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Resumo: Este artigo trata da nova conformação do mundo do trabalho, na era pós-industrial, com destaque para o advento da “Reforma Trabalhista” e seus reflexos no movimento sindical. A nova realidade da estrutura do trabalho e da conformação do ordenamento jurídico pátrio requerem dos sindicatos uma reformulação estrutural e na forma de representatividade junto às relações laborais.
Palavras-chave: Sindicalismo; Reforma Trabalhista; Contribuição Sindical.
Abstract: This is an article about the new shape of the work’s world, on the post industrial age, highlighting the advent of labor reform and your reflexes on syndicate`s movement. The new reality of labor structure and legal national ordering require syndicate’s structural reformulation as also on their labor relations representativeness shape.
Keywords: Syndicalism; Laboral Reform; Syndicate Tax.
Sumário: Introdução. 1. Mutações sociais e reflexos no sindicalismo. 2. Reforma Trabalhista e contribuição sindical. 2.1. Contribuição sindical facultativa – teses favoráveis. 2.2. Contribuição sindical facultativa – retrocesso legislativo. 3. Outros reflexos da Reforma Trabalhista no modelo sindical brasileiro. Considerações Finais. Referências bibliográficas.
Introdução
Não é novidade que a conjuntura social dos tempos hodiernos é muito diferente da que imperava no século passado. As diversas mutações sociais operadas mundialmente, em todas as dimensões, são evidentes também no mundo do trabalho moderno. Com efeito, as múltiplas alterações ocorridas no seio da classe trabalhadora e do universo produtivo apontam para uma necessária reformulação do movimento sindical, no sentido de fazer frente às novas demandas que se apresentam. Compreender essas mudanças e a realidade atual do trabalho é crucial para a própria sobrevivência do sindicalismo.
Além disso, cabe uma pausa para análise pormenorizada de importante alteração legislativa, trazida pela Lei nº13.467/2017, denominada de Reforma Trabalhista, no que tange ao estabelecimento da contribuição sindical como facultativa e, como consequência, o evidente abalo na atuação sindical.
Diversos são os fatores que, modernamente, têm contribuído para o declínio dos movimentos sindicais e que, necessariamente, direcionam para uma reconstrução do modelo atualmente vigente em escala mundial. Um deles é a heterogeneidade e complexificidade da forma de ser da atual classe trabalhadora. Em face das transformações ocorridas na divisão internacional do trabalho e na divisão sociotécnica do trabalho, regidas pela globalização do capital, há que se entender que a classe trabalhadora moderna é mais ampla que a predominante nos idos do apogeu do fordismo e do taylorismo.
De fato, pode-se perceber que a redução do proletariado industrial andou de mãos dadas com o surgimento de formas mais desregulamentadas de trabalho. Atualmente, há um enorme incremento do subproletariado fabril e de serviços, o que se conhece como trabalho precarizado (aí incluídos os terceirizados, subcontratados, part-time, entre outros). São inegáveis, igualmente, a crescente feminização do trabalho, a expansão do terceiro setor e o acréscimo de assalariados médios e dos trabalhadores em domicílio.
Portanto, como leciona Ricardo Antunes em O caracol e sua concha (2005), a classe trabalhadora tem ultimamente “uma conformação mais fragmentada, mais complexificada, mais polissêmica, mais multifacetada”, incorporando também o “proletariado rural – que vende a sua força de trabalho para o capital –, (…) o proletariado moderno, fabril e de serviços, part-time, que se caracteriza pelo vínculo de trabalho temporário, pelo trabalho precarizado, em expansão na totalidade do mundo produtivo”. Esse desmoronamento das categorias tradicionais tem produzido efeitos impactantes sobre a atuação sindical, eis que a fragmentação das intenções dos trabalhadores dificulta a conglobação das demandas e reduz a coesão.
É, pois, fato notório que a fragmentação e a heterogeneidade dos obreiros, dentro dessa nova conformação da classe trabalhadora, vêm dificultando a atuação sindical ante a ausência de uma ação mais homogênea e coletiva dos sindicatos. A força de trabalho desregulamentada e dividida prejudica a organização social e o engajamento nas demandas reivindicatórias, diferentemente do que acontecia no passado nas grandes fábricas, sob a égide do fordismo/taylorismo.
Igualmente aliando-se a essa perspectiva de contração sindical, o capital, no escopo de refomentar o seu projeto de dominação, vem promovendo, em nível transnacional, a valorização exacerbada das aspirações individuais (o que se alastra também pelo mundo do trabalho) em detrimento da solidariedade e da atuação coletiva e social. Esse processo, que culmina fatalmente no grande desinteresse dos trabalhadores em participar da vida sindical, prejudica as ações coletivas do sindicato.
O famigerado declínio do emprego formal, oriundo da crescente onda de exclusão social, ocasionou o reducionismo da pauta reivindicativa dos sindicatos. Atualmente, tem-se privilegiado negociações que objetivem, sobretudo, garantir os empregos, acolhendo-se pleitos como redução salarial, suspensões temporárias dos contratos de trabalho, compensação de horas, entre outros. Tudo isso em decorrência do medo de se perder empregos.
Além dos fatores já mencionados, o professor Leôncio Martins Rodrigues, em Destino do sindicalismo (1999) aponta como causas da crise do sindicalismo a dispersão dos trabalhadores em várias unidades produtivas, até mesmo localizadas em diferentes países; a diminuição das unidades fabris, a terceirização e o incremento da produção em empresas pequenas, o que dificulta a aglutinação dos operários de igual categoria; e a sobrevalorização de acordos por empresas e locais de fabricação, ao invés das negociações que abarcam as categorias como um todo.
Ademais, há um processo de perda das receitas sindicais, considerando a enorme quantidade de trabalhadores do setor informal e dos chamados desempregados estruturais, os quais estão evidentemente dissociados da estrutura sindical. Essa realidade atinge duplamente os sindicatos em face do já mencionado temor do desemprego, o que subtrai a força de negociação sindical, na medida em que os operários preferem trabalhar em condições muitas vezes degradantes a entrar em qualquer atrito com a classe empregadora e acabar ingressando no submundo do desemprego.
Diante de tal cenário, observa-se que os sindicatos simplesmente esmoreceram no tocante ao desenvolvimento de qualquer luta contra a hegemonia e a dominação capitalista. Deste modo, não são poucos os obreiros que os consideram meras instituições prestadoras de serviços assistencialistas, restando a classe trabalhadora totalmente estranhada e alienada em relação ao cunho eminentemente emancipatório e reivindicativo que reinava nas origens do movimento sindical.
Antes da Reforma Trabalhista, os empregadores estavam obrigados a efetuar o desconto na folha de pagamento dos seus empregados, no valor de um dia de trabalho, a título de contribuição sindical. Tal desconto, via de regra, era efetuado no mês de março de cada ano com o pagamento no mês subsequente. A obrigação de recolhimento também recaía sobre agentes ou trabalhadores autônomos e para os profissionais liberais, além dos integrantes de categoria profissional ou econômica, sem deixar de mencionar a contribuição patronal cogente, calculada com base no capital social da empresa e com prazo de recolhimento para janeiro de cada ano.
De acordo com Manus (2017), a contribuição sindical seria uma consequência da adoção pelo legislador brasileiro do sistema da unicidade sindical, que significa a existência de apenas um sindicato por categoria em cada localidade. Distingue-se a unicidade da pluralidade sindical e também da unidade sindical, que é a existência de um só sindicato por grupo, mas por decisão dos interessados, e não por imposição legal, o que caracteriza a unicidade.
Nesse modelo, não só os grandes sindicatos teriam sobrevida, mas também pequenos sindicatos, tendo em vista a contribuição assegurada.
Ainda antes da Reforma Trabalhista, Godinho (2014, p.1408) afirmava que a contribuição sindical obrigatória é a mais controvertida, do ponto de vista político-ideológico, dessas receitas. Prevista na ordem jurídica desde a implantação do tradicional sistema sindical corporativista, há várias décadas, inicialmente sob a denominação de imposto sindical, foi, tempos depois, rebatizada com epíteto mais eufemístico, ainda hoje prevalecente. Encontra-se regulada de modo minucioso pela CLT (arts. 578 a 610).
Em linhas gerais, a legislação pretérita estabelecia:
“Art. 579 – A contribuição sindical é devida por todos aqueles que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591.
Art. 580. A contribuição sindical será recolhida, de uma só vez, anualmente, e consistirá:
I – Na importância correspondente à remuneração de um dia de trabalho, para os empregados, qualquer que seja a forma da referida remuneração;
Il – para os agentes ou trabalhadores autônomos e para os profissionais liberais, numa importância correspondente a 30% (trinta por cento) do maior valor-de-referência fixado pelo Poder Executivo, vigente à época em que é devida a contribuição sindical, arredondada para Cr$ 1,00 (um cruzeiro) a fração porventura existente;
III – para os empregadores, numa importância proporcional ao capital social da firma ou empresa, registrado nas respectivas Juntas Comerciais ou órgãos equivalentes, mediante a aplicação de alíquotas, conforme a seguinte tabela progressiva […]”
A alteração legislativa, trazida pela Lei n. 13.467/17, no entanto, condicionou o desconto da contribuição à autorização prévia e expressa dos trabalhadores, conforme trechos abaixo:
“Art. 579. O desconto da contribuição sindical está condicionado à autorização prévia e expressados que participarem de uma determinada categoria econômica ou profissional, ou de uma profissão liberal, em favor do sindicato representativo da mesma categoria ou profissão ou, inexistindo este, na conformidade do disposto no art. 591 desta Consolidação”.
“Art. 582. Os empregadores são obrigados a descontar da folha de pagamento de seus empregados relativa ao mês de março de cada ano a contribuição sindical dos empregados que autorizaram prévia e expressamente o seu recolhimento aos respectivos sindicatos”.
“Art. 583. O recolhimento da contribuição sindical referente aos empregados e trabalhadores avulsos será efetuado no mês de abril de cada ano, e o relativo aos agentes ou trabalhadores autônomos e profissionais liberais realizar-se-á no mês de fevereiro, observada a exigência de autorização prévia e expressa prevista no art. 579 desta Consolidação”.
“Art. 587. Os empregadores que optarem pelo recolhimento da contribuição sindical deverão fazê-lo no mês de janeiro de cada ano, ou, para os que venham a se estabelecer após o referido mês, na ocasião em que requererem às repartições o registro ou a licença para o exercício da respectiva atividade”.
“Art. 602. Os empregados que não estiverem trabalhando no mês destinado ao desconto da contribuição sindical e que venham a autorizar prévia e expressamente o recolhimento serão descontados no primeiro mês subsequente ao do reinício do trabalho”
Em linhas gerais, a alteração legal, a partir da exigência de autorização expressa para desconto, transmuta a contribuição sindical para a natureza facultativa.
Segundo Costa e Carrero (2018), a Lei nº 13.467/2017, que constitui a Reforma Trabalhista, mudou a contribuição sindical de obrigatória para facultativa, condicionada de autorização expressa do trabalhador, sendo uma alteração profunda na receita sindical.
Ademais, não houve previsão de qualquer forma de custeio das organizações sindicais ou regra de transição. A Lei n. 13.467/17 além de extinguir a contribuição sindical obrigatória, vedou também a estipulação de cláusula que trate sobre outras formas de custeio (contribuição negocial ou assistencial) nos instrumentos coletivos, gerando dificuldade adicional para a manutenção dos sindicatos.
Mencione-se ainda que a expressão reiterada na nova lei sobre a necessidade de prévia e expressa autorização por parte do trabalhador para a efetivação de qualquer desconto também pode gerar consequências devastadoras. Um dos aspectos, nas palavras de Santos (2018, p. 72), é o receio dos empregados em solicitar ao empregador o desconto e sofrerem algum tipo de represália, por subsidiar a atividade sindical. Por outro lado, podem ocorrer também de alguns empregadores pressionarem seus empregados para que não autorizem o desconto dessa contribuição.
A mudança provocou de início grande efervescência no meio jurídico, argumentando-se a inconstitucionalidade formal e material da extinção da contribuição sindical obrigatória, tema posteriormente julgado constitucional.
Superada essa controvérsia, resta a análise do impacto de tal alteração na atividade sindical. O modelo brasileiro, agora, aproxima-se da forma de custeio dos países onde a liberdade sindical é ampla, ou seja, sem meios oficiais de financiamento.
2.1. Contribuição sindical facultativa – teses favoráveis
O debate sobre a retirada da obrigatoriedade da contribuição sindical, inevitavelmente faz ressurgir teses que apoiam a sua facultatividade sob vários argumentos. Uma delas seria a de que tal contribuição compulsória teria natureza contraditória tanto pelo ângulo do trabalhador, quanto do sindicato. Qual seria o estímulo à filiação, se, independentemente de sua adesão ao sindicato, necessariamente haveria o desconto em folha? Da mesma forma, não seria necessário muito esforço por parte dos sindicatos para a filiação, visto que certamente haveria a receita da contribuição obrigatória.
Outra teoria que vigora é a de que a certeza do recebimento dessa receita teria levado ao desvirtuamento na criação de novos sindicatos. Nas palavras de Scorsafava (2019), no Brasil, a contribuição sindical obrigatória teria sido um estímulo importante à fragmentação e à multiplicação dos sindicatos após o fim, com a Constituição de 1988, do controle exercido pelo Ministério do Trabalho sobre a criação dessas entidades. Segundo este autor, a partir dos amplos recursos à disposição, dirigentes viram na dissociação e desmembramento de associações pré-existentes uma maneira de ter acesso àquelas expressivas receitas tributárias.
Nesse diapasão, o fato de a contribuição ser apenas uma faculdade, segundo essa teoria, forçaria uma seleção natural dessas instituições, de forma que aquelas menos atuantes perderiam receitas, contribuindo, assim, para a inibição dos sindicatos que não visem o bem comum dos trabalhadores ou não se façam representar como deveriam.
Além da vertente que defende a facultatividade de tal contribuição por considerá-la uma forma de enriquecimento dos sindicatos sem real motivação com a categoria, existe ainda aquela que considera a contribuição sindical obrigatória como uma forma de controle estatal, em conjunto com a unicidade sindical e a necessidade de registro do sindicato na esfera estatal. Ressalta ainda a lesão que essa obrigatoriedade provoca no princípio da liberdade de associação.
Godinho (2014), ainda antes da alteração legislativa de 2017, ponderava que a contribuição sindical obrigatória derivava de lei e incidia também sobre os trabalhadores não sindicalizados, tendo indisfarçável matiz parafiscal. Considerava ainda que tal receita atraía severas críticas quanto à agressão que propiciava aos princípios da liberdade associativa e da autonomia dos sindicatos.
Calcada nessa tese, a Reforma Trabalhista teria sido uma adequação da cobrança da contribuição sindical ao princípio da liberdade.
“Deste modo, o legislador reformador, ao tornar a contribuição sindical facultativa, se pautou no princípio da liberdade de associação que está previsto no ordenamento jurídico brasileiro desde a Constituição de 1891, sendo que a liberdade de contribuição é mero corolário lógico do direito de associar-se ou não.” (Calcini, 2018)
A facultatividade da contribuição traria então um direito ao trabalhador e não um dever, na medida em que poderia optar pelo seu recolhimento caso se entendesse que de fato estaria sendo representado por determinado sindicato.
2.2. Contribuição sindical facultativa – retrocesso legislativo
Embora possa admitir-se tal teoria, o contexto histórico da Reforma Trabalhista não permite creditar à alteração uma busca de fortalecimento ou independência sindical, mas de enfraquecimento de tais instituições.
De acordo com Costa e Carrero (2018), com a Reforma Trabalhista de 2017, a contribuição sindical passa a ser facultativa, porém, a medida no contexto da reforma do governo Temer não acompanha uma mudança benéfica aos sindicatos, pelo contrário, como a reforma tem em seu núcleo flexibilizar as relações de trabalho e enfraquecer os vínculos empregatícios, os trabalhadores não se verão incentivados a financiar uma entidade reservada, nos termos da “reforma”, apenas a legitimar a retirada de seus direitos. A ocasião da reforma reflete-se como um momento de rearticulação das relações de produção do capitalismo, cujo objetivo produzido é a diminuição da atuação sindical e enfraquecimento diante da supressão de direitos, minimizando qualquer resistência por parte do movimento, nas considerações de Celeste (2017).
Delgado e Delgado (2017) argumentam que, no que tange à Reforma Trabalhista em relação ao Direito Coletivo do Trabalho, ao invés de ser um instrumento de harmonização, agregação e, em certas situações, de adequação em face do patamar civilizatório mínimo fixado no Direito Individual do Trabalho, o Direito Coletivo do Trabalho passaria a se direcionar, nos termos da nova lei, para o caminho de se tornar mais um meio de redução da condições mínimas de dignidade trabalhista garantidas pela ordem jurídica especializada da República Brasileira.
Nesse contexto, em contraponto à tese que enaltece a facultatividade da contribuição sindical, relembre-se a importância histórica dos sindicatos que, como entidade representativa de uma coletividade, apresentava maior força em negociações junto aos empregadores e entidades representativas para galgar melhores condições de trabalho em demandas que facilmente seriam cedidas pelos trabalhadores em negociações individuais.
O art. 511 da CLT, em seu Título V – Da Organização Sindical, declara:
“É lícita a associação para fins de estudo, defesa e coordenação dos seus interesses econômicos ou profissionais de todos os que, como empregadores, empregados, agentes ou trabalhadores autônomos ou profissionais liberais exerçam, respectivamente, a mesma atividade ou profissão ou atividades ou profissões similares ou conexas.
“§ 2º A similitude de condições de vida oriunda da profissão ou trabalho em comum, em situação de emprego na mesma atividade econômica ou em atividades econômicas similares ou conexas, compõe a expressão social elementar compreendida como categoria profissional.
Desse trecho, pode-se depreender que o objetivo principal dos sindicatos é a defesa dos interesses da classe a que representa. Entrelaçado a essa finalidade está a contribuição sindical compulsória, elemento que subsidiava a organização e exercício sindical.
O modelo de sindicalismo constante na Constituição Federal tem como base o tripé formado pela unicidade sindical, representatividade obrigatória e custeio das entidades sindicais por meio da contribuição sindical. Ocorre que a alteração dessa fonte de custeio desestabiliza um desses pilares e, consequentemente, a estrutura sindical como um todo.
Conforme entendimento de Scorsafava (2019), o modelo corporativo de organização do sindicalismo no Brasil perdeu mais um de seus sustentáculos com o fim da contribuição sindical obrigatória – a par da extinção da carta sindical, da representação classista na Justiça do Trabalho e da restrição ao poder normativo desta Especializada.
Essa receita tributária mantinha o modelo sindical vigente com a aprovação pelo legislador constituinte e todo arcabouço jurídico pátrio, sempre funcionando sob o manto do custeio compulsório.
A alteração dessa receita sob o condão da facultatividade gerou, portanto, forte abalo na estrutura sindical pátria. Nas palavras de Delgado e Delgado em A Reforma Trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017 (2017):
“Contudo, com a mudança específica que realizou, atingindo em cheio a contribuição sindical obrigatória – que existe há cerca de oito décadas na ordem jurídica do País –, sem dúvida provocará alteração muito substancial na estrutura do sindicalismo brasileiro, pois afetará, cirurgicamente, o seu fluxo de recursos econômico-financeiros; em síntese, afetará, substancialmente, o custeio das entidades sindicais.”
“Uma questão a realçar neste tema é que a estrutura administrativa e a atuação dos vários sindicatos profissionais e patronais é bastante complexa, e seus compromissos financeiros são proporcionais a sua receita, o que ocorre há muitas décadas. Desse modo, acreditamos que a retirada da contribuição sindical obrigatória de imediato tanto num grande sindicato quanto numa entidade de tamanho e representação menores cause sérios abalos financeiros.” (Manus, 2017)
O funcionamento dos sindicatos nos moldes anteriores, garantidor de vários direitos aos trabalhadores, requeria uma estrutura administrativa complexa, contando com dirigentes sindicais, muitas vezes afastados de suas funções laborais, advogados, prestadores de serviço, pessoal na área administrativa, dentre outros.
Resta inegável que a alteração legislativa abrupta tem reflexos na estrutura administrativa e gerencial dos sindicatos, comprometendo a sua saúde financeira e pleno exercício da busca por melhores condições de trabalho para as categorias. A redução dessas receitas enfraquece os sindicatos econômica e politicamente, expondo direitos e conquistas, até então obtidas, junto ao equilíbrio dos contratos de trabalho.
Além disso, faz-se importante considerar que o prejuízo que se apresenta não é só junto à representatividade sindical, mas também aos trabalhadores como um todo, que inegavelmente terão um corte nos benefícios assistenciais oferecidos pelos sindicatos, que, a partir desse novo modelo, são forçados a se reestruturar para redução do seu quadro administrativo.
Há quem julgue que tal mudança legislativa tem cunho eminentemente capitalista, sob o manto da supremacia das finanças em detrimento dos direitos sociais. “O contexto de reformas expressa um modo de rearticulação das relações de produção para oxigenar as formas de exploração pelo capitalismo mundial.” (Celeste, 2017)
Esse esvaziamento financeiro é uma forma de enfraquecer a atuação sindical junto às classes trabalhadoras, tanto no que tange ao poder de representatividade nas negociações coletivas, quanto nas efetivas conquistas e desafios vindouros por melhores condições para as categorias laborais.
Apesar de constar na lista de justificativas para a Reforma Trabalhista a importância do “negociado sobre o legislado”, o rol de mudanças trazido, além de enfraquecer economicamente os sindicatos, compromete também campos de atuação de tais instituições, como a não obrigatoriedade de homologações das rescisões dos contratos de trabalho, papel desempenhado também pelos sindicatos. O panorama que se apresenta é de menor vinculação dos trabalhadores aos sindicatos e, por conseguinte, maior exposição aos ditames dos empregadores.
Com base nesses elementos, pode-se enumerar uma conjunção de aspectos que a Lei nº 13.467/2017 proporcionou no campo do enfraquecimento da estrutura sindical. O primeiro deles seria a eliminação do financiamento compulsório dos sindicatos, sem qualquer regra de transição que permitisse a adaptação gradativa dos sindicatos. O segundo aspecto é a não autorização da cobrança, em face dos trabalhadores representados, da cota de solidariedade (contribuição negocial ou assistencial), que é fixada em convenção ou acordo coletivo de trabalho pelas vitórias galgadas com a negociação.
Outro fator é a eliminação da atividade fiscalizadora dos sindicatos na rescisão dos contratos individuais do trabalho, quando da exclusão da homologação das rescisões contratuais. Atrelado a isso, cria um novo procedimento, com participação do sindicato, que é o “termo de quitação anual das obrigações trabalhistas” celebrado periodicamente durante o contrato de trabalho.
Há ainda a instituição da comissão de representação dos empregados nas empresas, em verdadeira atuação paralela ao sindicato, haja vista que a redação do dispositivo legal expressa a vedação da interferência do sindicato na referida comissão, em uma clara posição de atuações concorrentes e não harmônicas entre a comissão e o sindicato.
Por fim, nas palavras de Delgado e Delgado (2017), o novo diploma jurídico instiga o sindicalismo a se tornar potencial adversário dos trabalhadores, podendo suprimir ou atenuar, por meio da negociação coletiva trabalhista, largo número de direitos imperativamente fixados na ordem jurídica heterônoma estatal, a exemplo do art. 611-A da CLT.
Não se pode desconsiderar que algumas das outras mudanças da Lei nº 13.467/2017, no bojo do Direito Individual do Trabalho que, ainda que indiretamente, também contribuem para o afastamento do sindicato dos seus trabalhadores representados, dentre eles a permissividade pela terceirização trabalhista.
Considerações Finais
Considerando todos os elementos expostos, há de se questionar sobre o futuro do sindicato enquanto organização coletiva e social dos trabalhadores e da sua potencialidade (ou não) de promover eficazmente a defesa dos operários frente aos abusos do capital e do poder econômico. Ante as alterações legislativas e a nova conjuntura da classe trabalhadora, que nem por isso se pode dizer menos explorada, quais são os horizontes no que diz respeito ao papel do sindicato em face dos desafios do mundo pós-moderno?
Primeiramente, é importante registrar que, embora o capital tenha se expandido em perspectiva transnacional – vejam-se as grandes multinacionais –, os sindicatos permanecem a funcionar dentro da mesma lógica de sempre, ou seja, promovendo uma atuação estritamente local, sem transpor os limites nacionais. Não há uma coordenação de qualquer ação reivindicativa, de qualquer luta social com objetivos de atingir toda uma corporação multinacional. A luta entre trabalhadores divididos e limitados pelas fronteiras nacionais contra um capitalismo supranacional é patentemente desigual e já aponta a classe que sairá vencedora. Urge, portanto, que os sindicatos transponham os seus limites corporativos, internacionalizando-se, e que organizem melhor a forma de gerir as suas demandas no contexto do mundo do trabalho globalizado.
Além disso, em face da horizontalização da produção na cadeia produtiva (a exemplo da já mencionada terceirização, dos contratos part-time, etc.), o sindicalismo do tipo vertical, herança do fordismo, não atende aos anseios da sociedade do trabalho pós-moderna. Os sindicatos precisam assumir, com criatividade e motivação, um compromisso com a nova classe trabalhadora, abraçando os subcontratados, os empregados do terceiro setor, os autônomos e os trabalhadores em domicílio. Esse tema deve ser abordado sob uma perspectiva de prioridade e não ser relegado, como tem sido, a uma posição marginal.
Nesta toada, leciona o professor Everaldo Gaspar Lopes de Andrade em Direito do trabalho e pós-modernidade (2005):
“O sindicato verticalizado – reduzido ao aspecto reivindicativo dos trabalhadores formais e concentrado no interior das organizações privadas ou públicas – está em descompasso com as aspirações da Sociedade Pós-Industrial. Por isso, exige-se dos sindicatos maior horizontalidade, ou seja, compromisso com a sociedade do trabalho como um todo (que abriga empregados – de curta ou longa duração; de tempo integral e de tempo parcial; pertencentes a outras modalidades de contratação –, terceirizados, informais, autônomos, as novas e múltiplas formas de rendas e de sociedade atípicas, não vinculadas às sociedades capitalistas tradicionais e, inclusive, os excluídos”.
Essa alternativa de sobrevivência do movimento sindical é compartilhada por outros estudiosos, a exemplo de Gilberto Dupas, citado por Amauri Mascaro do Nascimento em Compêndio de direito sindical (2009), que aponta como saída para o sindicalismo o abandono definitivo da “ideia de visar somente aos que estão empregados formalmente”, existindo a necessidade de que os sindicatos se adaptem “à nova dinâmica social, abrindo-se para uma nova linha de ação de interesses aos trabalhadores flexíveis”.
Outro importante caminho para o fortalecimento do movimento sindical é o efetivo engajamento nas discussões tripartites. Esses espaços podem, se aproveitados com dinamicidade, possibilitar o equilíbrio dos embates travados entre os sindicatos e o capitalismo devassador, pois, em tese, as classes estariam a discutir em condições de igualdade as relações entre empresas e trabalhadores. De igual modo, o ambiente de negociação tripartite dinamiza a atuação sindical, abrindo espaço para que os sindicatos discutam ativamente as políticas públicas, saindo um pouco da velha cantiga de negociar diretamente com as empresas, o que reduz o poder de intervenção sindical.
Em paralelo a esses desafios, as alterações legislativas, principalmente no tocante ao caráter facultativo da contribuição sindical, vieram a minar ainda mais a estrutura sindical vigente. Um dos pilares desse modelo foi fortemente abalado, no entanto, não houve uma reforma geral no sistema de forma que justifique a sua motivação coerente em direção à liberdade sindical plena preconizada pela Convenção 87 da Organização Internacional do Trabalho.
A reformulação abrupta trazida pela alteração legislativa, certamente inaugurará uma nova era na atuação sindical. Um período de busca constante por representatividade e efetividade de atuação, na busca por resultados capazes de convencer e justificar aos trabalhadores a necessidade do seu recolhimento voluntário da contribuição.
Como se percebe, as entidades sindicais apresentam graves sinais de envelhecimento, tendentes a jogar por terra o outrora honroso significado social que os sindicatos demonstravam. A economia de mercado e o fenômeno da globalização, com todas as suas implicações no mundo do trabalho, acenderam a luz vermelha para o sindicalismo. É necessário, destarte, que os sindicatos se organizem em nível internacional e se adaptem ao trabalho flexível e à exclusão social, sob pena da decretação definitiva da falência do sindicalismo, que para outra coisa não servirá senão compor esse papel nefasto e vergonhoso de atuar como uma estrutura meramente assistencialista, divorciada das necessidades reais do mundo do trabalho, maculando, assim, toda a sua gloriosa história, construída à custa do sangue derramado pelos trabalhadores antepassados.
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