Resumo: In primo loco, ao se examinar o instituto do bem de família, infere-se que o seu surgimento ocorreu no ano de 1845 no Texas, nos Estados Unidos da América, por meio da Homestead Exemptio Act, que tinha como escopo a proteção das famílias que se encontravam instaladas na, então, República do Texas. A origem do instituto do bem de família se cinge em razões humanitárias, que buscavam resguardar o mínimo existencial para que os núcleos familiares pudessem viver com o mínimo indispensável a uma existência digna. Nesta senda, o Código de Processo Civil pátrio, desfraldando a tábua de valores em que o instituto em comento foi edificado, trouxe à baila que eram absolutamente impenhoráveis as provisões de alimentos e de combustível, os quais exerciam função imprescindível à manutenção do devedor e de sua família durante um mês. Outrossim, o Estatuto da Terra agasalhou de impenhorabilidade o imóvel rural que contasse com tamanho de até um módulo, desde que fosse o único de que dispusesse o devedor, ficando, contudo, resguardada a possibilidade de hipoteca para fins de financiamento. Ambos os exemplos, com efeito, buscam salvaguardar a garantia de subsistência do devedor, tendo o propósito essencialmente humanitário, o qual é afastado tão somente diante das exceções consagradas no artigo 650 do Estatuto de Ritos Civis, maiormente a satisfação de obrigação alimentar em relação a pessoa incapaz.
Palavras-chaves: Bem de Família. Patrimônio Mínimo. Direito Civil
Sumário: 1 Bem de Família: Substrato Histórico; 2 Bem de Família: A Substancialização do Patrimônio Mínimo da Pessoa Humana; 3 Abordagem Conceitual do Bem de Família; 4 Bem de Família Convencional: 4.1 Ponderações Introdutórias; 4.2 Extensão da Proteção; 4.3 Exceções à Regra da Impenhorabilidade do Bem de Família Voluntário; 4.4 Legitimação para a instituição do Bem de Família Convencional; 4.5 Extinção do Bem de Família Voluntário; 5 Bem de Família Legal: 5.1 Noções Conceituais; 5.2 Alargamento do Objeto; 5.3 Exceções à Regra de Impenhorabilidade do Bem de Família Legal; 6 Repercussões do Recurso Especial nº 1.351.571/SP para a impenhorabilidade do bem de família
1 Bem de Família: Substrato Histórico
In primo loco, ao se examinar o instituto do bem de família, infere-se que o seu surgimento ocorreu no ano de 1845 no Texas, nos Estados Unidos da América, por meio da Homestead Exemptio Act, que tinha como escopo a proteção das famílias que se encontravam instaladas na, então, República do Texas. Como bem pontua Rolf Madaleno, ao dispor acerca da gênese do instituto do bem de família, o ato supramencionado apresentava como fito “livrar de qualquer execução judicial até 50 acres de terra rural, ou lote de terreno na cidade, compreendendo a habitação até 500 dólares, os móveis e utensílios de cozinha, no limite de 200 dólares”[1], assim como arados, instrumentos e livros destinados ao comércio e ao exercício da profissão. O ato em comento ainda livrava da execução determinado número de animais e todas as provisões indispensáveis a um ano de consumo.
Como se infere, a origem do instituto do bem de família se cinge em razões humanitárias, que buscavam resguardar o mínimo existencial para que os núcleos familiares pudessem viver com o mínimo indispensável a uma existência digna. Nesta senda, o Código de Processo Civil pátrio, desfraldando a tábua de valores em que o instituto em comento foi edificado, trouxe à baila que eram absolutamente impenhoráveis as provisões de alimentos e de combustível, os quais exerciam função imprescindível à manutenção do devedor e de sua família durante um mês. Outrossim, o Estatuto da Terra agasalhou de impenhorabilidade o imóvel rural que contasse com tamanho de até um módulo, desde que fosse o único de que dispusesse o devedor, ficando, contudo, resguardada a possibilidade de hipoteca para fins de financiamento. Ambos os exemplos, com efeito, buscam salvaguardar a garantia de subsistência do devedor, tendo o propósito essencialmente humanitário, o qual é afastado tão somente diante das exceções consagradas no artigo 650 do Estatuto de Ritos Civis, maiormente a satisfação de obrigação alimentar em relação a pessoa incapaz.
Ao lado disso, com a construção de uma tábua principiológica mais rotunda pela Constituição Federal de 1988, desfraldando como flâmulas os valores sociais, há que se dispensar uma análise dos institutos do Direito Civil, notadamente os associados ao patrimônio, a partir de uma ótica alicerçada na promoção da dignidade da pessoa humana e da solidariedade social, expressamente consagrados no artigos da Carta de Outubro, em seus artigos 1º, 3º e 5º. “Em outras palavras, vem se empreendendo elevado esforço no sentido de recuperar a preponderância da pessoa em relação ao patrimônio, abandonando o caráter neutro e despreocupado do ordenamento jurídico”[2], aproximando-se, por conseguinte, à realidade social vigente.
Nessa ótica, salta aos olhos a necessidade de dispensar proteção ao patrimônio do indivíduo, uma vez que é fundamental, para a promoção da dignidade da pessoa humana, valorar o indivíduo e suas carências fundamentais. Tal premissa tem amplo assento, notadamente quando se considera que a pessoa humana é o fito a que se destina, maiormente, a tutela jurídica. Deste modo, ao se resguardar o mínimo existencial, a Constituição Federal de 1988 tem atendida um dos seus fitos mais substanciais, a saber: a erradicação da pobreza e a redução das desigualdades sociais, assegurando ao patrimônio uma atuação como instrumento de potencialização da cidadania.
2 Bem de Família: A Substancialização do Patrimônio Mínimo da Pessoa Humana
Cuida destacar que o ser humano nasce inserido em um seio familiar, que dá início a uma moldagem de suas potencialidades com o escopo de promover a convivência em sociedade e da busca de sua realização pessoal. Ao lado disso, há que se reconhecer que na célula familiar em que os fatos essenciais à vida do ser humano se desdobram, desde o seu nascimento até seu óbito. Nesta ambientação primária é que o homem se distingue dos demais animais, em razão da possibilidade de escolhas de caminhos a serem trilhados e orientações a serem empregadas, constituindo grupamento em que a personalidade do indivíduo se desenvolverá.
O direito à moradia foi citado inicialmente na Declaração Universal dos Direitos Humanos, aprovada, em 1948, pela Assembleia Geral da ONU, tendo o Brasil como um dos seus signatários. A citada Declaração, em seu artigo 25, §1º, estabelece que toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e à sua família saúde e bem-estar, inclusive alimentação, vestuário, moradia, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis. O principal instrumento legal internacional que trata do direito à moradia, ratificado pelo Brasil e por mais 138 países, é o Pacto Internacional de Direitos Econômicos e Sociais e Culturais – PIDESC, adotado pela Organização das Nações Unidas, em 1966.
O artigo 11, §1º, do mencionado Pacto, dispõe que os Estados partes reconhecem o direito de toda pessoa à moradia adequada e comprometem-se a adotar medidas apropriadas para assegurar a consecução desse direito. Faz-se mister ressaltar que tratado internacional que versa sobre direitos humanos assume o status de norma supralegal, situando-se abaixo da Constituição, porém acima da legislação ordinária, de modo que o ordenamento jurídico interno deve contemplar formas para implementação dos seus mandamentos.
Mister faz-se realçar que os novos valores e dogmas que inspiram a sociedade contemporânea suplantam e afastam, de modo definitivo, com a acepção tradicionalista da célula familiar. Ressoando os axiomas adotados pela Carta de Outubro, a família passa a ser norteada por aspectos de solidariedade social, assim como um sucedâneo de característicos inerentes ao desenvolvimento e aperfeiçoamento do ser humano. Assim, o afeto passar a gozar de especial substrato, sendo considerada imprescindível a proteção do núcleo familiar, a partir dos princípios gerais, rotundamente expressados na Lex Fundamentailis, que colocam sob tutela a pessoa humana. Neste sentido, inclusive, colhe-se o entendimento jurisprudencial ventilado pelo Superior Tribunal de Justiça que, altos alaridos, pontua que:
“Ementa: Recurso Especial. Ação Anulatória. Acordo Homologado Judicialmente. Oferecimento de Bem em Garantia. Pequena Propriedade Rural. Impenhorabilidade. Equiparação à Garantia Real Hipotecária. Descabimento. 1.- A proteção legal assegurada ao bem de família pela Lei 8.009/90 não pode ser afastada por renúncia, por tratar-se de princípio de ordem pública, que visa a garantia da entidade familiar. […]”. (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp 1115265/RS/ Relator Ministro Sidnei Beneti/ Julgado em 24.04.2012/ Publicado no DJe em 10.05.2012) (realcei)
Compreende-se, desta sorte, a evolução da concepção que se refere à família-instituição, sendo sua proteção justificada em razão da necessidade de resguardar, de maneira substancial, o desenvolvimento da pessoa humana. Para tanto, há que se acautelar qualquer interferência que atente contra os interesses de seus membros, na medida em que promove e potencializa a dignidade das pessoas de seus membros, assim como a igualdade e a solidariedade entre seus integrantes.
3 Abordagem Conceitual do Bem de Família
Em uma acepção inaugural, o bem de família instituído no Ordenamento Pátrio, por meio da Lei Nº. 8.009, de 29 de Março de 1990[3], que dispõe sobre a impenhorabilidade do bem de família, isenta o imóvel destinado ao domicílio da família do devedor, isentando-o das consequências de execução por dívidas de natureza civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de qualquer outra natureza, como bem entalha o artigo 1º do Diploma supra. Cuida anotar que a impenhorabilidade será afastada quando incidir uma das exceções albergadas no artigo 3º da referida lei, porquanto a “finalidade do instituto do bem de família proteger o direito de propriedade que serve de abrigo para a família, não no propósito de abrigar o mal pagador”[4], equilibrando, por conseguinte, o processo executivo.
Nesse passo, há que ponderar que a impenhorabilidade compreende, o imóvel sobre o qual é erigida a construção, as plantações, as benfeitorias de qualquer natureza e todos os equipamentos, incluindo-se em tal acepção os profissionais, ou ainda os móveis que integram a residência, desde que se encontrem devidamente quitados. Conforme lecionam os doutrinadores Tartuce e Simão, “o bem de família pode ser conceituado como o imóvel utilizado como residência da entidade familiar, decorrente de casamento, união estável, entidade monoparental ou outra manifestação familiar”[5], recebendo, em razão de sua essência, proteção legal específica. Nesta esteira, cuida anotar que o instituto em tela compreende duas espécies, a saber: o bem de família convencional ou voluntário, cuja previsão se encontra positivada no Código Civil, e o bem de família legal, que encontra descanso na Lei Nº. 8.009/1990.
No que concerne à natureza jurídica, o bem de família é considerada como uma forma de afetação de bens a um destino especial, tal seja: assegurar a dignidade humana dos integrantes do núcleo familiar. Deste modo, “protege-se o bem que abriga a família com o escopo de garantir a sua sobrevivência digna, reconhecida a necessidade de um mínimo existencial de patrimônio, para a realização da justiça social”[6]. Assim, a natureza jurídica do bem de família se deita, justamente, em assegurar a promoção da dignidade da pessoa humana, por meio da manutenção do mínimo patrimonial inerente ao desenvolvimento de seus integrantes.
4 Bem de Família Convencional
4.1 Ponderações Introdutórias
Inicialmente, cuida anotar que o denominado bem de família convencional, também denominado pela doutrina de voluntário, decorre da manifestação das partes, que é instituído por meio da vontade do casal ou da entidade familiar, mediante registro. Álvaro Villaça Azevedo obtempera que o bem de família é “um meio de garantir um asilo à família, tornando-se o imóvel onde a mesma se instala domicílio impenhorável e inalienável, enquanto forem vivos os cônjuges e até que os filhos completem sua maioridade”[7]–[8]. Verifica-se, desta sorte, que a modalidade do bem de família convencional, também denominado de voluntário, apresenta como fito assegurar um asilo para os cônjuges ou ainda até os filhos atingirem sua maioridade civil, como assinala expressamente a redação do artigo 1.716 do Código Civil[9].
Desse modo, infere-se que o bem de família consistirá em prédio, tanto urbano como rural, compreendendo, também, suas pertenças e acessórios, destinando-se, em ambos os casos, ao domicílio do núcleo familiar. Igualmente, poderá o bem de família abranger quantum mobiliário, a fim de que a renda alcançada seja revertida na conservação do imóvel e no sustento da família, sendo o importe limitado a 1/3 (um terço) do patrimônio líquido. Ao lado disso, a partir do substrato estruturado por meio da concepção acerca do instituto em tela, verifica-se que a modalidade em comento reúne os seguintes aspectos característicos: a) decorre de ato voluntário do titular, por meio de escritura pública, doação ou cédula testamentária; b) acarreta a inalienabilidade e impenhorabilidade; c) atina ao bem imóvel em que o núcleo familiar está residindo; d) está limitado à vida dos instituidores ou ainda até a maioridade civil da prole. A fim de subsidiar os argumentos arvorados alhures, cuida transcrever a precisa lição estruturada por Gagliano e Pamplona Filho:
“Devidamente instituído, o bem de família voluntário tem por efeito determinar a: a) impenhorabilidade (limitada) do imóvel residencial – isentando-o de dívidas futuras, salvo as que provierem de impostos relativos ao mesmo prédio (IPTU, ITR, v.g.) ou de despesas de condomínio […]; b) inalienabilidade (relativa) do imóvel residencial – uma vez que, após instituído, não poderá ter outro destino ou ser alienado, senão com o expresso consentimento dos interessados e seus representantes legais (mediante alvará judicial, ouvido o MP, havendo participação de incapazes)”[10]
O Estatuto Civilista vigente, em consonância com a novel interpretação conferida pelos ditames albergados na Constituição Federal de 1988, permitiu que a modalidade em apreço seja instituída não apenas pelo marido, conquanto tenha manutenido sua voluntariedade na constituição. Ao lado disso, gize-se, por oportuno, que a Lei Substantiva Civil promoveu inovação, ao passo que deslocou o instituto em comento para o livro que versa acerca do direito de família. Deste modo, “o conceito de família para os fins de constituição do bem de família abrange, também, a união estável, a família monoparental e outras formas de constituição de núcleos básicos”[11], em razão da nova órbita em que o conceito de entidade familiar foi alçado, notadamente a partir da tábua principiológica emanada pelo artigo 226 da Carta de 1988. Caminham, inclusive, nesta trilha, as lições de Pablo Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho[12], precipuamente quando evidenciam que o Código de 2002 consagrou a possibilidade do bem de família voluntário não ser instituído apenas pelo casal, mas também pela entidade familiar, compreendendo-se em tal locução a união estável e família monoparental, e por terceiro, por meio de doação ou ato de disposição de última vontade. Com efeito, nesta última possibilidade, para que o ato de disposição produza eficácia necessária de revela a expressa aceitação do casal ou da entidade familiar beneficiada, como obtempera o parágrafo único do artigo 1.711 do Código Civil[13].
No mais, não se pode perder de vista que a espécie em exposição usufrui de utilidade, porquanto se apresenta como instrumento de proteção ao núcleo familiar. “Até mesmo porque as hipóteses (excepcionais e taxativas) em que se permite a penhora do bem são mais restritas do que em relação ao bem de família legal”[14]. Neste passo, quadra anotar que a penhora do bem de família convencional só terá assento, exclusivamente, em casos de tributos devido em decorrência do próprio bem, como IPTU e ITR, ou ainda dívidas de condomínio, como dicciona, com clareza solar, o artigo 1.715, caput, do Código Civil: “O bem de família é isento de execução por dívidas posteriores à sua instituição, salvo as que provierem de tributos relativos ao prédio, ou de despesar de condomínio”[15].
Prima pontuar, ainda, em harmonia com as informações ventiladas até o momento, que o prédio, considerado como bem de família, não pode ter destino outro além de servir de domicílio da célula familiar nem ser alienado sem o consentimento de todos os interessados, incluindo-se os filhos. Outrossim, a instituição se dá mediante cédula testamentária ou escritura, que se constituirá mediante o registro de seu título no competente Cartório de Imóveis. Ao lado disso, o imóvel não pode corresponder a fração superior de um terço do patrimônio líquido do instituidor, existente ao tempo do fato.
4.2 Extensão da Proteção
É possível afirmar que os efeitos produzidos pelo bem de família voluntário é a impenhorabilidade e a inalienabilidade, id est, ao se instituir o bem de família, por meio do procedimento público no Cartório Imobiliário, há a restrição da comercialidade do bem, em razão da impenhorabilidade e da inalienabilidade. “A impenhorabilidade e a inalienabilidade decorrentes da vontade do instituidor atingem não apenas o imóvel, rural ou urbano, que serve de residência, mas, por igual, suas pertenças e acessórios”[16]. Deste modo, os aparelhos considerados como essenciais à manutenção do lar, a exemplo do telefone, televisão e outros utensílios, serão recobertos pelos característicos esposados acima, sendo tal visão expressada no Código de 2002.
Ao lado disso, há que se realçar a inovação entalhada na Lei Substantiva Civil no que pertine à possibilidade de inserir na constituição do bem de família, cláusula que engloba também valores mobiliários, devendo a renda ser direcionada na conservação do imóvel e no sustento da família. “Ocorre, portanto, uma mescla de bem de família imóvel e outro móvel, de montantes que podem ser equiparados até o limite do valor do prédio instituído com bem de família”[17], não sendo possível, contudo, que os valores mobiliários ultrapassem o valor do prédio instituído. Por necessário, o montante reclama individualização quando do instrumento da instituição, sendo possível confiar a administração dos valores pecuniários à instituição financeira, além de disciplinar a forma de renda aos beneficiários.
Nesse passo, a preocupação tem em mira assegurar a manutenção e conservação do bem de família, motivo pelo qual aprouve ao legislador limitar a instituição do bem de família convencional a um terço (1/3) do patrimônio líquido do instituidor. Para tanto, é imperioso que seja observado aludido patrimônio quando da instituição no caso de doação e verificado quando da abertura da sucessão, se, porventura, a instituição decorrer de cédula testamentária. Verificado que houve excesso, quando da estipulação, o excedente não produzirá efeitos.
4.3 Exceções à Regra da Impenhorabilidade do Bem de Família Voluntário
A Codificação Reale traz à baila, em seu artigo 1.715, exceção à regra de impenhorabilidade do bem de família, sendo possível sua penhora para pagar dívidas decorrentes de tributos relativos ao próprio prédio, como é o caso do IPTU e do ITR, ou ainda de despesas condominiais. “Quanto ao eventual saldo resultante da execução pelas dívidas mencionadas acima, é intuitivo notar de será aplicado em outro prédio”[18], a título de bem de família, ou ainda em título da dívida pública, a fim de resguardar o sustento da família, excetuando-se situações peculiares que reclamarem outra solução a ser adotada pelo Juízo competente.
Objetiva a legislação em vigor salvaguardar não apenas os impostos predial e territorial, bem como as taxas e contribuições decorrentes de título de remuneração por serviços públicos prestados em benefício do imóvel e as despesas de condomínio incidentes sobre a economia instituída como bem de família. “Não faria sentido isentar o bem imóvel destes custos, pois isto representaria um verdadeiro incentivo à inadimplência, porque qualquer um poderia deixar de atender aos encargos próprios da moradia”[19], pois seria caótico considerar o inaceitável enriquecimento sem causa, uma vez que a dívida relativa ao imóvel não poderia ser objeto de execução. No mais, os incidentes no regime do bem de família legal, proveniente do conteúdo na Lei Nº. 8.009/90[20], não tem aplicação na sistemática referente ao instituto em tela.
4.4 Legitimação para a instituição do Bem de Família Convencional
Tendo em conta que a Constituição Federal hasteou como pavilhão a igualdade entre os cônjuges e companheiros, com clareza, pode-se constatar que a instituição do bem de família convencional não está atrelado, unicamente, ao marido, mas sim ao casal, conforme reza o artigo 1.711 do Estatuto de 2002. Nesta trilha, ao espancar acerca do dispositivo legal retro, Rolf Madaleno anota que há exigência de “escritura pública de doação ou de testamento como pressuposto de constituição válido e regular do bem de família, e na hipótese do testamento”[21], produzindo efeitos tão somente depois da morte daquele que o instituiu.
Por imperioso, impende afirmar que é desnecessária a outorga do cônjuge para a estipulação do bem de família, uma vez que o instituto em comento não se afigura como gravame ou alienação, contudo, ao reverso, é tido como um benefício estruturado em prol da célula familiar. “Elastecendo a legitimidade para a instituição do bem de família convencional, veio a legislação a permitir que também o terceiro possa instituí-lo”[22], como espanca o parágrafo único do artigo 1.711 do Código Civil. Ao lado disso, de intelecção meridiana, a constituição do bem de família só passa a produzir efeitos a partir de sua efetiva inscrição no Registro Imobiliário, nos termos em que verbaliza o artigo 1.714 do Diploma de 2002, ou ainda desde a data da prenotação da respectiva escritura pública, com o escopo de se assegurar a carecida publicidade ao ato.
4.5 Extinção do Bem de Família Voluntário
O Código Civil, em seu artigo 1.722, estabelece que a extinção da modalidade de bem de família em apreço só se dará em razão da morte de ambos os cônjuges, devendo-se, ainda, estender tal interpretação aos companheiros, que são igualmente salvaguardados pelas disposições constitucionais. “Embora ocorra a morte dos cônjuges ou conviventes, segue o bem de família enquanto não suceder a maioridade de seus filhos, exceto se sujeitos à curatela”[23]. Destarte, percebe-se que a afetação persistirá enquanto um dos cônjuges ou companheiros estiver vivo; porém, se ambos os cônjuges/companheiros forem mortos, enquanto houver filhos menores e incapazes, não se extinguirá o bem de família, ou ainda se maior, pelo período que perdurar a incapacidade. Com efeito, preciosas são as lições de Tartuce e Simão, em especial quando explicitam que:
“A instituição dura até que ambos os cônjuges faleçam, sendo que, se restarem filhos menores de 18 anos, mesmo falecendo os pais, a instituição perdura até que todos os filhos atinjam a maioridade […] Mais uma vez se percebe a intenção do legislador de proteger a célula familiar”[24].
Nessa senda, como obtempera o parágrafo único do artigo 1.721 do Código Civil, a dissolução da entidade familiar não tem o condão de acarretar a extinção do bem de família, todavia, se for em caso de morte de um dos cônjuges/companheiros, o supérstite poderá vindicar a extinção do bem de família, caso seja o único bem do casal. Com efeito, Gagliano e Pamplona Filho assinalam que “a dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família, ressalvada a hipótese de morte de um dos cônjuges, eis que, nesse caso, poderá o sobrevivente requerer a extinção do bem de família”[25], em se tratando do único bem do casal, situação em que este será levado a inventário e partilha entre os herdeiros.
5 Bem de Família Legal
5.1 Noções Conceituais
A Constituição Cidadã cuidou de salvaguardar especial proteção estatal à família, erigindo pilares robustos a serem observados, notadamente os constantes do artigo 226. Ainda neste sedimento, a moradia passou afigurar como um direito social considerado como prioritário e de dignificação mínima do indivíduo, vez que a casa é descrita como asilo inviolável do cidadão. “A moradia como expressão e garantia constitucional da dignidade humana, passou a ter valor maior e sobreposto ao direito meramente patrimonial”[26]. A Lei Nº. 8.009/1990 trouxe a lume o bem de família legal, cuja proteção estatuída é a impenhorabilidade, independente da vontade do titular. Ao lado disso, há que se colacionar o seguinte aresto:
“Ementa: Processo Civil. Direito Civil. Execução. Lei 8.009/90. Penhora de Bem de Família. Devedor não residente em virtude de usufruto vitalício do imóvel em benefício de sua genitora. Direito à moradia como direito fundamental. Dignidade da Pessoa Humana. Estatuto do Idoso. Impenhorabilidade do Imóvel. 1. A Lei 8.009/1990 institui a impenhorabilidade do bem de família como um dos instrumentos de tutela do direito constitucional fundamental à moradia e, portanto, indispensável à composição de um mínimo existencial para vida digna, sendo certo que o princípio da dignidade da pessoa humana constitui-se em um dos baluartes da República Federativa do Brasil (art. 1º da CF/1988), razão pela qual deve nortear a exegese das normas jurídicas, mormente aquelas relacionadas a direito fundamental. 2. A Carta Política, no capítulo VII, intitulado "Da Família, da Criança, do Adolescente, do Jovem e do Idoso", preconizou especial proteção ao idoso, incumbindo desse mister a sociedade, o Estado e a própria família, o que foi regulamentado pela Lei 10.741/2003 (Estatuto do Idoso), que consagra ao idoso a condição de sujeito de todos os direitos fundamentais, conferindo-lhe expectativa de moradia digna no seio da família natural, e situando o idoso, por conseguinte, como parte integrante dessa família. 3. O caso sob análise encarta a peculiaridade de a genitora do proprietário residir no imóvel, na condição de usufrutuária vitalícia, e aquele, por tal razão, habita com sua família imóvel alugado. Forçoso concluir, então, que a Constituição Federal alçou o direito à moradia à condição de desdobramento da própria dignidade humana, razão pela qual, quer por considerar que a genitora do recorrido é membro dessa entidade familiar, quer por vislumbrar que o amparo à mãe idosa é razão mais do que suficiente para justificar o fato de que o nu-proprietário habita imóvel alugado com sua família direta, ressoa estreme de dúvidas que o seu único bem imóvel faz jus à proteção conferida pela Lei 8.009/1990. 4. Ademais, no caso ora sob análise, o Tribunal de origem, com ampla cognição fático-probatória, entendeu pela impenhorabilidade do bem litigioso, consignando a inexistência de propriedade sobre outros imóveis. Infirmar tal decisão implicaria o revolvimento de fatos e provas, o que é defeso a esta Corte ante o teor da Súmula 7 do STJ. 5. Recurso especial não provido”. (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 950.663/SC/ Relator Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 10.04.2012/ Publicado no DJe em 23.04.2012)
Neste compasso, o artigo 1º do referido texto legal, seguindo a esteira da nova ordem jurídica inaugurada pela Carta da República de 1988, passou a conferir proteção à moradia da célula familiar, que compreende o casamento, união estável e família monoparental. Neste sentido, inclusive, “se a proteção do bem visa atender à família, e não apenas ao devedor, deve-se concluir que este não poderá, por ato processual individual e isolado, renunciar à proteção, outorgada por lei em norma de ordem pública, a toda a entidade familiar”[27]. Em ocorrendo a situação de possuir o proprietário mais de um imóvel, será considerado como bem de família aquele de menor valor, ainda que o núcleo familiar resida no imóvel mais valioso. O bem de família, enquanto uma propriedade destinada à moradia da pessoa ou de um grupo familiar, tem sua origem na função social, conquanto não se trate de um direito absoluto, eis que pode conflitar com outros direitos que orbitem em mesmo dimensão existencial. Além disso, a proteção de impenhorabilidade acinzelada no Diploma aludido algures amplia o rol de bens apresentados nos artigos 649 e 650, ambos do Código de Processo Civil, com o fito de salvaguardar a moradia familiar. “A lei deve ser entendida de forma consentânea com a realidade viva, presente, obstando interpretações dissonantes do nosso tempo e espaços atuais”[28].
Há que se salientar, neste giro, que a realidade social é a mola propulsora da constante mutabilidade das normas jurídicas, tendo por elementos valoradores o processo histórico e cultural, como também os fatos concretos, decorrente da evolução da sociedade, que ofertam o fértil substrato e contribuem para a sua formulação. Nesta trilha, cogente se faz lançar mão das prodigiosas ponderações apresentadas por Eros Grau, em especial, quando destaca que “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[29].
5.2 Alargamento do Objeto
Conforme espanca o artigo 1º da Lei Nº 8.009, de 29 de março de 1990[30], a impenhorabilidade legal do bem de família não alcança apenas o imóvel, mas também contempla suas construções, plantações, benfeitorias de qualquer natureza e os equipamentos, incluindo-se os profissionais, além de encampar os móveis e utensílios que guarnecem o lar, desde que estejam devidamente quitados. De outra banda, não usufruem do véu da impenhorabilidade, em consonância com as disposições emanadas pelo artigo 2º do referido diploma, os veículos destinados ao transporte, obras de arte e adornos suntuosos, os quais serão passíveis de penhora, a fim de assegurar o pagamento das dívidas do titular. Neste sentido, cuida trazer à colação o aresto proveniente do Superior Tribunal de Justiça que firmou entendimento que:
“[…] sob a cobertura de precedentes desta Corte que consideram bem de família aparelho de televisão, videocassete e aparelhos de som, tidos como equipamentos que podem ser mantidos usualmente por suas características. A bicicleta, porém, não é bem de família, sendo meio de transporte, mais bem situado na vedação do art. 2º da Lei Nº. 8.009/90 […]” (Superior Tribunal de Justiça – Terceira Turma/ REsp Nº 82.067/SP/ Relator Ministro Carlos Alberto Menezes Direito/ Julgado em 26.06.1997) (sublinhei).
No que concerne à locução “adornos suntuosos”, realçar se faz necessário que a impenhorabilidade alcança tão-somente os bens indispensáveis à moradia, bem como aqueles que, hodiernamente, integram uma residência. Farias e Rosenvald[31] apregoam que o entendimento jurisprudencial empregou uma interpretação elástica ao analisar o alcance do véu da impenhorabilidade, notadamente em relação aos objetos imprescindíveis à promoção da dignidade da pessoa humana na contemporaneidade, de maneira a adequar a vida humana às novas exigências sociais. Quadra anotar que, em havendo diversos utilitários da mesma espécie, a impenhorabilidade incidirá apenas em uma unidade de cada bem, sendo plenamente possível a penhora sobre os que excederem.
Doutra forma, obstado será a extensão do manto da impenhorabilidade sobre os bens que não guarneçam a residência, cuja destinação se assenta na exploração econômica. Igualmente, com o advento da Lei Nº. 11.382/2006, que introduziu maciças alterações no Código de Processo Civil, tornou-se possível a promoção da penhora dos utensílios e bens que guarneçam o imóvel, desde que sejam de elevado valor ou ainda exasperem o que é tido como necessário para a manutenção de um padrão médio de vida. Ora, neste ponto, há que se reconhecer a substancialização do patrimônio mínimo, tendo a lei desfraldado o pavilhão de que tão somente o que é necessário para viver de forma digna deve ser resguardado por meio da impenhorabilidade. Logo, afiguraria como verdadeiro contrassenso legal admitir que o manto constante da Lei Nº. 8.009/1990[32], com fito rotundo, se destine a acampar bens supérfluos.
Nesse alamiré, fato é que se a pessoa humana do devedor reclama proteção mínima, capital para assegurar a sua dignidade, não menos certeiro é que o credor também merece proteção, de maneira a resguardar a sua própria dignidade. Ao lado do expendido, há se anotar que o fito primevo do Ordenamento Pátrio é dispensar proteção aos bens do devedor naquilo que se apresentar como imprescindível para resguardar sua vida digna, não estando, por consequência, abarcado aquilo que exasperar a um padrão médio de vida. Por óbvio, tão só diante do caso concreto é que poderá aferir o padrão médio de cada indivíduo, havendo, naturalmente, variações de um devedor para o outro, assim como de um lugar para o outro. Ademais, exige ponderação algumas situações específicas que também serão agasalhadas pela impenhorabilidade legal, a saber: a) a posse do imóvel residencial, na situação em que o possuidor revelar que o bem possuído é bem de família, estando, igualmente, acobertado pela proteção; b) o imóvel em construção, cômpar, é impenhorável, uma vez que é considerado antecipadamente bem de família, seguindo a trilha de precedentes jurisprudenciais consolidados pelos Tribunais pátrios; c) “a garagem, uma vez que integra – como qualquer outra parte, a unidade habitacional, salvo quando considerada autonomamente”[33], consoante interpretação dada pelo Superior Tribunal de Justiça, sendo admissível sua penhora quando individualizada, como unidade autônoma, no competente Registro de Imóveis. Outrossim, os apartamentos unificados deverão ser considerados como bem de família, desde que haja prévia demonstração da utilização conjunta por um único grupamento familiar, como bem assinalou Credie[34].
5.3 Exceções à Regra de Impenhorabilidade do Bem de Família Legal
Tal como ocorre com o bem de família convencional, também denominado de voluntário, há exceções em relação ao bem de família legal que afastam a incidência da impenhorabilidade, “temperando a impossibilidade de submeter à execução o imóvel que serve de lar e os objetos que o guarnecem”[35]. Com sulcos profundos, acinzela o artigo 3º da Lei Nº. 8.009/1990[36] que não poderá o devedor lançar mão da impenhorabilidade quando a cobrança manejada versar acerca de: a) créditos de natureza trabalhista ou previdenciária de trabalhadores da própria residência; b) créditos financeiros empregados na construção ou aquisição do próprio imóvel, salvo aqueles contraídos para fins de reforma do bem; c) pensão alimentícia oriunda das hipóteses contempladas no Direito de Família, afastando-se, por consequência, a verba alimentar de natureza indenizatória; d) impostos, taxas e contribuições devidas em razão do imóvel; e) execução de hipoteca que recai sobre o próprio bem, dado, de maneira voluntária, em garantia pelos titulares, independentemente de estar, ou não, constituída uma célula familiar; f) valores decorrentes da aquisição do imóvel com o produto do crime ou ainda para a execução de sentença criminal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens; g) dívida de fiança concedida em contrato de locação. De bom alvitre se faz trazer à colação o entendimento jurisprudencial consolidado pelo Superior Tribunal de Justiça que ventila no sentido que:
“Ementa: Recurso Especial. Ação de Indenização por Ato Ilícito. Furto Qualificado. Execução de Sentença. Embargos do Devedor. Penhora Bem de Família. Exceção do art. 3°, VI, da Lei N° 8009/90. Possibilidade. 1. O art. 3°, VI, da Lei 8.009/90 prevê que a impenhorabilidade do bem de família é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo quanto tiver "sido adquirido com produto de crime ou para execução de sentença penal condenatória a ressarcimento, indenização ou perdimento de bens". 2. Entre os bens jurídicos em discussão, de um lado a preservação da moradia do devedor inadimplente, e de outro o dever de ressarcir os prejuízos sofridos indevidamente por alguém em virtude de conduta ilícita criminalmente apurada, preferiu o legislador privilegiar o ofendido, em detrimento do infrator, criando esta exceção à impenhorabilidade do bem de família. 3. No caso, faz-se possível a penhora do bem de família, haja vista que a execução é oriunda de título judicial decorrente de ação de indenização por ato ilícito, proveniente de condenação do embargante na esfera penal com trânsito em julgado, por subtração de coisa alheia móvel (furto qualificado). […]” (Superior Tribunal de Justiça – Quarta Turma/ REsp 947.518/PR/ Relator Ministro Luis Felipe Salomão/ Julgado em 08.11.2011/ Publicado no DJe em 01/02/2012) (realcei)
O rol trazido à baila pela lei protetiva, com efeito, é considerado taxativo, devendo ser interpretado restritivamente, não sendo possível a sua ampliação a fim de contemplar hipóteses não albergadas pelo legislador infraconstitucional. Fato é que algumas situações apresentadas alhures merecem uma análise mais profunda, dada o sucedâneo de peculiaridades albergado. Dentre tais, pode-se arrazoar que a penhorabilidade do bem de família exclusivamente quando a dívida for decorrente de garantia real hipotecária, não sendo possível dispensar aplicabilidade a exceção para execuções fundadas em outras dívidas. Isto é, a lei não torna penhorável o imóvel dado em garantia real, mas sim preserva tão somente a execução do crédito garantido, não nas demais hipóteses além da hipotecária.
Outra questão rotunda a ser esmiuçada tange à penhorabilidade do bem de família para assegurar o pagamento de cotas condominiais. O Supremo Tribunal Federal consolidou ótica na qual a penhorabilidade se revela plenamente possível, quando a execução se deitar em dívidas condominiais a ele atinentes. “A interpretação da citada norma tem de estar antenada na ideia de dignidade humana não somente do titular do imóvel, mas, por igual, de todos os demais condôminos que residem no mesmo condomínio”[37], que restarão prejudicados pela falta de pagamento reiterada de uma de suas unidades. Outrossim, há que se considerar que os créditos trabalhistas de empregados do condomínio não estão encampados na hipótese contida no inciso I da referida norma, porquanto tais créditos são devidos pelo próprio condomínio, o qual arrecada de todas as unidades valores para o pagamento.
Questão considerada alvo de calorosos embates está adstrita acerca da redação do inciso VII do artigo 3º da Lei 8.009/1990, atinente à dívida proveniente do contrato de fiança, sendo considerado como inconstitucional, uma vez que trataria de modo desigual duas obrigações que possuem o mesmo fundamento. Aliás, tal entendimento foi explicitado pelo Supremo Tribunal Federal, ao apreciar o Recurso Extraordinário Nº. 352.940-4, de relatoria do Ministro Carlos Velloso, o qual diccionou que a norma contida no inciso acrescido pela Lei do Inquilinato não foi recepcionada pelo artigo 6º da Constituição Federal, com redação dada pela Emenda Constitucional Nº 26/2000, por expressa afronta ao princípio da isonomia e os princípios de hermenêutica empregados na interpretação das normas.
6 Repercussões do Recurso Especial nº 1.351.571/SP para a impenhorabilidade do bem de família
Recentemente, em 27 de setembro de 2016, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, ao julgar o Recurso Especial nº 1.352.571/SP, trouxe ao debate à questão da impenhorabilidade do bem de família, mesmo se tratando de fração. O ilustrativo recurso questionava a impossibilidade de se promover a penhora de fração de imóvel considerado “de luxo”, maiormente, em decorrência da ausência de uma norma capaz de inserir, no ordenamento jurídico brasileiro, a concepção de “imóvel de luxo”. De acordo com Mariana Muniz, “a discussão sobre a penhora de fração do bem foi levada ao STJ a partir do Recurso Especial 1.351571/SP, inicialmente relatado pelo ministro Luís Felipe Salomão”[38]. É oportuno consignar que o Ministro Relator assentou a tese que, diante do caso de um imóvel dotado de alto valor e habitado por uma pessoa endividada, seria cabível à realização de penhora de fração do imóvel para adimplir ao credor. Em consonância com o relator, ainda, após a realização da constrição sobre fração do bem de família, seria assegurado que o restante do imóvel restaria protegido para que o proprietário e sua família pudessem viver de forma digna e respeitável.
Em que pese o entendimento explanado pelo Ministro Relator, no decurso do julgamento, o Ministro Marco Buzzi inaugurou divergência, em especial quando apontou que o objeto ao qual a penhorava ambicionava era uma unidade habitacional indivisível, sendo, em decorrência de tal aspecto, inviável a penhora total, parcial ou individual. Além disso, ao seguir o voto que inaugura a divergência, é denotável que uma interpretação mais arrojada da legislação que versa sobre o bem de família poderia expor, indevidamente, o intérprete, o qual ultrapassaria os limites estatuídos pela previsão legal. Neste talvegue, ao se analisar a situação trazida à baila e ilustrada pelo paradigmático julgamento, é importante assinalar que não é pertinente, sobretudo em decorrência dos preceitos axiológicos norteadores da aplicabilidade e conformação da legislação específica que versa sobre o bem de família, porquanto haveria um odioso alargamento das propostas de penhora, estribando-se na perspectiva subjetiva de ser o imóvel, no caso concreto, dotado de elevado valor econômico.
Ademais, prosseguindo ao exame do caso concreto, à luz das conotações principiológica que advém da legislação em comento, cuida explicitar que a acepção “imóvel de luxo” renega o intérprete do ordenamento brasileiro a uma seara nebulosa e movediça, porquanto encontra estribo apenas em critérios subjetivos, diante da lacuna legislativa em delinear, tal como dito algures, uma acepção mais técnica sobre a temática. Em mesmo sentido, Mariana Muniz vai explicitar que, “para Galotti, deveria haver uma lei que fixasse algum parâmetro para estabelecer o que é considerado um imóvel de luxo, ou que exceda a necessidade básica de subsistência e que fosse protegida a impenhorabilidade”[39]. Nesta linha, o Recurso Especial em comento configura verdadeiro marco interpretativo, explicitando os aspectos limitadores para a incidência da penhora, sobremaneira na impossibilidade de estabelecer constrição sobre parcela do patrimônio tido como bem de família.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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