Por Fernando Bianchi, sócio do Miglioli e Bianchi Advogados, especializado em Direito da Saúde Suplementar e membro da Comissão de Estudos de Planos de Saúde da OAB/SP
O crescimento das ações judiciais tratando de questões relacionadas à saúde, tem cada vez mais conquistado relevância na movimentação e no volume de demandas junto ao Poder Judiciário.
Em recente pesquisa realizada pelo INSPER, encomendada pelo CNJ, divulgada no Hospital Sírio Libanês em São Paulo em março de 2019, foi constatado o aumento de 130% de ações judiciais relativas à saúde entre os anos e 2008 e 2017. Nesse período foi contabilizado cerca de 500 mil ações dessa natureza.
Conforme constatado também pela referida pesquisa, a qualidade da prestação jurisdicional em tais ações não tem sido a desejada.
Tal reconhecimento tem decorrido da própria cúpula do judiciário, tanto que o próprio Presidente do Supremo Tribunal Federal, Min. Dias Toffoli, afirmou que “os magistrados não podem administrar o orçamento das empresas de saúde”, assim como sobre “a necessidade de minorar a participação da Justiça na resolução de conflitos ligados à saúde”.
E boa parte da responsabilidade pela má prestação jurisdicional no julgamento de ações afetas à matéria relacionada à saúde se dá pela postura de magistrados que não utilizam ferramentas criadas pelo próprio CNJ em parceria com conceituadas instituições médicas como Hospital Albert Einstein e Hospital Sírio Libanês, para melhorar a qualificação das decisões, como o “NATs, NAT-JUS e COMITEC”, por exemplo.
Conforme dados da referida pesquisa produzida pelo INSPER, menos de 20% dos acórdãos utilizam pareceres técnicos e fundamentação específica.
O que se vê na prática forense contenciosa, são decisões com pouco embasamento técnico à luz da medicina e até mesmo jurídico à luz das respectivas legislações específicas.
Para os planos de saúde e hospitais, o resultado de tais decisões é catastrófico, injusto e extremamente danoso.
Para os pacientes, há situações que também se mostram danosas, pois existem decisões que consideram exclusivamente a posição do médico assistente, sem qualquer filtro ou ponderação, não obstante, por vezes, estar contaminada por conflito de interesses, gerando perigo e má prestação jurisdicional, mesmo nas hipóteses de procedências dos respectivos pleitos.
Em São Paulo, 82% das ações relativas a saúde, se referem às operadoras de planos de saúde privado.
E nesse peculiar, se verifica milhares de decisões contrárias a tais empresas que exercem importante papel na prestação da saúde complementar, num estado, cuja saúde pública não tem condições de cuidar da população.
A lida processual do dia a dia, demonstra o desequilibrado assistencialismo indevido, trazido por decisões judiciais que ignoram o sub sistema legislativo editado pela Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS, bem como disposições contratuais e pareceres médicos, considerando meramente a necessidade da cobertura do atendimento por parte do paciente, e, não, o seu efetivo direito à luz do contrato e da legislação.
Ocorre que esse tipo de “pseudo solução” individual, no âmbito global, provoca uma reação em cadeia, que prejudica milhares de outros beneficiários e a própria sociedade.
O cenário se torna ainda pior, em relação a desenfreada concessão de tutelas de urgência, “liminares”, em sede de ações judiciais, que impõe imediato desembolso de verdadeiras fortunas no custeamento de coberturas que ao final, em seu julgamento de mérito, são julgadas improcedentes.
Nessas situações, em que pese a lei processual civil garantir que o autor da ação é responsável pelos prejuízos decorrentes da concessão das medidas de urgência, na prática, os beneficiários, em grande parte, detentores dos benefícios da justiça gratuita e sem patrimônio pessoal para fazer frente aos prejuízos, saem impunes e com o tratamento que não tinham direito gratuito e, por sua vez, a operadora com o prejuízo.
O pior é que a própria lei processual civil determina aos magistrados que as tutelas de urgência não devem ser concedidas quando se mostrarem irreversíveis, como no exemplo supra, porém, ainda assim, a concessão de tais medidas não encontra efetivo filtro.
É de vital necessidade que os magistrados desconstruam o pré-conceito de que as operadoras de planos de saúde adotam posturas ilegais como regra, assim como ter a sensibilidade sobre a irreversibilidade prática das medidas de urgência antes de sua concessão.
Tudo porque, nas hipóteses de erro judiciário na concessão das medidas de urgência, confirmados por decisões de improcedência de mérito no julgamento da ação, mesmo existindo lei processual civil garantindo em tese, o respectivo ressarcimento pelos prejuízos gerados pela liminar, na prática, o prejuízo e dano definitivo à operadora de plano de saúde são certos.
Portanto, tão importante quanto a discussão sobre o crescimento da judicialização da saúde, é a responsabilização de suas consequências de forma eficaz, situação que convida os operadores do direito a refletir sobre eventual alteração legislativa, visando de forma objetiva e autônoma, a responsabilização pessoal e direta do magistrado responsável por uma medida de urgência mal concedida, sem o anteparo do Estado e de todos os atuais óbices protetivos impostos pela legislação infraconstitucional.
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