Direito Tributário

Substituição tributária nas operações subsequentes do ICMS: reflexões acerca de sua constitucionalidade

Autora: Ana Paula Carneiro Peroni – Advogada e pós-graduada em Direito Tributário pela Faculdade de Paraíso do Norte- PR.

Resumo: A substituição tributária das operações subsequentes é um tema que desperta grandes discussões no mundo jurídico, principalmente no direito tributário. Constitui-se como um sistema de arrecadação que possibilita o recolhimento do tributo antes mesmo da ocorrência do seu fato gerador. Referido instituto jurídico admite algumas formas de aplicação e suscita aos profissionais incertezas quanto a sua operacionalização. Este artigo tem por objetivo analisar os aspectos constitucionais da substituição tributária das operações subsequentes, evidenciando seu conceito e ditando os casos nos quais deverá ou não ser aplicada, tomando como referência a Constituição Federal e normas infraconstitucionais, assim como balizada doutrina a respeito do assunto.

Palavras-chave: substituição tributária. direito tributário. compatibilidade. operacionalização.

 

Abstract: The tax substitution of subsequent transactions is a topic that arouses major discussions in the legal world, especially in tax law. It is constituted as a collection system that allows the collection of the tax even before the occurrence of its taxable event. This legal institute admits some forms of application and raises uncertainties regarding its operationalization. This article aims to analyze the constitutional aspects of the tax substitution of subsequent transactions, highlighting its concept and dictating the cases in which it should or should not be applied, taking as reference the Federal Constitution and infraconstitutional rules, as well as marked out doctrine.

Keyword: tax substitution. tax law. compatibility. operationalization.

 

Sumário: Introdução. 1. Ponderações sobre o instituto da substituição tributária. 1.1. Dos sujeitos passivos da relação jurídico-tributária. 1.2. Substituição tributária progressiva, concomitante e regressiva. 1.3. Do encerramento da cadeia de tributação. 1.4. Do cálculo da substituição tributária progressiva do ICMS. 1.5. As figuras do substituto tributário e do substituído tributário. 1.6. Da constitucionalidade da substituição tributária progressiva. Conclusões. Referências.

 

Introdução

Este artigo aborda a questão da constitucionalidade da substituição tributária das operações subsequentes (substituição para frente) no pagamento de tributos.  Trata-se de um mecanismo que antecipa o recolhimento do imposto, antes mesmo da ocorrência de seu fato gerador.

Serão analisados os dispositivos constitucionais que versam sobre o tema, assim como normativas infraconstitucionais e jurisprudência correlata, a fim de perquirir sobre sua legitimidade.

O tema é bastante controvertido, tendo em vista que, diante do disposto no Código Tributário Nacional, somente existe obrigação tributária com a efetiva ocorrência do fato gerador. Nesse compasso, não haveria justificativa para a lei tipificar uma responsabilidade a um sujeito passivo se o fato gerador ainda não ocorreu. Tratar-se-ia, no caso, de um fato gerador presumido.

É a partir desse ponto que se inicia a discussão sobre a constitucionalidade dessa modalidade de responsabilidade tributária, ainda que haja regulamentação a respeito na Constituição Federal.

O artigo constitucional que concentra a discussão sobre essa modalidade de responsabilidade tributária é o 150, § 7º, o qual preconiza: “A Lei poderá atribuir a sujeito passivo de obrigação tributária a condição de responsável pelo pagamento de imposto ou contribuição, cujo fato gerador deva ocorrer posteriormente, assegurada a imediata e preferencial restituição de quantia paga, caso não se realize o fato gerador presumido”.

Em 1996, a Lei Complementar 87/96 (normativa que dispõe sobre o imposto dos Estados e do Distrito Federal sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação, e dá outras providências) consolidou sua regulamentação, definindo os parâmetros a serem seguidos pelas legislações estaduais. Assim ela prevê: “Art. 6º,§ 1º A responsabilidade poderá ser atribuída em relação ao imposto incidente sobre uma ou mais operações ou prestações, sejam antecedentes, concomitantes ou subseqüentes,…”. (destaque efetuado).

Observa-se que a Lei Complementar prevê atribuições de responsabilidade nas operações ou prestações “antecedentes, concomitantes ou subsequentes”.

Diante do exposto, e em consonância com o artigo 138 do Código Tributário Nacional, vê-se que a responsabilidade pelo pagamento do tributo deve ser atribuída a um sujeito que esteja atrelado ao fato gerador da obrigação.

Vale ressaltar que, antes de haver a referida normatização constitucional, o Supremo Tribunal Federal entendia que essa categoria de responsabilidade tributária era inconstitucional, uma vez que, com sua aplicabilidade, seriam lesados grandes princípios norteadores do direito, tais como a segurança jurídica, a anterioridade tributária, a legalidade e a capacidade contributiva.

A despeito dessa discussão, a doutrina ainda se biparte entre os que defendem sua constitucionalidade e os que a refutam.

Dessa feita, o objetivo geral do artigo é analisar a juridicidade desse mecanismo, sopesando o cenário de cobrança do tributo antes mesmo da ocorrência de seu fato gerador, assim como aspectos de controle de arrecadação e fiscalização pelos agentes de administração tributária.

 

  1. Ponderações sobre o instituto da substituição tributária

Inicialmente, cumpre observar o que vem a ser o instituto da substituição tributária. A doutrina a define como a possibilidade de cobrança antecipada de um tributo em relação a um fato gerador futuro. (ROSA, 2011, p.108).

Ocorre que, analisando as disposições do Código Tributário Nacional, a regra é que somente nasce a relação jurídico-tributária a partir da ocorrência do fato gerador, isto é, a partir da subsunção do fato ocorrido à norma prevista no ordenamento jurídico.

Em razão disso, abriu-se a discussão sobre se as unidades federadas poderiam utilizar a substituição tributária das operações subsequentes como forma de facilitar o controle da arrecadação e da fiscalização do tributo.

Antes da análise da juridicidade do instituto, vale ressaltar que para conhecer o tributo e seus contornos, assim como aspectos legais de sua instituição, o operador do direito deve se pautar pela regra matriz de incidência tributária, ou seja, deve se valer da norma de conduta prevista na lei que disciplina a relação tributária.

Da regra matriz se extraem alguns aspectos que determinam o nascimento da obrigação tributária, quais sejam: aspectos pessoal, material, espacial, temporal e quantitativo.

Pelo aspecto pessoal é possível perceber as partes que compõem a relação jurídica (sujeito ativo e passivo); quanto ao aspecto material, tem-se a ação descrita na hipótese de incidência.

Pelo caráter espacial, por sua vez, percebe-se a localidade à qual será atribuída a ocorrência da ação. No caráter temporal da regra matriz depreende-se o tempo em que se deu ação (componente da regra matriz sobre o qual se debruçam os estudiosos para averiguar a constitucionalidade da substituição tributária progressiva); e pelo aspecto quantitativo alcança-se o valor auferível da operação.

Assim, para apreender se é apropriada a exigência de algum tributo, necessário se faz observar, nas diretrizes legais, seu fato gerador, sua base de cálculo, sua alíquota e os sujeitos que integram a relação jurídica.

 

1.1 Dos sujeitos passivos da relação jurídico-tributária

Com relação aos sujeitos, o Código Tributário Nacional, em seu artigo 119, dispõe: “sujeito ativo da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento”. Nessa lógica, sujeito ativo é o ente político responsável pela competência tributária.

O sujeito passivo, por sua vez, está definido no artigo 121 do mesmo diploma legal: “Art. 121. Sujeito passivo da obrigação principal é a pessoa obrigada ao pagamento de tributo ou penalidade pecuniária. Parágrafo único. O sujeito passivo da obrigação principal diz-se: I – contribuinte, quando tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador; II – responsável, quando, sem revestir a condição de contribuinte, sua obrigação decorra de disposição expressa de lei.”

Logo, nota-se que o responsável tributário é aquele que se submete, em virtude de lei, à vontade do estado de exigir a prestação tributária, por possuir vinculação ao fato gerador da obrigação tributária.

A responsabilidade pode ser classificada por substituição ou por transferência. A primeira surge com a ocorrência do fato gerador. Já a responsabilidade por transferência decorre de um evento posterior à ocorrência do fato gerador.

A figura da responsabilidade tributária está amplamente regulada nos artigos 128 a 138 do Código Tributário Nacional.

No artigo 129 encontram-se os contornos da responsabilidade dos sucessores, que ocorre nos casos de atribuição aos adquirentes de imóveis da incumbência sobre a arrecadação dos impostos, taxas e contribuições incidentes sobre o bem adquirido.

Incluem-se nessa categoria a pessoa jurídica de direito privado que resultar de fusão, transformação ou incorporação de outra, assim como a pessoa natural ou jurídica de direito privado que adquirir de outra, por qualquer título, fundo de comércio ou estabelecimento comercial, industrial ou profissional, e continuar a respectiva exploração, sob a mesma ou outra razão social ou sob firma ou nome individual. Nesses casos, as pessoas jurídicas respondem pelos tributos devidos até a data do ato na condição de responsáveis.

No artigo 134 do mesmo diploma legal está disposta a responsabilidade de terceiros, nos casos de impossibilidade de exigência do cumprimento da obrigação principal pelo contribuinte.

Há, ainda, a figura do responsável por infrações, que responde nas ocorrências de infrações conceituadas por lei como crimes ou contravenções, além de infrações em cuja definição o dolo específico do agente seja elementar e infrações que decorram direta e exclusivamente de dolo específico.

Demais contornos sobre a figura do responsável tributário estão contidos no artigo 128 do CTN, vejamos: “Art. 128. Sem prejuízo do disposto neste capítulo, a lei pode atribuir de modo expresso a responsabilidade pelo crédito tributário a terceira pessoa, vinculada ao fato gerador da respectiva obrigação, excluindo a responsabilidade do contribuinte ou atribuindo-a a este em caráter supletivo do cumprimento total ou parcial da referida obrigação.”

Citado dispositivo foi muito lembrado nas discussões sobre a legalidade da responsabilidade por substituição tributária das operações subseqüentes. Contudo, somente com a introdução da Emenda 03/93, a Constituição Federal passou a autorizar tal procedimento.

No que tange às modalidades de responsabilidade, a que mais suscita dúvidas a respeito de sua legitimidade é a substituição tributária, principalmente em sua modalidade antecipada, a qual se verifica quando a lei determina que uma terceira pessoa deva pagar o tributo em substituição ao contribuinte no momento da ocorrência do fato gerador.

Percebe-se, porém, que sua instituição se deu para facilitar a arrecadação e a fiscalização dos tributos por parte do Fisco.

A título de exemplo de como a substituição tributária é operacionalizada, pode-se mencionar sua utilização pelos Estados na arrecadação do ICMS, imposto responsável pela maior parte da receita derivada dessas unidades federadas.

Na cadeia de circulação de mercadorias, existem diversos contribuintes (importadores/fabricantes, atacadistas, distribuidores e varejistas) responsáveis pelo pagamento do mencionado imposto e fiscalizar cada um desses sujeitos passivos a fim de apurar a regularidade das operações realizadas, o cumprimento das obrigações e, principalmente, o recolhimento do débito tributário, seria moroso e difícil.

Diante das dificuldades encontradas na apuração, os estados atribuíram, por lei, a responsabilidade pelo recolhimento do imposto ao contribuinte que se encontra no início da cadeia de circulação da mercadoria, como forma de aperfeiçoar o controle das obrigações tributárias.

 

1.2 Substituição tributária progressiva, concomitante e regressiva

A substituição tributária se apresenta sob três modalidades: substituição tributária das operações subsequentes (substituição tributária para frente), substituição tributária das operações concomitantes e substituição tributária regressiva (substituição tributária para trás).

Quanto à substituição tributária regressiva, esta ocorre nos casos em que as pessoas ocupantes das posições anteriores nas cadeias de produção e circulação são substituídas, no dever de pagar tributo, por aquelas que ocupam as posições posteriores nessas mesmas cadeias.

Não existem muitos questionamentos acerca desta modalidade de substituição, uma vez que o pagamento do imposto é apenas diferido, ou seja, o fato gerador já ocorreu, mas o tributo será pago posteriormente.

Há também a possibilidade de se instituir a figura do responsável tributário das operações concomitantes. Nesta modalidade, o imposto é recolhido no instante em que ocorre o fato gerador, tendo como exemplo a responsabilidade do contratante pelo débito tributário devido nos serviços de transporte prestado por autônomo ou empresas transportadoras não inscritas no cadastro de contribuintes.

Já a substituição tributária para frente se dá nos casos em que as pessoas ocupantes das posições seguintes das cadeias de produção e circulação são substituídas, no dever de pagar tributo, por aquelas que ocupam as posições anteriores nessas mesmas cadeias.

Nota-se que, neste último caso, haverá a antecipação do pagamento do tributo, antes mesmo da efetiva ocorrência do fato gerador. Surgem daí os questionamentos acerca de sua legitimidade.

Vale reiterar que a própria Constituição Federal prevê, em seu artigo 150, § 7º, parte final, a restituição do tributo pago caso o fato gerador presumido não ocorra.

Ademais, o Supremo Tribunal Federal já reconheceu a possibilidade de restituição quando ocorre o fato gerador por um valor inferior ao recolhimento realizado pelo responsável no inicio da cadeia.

Desse modo, entende-se que não haverá encerramento da cadeia tributária, uma vez que o contribuinte poderá requerer a restituição do valor pago à maior quando a base de cálculo utilizada para a operação efetivamente realizada for inferior ao valor recolhido.

A Fazenda Pública, outrossim, poderá cobrar a complementação do débito, caso a base de cálculo utilizada para a operação seguinte seja superior àquela empregada no cálculo da substituição tributária.

 

1.3 Do encerramento da cadeia de tributação

O entendimento do Supremo Tribunal Federal sobre o encerramento da cadeia de tributação, nos casos de substituição tributária progressiva, foi alterado, após o julgamento do Recurso Extraordinário (RE) 593849, com repercussão geral reconhecida.

Antes dessa deliberação havia o encerramento da cadeia de tributação, tendo em vista que não era devida ao contribuinte substituído a restituição da diferença entre o valor do tributo recolhido previamente e aquele realmente devido no momento da operação de venda.

No entanto, em 2016, a Suprema Corte sedimentou o entendimento de que o contribuinte teria direito à diferença entre o imposto pago e o calculado a título de substituição tributária.

Segundo consta no acórdão proferido, o tributo só se torna efetivamente devido com a ocorrência do fato gerador, e a sua inocorrência total ou parcial exige a devolução do imposto, sob pena de ocorrência de confisco ou enriquecimento sem causa do Estado.

Dessa forma, não há mais que se falar em encerramento da tributação ou em definitividade de base de cálculo quando houver substituição tributária progressiva e o valor recolhido for superior ou inferior ao utilizado no cálculo da quantia presumida, diante da possibilidade de devolução do tributo antecipado.

 

1.4 Do cálculo da substituição tributária progressiva do ICMS

Conforme explanado, um dos maiores expoentes da substituição tributária progressiva é o imposto sobre circulação de mercadorias e prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação. Citado imposto é regulado por cada estado instituidor e suas legislações trazem dispositivos que abordam a figura da substituição tributária.

O primeiro fundamento de validade do instituto é a Constituição Federal, no artigo 150, § 7º. Além disso, a LC 87/96, que traça aspectos gerais sobre o ICMS, apresenta alguns delineamentos sobre o regime.

Acerca de seu aspecto quantitativo, a LC 87/96 disciplina em seu artigo 8º a composição da base de cálculo na substituição tributária.

Da leitura da norma, entende-se que a base de cálculo do ICMS é obtida pelo somatório do valor da operação ou prestação própria realizada pelo substituto tributário ou pelo substituído intermediário com o montante dos valores de seguro, de frete e de outros encargos cobrados ou transferíveis aos adquirentes ou tomadores de serviço e a margem de valor agregado, inclusive lucro, relativa às operações ou prestações subsequentes.

A lei estabelece que, caso o preço final a consumidor, único ou máximo, seja fixado por órgão público competente, a base de cálculo do imposto, para fins de substituição tributária, será o referido preço por ele estabelecido.

Demais disso, preceitua que, existindo preço final a consumidor sugerido pelo fabricante ou importador, poderá a lei estadual estabelecer como base de cálculo este preço.

A respeito da margem de valor agregado, que deve ser adicionada ao cálculo do valor do imposto devido, a lei complementar aduz que será estabelecida com base em preços usualmente praticados no mercado considerado, obtidos por levantamento, ainda que por amostragem ou através de informações e outros elementos fornecidos por entidades representativas dos respectivos setores, adotando-se a média ponderada dos preços coletados, devendo os critérios para sua fixação ser previstos em lei.

Sobre o valor presumido Ângelo Braga Netto Rodrigues de Melo esclarece: “ao elemento material real (operação praticada pelo substituto) corresponde, para fins de base de cálculo, um valor real; para o elemento material presumido, corresponde uma base de cálculo presumida, obtida por intermédio de um inteligente mecanismo que busca alcançar o real preço de mercado. Então, é obvio que a base de cálculo confirma perfeitamente a hipótese de incidência, além de determinar a “intensidade do comportamento inserto no núcleo do fato jurídico, para que, combinando-se à alíquota, seja determinado o valor da prestação pecuniária.”.

Desta feita, o imposto a ser pago pelo substituto tributário corresponderá à diferença entre o valor resultante da aplicação da alíquota prevista para as operações ou prestações internas do Estado de destino sobre a respectiva base de cálculo e o valor do imposto devido pela operação ou prestação própria do substituto.

 

1.5 As figuras do substituto tributário e do substituído tributário

Quando se faz a análise da responsabilidade tributária por substituição, é importante perquirir sobre os sujeitos que integram essa relação jurídica, quais sejam, o substituto tributário e o substituído.

O substituto é aquele que efetivamente recolhe o imposto das transações subsequentes. O contribuinte substituído é aquele acaba sendo dispensado de realizar o pagamento do imposto, já que este fora feito anteriormente pelo substituto.

Para Leonardo Pausen (2009): “A figura da substituição tributária existe para atender a princípios de racionalização e efetividade de tributação, ora simplificando os procedimentos, ora diminuindo as possibilidades de inadimplementos ou ampliando as garantias 12 de recebimento do crédito. A rigor, a substituição tributária não é propriamente uma figura de responsabilidade tão-somente, pois a lei obriga o substituto a efetuar o pagamento do tributo e não apenas a responder no caso de inadimplemento pelo contribuinte. Mas o CTN não distingue as figuras.”

Importa reiterar que, caso não ocorra operação ou prestação subseqüente ao pagamento do imposto ou esta seja realizada por valor superior ao recolhido, o contribuinte substituído poderá pleitear a repetição do indébito tributário.

O artigo 10 da LC 87/96 e seus parágrafos regulam a forma de restituição desses valores: “Art. 10. É assegurado ao contribuinte substituído o direito à restituição do valor do imposto pago por força da substituição tributária, correspondente ao fato gerador presumido que não se realizar. § 1º Formulado o pedido de restituição e não havendo deliberação no prazo de noventa dias, o contribuinte substituído poderá se creditar, em sua escrita fiscal, do valor objeto do pedido, devidamente atualizado segundo os mesmos critérios aplicáveis ao tributo. § 2º Na hipótese do parágrafo anterior, sobrevindo decisão contrária irrecorrível, o contribuinte substituído, no prazo de quinze dias da respectiva notificação, procederá ao estorno dos créditos lançados, também devidamente atualizados, com o pagamento dos acréscimos legais cabíveis.”

Soma-se a isso a questão da aplicabilidade do artigo 166 do Código Tributário Nacional à figura da responsabilidade tributária por substituição.     

Referido artigo contem os seguintes dizeres: “a restituição de tributos que comportem, por sua natureza, transferência do respectivo encargo financeiro somente será feita a quem prove haver assumido o referido encargo, ou, no caso de tê-lo transferido a terceiro, estar por este expressamente autorizado a recebê-la.”

Essa regra tem por objetivo evitar a restituição dos valores pagos ao contribuinte de direito, que apenas efetuou o recolhimento do tributo, mas não arcou com o encargo financeiro por haver transferido a um terceiro, o contribuinte de fato.

Vale ressaltar que tanto o artigo 150, § 7º, da Constituição Federal quanto o artigo 10 da Lei Complementar 87/96, que tratam de tal restituição, não condicionam o ressarcimento do ICMS na substituição tributária pelo substituído à comprovação do encargo financeiro.

Tal fato se dá porque se presume que o encargo foi suportado pelo substituído, que é o contribuinte de fato e que arcou com o encargo financeiro decorrente do imposto.

De igual modo, é imperioso observar que, em nenhum momento, nas páginas do acórdão do STF, houve qualquer menção a tal dispositivo legal, o que só reforça a constatação de que de fato é o contribuinte substituído quem arca com o ônus do imposto e deve ser contemplado com a restituição.

A fim de reforçar esse posicionamento, a jurisprudência mais recente do Superior Tribunal de Justiça afasta argumentos no sentido de que o ressarcimento, na substituição tributária, estaria vinculado à observância da regra do artigo 166 do CTN, a saber: “PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. ICMS. SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA. FATO GERADOR. BASE DE CÁLCULO MENOR QUE A PRESUMIDA. DIREITO À DEVOLUÇÃO. REPERCUSSÃO GERAL. JUÍZO DE RETRATAÇÃO. DIREITO DE O SUBSTITUÍDO PLEITEAR A REPETIÇÃO DE CRÉDITO ANTERIOR À LC N. 87/1996. QUESTÃO DECIDIDA À LUZ DE FUNDAMENTAÇÃO CONSTITUCIONAL. ART. 166 DO CTN. INAPLICABILIDADE. PRESCRIÇÃO. DEMANDA AJUIZADA ANTES DA LC N. 118/2005. TESE DOS “CINCO MAIS CINCO [STJ, AgInt no REsp 1.426.465/PR, 1ª Turma, Rel. Ministro Gurgel de Faria, DJ 7.2.2019].”

Desta forma, verifica-se que o contribuinte substituído é quem de fato arca com o encargo financeiro do ICMS-ST, afastando a viabilidade de repasse do encargo tributário ao consumidor final.

 

1.6 Da constitucionalidade da substituição tributária progressiva

A corrente doutrinária favorável à substituição tributária das operações subsequentes alega que a antecipação do tributo é constitucional e que deve ser levado em consideração, a título de legalidade, o tempo de pagamento do tributo e não o da ocorrência do seu fato gerador.

Deveriam ser analisados, portanto, dois aspectos distintos do regime. O primeiro diz respeito ao momento da ocorrência do fato gerador, que faz nascer a obrigação tributária; e o segundo seria o momento do pagamento do tributo, que pode ser estabelecido antes mesmo do surgimento da obrigação tributária, desde que seja assegurada ao substituído a restituição dos valores pagos em excesso ou em virtude de fato gerador não ocorrido.

Para Marco Aurélio Greco é plenamente aceitável a tributação anterior ao fato gerador: “A visão tradicional, com a devida vênia, desconsidera uma característica ínsita ao fenômeno jurídico que é a de as normas serem produtos de atos de vontade em que, portanto, se agregam elementos que serão válidos desde que não contrariem a norma superior. A Constituição Federal atribui competência (âmbito de cabimento de legislação) em matéria tributária, mas não exige que, no exercício desta competência, o modelo criado seja única e exclusivamente o obrigacional. O Direito conhece inúmeras outras situações jurídicas subjetivas que podem ser criadas de modo a assegurar o atendimento às finalidades e objetivos da tributação. O Direito não se resume ao modelo obrigacional! Em suma, a competência tributária constitucionalmente conferida comporta todos os modelos operacionais que não contrariem a sua essência, nem o conjunto de princípios do sistema e garantias asseguradas ao contribuinte.”

Nessa linha, Sacha Calmon (1999) leciona sobre a adoção do regime: “(…) a sua adoção constitui exigência da sociedade moderna, visando à aplicação do princípio da praticabilidade da tributação, apoiando-se em dois valores básicos: necessidade de evitar a evasão fiscal (segurança fiscal) e de assegurar recursos com alto grau de previsão e praticabilidade (certeza fiscal).”

Preceituam os defensores, ainda, que substituto e substituído mantém um vinculo econômico no processo de circulação de mercadorias e a lei tem o poder de estender-lhes o vinculo jurídico da substituição, desde que garantidos o reembolso e a restituição do indébito. (TORRES, 1996, p. 192).

Por seu turno, a corrente contrária à substituição tributária apregoa que ao se permitir que fatos futuros e incertos sejam tributados antecipadamente sem saber ao certo se realmente ocorrerão, haverá uma grave vulneração ao principio da segurança jurídica.

Interessa acrescentar a posição do doutrinador Carrazza (2006), inserido dentre os que refutam o citado regime: “(…) a referida Emenda Constitucional “criou” a absurda figura da responsabilidade tributária por fato futuro, ou, como querem alguns, da substituição tributária “para frente”. Deveras, o supracitado preceito “autoriza” a lei a fazer nascer tributos de fatos que ainda não ocorreram mas que, ao que tudo indica, ocorrerão. Noutros termos, permite que a lei crie presunções de acontecimentos futuros e, com elas, faça nascer obrigações tributárias.”

Tem-se, ainda, a explanação de José Eduardo Soares Melo (2006), que discorre sobre a incompatibilidade do regime com os princípios constitucionais: “Inaplicável – como regra – a figura da presunção como resultado do processo lógico, e mediante o qual fato conhecido, cuja existência é certa, infere-se fato desconhecido ou duvidoso, cuja existência é provável. Não se estará diante de uma autêntica presunção legal (“juris et de jure”) estabelecendo uma verdade jurídica, pois supor que um fato tributário acontecerá não é jamais o mesmo que tornar concreta sua existência, de modo a conferir segurança e certeza a uma exigência tributária.”

O Supremo Tribunal Federal alinha-se a primeira corrente ao reconhecer a legitimidade do mecanismo da substituição tributária.

Trago à colação julgado da Suprema Corte nesse sentido: AGRAVO ‘INOMINADO – APELAÇÃO CÍVEL – EXECUÇÃO FISCAL – ICMS – SUBSTITUIÇÃO TRIBUTÁRIA PROGRESSIVA – RECOLHIMENTO POR REGIME DE ESTIMATIVA – CONSTITUCIONALIDADE – ARTIGO 150, § 7º, DA CF/88 – CLÁUSULA DE RESTITUIÇÃO – INTERPRETAÇÃO – JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA NO C. STF – LEI ESTADUAL Nº 5.541/97 – HIGIDEZ DA EXCEÇÃO DE PRÉ-EXECUTIVIDADE – REJEIÇÃO – CONTINUIDADE DA EXECUÇÃO FISCAL – AGRAVO CONHECIDO E PROVIDO (STF – AI: 860652 ES – ESPÍRITO SANTO, Relator: Min. ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 14/03/2016. Data de Publicação: DJe-050 17/03/2016).”

Tem-se, portanto, que hoje, a despeito de alguns posicionamentos dissonantes, a responsabilidade por substituição tributária das operações subsequentes é legítima e serve como instrumento facilitador da atuação dos agentes da administração tributária, promovendo uma maior justiça fiscal.

 

Conclusões

Diante de todo o explanado, percebe-se que a substituição tributária progressiva surgiu objetivando facilitar o controle da arrecadação e da fiscalização dos tributos e tem como um de seus pressupostos a facilitação da operacionalização do recolhimento dos tributos instituídos pelos entes federados, na medida em que reduz o universo de contribuintes a serem fiscalizados e evita que ocorra a sonegação dos tributos devidos.

Contudo, em que pese ser uma medida que facilita a fiscalização do Estado para o pagamento dos tributos, a substituição progressiva é tema que ainda provoca acirrados debates na doutrina. Alguns juristas apregoam sua inconstitucionalidade, por, supostamente, ferir alguns princípios constitucionais, como a legalidade e a segurança jurídica.

Outros estudiosos do direito, por sua vez, defendem sua juridicidade, sob o argumento de que a análise da substituição se referiria ao tempo de pagamento do tributo, o qual poderia ser antecedente, sem interferir no tempo de ocorrência do fato gerador.

Esses estudiosos sugerem que a antecipação do pagamento de impostos é largamente admitida no nosso direito e não padece de vicio de inconstitucionalidade

A despeito dos debates sobre o tema, a substituição tributária para frente possui abordagem constitucional e os Tribunais Superiores defendem sua legitimidade.

Recentemente o Supremo Tribunal Federal sedimentou entendimento sobre a repetição ao substituído da diferença entre o valor presumido e o efetivamente realizado na operação de venda, fazendo com que não haja mais encerramento da cadeia de tributação com o pagamento realizado.

Desta forma, torna-se mais justa a utilização desse regime, propiciando ao contribuinte substituído a possibilidade de reaver valores pagos a maior e evitando o enriquecimento ilícito por parte do Estado.

Assim e diante do exposto, verifica-se que os entes políticos que atribuírem a responsabilidade por substituição a terceira pessoa por fato gerador que deva ocorrer posteriormente não estarão agindo ao desamparo da lei e estarão escorados na melhor jurisprudência.

Além do mais, vale ressaltar que estando a retenção antecipada prevista na Constituição Federal, não se pode mais alegar sua inconstitucionalidade.

 

 

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.

 

BRASIL. Código de Tributário Nacional. Lei nº 5. 172, de 25 de Outubro de 1966. Disponível em <http://www.receita.fazenda.gov.br/Legislacao/CodTributNaci/ctn.htm.>. Acesso em: 06 de set. 2019.

 

CARRAZZA. CARRAZZA, Roque Antônio. ICMS. 11 ed. São Paulo: Malheiros, 2006.

 

COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 3 ed., Rio de Janeiro: Forense, 1999.

 

CORNÉLIO, Fernanda Marques (Org). Direito Tributário. 3. ed. Jus Podium. Salvador, 2015.

 

MELO, Angelo Braga Netto Rodrigues de. Substituição Tributária Progressiva no ICMS: teoria e prática. Porto Alegre: Núria Fabris Ed., 2008.

MELO, José Eduardo Soares de. ICMS – Teoria e Prática. 9 ed. São Paulo: Dialética, 2006.

 

ROCHA, Valdir; TORRES, Ricardo Lobo. ICMS Problemas Jurídicos. Editora Dialética. São Paulo, 1996.

 

ROSA, José Roberto. Substituição Tributária no ICMS: estudo de casos e manual explicativo. 3. ed.. Ottoni Editora. Itú, 2011.

 

SABBAG, Eduardo. Manual de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2009.

 

Âmbito Jurídico

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