POR: MARIA DO CARMO OLIVEIRA GARCIA
ORIENTADORA: MARIA SUELY CRUZ DE ALMEIDA
RESUMO: O presente estudo apresenta o contexto da implementação das Organizações Sociais concebidas a partir da Reforma do Estado de 1995, cujo modelo de gestão teve suas bases na descentralização e publicização, com ênfase na eficiência e gestão de resultados por meio de um contrato de gestão. Em outro momento, identificam-se as razões que levaram o poder público a transferir a execução dos serviços de saúde pra as Organizações Sociais (OS), trazendo à reflexão as lacunas existentes na Lei Federal n. 9.637/98 que dispões sobre a qualificação das OS, a aplicação do modelo ao Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, em Manaus/AM, e, ainda, as razões que levam a não efetividade das OS em cotejo com os desvios dos recursos públicos.
Palavras-chave: Organizações Sociais. Gestão Pública na saúde. Eficiência. Contrato de Gestão.
ABSTRACT: The present study presents the context of the implementation of the Social Organizations conceived from the 1995 State Reform, whose management model was based on decentralization and publicity, with emphasis on efficiency and results management through a management contract. At another moment, we identify the reasons that led the government to transfer the execution of health services to the Social Organizations (OS), bringing to reflection the gaps in Federal Law no. 9.637/98 about the qualification of the OS, the application of the model to the Delphina Rinaldi Abdel Aziz Hospital in Manaus / AM, and also the reasons that lead to the ineffectiveness of the OS in comparison with the deviations of public resources.
Keywords: Social Organizations. Public Management in health. Efficiency. Management Contract.
SUMÁRIO: Introdução. 1. Organizações Sociais: Contextualização, Conceito Estrutura e Funcionamento. 2. Lacunas da legislação aplicável às Organizações Sociais. 3. Organizações Sociais: Teórica e a prática tendo como modelo o hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz. 4. Razões da não efetividade dos resultados pelas Organizações Sociais e os desvios dos recursos públicos. Conclusão. Referências bibliográficas.
INTRODUÇÃO
Uma das questões recorrentes concernentes as Organizações Sociais (OS) é compreender as razões que levaram o poder público a conceder determinados privilégios às entidades qualificadas como OS, cuja base legal é a Lei Federal n. 9.637/98, de 15 de maio de 1988. O tema se torna imprescindível para fomentar uma reflexão, seja na academia ou na sociedade, visto que muitas vezes o legislador cria normas para beneficiar grupos de interesses que por meio de sistemas viciosos desviam os recursos públicos destinados à sociedade, no presente caso, à saúde.
Nesse sentido, o que se pretende inicialmente é mostrar o que levou o governo brasileiro a aderir o modelo das Organizações Sociais (OS), bem como a criação pelo Estado do Amazonas de lei para execução dos serviços de saúde por intermédio de uma OS, tendo como referência o Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, em Manaus/AM.
Em outro ponto, a ênfase é verificar se a aplicação do modelo da gestão pública ao Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz por meio de um contrato de gestão se mostrou eficiente para inibir ilícitos.
Deste modo, questiona-se: a legislação aplicável às Organizações Sociais para o exercício de atividades de saúde no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz se mostram eficientes para inibir ilícitos?
À resposta ao questionamento acima, buscar-se-á afirmar que a legislação que regulamenta as Organizações Sociais apresenta lacunas que podem levar a ilícitos, caso não haja um firme propósito de controle pela Administração Pública.
Os objetivos traçados são: Geral – Identificar as razões que levam a não efetividade dos resultados pelas Organizações Sociais e os desvios dos recursos públicos, e específicos: Entender como funcionam as Organizações Sociais; Analisar as lacunas da legislação aplicável às Organizações Sociais; Confrontar a posição teórica (legislação) e a prática tendo como modelo o Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz.
O caminhar desta pesquisa adota-se o Método de Abordagem o dedutivo, uma vez que o caminho a ser traçado iniciará com abordagem geral das Organizações Sociais à aplicação desse modelo no Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz. O Procedimento será o monográfico com estudo de caso que analisa determinados indivíduos, profissões, condições, instituições, grupos ou comunidades, com a finalidade de obter generalizações. A Técnica de Pesquisa utilizada será a documentação indireta, com pesquisa bibliográfica e documental.
Nos anos 80, do século passado, o Brasil passava por uma crise econômica de dimensões elevadas, cujo cenário se mostrava com baixa taxa de crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), aumento da inflação e crise fiscal, fatores que impediam ou reduziam o investimento do Estado, que aos poucos já não conseguia manter uma política de desenvolvimento econômico e social. Além disso, a década foi marcada pelo fim da ditadura em 1985.
Com a instalação da Assembleia Nacional Constituinte, em fevereiro de 1987, as discussões em torno da reforma do Estado brasileiro se fortaleciam na busca de uma nova estrutura voltada a uma realidade social mais justa, comprometida com os cidadãos.
No campo da saúde, esse processo foi impulsionado pelo movimento da reforma sanitária, que ansiava por mudanças e melhorias para atendimento à população, e que resultou na universalidade do direito a saúde concretizada no art. 196 da Constituição Federal de 1988, bem como a criação do Sistema Único de Saúde (SUS) pela Lei n. 8.080/90.
Art. 196. A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação (BRASIL, 1988).
Cabe lembrar que no cenário internacional as propostas neoliberais apresentadas no chamado “Consenso de Washington” de 1989, pregava a abertura comercial, privatização das empresas públicas e a diminuição do tamanho do Estado, por meio do corte de gastos, terceirização dos serviços e a redução das leis trabalhistas ganhava força nos países centrais. Em resposta as demandas do processo de globalização e a fim de enfrentar a crise que assolava o Brasil, foi necessário criar mecanismos e estratégias para reconstruir o Estado.
Desse modo, em 1995 foi editado o Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado que se concretizou com a Emenda Constitucional n. 19/1998, no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, que teve como objetivo a criação de uma estrutura organizacional estatal fortalecida para que o país retomasse o desenvolvimento econômico. Além disso, buscava-se melhorar a prestação dos serviços públicos demandados pela sociedade, oferecendo serviços públicos com melhor qualidade e o aumento da eficiência do aparelho estatal.
O Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado, aprovado em 21 de setembro de 1995 foi concebido para dar uma resposta à crise econômica que assolava o país, de modo a manter o equilíbrio necessário à economia, prover a população de serviços eficientes, os quais estavam deteriorados, e combater a crise fiscal e a inflação. De outro modo era necessário um novo modelo de gestão com base na eficiência e voltados aos resultados e descentralização, conforme disposto na apresentação do Caderno MARE, apontado pelo Chefe do Executivo:
“A crise brasileira da última década foi também uma crise de Estado. Em razão do modelo de desenvolvimento que Governos anteriores adotaram, o Estado desviou-se de suas funções básicas para ampliar sua presença no setor produtivo, o que acarretou, além de gradual deterioração dos serviços públicos, a que recorre, em particular, a parcela menos favorecida da população, o agravamento da crise fiscal e, por consequência, da inflação. Nesse sentido, a reforma do Estado passou a ser instrumento indispensável para consolidar a estabilidade e assegurar o crescimento sustentado da economia. Somente assim, será possível promover a correção das desigualdades sociais e regionais.”
[…]
“É preciso, agora, dar um salto adiante, no sentido de uma administração pública que chamaria de “gerencial” baseada em conceitos atuais de administração e eficiência, voltada para o controle dos resultados e descentralização para poder chegar ao cidadão, que, numa sociedade democrática, é quem dá legitimidade às instituições e que, portanto, se torna “cliente privilegiado” dos serviços prestados pelo Estado.”
Esse novo modelo de gerenciamento do Estado teve como escopo tornar a administração pública eficiente, utilizando-se de controle dos resultados e da descentralização dos serviços de modo que os cidadãos pudessem receber serviços dignos do Estado, garantindo-se assim, uma sociedade democrática. Além disso, essa reorganização administrativa visava com que as políticas do Estado se voltassem para o mercado, introduzindo novos formatos institucionais a partir da descentralização da estrutura organizacional, vislumbrando-se a ampliação das ações sociais, uma vez que a execução de serviços poderia ser realizada por terceiros, exceto, os serviços executados exclusivamente pelo Estado.
Para Bresser Pereira (2010, p. 114) a sociedade demandava por serviços públicos e era necessário mudar as condições de ofertas dos serviços, além disso, mostrar para a sociedade que o Estado estava gastando bem os recursos oriundos dos impostos pagos, sendo a reforma gerencial uma resposta a essa questão:
“A Reforma Gerencial foi a resposta a esse desafio ao modificar a forma de administrar a oferta dos serviços, (1) ela torna os gerentes dos serviços responsáveis por resultados, ao invés de obrigados a seguir regulamentos rígidos; (2) premia os servidores por bons resultados e os pune pelos maus; (3) realiza serviços que envolvem poder de Estado através de agências executivas e reguladoras; e – o que é mais importante – (4) mantém o consumo coletivo e gratuito, mas transfere a oferta de serviços sócias e científicos para organizações sociais, ou seja, para provedores públicos não estatais que recebem recursos do Estado e são controlados através de contrato de gestão.”
Nesse sentido, o Plano Diretor da Reforma do Estado deu origem ao modelo das Organizações Sociais de modo a executar serviços não-exclusivos do Estado, dentro de uma relação de parceria e via um contrato de gestão, sendo tal parceria regida pelo direito público, conforme pode ser observado no item 6 e 6.4 do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado:
[…]
Reformar o aparelho do Estado significa garantir a esse aparelho maior governança, ou seja, maior capacidade e governar, maior condição de implementar as leis e políticas públicas. Significa tornar muito mais eficientes as atividades exclusivas de Estado, através da transformação das autarquias em “agências autônomas”, e tornar também muito mais eficientes os serviços sociais competitivos aos transformá-los em organizações públicas não-estatais de um tipo especial: as “organizações sociais”.
6.4 Objetivos para os Serviços Não-exclusivos:
– Transferir para o setor público não-estatal estes serviços, através de um programa de “publicização” transformando as atuais fundações públicas em organizações sociais, ou seja, em entidades de direito privado, sem fins lucrativos, que tenham autorização específica do Poder Legislativo para celebrar contrato de gestão com o Poder Executivo e assim ter direito a dotação orçamentária.
– Lograr, assim, uma maior autonomia e uma consequente maior responsabilidade para os dirigentes desses serviços.
– Lograr adicionalmente um controle social direto desses serviços por parte da sociedade através dos seus conselhos de administração. Mais amplamente, fortalecer práticas de adoção de mecanismos que privilegiem a participação da sociedade tanto na formulação quanto na avaliação do desempenho da organização social viabilizando o controle social.
– Lograr, finalmente, uma maior parceria entre o Estado, que continuará a financiar a instituição, própria organização social, e a sociedade a que serve e que deverá também participar minoritariamente de seu financiamento via compra de serviços e doações.
– Aumentar, assim, a eficiência e a qualidade dos serviços, atendendo melhor o cidadão-cliente a um custo menor.”
De outro modo, a Constituição Federal, em seu art. 197, prevê a execução dos serviços de saúde por meios de terceiros, senão vejamos:
Art. 197. São de relevância pública as ações e serviços de saúde, cabendo ao Poder Público dispor, nos termos da lei, sobre sua regulamentação, fiscalização e controle, devendo sua execução ser feita diretamente ou através de terceiros e, também, por pessoa física ou jurídica de direito privado (BRASIL,1988)
Ademais, por meio da Emenda Constitucional n. 19, de 04/06/1998, ao art. 37 da Constituição Federal foi incluso o princípio da eficiência, demonstrando que a gestão da administração pública deve-se pautar nos resultados.
Para DI PIETRO (2015, p. 117) o princípio da eficiência não se sobrepões aos demais princípios e se apresenta sobre a forma em que atua o agente público, bem como a forma de organizar, estruturar e disciplinar a administração pública.
“O princípio da eficiência apresenta, na realidade, dois aspectos: pode ser considerado em relação ao modo de atuação do agente público, do qual se espera o melhor desempenho possível de suas atribuições, para lograr os melhores resultados; e em relação ao modo de organizar, estruturar, disciplinar a Administração Pública, também com o mesmo objetivo de alcançar os melhores resultados na prestação do serviço público.”
Segundo MEIRELLES (2002, p.360-361), o objetivo declarado pelos autores da reforma administrativa da com a criação figura das Organizações Sociais foi encontrar um instrumento que permitisse a transferência para elas de certas atividades exercidas pelo poder público e que melhor o seriam pelo setor privado, sem necessidade de concessão ou permissão. Trata-se de uma nova forma de parceria, com a valorização do chamado terceiro setor, ou seja, serviços de interesse público, mas que não necessitam ser prestados pelos órgãos e entidades governamentais.
Dessa maneira, com base nos objetivos traçados no Plano da Reforma do Estado, foi elaborada a Lei federal n. 9.637/98 que dispõe sobre a qualificação das entidades como organizações sociais, cria o Programa Nacional de Publicização e extingue os órgãos a serem absorvidos por organizações sociais.
O art. 1o da Lei n. 9.637/98 estabelece que para a obtenção de tal qualificação, a entidade deverá ser uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, e suas atividades sociais irão contemplar o ensino, a pesquisa científica, o desenvolvimento tecnológico, a proteção e preservação do meio ambiente, a cultura e a saúde, atendidos os requisitos previstos nesse mesmo diploma.
Art. 1o O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, atendidos aos requisitos previstos nesta Lei.
Pelo disposto no artigo supra as Organizações Sociais não representam uma nova figura jurídica, pois é a qualificação concedida pelo poder público que torna a pessoa jurídica de direito privado, regida pelo Código Civil, como tal.
Para PAES (2000, p.67), as Organizações Sociais são um modelo ou uma qualificação de organização pública não estatal criada dentro de um projeto de reforma do Estado, para que as associações civis sem fins lucrativos e fundações de direito privado possam absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica de lei.
Nas lições de DI PIETRO (2015, p.618), as entidades não nascem com o nome de Organizações Sociais, pois se trata de um título jurídico que é concedido e também cancelado pelo Poder público, ou seja, somente o Poder Executivo poderá qualificar essas pessoas jurídicas de direito privado.
Segundo MAZZA (2017, p.45) a Organização Social é uma qualificação especial concedida pelo governo federal às entidades sem fins lucrativos, permitindo que recebam vantagens peculiares.
O conceito de Organizações Sociais apresentado no Caderno MARE da Reforma do Estado, p. 12, traz os aspectos relevantes do modelo, conforme transcrito abaixo:
Organizações Sociais (OS) são um modelo de organização pública não-estatal destinado a absorver atividades publicizáveis mediante qualificação específica. Trata-se de uma forma de propriedade pública não-estatal, constituída pelas associações civis sem fins lucrativos, que não são propriedade de nenhum indivíduo ou grupo e estão orientadas diretamente para o interesse público.
As OS são um modelo de parceria entre o Estado e a sociedade. O Estado continuará a fomentar as atividades publicizadas e exercer sobre elas um controle estratégico: demandará resultados necessários ao atingimento dos objetivos das políticas públicas. O contrato de gestão é o instrumento que regulará as ações das OS[1].
Para que a entidade privada possa ser qualificada como Organização Social é necessário atender aos requisitos previstos no art. 2º da Lei 9.637/1998, dentre eles que os atos constitutivos da entidade disponham:
Além dos requisitos acima destacados, a entidade necessita de aprovação pelo Ministro ou titular do órgão supervisor ou regulador da área correspondente ao seu objeto social, bem como do Ministro de Estado competente. Tal aprovação relaciona-se a conveniência e oportunidade da autoridade pública para qualifica-la como Organização Social.
Quanto a discricionariedade da autoridade em qualificar ou não a entidade por meio dos critérios da conveniência e oportunidade, cabe trazer o entendimento do Supremo Tribunal Federal (STF) encartada na decisão que julgou a ADI nº 1.923-5, de 16/04/2015, pg. 5.
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE 1.923 DISTRITO FEDERAL
[…]
“11. A previsão de competência discricionária no art. 2º, II, da Lei nº 9.637/98 no que pertine à qualificação tem de ser interpretada sob o influxo da principiologia constitucional, em especial dos princípios da impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência (CF, art. 37, caput). É de se ter por vedada, assim, qualquer forma de arbitrariedade, de modo que o indeferimento do requerimento de qualificação, além de pautado pela publicidade, transparência e motivação, deve observar critérios objetivos fixados em ato regulamentar expedido em obediência ao art. 20 da Lei nº 9.637/98, concretizando de forma homogênea as diretrizes contidas nos inc. I a III do dispositivo”
Conforme prevê o art. 3º da Lei nº 9.637/98, a Organização Social é dirigida pelo Conselho de Administração e sua estrutura deve estar formalizada por meio de um estatuto, cuja composição terá um percentual de membros representantes do poder público, membros das entidades da sociedade civil, membros eleitos dentre os membros ou associados, membros eleitos pelos integrantes do Conselho com notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral e membros indicados ou eleitos conforme dispuser o estatuto. Os representantes do poder público e das entidades da sociedade civil correspondem a mais de cinquenta por cento da composição do Conselho, e o dirigente máximo do Conselho não tem direito a voto. Os membros terão mandato de quatro anos, podendo ser reconduzido.
As reuniões ordinárias do Conselho ocorrerão, no mínimo, três vezes a cada ano, e as reuniões extraordinárias poderão ser realizadas a qualquer tempo. Os serviços que os Conselheiros prestarem não serão remunerados, mas terão ajuda de custo por reunião que participarem. Não é permitida a acumulação de funções, motivo pelo qual quando o Conselheiro for eleito ou indicado para integrar a diretoria da entidade, deverá renunciar a condição de Conselheiro.
A Lei Federal n. 9.637/98 denominada “Lei das OS” abriu um leque de possibilidades para entidades sem fins lucrativos atuarem na execução de diversos serviços por meio de parcerias com o Poder Público, sendo necessário que exista uma fiscalização efetiva para que os resultados pactuados se concretizem, visto que o próprio Estado financia essas organizações almejando a eficiência na prestação de serviços ao cidadão.
Nesse sentido, cabe destacar alguns pontos da Lei Federal n. 9.637/98 que, de certa forma, deixam uma abertura para a ocorrência de irregularidades.
Os requisitos dispostos no art. 2º que tratam da habilitação para obtenção da qualificação como organização social não apresentam qualquer indicação para a comprovação de um tempo mínimo de sua existência, de modo que se possa certificar que a entidade prestou efetivamente os serviços na área de atuação. Além disso, a Lei n. 9.637/98 é silente quanto a comprovação da existência do capital próprio da entidade.
Art. 2o São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social:
I – comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre:
II – haver aprovação, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Ministro ou titular de órgão supervisor ou regulador da área de atividade correspondente ao seu objeto social e do Ministro de Estado da Administração Federal e Reforma do Estado.
Observa-se que além dos requisitos formais tratados no inciso I, referentes à comprovação contida no ato constitutivo, existe outro requisito voltado à discricionariedade da autoridade que irá decidir se habilita ou não a entidade como organização social. Essa discricionariedade abre caminho para o favorecimento de entidades a serem habilitadas como OS, podendo prevalecer indicações de cunho pessoal ou política com interesses diversos daqueles dispostos na Lei.
Para SILVA NETO (2002, p. 2) ao administrador caberia somente verificar os aspectos elencados no inciso I, do art. 2º, para que não ficasse nas mãos do administrador decidir se habilita ou não a entidade, evitando-se favorecimentos.
“[…] a Lei não poderia oferecer ao administrador a opção para qualificar, ou não, uma entidade civil, que preencheu todos os requisitos exigidos no art. 2º. Da Lei 9.637/98, ao argumento de não ter atendido o interesse público. Deveria a autoridade competente quedar-se manietado às condições formais vertidas à qualificação. Todavia, ainda que preenchidos todos os elementos contidos no art. 2º, o dispositivo não está imune a críticas, pois a redação do artigo não confere nenhuma margem de segurança ao poder público […]”
Na mesma linha, PAES (2000, p.70) entende que existe um elevado grau de discricionariedade para se qualificar uma entidade como organização social.
“… Percebe-se, portanto, o elevado grau de discricionariedade governamental na qualificação da entidade. Não está prevista sequer uma consulta que seja a algum órgão colegiado ou conselho de representantes da sociedade civil. Difícil é vislumbrar que decisões de tamanha envergadura e com reflexos importantes em áreas tão sensíveis e carentes da sociedade dependem exclusivamente do bom senso de alguns poucos mandatários do poder executivo…”
Outro ponto a ser destacado é que o art. 7º da Lei n. 9.637/98 não prevê a necessidade de critérios objetivos para a contratação de pessoal, com uma seleção de pessoal aberta a todos aqueles que desejem participar, deixando transparente que as pessoas contratadas possuem o conhecimento e experiência necessários na área de atuação, e atendem aos demais critérios estabelecidos para integrarem na OS.
7o Na elaboração do contrato de gestão, devem ser observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e, também, os seguintes preceitos:
[…]
II – a estipulação dos limites e critérios para despesa com remuneração e vantagens de qualquer natureza a serem percebidas pelos dirigentes e empregados das organizações sociais, no exercício de suas funções.
[…]
Da mesma forma entende SILVA NETO (2002, p.2) ao observar que a seleção de pessoal das organizações sociais deveriam seguir o mesmo tratamento dado às contratações reguladas via licitação, em observância aos princípios de direito público.
“[…] a Lei deveria dispensar à seleção de pessoal o mesmo tratamento para contratação de obras, serviços, compras e alienações, ou seja, o conselho de administração deveria aprovar normas reguladoras, estabelecendo critérios objetivos para a contração de pessoal celetista, evitando-se eventuais privilégios ou favoritismos. Em suma, da mesma forma que se dá na licitação, devem ser observados na seleção de pessoal princípios de direito público.”
Seguindo o modelo da Lei Federal n. 9.637/98, foi aprovada no âmbito do Estado do Amazonas a Lei n. 3.900, de 12 de junho de 2013, que dispõe acerca da qualificação das Organizações Sociais, sendo regulamentada por meio do Decreto n. 34.039, de 4 de outubro de 2013.
Nesse sentido, o art. 1º da Lei n. 3.900/2013, ao dispor acerca da qualificação ampliou as áreas de atuação exercidas pelas entidades a serem qualificadas como organizações sociais, incluindo atividades voltadas ao trabalho, à ação social, ao desporto e à agropecuária:
Art. 1º O Poder Executivo poderá qualificar como organizações sociais pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico e institucional, à proteção e preservação do meio ambiente, bem como à saúde, ao trabalho, à ação social, à cultura, ao desporto e à agropecuária. (AMAZONAS, 2013)
Assim como no diploma federal, no âmbito estadual os requisitos para que a entidade possa se qualificar também apresentam aspectos formais (I) e discricionários (II):
Art. 2º São requisitos específicos para que as entidades privadas referidas no artigo anterior habilitem-se à qualificação como organização social:
I – comprovar o registro de seu ato constitutivo, dispondo sobre:
II – ter a entidade recebido aprovação em parecer favorável, quanto à conveniência e oportunidade de sua qualificação como organização social, do Secretário de Estado da área correspondente. (AMAZONAS, 2013)
A cooperação entre poder executivo estadual e a entidade se dá mediante contrato de gestão que contem as especificações necessárias para que os resultados sejam alcançados, dentre eles estão os objetivos, metas e prazos, direitos e obrigações, o exercício do controle, regulação e fiscalização, os recursos humanos, orçamentários e financeiros disponíveis, os indicadores de qualidade e produtividade.
Destaca-se que o contrato de gestão está previsto no art. 37, § 8º da Constituição Federal/88, para o estabelecimento de metas de desempenho:
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
Nesse prisma, entende-se que o contrato de gestão é um importante instrumento de controle para que o poder público possa acompanhar as atribuições e responsabilidades das OSs, uma vez que estarão inseridos os planos de trabalhos, as metas e prazos estabelecidos, os critérios da avaliação de desempenho juntamente com os indicadores de qualidade e produtividades e as despesas com a remuneração dos dirigentes. Ademais, é no contrato de gestão que constam as atribuições, responsabilidades e obrigações do Poder Público e da Organização Social, conforme prevê o art. 6º da Lei 3.900/2013.
Quanto à estrutura das organizações sociais, o Decreto n. 34.039/2013, em seu art. 3º, prevê a estrutura mínima a ser considerada para fins de qualificação das entidades:
Art. 3º As entidades que tiverem interesse em se qualificar como Organização Social deverão possuir a seguinte estrutura básica mínima:
I – Assembleia Geral, como órgão de deliberação superior;
II – Conselho Delegado de Administração, como órgão técnico e de controle básico;
III – Diretoria Executiva, como órgão de gestão; e
IV – Conselho Fiscal, como órgão de fiscalização da Administração contábil e financeira da Entidade.
O controle é realizado pelo Conselho Delegado de Administração, e caso a entidade descumpra a legislação vigente e os termos do contrato de gestão será cancelada a sua qualificação. Verifica-se aqui que a Lei Estadual não deixa margem para a não aplicação do cancelamento contratual caso ocorra o seu descumprimento.
A supervisão, acompanhamento e avaliação das ações são realizadas pela área correspondente, pelos órgãos normativos e de controle interno e externo estadual, nos termos do art. 8º da Lei 3.900/2013.
Com a aprovação da Lei n. 3.900/2013, regulamentada pelo Decreto n. 34.039/2013, o Governo do Amazonas adotou esse modelo de gestão na área da saúde e, por intermédio da Secretaria de Estado de Saúde, celebrou o contrato de gestão n. 001 de 28 de dezembro de 2015, com o Instituto de Medicina, Estudos e Desenvolvimento (IMED), associação civil, sem fins lucrativos, qualificada como Organização Social por meio do Decreto Estadual n. 35.589, de 12/02/2015, publicado na mesma data, visando o gerenciamento, operacionalização execução das ações e serviços de saúde do Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz.
De acordo com o Relatório de Fechamento do IMED – período de 2015 a 2018 – foram investidas estratégias de gestão, voltando-se ao atendimento humanizado e de tecnologia, bem como estudos para monitorar e avaliar os resultados e impactos referentes ao aumento e qualidade na prestação dos serviços.
Dos dados e informações extraídas do Relatório de Fechamento, no ano de 2015, devido a qualidade do atendimento do Pronto-Socorro Delphina Rinaldi Abdel houve um número maior de pacientes tanto locais como de outras localidades do estado do Amazonas. Ao longo dos 12 meses de 2015 foram realizados 163.406 atendimentos, com 13.617 atendimentos mensais, ao que superou em 19% da meta estabelecida pela IMED. Ademais, com a implantação de 98% do prontuário eletrônico ocorreu uma redução de 40% no consumo de materiais de expediente e de 100% das rotinas manuais. Entre julho a dezembro de 2015, houve uma redução do tempo médio dos atendimentos de urgências de 9 para 6 minutos, por paciente. Na emergência também houve uma redução de 9 para 3 minutos. No ano de 2016 foram realizados 184.175 atendimentos, com uma média mensal de 15.348, ao que superou o ano anterior em um percentual aproximado de 13% . Em 2017 houve um aumento expressivo do número de pacientes em razão da inauguração do Centro de Diagnóstico e o Centro Cirúrgico, chegando ao total de 316.280 atendimentos.
O Relatório de Encerramento do IMED indica que houve avanços nos atendimentos e cumprimentos das metas estabelecidas, os quais geraram impactos sociais positivos, resultados que vão ao encontro das justificativas apresentadas para a aplicação desse novo modelo de gestão. Porém, é necessário registrar que a coleta de dados ficou prejudicada devido a falta de dados e informações no Portal de Transparência do Governo do Estado do Amazonas (Secretaria de Saúde) relacionados ao efetivo acompanhamento (accountability) e fiscalização que são realizados pelo Conselho de Administração via programa de trabalho anexado ao contrato de gestão, impossibilitando o cotejo entre os dados fornecidos pelo IMED com a análise e avaliação realizada pela comissão fiscalizadora e de avaliação, em atendimento ao previsto no art. 8º da Lei Estadual n. 3.900/2013:
Art. 8º A execução do contrato de gestão celebrado por organização social será fiscalizada pelo órgão ou entidade supervisora da área de atuação correspondente à atividade fomentada.
Constata-se que a falta de dados e informações, inclusive da contratação de pessoal e financeira, limita ou impede o efetivo controle social indireto realizado pelo cidadão, que é um dos instrumentos importantes para dar transparência à gestão das Organizações Sociais, situação que se apresenta em descompasso com um dos propósitos de sua criação.
Corroborando com a constatação acima, o Ministério Público de Contas do Estado Amazonas – MPC/AM, como órgão de controle, identificou irregularidade no processo de escolha do IMED e ingressou com representação, cuja ação demonstra a ilegalidade da terceirização da gestão, falta de impessoalidade e transparência, falta de qualificação técnico-operacional e ainda a falta de estudos relacionados à economicidade para a escolha da OS.
As entidades (associações ou fundações) pessoas jurídicas de direito público privado e sem fins lucrativos, ao se qualificarem como Organizações Sociais, estão habilitadas a receberem determinados benefícios concedidos pelo poder público. Dentre os benefícios destacados no Caderno MARE como Vantagens das Organizações Sociais está a dispensa de licitação nas contratações de serviços para atividades contempladas no contrato de gestão (art. 24, inciso XXIV a Lei 8.666/93) e os recursos das Organizações Sociais, que fazem parte do orçamento da União, tem sua execução realizada sem passar pelo registro no Sistema Integrado de Administração Financeira (SIAFI), sistema que controla toda a execução orçamentária, financeira e contábil do Governo Federal.
Se por um lado a justificativa para a dispensa de licitação é proporcionar maior agilidade na contratação de serviços, por outro dá margem para contratações impróprias indo de encontro com os princípios esculpidos no art. 37 da Constituição Federal/88. Do mesmo modo, quando a Lei n. 9.637/98 desobriga a OS de registrar no SIAFI a execução dos recursos públicos transferidos para seus gastos, levando em muitos casos aos desvios de recursos públicos.
O Tribunal de Contas a União – TCU, em auditorias operacionais realizadas com o objetivo de verificar a transferência do gerenciamento de serviços públicos de saúde às organizações sociais, identificou diversas irregularidades, a exemplo do que consta no Relatório de Auditoria TC 018.739/2012-1, que auditou as Secretarias de Saúde da Bahia, de São Paulo, da Paraíba e nas Secretarias Municipais de Saúde de Salvador, de Araucária, de Curitiba, de São Paulo e do Rio e Janeiro, constatou-se inexistência de motivação acerca da transferência do gerenciado da unidade de saúde para as Organizações Sociais, bem como estudo que permitisse avaliar que essa escolha fosse a melhor opção para se obter o desempenho esperado na prestação dos serviços ou ainda que os custos fossem menores àqueles comparados aos do poder público. Além disso, inexistência de indicadores para que a avaliação do desempenho das OSs fosse efetiva.
Outro ponto destacado pela auditoria do TCU é que os Estados e Municípios ao transferirem para as Organizações Sociais o gerenciamento das unidades de saúde devem se preparar para supervisionarem a execução do contrato de gestão, a fim de que os serviços possam tender a população e os recursos não sejam desviados e desperdiçados.
CONCLUSÃO
O presente estudo mostrou que com a reforma do Estado ocorrida em 1995, utilizada com estratégia para combater a crise que assolava o país no governo do presidente Fernando Henrique Cardoso, implantou-se um novo modelo de gestão pública voltada para o setor não-estatal, que possibilitou a este a execução de serviços não exclusivos do Estado, com enfoque para a gestão por resultados. Nesse cenário, com a edição da Lei n. 9.637/98, as entidades privadas, sem fins lucrativos, com atuação em áreas reguladas no citado normativo puderam habilitar-se para obter a qualificação como Organizações Sociais.
Embora na área da saúde a justificativa para a transferência da execução dos serviços de saúde do poder público para as Organizações Sociais tenha sido o discurso de uma gestão mais eficiente, avaliada por resultados obtidos a partir de metas estabelecidas, foi possível por meio da presente pesquisa confirmar que a Lei n. 9.637/98 e a Lei Estadual n. 3.900/2013, apesar de apresentarem uma série de requisitos e regras que norteiam a qualificação e o contrato de gestão, não inibem a incidência de ilícitos, os quais refletem nos resultados almejados. Isso porque existe uma deficiência do controle e fiscalização, bem como a falta de transparência, aliada a inexistência de estudos que antecedem a tomada de decisão na transferência da execução dos serviços de saúde para a Organização Social.
Em outro momento, foi possível verificar que na gestão do Hospital Delphina Rinaldi Abdel Aziz, o controle e fiscalização também foram deficitários, fato que levou o Ministério Público de Contas do Amazonas detectar irregularidades que culminou no pedido de cancelamento do Contrato de Gestão com a Organização Social IMED.
Desse modo, o poder público deve ter a responsabilidade e entender que a solução para o problema da gestão da saúde não está na decisão pela transferência da execução dos serviços para uma Organização Social, e sim nas ações de fiscalização com rigor e acompanhamento, utilizando-se instrumentos de transparência que permitam qualquer cidadão fiscalizar, principalmente porque os recursos repassados para as Organizações Sociais são gerados por toda a sociedade, tendo aquelas o dever de dar o retorno para quem as mantem.
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