ausentes esses pressupostos, a liberdade provisória. Por isso, defensável a
inconstitucionalidade da não concessão da liberdade provisória.

No que concerne à
previsão na lei n. 8.072/90 do cumprimento de pena ser em regime integralmente
fechado constatou-se flagrante inconstitucionalidade desde a promulgação da
mesma, por força do princípio da legalidade, humanidade e individualização da
pena assegurados constitucionalmente no art. 5º.

Para o
ministro-relator Marco Aurélio de Mello[3] o princípio da individualização da pena
deve ser observado também na fase de execução da pena posto que todos devem ter
a garantia de uma pena particularizada. E levando em consideração que
executá-la não é uma atividade inerte, mas dinâmica, que ora se agrava, ora se
atenua é possível dizer que a concretização “[…] do processo individualizador
prossegue, na fase de execução da pena, por meio do sistema prisional
progressivo […]”[4].

Opor-se ao
sistema progressivo de cumprimento da pena é contrariar a política de
ressocialização, dando um caráter de vingança pública[5]
a pena, não devolvendo ao preso a sua dignidade[6],
além de significar renúncia ao mecanismo que torna racional a privativa de
liberdade, justifica propriamente o sistema penitenciário[7].

Nota-se que uma
vez subtraído do apenado a progressividade é forçoso dizer que nele não haverá
perspectivas, influência psicológica positiva para a reinserção social, estímulos
para empreender conduta de ordem e retidão já que é sabido da indiferença dos
seus atos durante o tempo de encarceramento ingressando na unidade penitenciária
desde logo com a tarja de despersonalização[8].
E, portanto, o processo penal não cumprirá com suas finalidades de reeducação e
ressocialização já complicada nas atuais circunstâncias de falência da prisão.

Nas palavras do
Prof. Paulo Xavier[9], a
divergência sobre a inconstitucionalidade da progressão do regime prisional
prejudicou sobremaneira o condenado que ficou à mercê das decisões judiciais
divergentes, não garantindo a segurança jurídica e violando o princípio da
igualdade vez que submetidos a decisões diferentes apenados por crimes
assemelhados aos hediondos poderiam sofrer limitações distintas no âmbito da
execução da pena.

Deve-se anotar também
que com o advento da lei n. 9.455/97 versando sobre os crimes de tortura
sustentou-se a progressividade do regime de cumprimento de pena, mas afastando
a incidência aos demais crimes hediondos conforme julgados nesse sentido e
súmula 698 do STF[10].
Ou seja, consagrando o benefício somente para o delito de tortura.

É importante
destacar que antes do HC 82.959-7 havia o posicionamento exarado pelo Supremo
Tribunal Federal de constitucionalidade do art. 2º, § 1º, da Lei de Crimes
Hediondos. E conforme Renato Marcão, não há que se falar em violação do
princípio da individualização da pena, posto que a Lei de Crimes Hediondos não
exclui o processo de individualização judicial. Assim, doutrina:

“o art. 2º, § 1º, da Lei 8.072/90, ao estabelecer que o regime para
cumprimento da pena para os crimes hediondos é o integralmente fechado, não
pode ser considerado inconstitucional, pois não há ofensa ao princípio da
individualização da pena diante da impossibilidade de ser progressivo o regime
prisional, uma vez que a retirada da perspectiva de progressão em face da
caracterização legal da hediondez, não impede que o juiz possa dar trato
individual à fixação da reprimenda, inclusive no que se refere à sua
intensidade”.[11]

Porém, quando do
deferimento inédito pelo STF, em 2006, de progressão de regime para o pastor
evangélico Oséias de Campos, condenado a 12 anos e três meses de reclusão pelo
crime de atentado violento ao pudor pelo fato de molestar três crianças entre 6
e 8 anos, passou-se a entender sobre a inconstitucionalidade do artigo em
comento.

De conseqüência,
definiu-se prazos: devendo cumprir 2/5 da pena o condenado primário e, 3/5 se
reincidente para pleitear a progressão do regime prisional. Não havendo
disposição nos casos de reincidência específica.

Lembrando que
agora com o advento da lei 11.464/07 a Súmula 698 do STF perdeu eficácia e a
progressão de regime é aplicável aos crimes praticados depois da vigência da
lei mencionada.

Em suma, ocorreram
significativas mudanças na lei dos crimes hediondos de modo que prevaleça a
dignidade da pessoa humana e uma legislação penal e processual penal mais
humanitária.

Notas:

[1]
Nesse sentido: STJ, HC 12.714-SP, 5º T., j. 15-6-2000, rel. Min. Gilson Dipp, DJU de 21-8-2000, RT
784/573.

[2]  MARCÃO, Renato. Lei nº 11.464, de 28 de março
de 2007: novas regras para a liberdade provisória, regime de cumprimento de
pena e progressão de regime em crimes hediondos e assemelhados. Disponível em: www.apmp.com.br/juridico/artigos/docs/2007/Lei_11464-2007.doc.
Acesso em: 8 maio 2007.

[3] Cf.
YABIKU, Roger Moko. Um estudo de caso sobre a progressão de regime nos crimes
hediondos: o HC nº 82.959-7 e a imprensa. Jus Navigandi, Teresina, ano 10,
n. 1022, 19 abr. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8273>.  Acesso em: 14 jan 2007.

[4] FRANCO,
Alberto Silva. Crimes Hediondos: anotações sistemáticas a lei 8.072/90.
4. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000. p. 162.

[5]
Cf. TORON, A. Z.. Prevenção e retribuição na lei dos crimes hediondos…, cit.,
p. 96 apud SOUZA, Paulo S. Xavier de. A
individualização da pena:
no estado democrático de direito. Porto Alegre:
Sergio Antonio Fabris Editor, 2006. p. 236.

[6]
Cf., SOUZA, Paulo S. Xavier de, op. cit., p. 236.

[7]
Cf. FRANCO, Alberto Silva, op. cit., p. 167.

[8]
Ibidem, p. 161.

[9]
Cf. SOUZA, Paulo S. Xavier de, op. cit., p. 234.

[10]
Súmula 698 do STF: “Não se estende aos demais crimes hediondos a possibilidade
de progressão no regime de execução de pena aplicada ao crime de tortura”.

[11] MARCÃO, Renato. Curso de execução penal. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2005. p. 129
apud YABIKU, Roger Moko. Um estudo de caso sobre a progressão de regime nos
crimes hediondos: o HC nº 82.959-7 e a imprensa. Jus Navigandi,
Teresina, ano 10, n. 1022, 19 abr. 2006. Disponível em:
<http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=8273>.  Acesso em: 14 jan 2007.


Informações Sobre o Autor

Lorena Fernandes Almeida

Graduanda em Direito pelas Faculdades Nobel em Maringá-Pr


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Equipe Âmbito Jurídico

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