Resumo: O escopo do presente é analisar a transferência de recursos legais em relação ao Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE). A alimentação e nutrição se apresentam como elementos condicionantes para o desenvolvimento humano. Nesta esteira, a inserção do direito à alimentação no rol dos direitos sociais, na redação do artigo 6º da Constituição Familiar, passou a exigir da Administração Pública, em todos os seus diversos âmbitos, a conjugação de uma série de esforços para viabilizar sua concretização. Neste aspecto, a alimentação escolar se apresenta como importante instrumento de acessibilidade de alimentação, em quantidade e em qualidade, a parcela vulnerável da população, propiciando elementos para o desenvolvimento físico, psíquico e mental. Para tanto, a partir de um viés administrativo, a compreensão do procedimento de transferência de recursos legais faz-se imprescindível. A metodologia empregada na condução foi o método indutivo, auxiliado pela revisão de literatura específica e exame de fontes doutrinárias sensíveis ao tema.
Palavras–chave: Administração Pública. Transferência de Recursos. Direito Humano à Alimentação Adequada. Alimentação Escolar.
Sumário: 1 Introdução; 2 Administração Pública e Transferência de Recursos; 3 Direito Humano à Alimentação Adequada: Contornos Conceituais; 4 Alimentação Escolar como desdobramento do Direito Humano à Alimentação Adequada; 5 Transferência de Recursos Legais em Pauta e O Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE): a concretização do Direito Humano à Alimentação Adequada; 6 Conclusão; Referências.
1 INTRODUÇÃO
A Constituição Federal, de maneira ofuscante, em seu artigo 37, estabelece que a Administração Pública será regida por uma série de princípios peculiares, os quais desempenham importante papel na consecução e concretização das atribuições daquela. Dentre essas atribuições, faz-se carecido colocar em destaque a proeminência assumida pela inserção, em sede de redação do artigo 6º, caput, da alimentação como direito social. Ora, tratando-se de típico direito programático, revela-se imprescindível à conjunção de esforços dos âmbitos distintos do Estado (União Federal, Estados-membros, Distrito Federal e Municípios) para, por meio de políticas públicas, programas institucionais, reservas orçamentárias, transferências legais de recursos e ações pró-ativas, assegurar sua concretização no plano concreto.
Como direito social dotado de complexidade, o direito humano à alimentação adequada não se perfaz ou produz efeitos de maneira singular; ao reverso, trata-se de direito de complexidade que se substancializa em uma série de políticas e abordagens e incidem sobre diversos segmentos. Assim, a Administração Pública passa a desempenhar especial papel, notadamente no que atina ao aspecto de assegurador de direito sociais programáticos, a fim de, como fronteira última, promover o princípio da dignidade da pessoa humana e envidar esforços para que o mínimo existencial social seja, de fato, implementado, de maneira irrestrita e, de maneira especial, para os indivíduos que se encontram em situação de maior vulnerabilidade.
Faz-se carecido, portanto, esmiuçar a natureza de transferências obrigatórias que emolduram a verba constituinte do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), maiormente quando se coloca exposto o aspecto de elemento concretizador e que permite, parcela da população, alimentação de qualidade e em quantidade condizente para o desenvolvimento físico, mental e psíquico da população atingida. Para o presente, estabelece-se como marco precípuo a proeminência da alimentação escolar como verdadeiro desdobramento do direito em tela, tendo como aspecto analítico o processo administrativo de transferência de recursos. A metodologia empregada se dá a partir do método indutivo e revisão bibliográfica, tendo como elemento analítico a legislação pertinente à transferência de recursos legais advindo do PNAE.
2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA E TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS
Inicialmente, não constitui tarefa simples delinear os aspectos inerentes à função administrativa. Consoante aponta Carvalho Filho (2011), há clara divergência entre os teóricos sobre a temática. Em que pese a celeuma, sobressai a percepção que a função administrativa do Estado consiste em realizar seus fins, norteado por uma ordem jurídica. Neste sentido, a função administrativa do Estado Brasileiro encontra, como flâmula, os principais alocados no caput do artigo 37 da Constituição Federal de 1988, a saber: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, os quais, em conjunto, visam assegurar, por meio de tal execução de atividades e fins, promover a dignidade da pessoa humana e o mínimo existencial.
Carvalho Filho (2011), ainda, vai preconizar que, na realidade, a função administrativa tem sido considerada de aspecto residual, sendo, em decorrência disso, aquela que não representa a formulação da regra legal nem a composição de lides in concreto. “Mais tecnicamente, pode dizer-se que função administrativa é aquela exercida pelo Estado ou por seus delegados, subjacentemente à ordem constitucional e legal, sob regime de direito público, com vistas a alcançar os fins colimados pela ordem jurídica” (CARVALHO FILHO, 2011, p. 4).
Ora, ao se considerar que o ponto central da função legislativa implica na criação do direito novo e o da função jurisdicional repousa na composição de litígios, na função administrativa o grande alvo é, concretamente, a gestão dos interesses coletivos na sua mais ampla dimensão, em decorrência das plurais tarefas a que se deve propor o Estado contemporâneo. Em razão de tal gestão, denota-se que a atividade administrativa desempenhada implica, comumente, a prática de vários atos e atividades alvejando determinado escopo, a Administração vale-se, comumente, de processos administrativos como instrumento para concretizar a função administrativa.
Assim, em razão da ilimitada projeção de seus misteres é que parcela da doutrina tem apresentado distinção entre governo e administração, bem como função administrativa de função política, caracterizando-se por não ter subordinação jurídica direta, ao contrário daquela, sempre condicionada a regras jurídicas superiores. Constitui, nesse aspecto, função materialmente administrativa atividades desenvolvidas no Poder Judiciário de que são exemplos decisões em processos de jurisdição voluntária e o poder de polícia do juiz nas audiências; ou, ainda, no Poder Legislativo, como as denominadas leis de efeitos concretos, atos legislativos que, ao invés de fixarem normas gerais e abstratas, interferem na órbita jurídica de pessoas determinadas.
Ao se analisar as transferências de recursos, faz-se carecido pontuar: (i) as definidas constitucionalmente, entendidas como dotadas de cunho obrigatório ou vinculadas; (ii) as denominadas voluntárias, cuja manifestação mais comum se concretiza sob a forma de convênios ou contratos de repasse, inobstante haja outras modalidades do gênero; (iii) as de gestão tripartite, que compreendem o SUS e o SUAS; (iv) as de transferência de renda (Bolsa Família); e, (v) excepcionalmente, as realizadas para atender a calamidades ou, ainda, a situações de emergência.
3 DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA: CONTORNOS CONCEITUAIS
É fato que alimentação e nutrição são requisitos básicos para a promoção e a proteção da saúde, viabilizando a afirmação plena do potencial de crescimento e desenvolvimento humano, com qualidade de vida e cidadania, tal como estruturação de condições sociais mais próximas das ideais. Podestá (2011, p. 27-28) destaca que a locução segurança alimentar, durante o período da Primeira Guerra Mundial (1914-1918), passou a ser empregado na Europa, estando associado estritamente com o de segurança nacional e a capacidade de cada país de produzir seu próprio alimento, de maneira a não ficar vulnerável a possíveis embargos, boicotes ou cercos, em decorrência de políticas ou atuações militares. Contudo, posteriormente à Segunda Guerra Mundial (1939-1945), sobretudo com a constituição da Organização das Nações Unidas (ONU), o conceito da locução supramencionada passa a se fortalecer, porquanto compreendeu.
Assim, nas recém-criadas organizações intergovernamentais, era possível observar as primeiras tensões políticas entre os organismos que concebiam o acesso ao alimento de qualidade como um direito humano, a exemplo da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), e alguns que compreendiam que a segurança alimentar seria assegurada por mecanismos de mercado, tal como se verificou no Fundo Monetário Internacional (FMI) e no Banco Mundial. Após o período supramencionado, “a segurança alimentar foi hegemonicamente tratada como uma questão de insuficiente disponibilidade de alimentos” (PODESTÁ, 2011, p. 28). Passam, então, a ser instituídas iniciativas de promoção de assistência alimentar, que foram estabelecidas em especial, com fundamento nos excedentes de produção dos países ricos.
Havia a visão de que a insegurança alimentar decorria da produção insuficiente de alimentos nos países pobres. Todavia, nas últimas décadas, a concepção conceitual de segurança alimentar que, anteriormente, estava restrita ao abastecimento, na quantidade apropriada, foi ampliada, passando a incorporar, também, o acesso universal aos alimentos, o aspecto nutricional e, por conseguinte, as questões concernentes à composição, à qualidade e ao aproveitamento biológico. Em uma perspectiva individual e na escala coletiva, sobreditos atributos estão, de maneira expressa, consignados na Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948, os quais foram, posteriormente reafirmados no Pacto Internacional sobre Direitos Econômicos e Sociais e incorporados à legislação nacional em 1992 (BRASIL, 1992, s.p.).
Historicamente, a inter-relação entre a segurança alimentar e nutricional e o direito humano à alimentação adequada (DHAA) começa a ser delineada a partir do entendimento existente acerca dos direitos humanos na Declaração Universal de 1948. Durante aludido período histórico, a principal preocupação acerca do tema voltava-se para a ênfase acerca da acepção de que os seres humanos, na condição de indivíduos pertencentes a uma sociedade, eram detentores de direitos que deveriam ser reconhecidos e expressos nas dimensões das quais faziam parte, como alude Albuquerque (2009, p. 896). Para tanto, contribuiu para inserir a proposta de que, a efetivação dos direitos, seria imprescindível a inclusão das questões sociais, econômicas, civis e políticas, as quais foram essenciais para identificá-los como direitos atrelados às liberdades fundamentais e à dignidade humana.
A partir de tais ponderações, é possível frisar que a concretização dos direitos humanos, sobretudo o direito humano à alimentação adequada (DHAA), abarca responsabilidade por parte tanto do Estado quanto da sociedade e dos indivíduos. Assim, nas três últimas décadas, denota-se que a segurança alimentar e nutricional passou a ser considerada como requisito fundamental para afirmação plena do potencial de desenvolvimento físico, mental e social de todo o ser humano, superando a tradicional concepção que alimentação é o mero ato de ingerir alimentos.
A Cúpula de Roma de 1996 estabeleceu, em órbita internacional, que existe segurança alimentar quando as pessoas têm, a todo o momento, acesso físico e econômico a alimentos seguros, nutritivos e suficientes para satisfazer as suas necessidades dietéticas e preferências alimentares, com o objetivo de levarem uma vida ativa e sã. Afirma Podestá que “ao Estado cabe respeitar, proteger e facilitar a ação de indivíduos e comunidades em busca da capacidade de alimentar-se de forma digna, colaborando para que todos possam ter uma vida saudável, ativa, participativa e de qualidade” (PODESTÁ, 2011, p. 26).
Dessa maneira, nas situações em que seja inviabilizado ao indivíduo o acesso a condições adequadas de alimentação e nutrição, tal como ocorre em desastres naturais (enchentes, secas, etc.) ou em circunstâncias estruturais de penúria, incumbe ao Estado, sempre que possível, em parceria com a sociedade civil, assegurar ao indivíduo a concretização desse direito, o qual é considerado fundamental à sua sobrevivência. Ao lado do exposto, convém ponderar que a atuação do Estado, em tais situações, deve estar atrelada a medidas que objetivem prover as condições para que indivíduos, familiares e comunidade logrem êxito em se recuperar, dentro do mais breve ínterim, a capacidade de produzir e adquirir sua própria alimentação.
“Os riscos nutricionais, de diferentes categorias e magnitudes, permeiam todo o ciclo da vida humana, desde a concepção até a senectude, assumindo diversas configurações epidemiológicas em função do processo saúde/doença de cada população” (BRASIL, 2008, p. 11). Hirai (2011, p. 74) aponta que os elementos integrativos da concepção de segurança alimentar e nutricional foram sofrendo um processo de ampliação, passando, em razão da contemporânea visão, a extrapolar o entendimento ordinário de alimentação como simples forma de reposição energética. Convém destacar que, no território nacional, o novo conceito de segurança alimentar foi consolidado na I Conferência Nacional de Segurança Alimentar, em 1994.
“Assim, no conjunto dos componentes de uma política nacional, voltada para a segurança alimentar e nutricional, estão o crédito agrícola, inclusive o incentivo ao pequeno agricultor; a avaliação e a adoção de tecnologias agrícolas e industriais; os estoques estratégicos; o cooperativismo; a importação, o acesso, a distribuição, a conservação e o armazenamento de alimentos, o manejo sustentado dos recursos naturais, entre outros” (BRASIL, 2008, p.11).
No cenário nacional, as ações voltadas a garantir a segurança alimentar dão em consequência ao direito à alimentação e nutrição, ultrapassando, portanto, o setor de Saúde e recebe o contorno intersetorial, sobretudo no que se refere à produção e ao consumo, o qual compreende, imprescindivelmente, a capacidade aquisitiva da população e a escolha dos alimentos que devem ser consumidos, inclusive no que tange aos fatores culturais que interferem em tal seleção. Verifica-se que o aspecto conceitual de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN), justamente, materializa e efetiva o direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade satisfatória, de modo a não comprometer o acesso a outras necessidades essenciais da dignidade da pessoa humana. “Nunca é demais lembrar que o direito humano à alimentação adequada tem por pano de fundo as práticas alimentares promotoras de saúde, atinentes à diversidade cultural e que sejam social, econômica e ambientalmente sustentáveis” (MEDEIROS; SILVA; ARAÚJO, s.d., p. 34.).
Atualmente, consoante Hirai (2011, p. 24), as atenções se voltam para as dimensões sociais, ambientais e culturais que estão atreladas na origem dos alimentos. Ademais, a garantia permanente de segurança alimentar e nutricional a todos os cidadãos, em decorrência da amplitude e abrangência das questões que compreende, passa a reclamar diversos compromissos, tais como: políticos, sociais e culturais, objetivando assegurar a oferta e o acesso universal a alimentos de qualidade nutricional e sanitária, atentando-se, igualmente, para o controle da base genética do sistema agroalimentar. De maneira expressa, a Lei nº 11.346, de 15 de setembro de 2006 (Lei Orgânica da Segurança Alimentar), estabeleceu, em seu artigo 2º, que
“[…] a alimentação adequada é direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na Constituição Federal, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população” (BRASIL, 2006, s.p.).
Igualmente, o diploma legal supramencionado estabelece que a segurança alimentar e nutricional consiste na realização na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem que haja comprometimento do acesso a outras necessidades essenciais, tendo como fundamento práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis. Obtempera Ribeiro (2013, p. 38) que o direito humano à alimentação adequada não consiste simplesmente em um direito a uma ração mínima de calorias, proteínas e outros elementos nutritivos concretos, mas se trata de um direito inclusivo, porquanto deve conter todos os elementos nutritivos que uma pessoa reclama para viver uma vida saudável e ativa, tal como os meios para ter acesso.
A partir da Lei Orgânica da Segurança Alimentar (LOSAN), a segurança alimentar e nutricional passou a abranger a ampliação das condições de acesso aos alimentos por meio de produção, em especial da agricultura tradicional e familiar, do processamento, da industrialização, da comercialização, incluindo-se os acordos internacionais, do abastecimento e da distribuição dos alimentos, compreendendo a água, bem como a geração de emprego e da redistribuição de renda. De igual forma, a locução supramencionada compreende, ainda, a conservação da biodiversidade e a utilização sustentável dos recursos, bem como a promoção da saúde, da nutrição e da alimentação da população, incluindo-se os grupos populacionais específicos e populações em situação de vulnerabilidade sociais. A LOSAN abrange, ainda, a garantia da qualidade biológica, sanitária, nutricional e tecnológica dos alimentos, bem como seu aproveitamento, estimulando práticas alimentares e estilos de vida saudáveis que respeitem a diversidade étnica e racial e cultural da população.
Está inserido, igualmente, na rubrica em análise, a produção de conhecimento e o acesso à informação, bem como a implementação de políticas públicas e estratégias sustentáveis e participativas de produção, comercialização e consumo de alimentos, respeitando-se as múltiplas características culturais do País. Por derradeiro, a visão existente em torno do DHAA alcança como ápice, em sede de ordenamento jurídico interno, a Emenda Constitucional nº 64, de 4 de Fevereiro de 2010, responsável por introduzir na redação do artigo 6º, o direito fundamental em comento, incluindo-o no rol de direitos fundamentais sociais. Para a consecução do DHAA, é importante explicitar que o alimento deve reunir uma tríade de aspectos característicos, a saber: disponibilidade, acessibilidade e adequação. No que concerne à disponibilidade do alimento, cuida destacar que, quando requisitado por uma parte, a alimentação deve ser obtida dos recursos naturais, ou seja, mediante a produção de alimentos, o cultivo da terra e pecuária, ou por outra forma de obter alimentos, a exemplo da pesca, caça ou coleta. Além disso, o alimento deve estar disponível para comercialização em mercados e lojas.
A acessibilidade alimentar, por seu turno, traduz-se na possibilidade de obtenção por meio do acesso econômico e físico aos alimentos. “La accesibilidad económica significa que los alimentos deben estar al alcance de las personas desde el punto de vista económico” (ONU, s.d., p. 03). Ainda no que concerne à acessibilidade, as pessoas devem ser capazes de adquirir o alimento para estruturar uma dieta adequada, sem que haja comprometimento das demais necessidades básicas. Neste aspecto, ainda, a acessibilidade física materializa-se pela imperiosidade dos alimentos serem acessíveis a todos, incluindo indivíduos fisicamente vulneráveis, como crianças, enfermos, deficientes e pessoas idosas.
De igual modo, a acessibilidade do alimento estabelece que deve ser assegurado a pessoas que estão em ares remotas e vítimas de conflitos armados ou desastres naturais, tal como a população encarcerada. Renato Sérgio Maluf, ao apresentar sua conceituação sobre segurança alimentar (SA), faz menção ao fato de que se deve considerar aquela como “condições de acesso suficiente, regular e a baixo custo a alimentos básicos de qualidade. Mais que um conjunto de políticas compensatórias, trata-se de um objetivo estratégico […] voltado a reduzir o peso dos gastos com alimentação” (MALUF, 1999, p. 61), em sede de despesas familiares. Por derradeiro, o alimento adequado pressupõe que a oferta de alimentos deve atender às necessidades alimentares, considerando a idade do indivíduo, suas condições de vida, saúde, ocupação, gênero etc. “Los alimentos deben ser seguros para el consumo humano y estar libres de sustancias nocivas, como los contaminantes de los procesos industriales o agrícolas, incluidos los residuos de los plaguicidas, las hormonas o las drogas veterinarias” (ONU, s.d., p. 04). Ao lado disso, um alimento adequado, ainda, deve ser culturalmente aceitável pela população que o consumirá, estando inserido em um contexto de formação do indivíduo, não contrariando os aspectos inerentes à formação daquela.
4 ALIMENTAÇÃO ESCOLAR COMO DESDOBRAMENTO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA
A universalização do DHAA traduz-se em assegurar o respeito, a proteção, a promoção e o provimento desse direito a todos os seres humanos, independente de sexo e orientação sexual, idade, origem étnica, cor da pele, religião, opção política, ideologia ou qualquer outra característica pessoal ou social. Acresça-se que fartas são as evidências de que tal universalização é uma árdua tarefa que incumbe aos Estados e governos de alguns países. Ainda que existam ganhos importantes na órbita internacional, quanto à inclusão do tema na agenda social e política, e conquistas normativas e judiciais, subsiste um caminho longo a ser trilhado.
“Com efeito, no mundo todo, o problema da universalização do DHAA não é apenas jurídico, mas, num sentido mais amplo, é também político, pois demanda mudanças estruturais, negociação e adoção de medidas concretas capazes de dar operacionalidade a esse direito social” (BRASIL, 2011, p. 11) nos ordenamentos jurídicos internos, o que se dá através de políticas e programas públicos voltados para a promoção e garantia da SAN.
Ao lado disso, universalizar o DHAA compreende a concretização dos princípios da indivisibilidade, da interdependência e inter-relação dos direitos humanos, perseguindo a máxima isonômica que todos são igualmente necessários para assegurar uma vida digna e encontram-se organicamente vinculados. Dessa maneira, a vinculação de um reclama a garantia do exercício dos demais, não sendo, portanto, possível falar em liberdade ou em saúde sem uma alimentação adequada, sem acesso à água e a terra. Nesse cenário, é interessante que do Estado Social materializa, segundo o entendimento de Doehring (2008, p. 361), a ideia de uma justiça específica inserida dentro do Texto Constitucional que, entretanto, deve encontrar o seu limite, em que a previsibilidade e a segurança jurídica, ou seja, a concepção do Estado de direito, no sentido formal, será alcançado.
Assim, partindo da premissa que orbita em torno da conformação do Estado Brasileiro, há que se reconhecer incumbe deveres quanto à efetividade dos direitos sociais, em especial no que toca à promoção e concretização do DHAA. Desse modo, “ao Estado, cabe prioritariamente a implementação de políticas públicas de segurança alimentar e nutricional, vez que a fome é uma questão que deve estar na agenda prioritária de atuação do poder público” (SEN, 2000, p. 08). Até a introdução do DHAA no Texto Constitucional, havia um debate acerca da possibilidade de exigi-lo tanto na seara administrativa quanto no judiciário. Entretanto, com a introdução daquele na Constituição Cidadã, tal debate não mais subsiste, materializando, doutro ponto, obrigações do Estado e responsabilidades de diferentes atores sociais em relação à concreção e promoção plena, assegurando a todo indivíduo o acesso universal.
Examinando a questão sob uma perspectiva da SAN, é necessário resgatar alguns conceitos discorridos no curso da pesquisa, em especial no que se refere ao fato da Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional (LOSAN) instituir um sistema nacional pautado no direito humano à alimentação adequada, culminando, posteriormente, na positivação de tal direito no artigo 6º da CF/88, e na soberania alimentar.
Calcado nos princípios da universalidade, participação social, intersetorialidade e equidade, o sistema deve assegurar formas de produzir, abastecer, comercializar e consumir alimentos que sejam suscetíveis a partir de um viés socioeconômico e ambiental, respeitando a diversidade cultural e que sejam promotoras da saúde. Assim, a SAN coloca-se como um objetivo de políticas públicas, na medida em que ela estabelece as orientações a serem seguidas em vários campos, bem como requer mecanismos e instrumentos permanentes para permitir a consecução. Neste aspecto, a promoção da SAN possui três referências: a) direito humano à alimentação adequada; b) soberania alimentar; c) relação com a promoção do desenvolvimento.
Dessa maneira, a SAN alude ao direito de todo cidadão e cidadã de estar seguro(a) em relação aos alimentos e à alimentação nos aspectos de suficiência (proteção contra a fome e a desnutrição), qualidade (prevenção de doenças associadas à alimentação) e adequação (preservação da cultura familiar). Burlandy et all explicitam que “assegurar a alimentação significa assegurar o direito elementar à vida. Por essa razão, o direito humano à alimentação adequada é um dos princípios ao qual se subordina a SAN” (2010, p. 38-39). No que toca ao ideário da soberania alimentar, é possível afirmar que SAN sustenta o direito dos povos definirem suas estratégias de produção e consumo de alimentos que necessitam. A terceira referência relaciona o objetivo da SAN com a promoção do desenvolvimento, permitindo afirmar que há uma questão alimentar nos processos de desenvolvimento nos países e regiões e a forma como eles a enfrentam, podendo contribuir para que tais processos promovam crescente equidade social e a melhoria sustentável da qualidade de vida de sua população.
Nesta linha de dicção, ao reconhecer o direito à alimentação escolar como desdobramento robusto do direito humano à alimentação adequada, tem-se que tal instrumento é preponderante para assegurar, sobretudo no que tocam às crianças e adolescentes em situação de pobreza e extrema pobreza, a possibilidade refeições que contenham uma alimentação adequada. Neste aspecto, a Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar e do Programa Dinheiro Direto na Escola aos alunos da educação básica; altera as Leis nos 10.880, de 9 de junho de 2004, 11.273, de 6 de fevereiro de 2006, 11.507, de 20 de julho de 2007; revoga dispositivos da Medida Provisória no 2.178-36, de 24 de agosto de 2001, e a Lei no 8.913, de 12 de julho de 1994; e dá outras providências, materializa importante instrumento, em nível nacional, da concretização do direito humano à alimentação adequada por meio da merenda escolar. Consoante dicção do artigo 1º diploma normativo ora mencionado, entende-se por alimentação escolar todo alimento oferecido no ambiente escolar, independentemente de sua origem, durante o período letivo.
Por sua vez, o artigo 2º da legislação em comento, em profundos sulcos, vai estabelecer que são diretrizes da alimentação escolar: (i) o emprego da alimentação saudável e adequada, compreendendo o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a sua faixa etária e seu estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica; (ii) a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional; (iii) a universalidade do atendimento aos alunos matriculados na rede pública de educação básica; (iv) a participação da comunidade no controle social, no acompanhamento das ações realizadas pelos Estados, pelo Distrito Federal e pelos Municípios para garantir a oferta da alimentação escolar saudável e adequada; (v) o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares rurais, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos; (vi) o direito à alimentação escolar, visando a garantir segurança alimentar e nutricional dos alunos, com acesso de forma igualitária, respeitando as diferenças biológicas entre idades e condições de saúde dos alunos que necessitem de atenção específica e aqueles que se encontram em vulnerabilidade social.
Ainda em conformidade com o artigo 11, no que toca à universalização do direito humano à alimentação adequada, a responsabilidade técnica pela alimentação escolar nos Estados, no Distrito Federal, nos Municípios e nas escolas federais caberá ao nutricionista responsável, que deverá respeitar as diretrizes previstas na lei em comento e na legislação pertinente, no que couber, dentro das suas atribuições específicas. Os cardápios da alimentação escolar deverão ser elaborados pelo nutricionista responsável com utilização de gêneros alimentícios básicos, respeitando-se as referências nutricionais, os hábitos alimentares, a cultura e a tradição alimentar da localidade, pautando-se na sustentabilidade e diversificação agrícola da região, na alimentação saudável e adequada.
É interessante evidenciar que o §2º do artigo 12 da Lei nº 11.947, de 16 de junho de 2009, assinala que para os alunos que necessitem de atenção nutricional individualizada em virtude de estado ou de condição de saúde específica, será elaborado cardápio especial com base em recomendações médicas e nutricionais, avaliação nutricional e demandas nutricionais diferenciadas, conforme regulamento. No mais, a aquisição dos gêneros alimentícios, no âmbito do PNAE, deverá obedecer ao cardápio planejado pelo nutricionista e será realizada, sempre que possível, no mesmo ente federativo em que se localizam as escolas, observando-se as diretrizes de que trata o art. 2o da Lei em comento.
5 TRANSFERÊNCIA DE RECURSOS LEGAIS EM PAUTA E O PROGRAMA NACIONAL DE ALIMENTAÇÃO ESCOLAR (PNAE): A CONCRETIZAÇÃO DO DIREITO HUMANO À ALIMENTAÇÃO ADEQUADA
Em um primeiro comentário, o artigo 2º da Resolução/CD/FNDE nº 38, de 16 de julho de 2009, que dispõe sobre o atendimento da alimentação escolar aos alunos da educação básica do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), vai estabelecer que são princípios do PNAE: (i) o direito humano à alimentação adequada, visando garantir a segurança alimentar e nutricional dos alunos; (ii) a universalidade do atendimento da alimentação escolar gratuita, a qual consiste na atenção aos alunos matriculados na rede pública de educação básica; (iii) a equidade, que compreende o direito constitucional à alimentação escolar, com vistas à garantia do acesso ao alimento de forma igualitária; (iv) a sustentabilidade e a continuidade, que visam ao acesso regular e permanente à alimentação saudável e adequada; (v) o respeito aos hábitos alimentares, considerados como tais, as práticas tradicionais que fazem parte da cultura e da preferência alimentar local saudáveis; (vi) o compartilhamento da responsabilidade pela oferta da alimentação escolar e das ações de educação alimentar e nutricional entre os entes federados, conforme disposto no art. 208 da Constituição Federal; e (vii) a participação da comunidade no controle social, no acompanhamento das ações realizadas pelos Estados, Distrito Federal e Municípios para garantir a execução do Programa.
Por sua vez, o artigo 3º estabelecer que são diretrizes do PNAE: (i) o emprego da alimentação saudável e adequada, que compreende o uso de alimentos variados, seguros, que respeitem a cultura, as tradições e os hábitos alimentares saudáveis, contribuindo para o crescimento e o desenvolvimento dos alunos e para a melhoria do rendimento escolar, em conformidade com a faixa etária, o sexo, a atividade física e o estado de saúde, inclusive dos que necessitam de atenção específica; (ii) a inclusão da educação alimentar e nutricional no processo de ensino e aprendizagem, que perpassa pelo currículo escolar, abordando o tema alimentação e nutrição e o desenvolvimento de práticas saudáveis de vida, na perspectiva da segurança alimentar e nutricional; (iii) a descentralização das ações e articulação, em regime de colaboração, entre as esferas de governo; (iv) o apoio ao desenvolvimento sustentável, com incentivos para a aquisição de gêneros alimentícios diversificados, produzidos em âmbito local e preferencialmente pela agricultura familiar e pelos empreendedores familiares, priorizando as comunidades tradicionais indígenas e de remanescentes de quilombos.
O PNAE tem por objetivo contribuir para o crescimento e o desenvolvimento biopsicossocial, a aprendizagem, o rendimento escolar e a formação de práticas alimentares saudáveis dos alunos, por meio de ações de educação alimentar e nutricional e da oferta de refeições que cubram as suas necessidades nutricionais durante o período letivo. Ao lado do exposto, para fins do PNAE, será considerada educação alimentar e nutricional o conjunto de ações formativas que objetivam estimular a adoção voluntária de práticas e escolhas alimentares saudáveis, que colaborem para a aprendizagem, o estado de saúde do escolar e a qualidade de vida do indivíduo. São consideradas, entre outras, estratégias de educação alimentar e nutricional: a oferta da alimentação saudável na escola, a implantação e manutenção de hortas escolares pedagógicas, a inserção do tema alimentação saudável no currículo escolar, a realização de oficinas culinárias experimentais com os alunos, a formação da comunidade escolar, bem como o desenvolvimento de tecnologias sociais que a beneficiem.
A partir da caracterização do PNAE, cuida voltar um olhar analítico acerca da transferência de recursos, cuja espécie se encontra alocada nas transferências ditas legais, ou seja, aquelas que “são regulamentadas em leis específicas que disciplinam os critérios de habilitação, forma de transferência, formas de aplicação dos recursos e prestação de contas” (BRASIL, 2000, p. 20). Logo, em observância ao diploma legal, consoante dicção do artigo 5º, §1º, “a transferência dos recursos financeiros, objetivando a execução do PNAE, será efetivada automaticamente pelo FNDE, sem necessidade de convênio, ajuste, acordo ou contrato, mediante depósito em conta corrente específica” (BRASIL, 2009), com o escopo único de adquirir gêneros alimentícios, conforme preceitua o §2º do artigo 5º da Lei nº 11.947/2009. Denota-se, portanto, tal como dito alhures, que a transferência do recurso financeiro advém do reconhecimento da alimentação escolar como desdobramento do direito humano à alimentação escolar.
Tecidos tais comentários, passa-se ao exame do procedimento advindo de tal transferência legal de recursos. Nesta linha, o valor repassado, pela União Federal, é calculado com arrimo no número de alunos matriculados no ensino pré-escolar e fundamental de cada um dos entes governamentais, tendo como premissa os dados oficiais de matrículas obtidos no censo escolar, relativo ao ano anterior ao atendimento, realizado pelo Ministério da Educação, consoante preconiza o §4º do artigo 5º da Lei nº 11.947/2009. É importante esclarecer que, para os fins de transferência legal, consideram-se como parte da rede estadual, municipal e distrital os alunos matriculados em: I – creches, pré-escolas e escolas do ensino fundamental e médio qualificadas como entidades filantrópicas ou por elas mantidas, inclusive as de educação especial; II – creches, pré-escolas e escolas comunitárias de ensino fundamental e médio conveniadas com os Estados, o Distrito Federal e os Municípios (BRASIL, 2009).
Uma vez depositada a quantia advinda da transferência, os saques somente são permitidos para pagamento de despesas decorrentes de gêneros alimentícios, por meio de cheque nominativo ao credor ou ordem bancária ou para a aplicação obrigatória em caderneta de poupança se a previsão de uso dos recursos financeiros for igual ou superior a um mês. “Quando a utilização estiver prevista para prazos menores, os recursos disponíveis devem ser aplicados em fundo de aplicação financeira de curto prazo, ou operação de mercado aberto lastreada em título de dívida pública federal” (BRASIL, 2000, p. 20), devendo, para tanto, os rendimentos serem aplicação na aquisição de gêneros alimentícios.
O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação deixará de proceder ao repasse dos recursos do PNAE aos Estados-membros, ao Distrito Federal e aos Municípios, na forma estabelecida pelo seu Conselho Deliberativo, comunicando o fato ao Poder Legislativo correspondente, nos termos do artigo 20 da Lei nº 11.947/2009, quando esses entes: (i) não constituírem o respectivo CAE ou deixarem de efetuar os ajustes necessários, visando ao seu pleno funcionamento; (ii) não apresentarem a prestação de contas dos recursos anteriormente recebidos para execução do PNAE, na forma e nos prazos estabelecidos pelo Conselho Deliberativo do FNDE; (iii)- cometerem irregularidades na execução do PNAE, na forma estabelecida pelo Conselho Deliberativo do FNDE (BRASIL, 2009)
“Cada Estado, Distrito Federal e Município deve ter um Conselho de Alimentação Escolar – CAE como órgão deliberativo, fiscalizador e de assessoramento, constituído por sete membros (com respectivos suplentes), para mandato de dois anos não remunerado (podendo ser reconduzidos uma única vez), com a seguinte composição: um representante do Poder Executivo, indicado pelo chefe desse poder; um representante do Poder Legislativo, indicado pela respectiva mesa diretora; dois representantes dos professores, indicados pelo órgão de classe; dois representantes de pais de alunos, indicados pelos conselhos escolares, associações de pais e mestres ou entidades similares; e um representante de outro segmento da sociedade local” (BRASIL, 2000, p. 22).
No mais, nos Municípios com número superior a cem escolas de ensino fundamental, bem como nos Estados-membros e no Distrito Federal, a composição do Conselho de Alimentação Escolar pode ser de até três vezes o número de membros mencionados acima, atentando-se à proporcionalidade. “Além da fiscalização exercida pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, pelo Conselho de Alimentação Escolar, e pelo sistema de controle interno do Poder Executivo Federal, o Tribunal de Contas da União poderá realizar auditorias e inspeções para verificar a correta aplicação dos recursos” (BRASIL, 2000, p. 22).
As prestações de contas dos recursos recebidos à conta do PDDE, a serem apresentadas nos prazos e constituídas dos documentos estabelecidos pelo Conselho Deliberativo do FNDE serão feitas: I – pelas unidades executoras próprias das escolas públicas municipais, estaduais e do Distrito Federal e dos polos presenciais do sistema UAB aos Municípios e às Secretarias de Educação a que estejam vinculadas, que se encarregarão da análise, julgamento, consolidação e encaminhamento ao FNDE, conforme estabelecido pelo seu conselho deliberativo; II – pelos Municípios, Secretarias de Educação dos Estados e do Distrito Federal e pelas entidades qualificadas como beneficentes de assistência social ou de atendimento direto e gratuito ao público àquele Fundo.
6 CONCLUSÃO
Historicamente, a fome apresenta-se como um evento constante nas sociedades, assumindo, por vezes, índices tão complexos e alarmantes que são capazes de colocar em risco a harmonia social. Trata-se da carestia, ou seja, a fome como crise social econômica acompanhada de má nutrição em massa e epidemias. É interessante, ainda, rememorar que essa manifestação de fome crônica é aquela permanente, ocorrendo quando a alimentação diária não consegue propiciar ao individuo energia suficiente para que seja mantido o seu organismo e para o desempenho de suas atividades cotidianas. Essa materialização da fome traz consigo efeitos devastadores, causando sofrimento agudo e lancinante sobre o corpo, produzindo letargia e debilitando, de maneira gradual, as capacidades mentais e motoras. Há que se reconhecer que o espectro da fome é capaz de desencadear a marginalização social, perda da autonomia econômica e desemprego crônico, em decorrência da incapacidade de executar um trabalho irregular.
O ideário de soberania alimentar está assentado na autonomia alimentar do país e a menor dependência das importações e flutuações de preços do mercado internacional. É interessante destacar que o emprego da noção de soberania alimentar tem o início do seu fortalecimento no tema acerca da segurança alimentar, no próprio ano de 1996. Além disso, tal conceito busca dar importância à autonomia alimentar do país e à menor dependência das importações e flutuações de preços do mercado internacional. Já a segurança alimentar e nutricional, parafraseando a concepção legal contida na Lei Orgânica de Segurança Alimentar e Nutricional, em seu artigo 3º consiste na realização do direito de todos ao acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem que haja o comprometimento do acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
Alimentar-se é muito mais do que a mera ingestão de alimentos. É, conforme o artigo 2º da LOSAN, a materialização de um direito fundamental do ser humano, inerente à dignidade da pessoa humana e indispensável à realização dos direitos consagrados na CF/88, devendo o Poder Público adotar as políticas e ações que se façam necessária para promover a segurança alimentar e nutricional da população. O ato de alimentação requer a presença de alimentos em qualidade, em quantidade e regularmente. A reunião dos três pilares materializa o ideário de segurança alimentar e nutricional (SAN) e o direito humano à alimentação adequada (DHAA). A qualidade dos alimentos consumidos preconiza que a população não esteja à mercê de qualquer risco de contaminação, problemas de apodrecimento ou outros decorrentes de prazos de validade vencidos.
Trata-se da possibilidade de consumir um conjunto de alimentos de maneira digna, sendo que a extensão de dignidade assume a feição de um ambiente limpo, com talheres e seguindo as normas costumeiras de higiene e as particularidades caracterizadoras de cada etnia ou região. A quantidade dos alimentos ingeridos deve ser suficiente para assegurar a manutenção do organismo e o desenvolvimento das atividades diárias. A regularidade da alimentação, por sua vez, assenta suas bases na premissa que as pessoas têm que ter acesso constante à alimentação, sendo esse compreendido como a possibilidade de se alimentar ao menos três vezes ao dia.
Com efeito, inúmeros são os obstáculos a serem superados, sobretudo para a integral substancialização do direito em comento, notadamente quando se analisa uma sociedade dotada de contrastes tão robustos, sobretudo no que concerne à distribuição de renda desigual e a população que se encontra em situação de vulnerabilidade social acentuada. Denota-se, pois, que a materialização do direito humano à alimentação adequada é pilar primordial da promoção da dignidade da pessoa humana, pedra angular do ordenamento jurídico vigente, eis que busca atender a necessidade básica para o desenvolvimento humano.
Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES
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