Resumo: As reflexões contidas neste artigo abordam alguns aspectos relevantes sobre a realidade do sistema penitenciário brasileiro como um violador dos direitos humanos. Ao mesmo tempo objetiva propor uma reflexão sobre a interdição da tortura como direito humano intangível, considerando que o Brasil incorporou os instrumentos de proteção aos direitos humanos.
Palavras chaves: direitos humanos; sistema penitenciário; tortura.
Abstract: The reflections in this article address some relevant aspects about the reality of the Brazilian prison system as a violator of human rights. At the same time it aims to propose a reflection on the prohibition of torture as an intangible human right, considering that Brazil has incorporated the protection of human rights instruments.
Keywords: human rights; penitentiary system; torture.
Sumário: 1. Introdução. 1.1. Direitos humanos e sistema penitenciário. 2. Considerações finais.
1. Introdução:
O sistema de proteção internacional dos direitos humanos das Nações Unidas se caracteriza como um sistema de normas jurídicas, tendo como objetivo implantar e promover o respeito aos direitos humanos, neste interim, os direitos humanos foram conquistados pelas instituições jurídicas em face ao direito à dignidade humana, sendo considerado como direito universal. Destarte, a partir da aprovação da Declaração Universal dos Direitos Humanos – DUDH de 1948 abre um leque para discussão e adoção de inúmeros tratados internacionais voltados a proteção de direitos fundamentais, tendo em vista que o artigo 28 da DUDH versa que “todos têm direito a uma ordem social e internacional em que os direitos e liberdades sejam plenamente garantidos e realizados”.
No entanto, presenciamos com frequência nos diversos meios de comunicação e relatórios dos órgãos de defesa aos direitos humanos casos de violência no sistema penitenciário, a exemplo do crime de tortura.
Neste contexto, a visibilidade ao sistema penitenciário brasileiro caracteriza hoje uma das mais graves expressões da questão social brasileira, um espaço de humilhação, ambiente insalubre, superlotação, corrupção, falta de acesso à educação e saúde, maus tratos e tortura, fato este que deslegitima aos aparatos legais de proteção aos direitos humanos. Desta forma, legitimam um sistema penitenciário falido e punitivo no qual as violações dos direitos humanos são notórias.
Partindo deste pressuposto, demonstraremos como as violações dos direitos humanos vêm ocorrendo no sistema penitenciário brasileiro, uma vez que às margens de arbitrariedades por parte das unidades prisionais, ainda tem sido comum a prática de tortura nessas instituições, como meio constante de violação da integridade física e moral, fato este que caracteriza o sistema penitenciário como “cemitério de seres vivos”, que viola sistematicamente os tratados de proteção aos direitos humanos que pactuam sobre a interdição da tortura.
1.1. Direitos humanos e sistema penitenciário
O sistema penitenciário brasileiro está regulamentado pela Lei de Execuções Penais (LEP lei nº 7.210 de 11/10/1984), na qual determina como deve ser executada e cumprida a pena privativa de liberdade e restrição de direitos. Sendo que em o artigo 1º versa que a “execução penal tem por objetivo efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado”. É importante enfatizar o artigo 3º porque fica previsto que
“Ao condenado e ao internado serão assegurados todos os direitos não atingidos pela sentença ou pela lei.”
É importante enfatizar que o sistema prisional passa a ter relevância enquanto mantenedor da ordem e da segurança, ficando em segundo plano seu potencial ressocializador, reforça-se como espaço de punição e tortura. Segundo o Relatório Anual do Centro de Justiça Global (2003, p.23), destaca que “a sociedade brasileira enxerga as prisões como locais de pessoas violentas que cometeram crimes terríveis contra inocentes, daí a banalização das violações dos direitos humanos dentro das prisões”. Assim, no que se refere a tortura, caracteriza predominantemente como prática rotineira nos presídios, delegacias de todo Brasil, isto porque seu principal objetivo ainda se concentra na substituição de técnicas violentas como meio de extrair confissões dos suspeitos, bem como na própria disciplina dos centros de detenção, com intuito de punir o mau comportamento dos presos (SANTOS, 2010).
Sobre a realidade brasileira, Torres afirma que o sistema prisional é,
“Um sistema que apresenta sérios problemas e sobrevive caoticamente, mantendo em constantes conflitos e sob o jugo da violação dos direitos humanos de milhares de homens e mulheres presos. Esse quadro decorre da ausência de uma política institucional definida e estruturada em níveis nacionais, que construa novos parâmetros e objetos para o sistema penitenciário além de segurança e do encarceramento” (TORRES, 2001, p.77).
Carvalho (2008, p.209) acrescenta que “o fenômeno das violações dos direitos da pessoa presa, por parte da administração pública, é uma das realidades mais notórias no país”. Neste âmbito, ao discorrer sobre estas violações dos direitos humanos no sistema penitenciário brasileiro, abre-se um leque para abordamos esse tipo de violação, enfatizando a interdição da tortura como direito humano intangível. Assim, cabe lembrar que as violações de direitos humanos submetidas aos presos raramente são alvo de investigações, fato este que entra em desacordo como previsto na Constituição Federal de 1988 em seu Artigo 5º, XLIX, no qual é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral, bem como o mesmo artigo, III, afirma que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante. Diante deste contexto, o Brasil vem adotando importantes medidas em prol da incorporação dos tratados de proteção aos direitos humanos para proibição desta prática que permanece como violência presente nos presídios e delegacias dos Estados brasileiros. Um exemplo disso foi a promulgação dos tratados que versa sobre a interdição da tortura, tendo em vista que a abertura democrática do país possibilitou um debate em torno dos direitos humanos fundamentais, dando visibilidade para a efetivação desses direitos.
Assumido este pressuposto, a Constituição Federal de 1988 estabelece em seu artigo 4º que a “República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios: […] II – prevalência dos direitos humanos” (BRASIL, p.13). Em face desse cenário, observa-se que a Emenda Constitucional nº. 45 de 2004 em seu artigo 5º, § 3º teve como princípio fundamental, a aprovação dos tratados e convenções internacionais sobre os direitos humanos. Neste ínterim, o Brasil ratificou os principais tratados internacionais de proteção aos direitos humanos, a saber os que pactuam sobre a interdição da tortura: a Convenção Interamericana para Prevenir e Punir a Tortura em 20 de julho de 1989, Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 28 de setembro de 1989; a Convenção Americana de Direitos Humanos, em 25 de setembro de 1992, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos em 24 de janeiro de 1992; o Protocolo Facultativo à Convenção Contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, em 11 de janeiro de 2007, neste cenário, o Brasil começa a se inserir no cenário de proteção internacional dos direitos humanos.
Pode-se afirmar que além das inovações constitucionais, o Brasil promulgou a Lei 9455 de abril de 1997 que versa sobre o crime de tortura e dá outras providencias. Neste cenário histórico a Lei 9455/97 define o crime de tortura em seu artigo 1º, I “constranger alguém com emprego de violência ou grave ameaça, causando-lhe sofrimento físico ou menta”. Destaca-se que a tortura é um crime que lesa a humanidade, assim “os maus tratos, abusos e humilhação dos presos, o que é, a todos os títulos, injustificável” (MARQUES, 2006, p.125).
No que se refere ao sistema prisional há uma dicotomia entre os aportes legais que institucionalizam direitos para aqueles que se encontram em privação de liberdade e a concretização do acesso aos direitos se revela na realidade prisional quando há denuncias das violações dos direitos dos presos. Ademais, a Convenção Contra a Tortura e Outras Penas e Tratamentos Cruéis Desumanos e Degradantes de 1984 afirma em seu artigo 1º que
“[…] qualquer ato pelo qual dor ou sofrimentos agudos, físicos ou mentais, são intencionalmente infligidos a uma pessoa […] quando tais dores ou sofrimentos são infligidos por um funcionário publico ou por outra pessoa que aja a titulo oficial, a sua instigação, ou com consentimento expresso ou tácito”.
Cabe lembrar que as condições dos sistemas penitenciários brasileiros são divulgadas através de noticiários vinculados a mídia como um sistema de “depósito de seres humanos”, “escola do crime”, o que deslegitima o artigo 5º, XLVII da Constituição Federal de 1988 que é “assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral”. Deve-se observar que a realidade do sistema penitenciário é caótica, ou seja, é um espaço onde os direitos humanos não são efetivados, realidade essa que deslegitimam os instrumentos internacionais e regionais de proteção aos direitos humanos, pois não oferece um estabelecimento digno para o cumprimento da pena.
No que se refere ao sistema penitenciário, o Código Penal Brasileiro de 1940 caracteriza três regimes de cumprimento de penas privativas de liberdade, a saber: fechado, semiaberto e aberto, tendo em vista que há uma contradição com aporte legal e a realidade dos estabelecimentos prisionais brasileiro, considerando que há iminência de condenação para muitos presos que aguardam julgamentos, além da superlotação. Neste interim, a realidade do sistema prisional ostenta uma população carcerária por Estado de 715.655 mil presos, nota-se que os problemas do sistema penitenciário não se referem apenas ao aumento da população carcerária, mas as diversas outras formas de violência, tais como: espancamentos, rebeliões, entre outras formas de tratamento cruel, desumano e degradante, assim, segundo os relatórios dentre os casos de violações de direitos humanos, a tortura continua umas das práticas mais denunciadas pelos órgãos de defesa dos direitos humanos ( SANTOS, 2012).
No que se refere à prática da tortura a Convenção Contra a Tortura e Outras Penas e Tratamentos Cruéis Desumanos ou Degradantes da ONU é a mais recente que aborda a interdição da tortura, embora não seja a única fonte jurídica que versa sobre o tema. Em razão desta Convenção foi criado um comitê das Nações Unidas Contra a Tortura (CAT): órgão responsável pelo monitoramento internacional da implementação da Convenção contra a Tortura pelos países-membros. Quanto aos mecanismos de monitoramento, a Convenção criou um Comitê e o incumbiu de receber e de analisar os relatórios de acordo com o Artigo 17 cujo objetivo implica realizar investigação sobre notícias de tortura ocorridas no território de algum Estado-parte. Além dos referidos mecanismos de proteção, a Convenção ainda estabelece um Protocolo Facultativo à Convenção, em vigor 2006 prevê um sistema de visitas periódicas aos centros de detenção, efetuadas por um organismo internacional e outro nacional e independentes sem a necessidade de comunicação previa ao Estado-parte, conforme seu artigo 1º. Esta autorização é dada na ratificação do protocolo, de acordo com o artigo 4º, o objetivo principal é reforçar a proteção de pessoas privadas de sua liberdade contra a tortura, prevenindo a sua ocorrência ao submeter Estados à inspeção permanentemente e sem prévio aviso.
Nesta ótica, os Estados vem criando mecanismo estadual de prevenção e combate à tortura, o que permite alguns avanços na proteção dos direitos humanos, a exemplo: Acre, Pará, Maranhão, Piauí, Ceará, Rio Grande do Norte, Santa Catarina, Goiás, Paraná, Rio Grande do Sul, Pernambuco, Paraíba, Alagoas, Espírito Santos e Rio de Janeiro, conforme versa o relatório do anual de 2013 do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura do Rio de Janeiro (MEPCT/RJ).No entanto, o Brasil institui o Sistema Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, cria o Comitê Nacional de Prevenção e Combate à Tortura e o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, através da Lei nº 12. 847/2013, tendo como objetivo de fortalecer a prevenção e o combate à tortura, por meio de articulação e atuação cooperativa de seus integrantes, dentre outras formas, permitindo as trocas de informações e o intercâmbio de boas práticas.
Neste ínterim, fica evidente a ineficácia dos estados brasileiros de legitimar as legislações de proteção aos direitos humanos, tendo em vista que há prática sistemática de tortura no sistema penitenciário brasileiro e que para que haja a sua interdição, cabe aos cumprimentos desses aparatos que referendam sobre os direitos humanos pactuado pelo Brasil, porque são eles que regulamentam e sancionam a defesa dos direitos humanos, sobretudo ao referir a favor da interdição de qualquer forma de tortura, principalmente praticada pelo Estado aos sujeitos sociais em situação privativa de liberdade.
2. Considerações finais:
Observamos que que no âmbito normativo dos direitos humanos – internacional e nacional-, conseguimos intensamente avançar em definições, mecanismos de fiscalização, no entanto, a pratica de violação aos direitos humanos são constante no sistema penitenciário, desde a superlotação ao de crime de tortura, fato este que vem sendo apresentado nos relatórios de organizações dos direitos humanos internacionais e nacionais. Todavia, a divulgação dos relatórios não deve servir como mero joguete de informação midiática, assim, cabe ao Estado cumprir com rigor o dever de investigar, processar e responsabilizar os torturadores, haja vista que os aparatos legais de proteção aos direitos humanos versa sobre a interdição da tortura como direito humano intangível.
Diante disso, fica evidente que o Brasil ratificou todas as convenções e tratados de direitos humanos, bem como vem criando mecanismo estaduais de prevenção e combate à tortura nos sistemas prisionais, no entanto, a tortura é um crime que ocorre em todo país, só que ocorre com mais frequência no nos locais onde as pessoas são mantidas em privação de liberdade, ou seja, ambientes fechados de pouca vigilância.
Assim, faz-se necessário que o Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura, bem como os demais comitês locais socializem os relatórios, tendo em vista que o mundo precisa saber o que está por trás das grades, ao mesmo tempo, faz-se necessário uma proposta de Educação e Direitos Humanos, sobre processo educativos e de disseminação de informação sobre a interdição da tortura, sendo que deve ser construída e socializada no contexto do sistema penitenciário, englobando a comunidade penitenciaria: apenado, agentes penitenciários, técnicos, baseada na disseminação de informação sobre seus direitos, haja vista, que tais sujeitos sociais também contribuem para a legitimação do crime de tortura.
Neste contexto, é importante enfatizar que além dos mecanismos de proteção aos direitos a sociedade civil também precisa ser atuante para cobrar dos órgãos públicos respostas concretas quanto ao crime de tortura e outras formas de tratamento desumano e degradante encontrada nos sistemas penitenciário brasileiro. Assim, cabe aos órgãos de direitos humanos proteger qualquer pessoa que tenha sido torturada e que venha apresentar queixa perante as autoridades competente, bem como as testemunhas.
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