Teoria da perda de uma chance

Resumo: O presente artigo tem por objetivo a análise da Teoria da Perda de Uma Chance, seu posicionamento entre as modalidades de dano material e a problemática que cerca a aplicação da tese. Foi estudada também, ainda que brevemente, o instituto da responsabilidade civil e seus elementos essenciais. O método usado foi o dedutivo, fundamentado por meio de livros, doutrinas, artigos científicos e jurisprudência.

Palavras-chave: Responsabilidade Civil- Dano Emergente- Lucros Cessantes- Teoria da Perda de Uma Chance

Abstract: The present article aims to analyze the Theory of Loss of Chance, its positioning between the modalities of material damage and the problem surrounding the application of the thesis. The institute of civil liability and its essential elements were also studied, albeit briefly. The method used was deductive, based on books, doctrines, scientific articles and jurisprudence.

Keywords: Civil Liability- Emerging Damage- Ceasing Profits- One Chance Loss Theory

Sumário: Introdução. 1. Responsabilidade Civil. 1.1 Dano Emergente. 1.2 Lucros Cessantes. 2. Teoria da perda de uma chance. Conclusão. Referências.

INTRODUÇÃO

O objetivo do presente trabalho é analisar a teoria da perda de uma chance e sua aplicação no ordenamento jurídico brasileiro.

Inicialmente será feita uma breve análise do instituto da responsabilidade civil e seus elementos essenciais. Será ainda objeto de apreciação o dano material, nas suas vertentes dano emergente e lucro cessante.

Por fim, o trabalho aprofundou-se no estudo da Teoria da Perda de Chance, com foco na sua diferenciação de outros institutos e problemas enfrentados pela jurisprudência para aplica-la.

1. RESPONSABILIDADE CIVIL

A responsabilidade civil é o instituto que determina a obrigação de indenizar um dano causado. Tal responsabilização pode decorrer da prática de um ato ilícito, do descumprimento de uma obrigação contratual ou, em alguns casos, da prática de um ato lícito.

Para a correta compreensão do tema objeto do presente trabalho, se faz necessária uma abordagem, ainda que superficial, quanto aos elementos imprescindíveis para responsabilização.

Inicialmente, é necessário haver uma conduta, seja omissiva ou comissiva, por parte do agente causador do dano, ou mesmo por parte de terceiro, em determinados casos previstos em lei.

Também se faz imprescindível a ocorrência de um dano, pois não há dever de reparação na inocorrência de prejuízo. O dano pode ser moral, quando a lesão atinge a esfera da intimidade psíquica, ou material, quando atingido o patrimônio, nas suas vertentes dano emergente e lucro lucessante, que serão vistos a seguir.

Deve haver uma relação de causa-efeito entre a conduta e o dano, ao que a doutrina dá o nome de nexo causal.

Por fim, apenas para os casos de responsabilidade civil na modalidade subjetiva, deve-se aferir a existência de dolo ou culpa, sendo o dolo a conduta intencional para determinado resultado e culpa quando o dano advém de imprudência, negligência ou imperícia.

1.1. Dano emergente

Conforme visto, dano material é o prejuízo patrimonial sofrido pela vítima, que pode ser de duas naturezas: dano emergente e lucro cessante.

Dano emergencial diz respeito ao que o lesado efetivamente perdeu. Portanto, pode ser mensurado financeiramente e indenizado. Há autores que defendem ser também indenizável o dano indireto, que seria aquele decorrente não da conduta, mas do dano direto. A ideia remete a uma cadeia de prejuízos, em que a vítima sofre um prejuízo principal (dano direto) e, como consequência deste suporta outro, indireto.

O dano emergente pode ser ainda classificado como dano presente, ou dano futuro. Parte da doutrina defende que por força do art. 403 do Código Civil[1], o ordenamento jurídico pátrio só teria dotado o dano presente. D’outra banda, os defensores da dicotomia argumentam que a ausência de previsão legal não seria óbice à indenização de dano futuro, uma vez que só haveria exigência de dano decorrente de “efeito direto e imediato”, pouco importando o momento em que se produz.

1.2 Lucros Cessantes

Por sua vez, os lucros cessantes consistem na frustração na expectativa de um ganho, ou, na conceituação dada pelo art. 402 do Código Civil,  o que o credor “razoavelmente deixou de lucrar”.

Não se trata de uma projeção hipotética: cabe ao credor demonstrar que o lucro seria auferido não fosse a ocorrência da conduta danosa. Ainda que tenha certa carga de probabilidade, deverá ser indicada de forma concreta, ainda que parcialmente, o montante do prejuízo e de que forma o ganho seria alcançado, de forma a demonstrar uma “certeza de pertença futura”[2].

2. TEORIA DA PERDA DE UMA CHANCE

A teoria da perda de uma chance consiste, essencialmente, na indenizabilidade de uma chance perdida. Em outras palavras, trata-se de indenizar uma oportunidade de ganho que deixou de ser experimentada por uma conduta lesiva. Apesar de haver alguns civilistas que consideram a perda de uma chance uma subespécie de dano emergente, neste trabalho, perfilha-se a corrente que costuma situá-la entre os danos emergentes e os lucros cessantes, como uma modalidade intermediária de dano patrimonial.

O Ministro Luis Felipe Salomão, quando do julgamento do REsp 1.190.180/SP, tratou do tema com brilhantismo, pelo que se passa a transcrever trecho do seu voto:

“Primeiramente, cumpre delinear, com mais precisão, do que cogita a teoria aventada no acórdão recorrido, conhecida no direito brasileiro, por influência francesa, de "teoria da perda de uma chance". É certo que, ordinariamente, a responsabilidade civil tem lugar somente quando há dano efetivo verificado, seja moral, seja material, este último subdivido na clássica estratificação de danos emergentes e lucros cessantes. Nesse cenário, a teoria da perda de uma chance (perte d'une chance ) visa à responsabilização do agente causador não de um dano emergente, tampouco de lucros cessantes, mas de algo intermediário entre um e outro, precisamente a perda da possibilidade de se buscar posição mais vantajosa que muito provavelmente se alcançaria, não fosse o ato ilícito praticado. Daí porque a doutrina sobre o tema enquadra a perda de uma chance em uma categoria de dano específico, que não se identifica com um prejuízo efetivo, mas, tampouco, se reduz a um dano hipotético (cf. SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007). No mesmo sentido é o magistério de Carlos Alberto Menezes Direito e Sérgio Cavalieri Filho, no sentido de aplicar-se a teoria da perda de uma chance "nos casos em que o ato ilícito tira da vítima a oportunidade de obter uma situação futura melhor, como progredir na carreira artística ou no trabalho, conseguir um novo emprego, deixar de ganhar uma causa pela falha do advogado etc" (Comentários ao novo Código Documento: 12820604 – RELATÓRIO, EMENTA E VOTO – Site certificado Página 6 de 10 Superior Tribunal de Justiça Civil, volume XIII (…). Rio de Janeiro: Forense, 2007, p. 97). Com efeito, a perda de uma chance – desde que essa seja razoável, séria e real, e não somente fluida ou hipotética – é considerada uma lesão às justas expectativas frustradas do indivíduo, que, ao perseguir uma posição jurídica mais vantajosa, teve o curso normal dos acontecimentos interrompido por ato ilícito de terceiro. Conclui-se, com amparo na doutrina, que a chance perdida guarda sempre um grau de incerteza acerca da possível vantagem, ainda que reduzido, de modo que "se fosse possível estabelecer, sem sombra de dúvida, que a chance teria logrado êxito, teríamos a prova da certeza do dano final e (…) o ofensor seria condenado ao pagamento do valor do prêmio perdido e dos benefícios que o cliente teria com a vitória na demanda judicial. Por outro lado, se fosse possível demonstrar que a chance não se concretizaria, teríamos a certeza da inexistência do dano final e, assim, o ofensor estaria liberado da obrigação de indenizar" (SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006, p. 101).

A perda de chance não se confunde com o dano emergente: neste, indeniza-se o dano patrimonial efetivo, certo; aquela procura reparar uma perda incerta, mas com probabilidade de ocorrência. A identificação com os lucros cessantes é maior, mas cumpre distinguir tais modalidades.

Ao contrário do lucro cessante, na perda de uma chance não se indeniza um dano, um resultado, mas a oportunidade perdida; assim, não é necessária prova concreta do prejuízo, mas apenas a demonstração de que a conduta gerou a perda da possibilidade de tentar, não sendo necessário provar que a vítima seria agraciada pelo resultado útil por ela cobiçado.

Com efeito, apesar da teoria guardar certo grau de incerteza quanto a possível vantagem, a chance deve ser razoável, séria, com reais chances de ser atingida. Nas palavras da Ministra Nancy Andrighi, “a adoção da teoria da perda de chance exige que o Poder Judiciário bem saiba diferenciar o improvável do quase certo, bem como a possibilidade de perda da chance de lucro para atribuir a tal fato as consequências adequadas” (REsp 1.079.185).

Assim, se por um lado deve-se cuidar para não deixar danos sem a devida indenização, é necessário cautela para não se indenizar meras probabilidades.

Por essa razão, a prova da perda de uma chance se mostra mais difícil ao credor, que além de apontar a conduta a alijar a possibilidade de ganho, deve demonstrar que tal possibilidade certamente iria se concretizar caso a conduta não se verificasse.

Em conhecido caso, uma candidata que participava do Programa Show do Milhão, veiculado pelo SBT, desistiu de responder uma questão, ficando com os 500 mil reais que já tinha assegurado em etapas anteriores do jogo. Posteriormente, foi a justiça pleitear o complemento do valor, alegando que teria sido formulada pergunta sem resposta possível. O Superior Tribunal de Justiça findou por condenar a emissora ao pagamento de R$120 mil, equivalente a um quarto do valor que faltava, por ser a essa a probabilidade matemática de acerto de questão com quatro assertivas. O relator afirmou não haver como concluir, “mesmo dentro da esfera de probabilidade, que o normal andamento dos fatos conduziria ao acerto da questão” (REsp 788.459).

A doutrina costuma apontar que a definição do valor da indenização pela perda de uma chance é sempre delicada e problemática. Como a chance é algo possível, mas incerto, a indenização não deve corresponder exatamente ao que se deixou de ganhar. Tampouco deve ficar muito aquém.

Conforme já consignado pelo Superior Tribunal de Justiça (REsp 1.254.141/PR), admitida a indenização pela chance perdida, o valor do bem deve ser calculado em uma proporção sobre o prejuízo final experimentado pela vítima. A chance, contudo, jamais pode alcançar o valor do bem perdido. É necessária uma redução proporcional”.

Um exemplo trazido por Felipe P. Braga Netto[3], elucida bem a questão:

“Em determinado caso, um médico e professor universitário foi a um congresso em Washington, representando o Brasil na organização Pan-americana de saúde. Na volta, surpreendeu-se com o extravio da bagagem, que continha materiais didáticos, projetos, estudos, presentes etc. No dia seguinte ao retorno, prestaria um exame de seleção de mestrado. O abalo psíquico, segundo o médico, aliado à perda da bagagem (contendo material de estudo) foi a causa da reprovação na seleção. Ele foi indenizado pelos danos morais, mas não, como pretendia, com o valor correspondente à bolsa integral que teria se fosse aprovado no mestrado.

O Ministro Ruy Rosado de Aguiar, ao votar, ponderou: ‘Entendo que a companhia aérea não pode ser condenada a indenizar o valor integral da bolsa que o autor perdeu por ter prestado concurso em condições psicológicas adversas. É possível que esse incidente lhe tenha trazido transtorno, abalando-o a ponto de não prestar um bom concurso. Deve ser indenizado por isso. Incluo até também uma parcela correspondente aà perda da chance de prestar um melhor exame. Condenar a companhia a pagar o valor da solsa é dar como certo o fato de que o autor teria sido aprovado no concurso, como também o fato de que não foi aprovado por causa do extravio. Como tudo isso são probabilidades, penso que a reparação deve ser deferida, mas não no valor correspondente a o da bolsa (STJ, REsp 300.190, 4ª T., DJ 18/03/02).”

Assim, o magistrado da causa deverá ponderar acerca da oportunidade perdida, devendo estabelecer, quanto maior a probabilidade de ganho, maior o valor da indenização.

CONCLUSÃO

O instituto da responsabilidade civil prevê a reparação daquele que foi vítima de um prejuízo em decorrência de ato de outrem. Para que esteja configurada a necessidade de indenizar, faz-se necessário que estejam presentes os seguintes elementos: a) a conduta, seja comissiva ou omissiva; b) o dano, patrimonial ou extrapatrimonial; c) o nexo causal entre a conduta e o dano; e apenas para os casos de responsabilidade civil subjetiva, d) a culpa ou dolo.

Os civilistas costumam classificar os danos materiais em dano emergente e lucro cessante. O primeiro seria tudo aquilo que se perdeu; o segundo, o que se deixou de ganhar, dentre essas duas modalidades, alguns doutrinadores costumam citar a perda de uma chance.

A indenização pela perda de uma chance consiste na necessidade de indenizar a vítima, não por uma perda patrimonial, ou por ter deixado de auferir um ganho, mas pela perda de uma oportunidade que poderia trazer uma situação financeira mais favorável. Apesar da teoria guardar certo grau de incerteza quanto a possível vantagem, a chance deve ser razoável, séria, com reais chances de ser atingida, não devendo ser indenizada meras probabilidades.

O maior problema na aplicação da Teoria da Perda de uma chance está na definição do valor da indenização. Como a chance é algo possível, mas incerto, a indenização não deve corresponder exatamente ao que se deixou de ganhar. Tampouco deve ficar muito aquém. Cabe ao julgador, num juízo de ponderação, fixar o valor, observando que quanto mais provável a chance de êxito, mais próximo do valor do ganho perdido deve ser arbitrada a indenização.

 

Referências
Braga Netto, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. 12.ed.rev., ampl. E atual. – Salvador: Ed. Juspodivm, 2017.
CHAMONE, Marcelo Azevedo. O dano na responsabilidade civil. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 13, n. 1805, 10jun. 2008. Disponível em: <https://jus.com.br/artigos/11365>. Acesso em: 30 maio 2017.
DUQUE, Bruna Lyra; FONSECA, Cesar Augusto Martinelli. A teoria pela perda de uma chance e a sua caracterização como dano emergente.. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XIV, n. 95, dez 2011. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=10782>. Acesso em maio 2017.
GAGLIANO, Pablo Stolze; FILHO, Rodolfo Pamplona. Novo curso de direito civil: obrigações. 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2009. v. 2.
GARCIA, Fábio Bittencourt. Breves considerações acerca da responsabilidade civil no ordenamento jurídico brasileiro. Boletim Jurídico, Uberaba/MG, a. 5, no 197. Disponível em: <http://www.boletimjuridico.com.br/ doutrina/texto.asp?id=1553> Acesso em: 30  mai. 2017.
GONÇALVES, Carlos Roberto. Direito civil brasileiro. 3. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2007. v. 2.
SANTOS, Pablo de Paula Saul. Responsabilidade civil: origem e pressupostos gerais. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XV, n. 101, jun 2012. Disponível em: <https://www.ambito-juridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=11875>. Acesso em maio 2017.
SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006.
SILVA, Rafael Peteffi da. Responsabilidade civil pela perda de uma chance: uma análise do direito comparado e brasileiro. São Paulo: Atlas, 2007

Notas
[1] Art. 403. Ainda que a inexecução resulte de dolo do devedor, as perdas e danos só incluem os prejuízos efetivos e os lucros cessantes por efeito dela direto e imediato, sem prejuízo do disposto na lei processual.
[2] SAVI, Sérgio. Responsabilidade civil por perda de uma chance. São Paulo: Atlas, 2006. Pág. 17
[3] Braga Netto, Felipe Peixoto. Manual de direito do consumidor: à luz da jurisprudência do STJ. 12.ed.rev., ampl. E atual. – Salvador: Ed. Juspodivm, 2017. Pág. 283.

Informações Sobre o Autor

Luiza Helena da Silva Guedes

Procuradora da Fazenda Nacional. Graduada em Administração e Direito. Pós-graduada em Direito Constitucional Direito Civil e Processual Civil


Equipe Âmbito Jurídico

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