Letícia Nunes Silva Alarcon – bacharel em direito, formada pela UNIALFA, Pós-graduanda em Direito Civil e Processo Civil pelo PROORDEM. E-mail: leticianunes.adv@hotmail.com.
Resumo: Falar sobre direito em uma época que todo sujeito transpira direitos propende a tornar-se redundante. Todavia, para garantir que a sociedade utilize efetivamente garantias impostas pela Constituição Federal, será necessário em algumas situações acionar o Estado-Juiz. Neste sentido, a Constituição Federal de 1988 estabelece o Princípio da Isonomia a todos os cidadãos. Mas como falar em igualdade, quando a própria lei não resguarda aquela pessoa que se sente ferida pela Carta Magna, como é o caso do transexuais. Deste modo, o presente artigo abordará sobre a mudança de sexo e prenome do transgênero em seu registro civil, já que a percepção de si no espelho não é a mesma que está transcrita em seu documento. Tornando este indivíduo vulnerável a uma série de conflitos existentes na sociedade contemporânea. O atrito existente entre o direito a não descriminação do transgênero e a seu registro civil, levou o Supremo Tribunal Federal a repensar sobre a imutabilidade do prenome, já que o nosso sistema jurídico deve se adequar aos direitos da personalidade, liberdade pessoal, honra, intimidade, imagens, dentre outros direitos, surgindo assim, o Provimento nº 73 de 28 de junho de 2018, que se refere justamente a identidade de gênero. Nessa perspectiva, o objetivo da pesquisa é analisar o aspecto legal abordado neste provimento, além de compreender se a sua verdadeira finalidade está sendo atingida, em relação a todos os transexuais.
Palavras chaves: Transgênero, Transexualidade, Princípios Constitucionais, Desjudicialização, Provimento 73/2018.
Abstract:Talking about law in a time when every subject exudes rights tends to become redundant. However, in order to ensure that society effectively uses guarantees imposed by the Federal Constitution, it will be necessary in some situations to engage the Judge State. In this sense, the Federal Constitution of 1988 establishes the Principle of Isonomy to all citizens. But how to talk about equality, when the law itself does not protect that person who feels hurt by the Magna Carta, as is the case of transsexuals. Thus, the present article will deal with the change of gender and transgender name in its civil registry, since the perception of itself in the mirror is not the same as that transcribed in its document. Making this individual vulnerable to a host of conflicts in contemporary society. The friction between the right to non-discrimination of the transgender and its civil registration led the Supreme Court to rethink the immutability of the first name, as our legal system must fit the rights of personality, personal freedom, honor, intimacy. , images, among other rights, thus appearing Provision No. 73 of June 28, 2018, which refers precisely to gender identity. From this perspective, the purpose of the research is to analyze the legal aspect addressed in this provision, and to understand if its true purpose is being achieved, in relation to all transsexuals.
Keywords: Transgender, Transsexuality, Constitutional principles, Dejudicialization, Provision 73/2018.
Sumário: Introdução, 1. Transexualidade, 1.1. Adequação da 11ª CID. 1.2. Análise dos elementos biológicos e sociais dos Transgêneros. 2. Identidade de gênero na esfera Internacional. 3. Transgênero na Constituição Federal. 4. Alteração do prenome e gênero nos assentos civis, 5. Pontos controversos relativos ao provimento 73/2018, 5. Conclusão, 6. Referências.
Introdução
O século XXI ficará marcado pelas mudanças e evoluções na vida de todos os transgêneros que se esforçaram para serem incluídos em uma sociedade que por vezes utilizou a hipocrisia, discriminação e falta de respeito para excluir estes indivíduos do seu convívio social. Esta problemática social, ainda está longe de ser solucionada, pois faltam políticas públicas adequadas, melhor tratamento da questão por parte dos meios de comunicação, sendo um dos principais problemas enfrentados na atualidade.
A busca pela dignidade estabelecida em nossa Constituição Cidadã de 1988 como um princípio fundamental, fez com que os transgêneros buscassem as vias judicias para alterar seus registros civis, adequando assim a sua identidade de gênero ao seu registro civil e posteriormente a alteração de seus documentos.
Em razão do alto número de processos, o Estado-Juiz deixava de entregar de forma rápida a Tutela Jurisdicional ao indivíduo que lutava para ter seus documentos alterados, já que o prenome escolhido por seus pais e a designação de gênero conflita com as suas características e qualidades da atualidade, estando contra seus desejos e anseios de sua própria realidade.
Buscando uma maior celeridade processual, foi promulgada o Provimento nº 73 de 28 de junho de 2018, que permite a alteração do registro civil do transgênero de forma administrativa, não sendo obrigatório acionar as vias judiciais para que a alteração seja feita. O próprio tabelião será o responsável por aprovar a alteração, de acordo com os documentos comprobatórios que foram apresentados.
Trata-se de uma pesquisa descritiva realizada por meio de análise bibliográfica e documental, que objetiva o entendimento dos questionamentos sobre o individuo transgênero, os pontos positivos e negativos do Provimento nº 73 de 28 de junho de 2018, como a falta de alteração no registro civil no qual afeta o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana e a necessidade de submeter-se a designação sexual para alterações e garantia dos direitos do indivíduo.
Todo entendimento contrário ao de grupos conservadores tende como algo anormal, que está em desacordo com a realidade. Neste caso, entendeu-se por muito tempo que a transexualidade era uma doença, e que obteria a cura por meio de tratamentos psicológicos.
O preconceito ao transexual poderia ser notado até mesmo na 10ª Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID-10), que considerava que a identidade de gênero de um indivíduo se tratava de uma doença mental, pois estava ligado ao sentimento de disforia, estando sempre em estado de inquietação e insatisfação.
Torna-se complexo compreender os motivos que levaram a Organização Mundial da Saúde (OMS) a diagnosticar a transexualidade como doença, pois o sentimento de ser de outro sexo e tão antigo quanto qualquer outra forma de expressão de sexualidade.
Da mitologia greco-romana ao século XIX, passando por fontes literárias e antropológicas, é possível deparar com personagens que utilizavam trajes diferentes de seu gênero, ou se portavam definitivamente como membro de outro sexo, demonstrando que a transexualidade vem acompanhando a evolução social.
1.1. Adequação da 11ª CID
Em junho de 2019, foi removido pela Organização Mundial de Saúde (OMS), da 11º versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID-11), o termo “Transtorno de Identidade de Gênero” do capítulo de doenças mentais, passando a fazer parte das condições relacionadas à saúde sexual. (CONSELHO FEDERAL DE PSCIOLOGIA, 2019).
Antes mesmo da mudança de categoria abordada no 11º CID, o Conselho Federal de Psicologia já entendia que estabelecer padrões de sexualidade e gênero reforçaria o preconceito e discriminação presentes hoje na sociedade, vez que estariam colocando todos os indivíduos em um regramento social, existindo somente homens e mulheres, conforme o sexo atribuído no nascimento. Excluindo assim, o gênero que a pessoa escolheu ter, contribuindo deste modo para a transfobia. (CONSELHO FEDERAL DE PSCIOLOGIA, 2018).
Entende-se por gênero, algo além do órgão sexual, estando inserido uma série de elementos biológicos e psicossociais do indivíduo, que devem ser respeitados pela sociedade, garantindo a autonomia, e desconsiderando a escolha do gênero como patologia. (CONSELHO FEDERAL DE PSCIOLOGIA, 2018).
Entretanto, o termo Transexualismo era entendido como transtorno mental e de comportamento, de acordo com o descrito no capítulo V, item F 64.0, da 10º versão da Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas de Saúde (CID-10):
”Trata-se de um desejo de viver e ser aceito enquanto pessoa do sexo oposto. Este desejo se acompanha em geral de um sentimento de mal-estar ou de inadequação por referência a seu próprio sexo anatômico e de desejo de submeter-se a uma intervenção cirúrgica ou a um tratamento hormonal a fim de tornar seu corpo tão conforme quanto possível ao sexo desejado. (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE, 1994, online).”
Mesmo na época da vigência da 10ª CID, em entrevista dada para a psicóloga e colunista Marcela Pastana, a coordenadora do Conselho Regional de Psicologia da subsede de Bauru, estado de São Paulo, Dra. Sandra Elena Sposito (2016), esclareceu que os profissionais da psicologia deveriam seguir as normas expressas na resolução nº 01/99 do Conselho Federal de Psicologia, vez que havia por parte dos profissionais uma preocupação sobre questões de sexualidade, pois não poderiam considerar a homossexualidade como doença, perversão ou desvio. Diferente do que era pretendido por grupos conservadores e religiosos que buscavam por meio dos psicólogos a “reversão do homossexualismo”, tentando deste modo conservar o padrão heterossexual.
Neste mesmo sentindo, entende-se que existe uma construção na qual define o gênero de cada pessoa, não podendo ser definido apenas pelas características biológicas, conforme explica Luiz Edson Fachin (2014, p. 45):
”O conceito de gênero, por sua vez, visa a suplantar as limitações do sexo biológico, levando em consideração que não apenas características biológicas e anatômicas determinam a identidade de cada sujeito. Trata-se de um conceito deveras complexo. O conceito de gênero é formulado, numa certa perspectiva, a partir de discussões dos movimentos feministas, justamente para contrapor a noção de sexo biológico. Não se trata de negar totalmente a biologia dos corpos, mas enfatizar que existe uma construção social e histórica sobre as características biológicas. Sendo assim, a categoria de homem e a categoria de mulher se dariam em decorrência de uma construção da realidade social e não meramente de uma diferenciação anatômica.”
Nota-se que na sociedade atual ainda encontra-se grupos conservadores, mesmo em sua minoria, querendo estabelecer parâmetros e padrões de gênero, demostrando repulsa ao que é diferente de suas características, levando a uma grande discussão sobre o tema. Motivando assim, os profissionais da saúde e juristas a estudarem sobre o assunto, concluindo que o termo “transexualismo” elencado na CID encontrava-se inadequado e fora das perspectivas da realidade.
Em busca da adequação da 11ª CID, a coordenadora do Departamento de Saúde Reprodutiva e Pesquisa da OMS, Dra. Lale Say, endagou que o termo “incongruência de gênero” foi retirado da CID pela OMS por entenderem que não se trata de uma doença, e sua continuidade estaria causando uma grande desaprovação da sociedade. Por esta razão, foi criado o capítulo de saúde sexual, com intuito de que os indivíduos busquem ter um maior cuidado com a saúde. (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 2018).
1.2. Análise dos elementos biológicos e sociais dos Transgêneros
Na contemporaneidade a identidade de gênero pode ser compreendida conforme o indivíduo se expressa perante a sociedade, excluindo atributos tradicionais exigidos por padrões sociais, relacionados a produções culturais que demonstram a desigualdade de gênero. Esses padrões podem ser percebidos pela forma como o indivíduo se veste, pronunciamento, qualificação profissional, higienização, apresentação pessoal, entre outros. Devido a situações relacionadas aos exemplos citados, grupos feministas deram início a luta por direitos de igualdade de sexual e de gênero. (JESUS et al. 2008, p. 35).
Quando um indivíduo realiza uma transição de gênero, não seguindo padrões heteronormativos, que neste contexto significa seguir o sexo atribuído ao nascimento, pode-se dizer que se trata de uma pessoa transgênero. Exemplos bastante conhecidos de transgêneros na atualidade são os transexuais, travestis e drag queens. (JESUS et al. 2008, p. 35).
De acordo com Anjos (2008, p. 16), o transexual não aceita o fato de ter nascido no sexo oposto ao desejado, estando sempre em estado de conflito e de não aceitação, ao se tornar consciente que de fato aquele indivíduo que a sociedade está vendo não existe. Reforçando então, a confirmação que o transexual busca constantemente não ser lembrado pelas características que tem. (ANJOS, 2008, p. 16).
Nesse sentido, Penna, et al. (2014, p. 42) entende que os transexuais:
”São pessoas que não se identificam com o monopólio por um ou por outro gênero de tais características e não se enquadram nos padrões de comportamento prescritos para seu sexo biológico, motivo pela qual são excluídos. Buscam, na verdade, vivenciar a experiência de um dos gêneros, mas encontram em seu órgão genital um obstáculo subjetivo a essa possibilidade.”
Conforme o exposto, pode-se afirmar que para os transexuais se considerar indivíduos inseridos de forma digna na sociedade, é necessário que realizem o procedimento cirúrgico de redesignação sexual, adequando o sexo biológico ao sexo psicológico.
Diferentemente dos transexuais, a maioria das travestis se aceitam conforme o seu órgão sexual, convivem bem com a suas características, porém sentem prazer em se apresentar como sendo do sexo oposto, no qual não significa que todos são pessoas homossexuais. (ALVARENGA, 2016, p. 44).
Neste caso, conforme análise, antes das mudanças legislativas ocorridas no ano de 2018, ainda haviam muitas discussões entre os juristas sobre a mudança de prenome e gênero no caso de indivíduos que não desejavam ou não possuíam condições financeiras para realizar a cirurgia de redesignação sexual. Neste sentido, Carrara (2010, p. 138) pondera que,
”O fato de a mudança documental depender na maioria dos casos da realização da cirurgia de transgenitalização tanto consagra a distância entre os diferentes saberes autorizados (médicos, psicólogos e operadores do direito) e as experiências concretas dos sujeitos sociais, quanto marca, sob justificativa de “sanar” a inadequação entre sexo e gênero, a reinstauração de um perverso binarismo. Àqueles que não conseguem ou não desejam a operação, como é o caso de muitas travestis, é em geral negado um direito fundamental e intrinsecamente relacionado à sua identidade.”
Assim considera-se a diferenciação entre o transexual e o travesti, enquanto o primeiro busca a junção do elemento biológico com o social, o segundo busca apenas o elemento social, já que para a maioria das travestis o órgão sexual não é impedimento para uma adequação social.
Por sua vez, as drag queens são conhecidas por usar elementos de outro gênero, mas de maneira diferente, conforme afirma Jesus et al. (2008, p. 41):
”Ela pode ser definida como uma personagem construída com o uso exacerbado de elementos do gênero oposto. São, na maioria das vezes, debochadas e espalhafatosas, tendo por objetivo realizar uma performance bem-humorada. O efeito jocoso que seus trajes e adereços têm sobre os que a observam é parte importantíssima do show. Trata-se, no fundo, de uma fantasia capaz de mexer com o público, pois traz à tona diversos estereótipos de gênero com os quais a drag queen brinca. Mas é importante ressaltar que se trata apenas de uma figura construída e interpretada em determinadas situações e lugares. Ela não é uma personagem vivida 24 horas por dia.”
Desta forma, compreende-se que cada gênero possui suas características e que independente do que o transgênero escolheu ser, deve ser tratado com respeito pelos cidadãos que os cercam, uma vez que qualquer atitude contraria seria uma afronta ao que estabelece os princípios da Constituição Federal.
O Direito Internacional dos Direitos Humanos, busca por meio de tratados internacionais o dever dos Estados de respeitar, proteger e cumprir com os direitos dos indivíduos, estando consagrado na Carta das Nações Unidas, na Declaração de Direitos Humanos e nos tratados internacionais de direitos humanos o direito a igualdade e a não discriminação, aplicando a todas as pessoas, independente da identidade de gênero. Por esta razão, leis discriminatórias, tratamento discriminatório, ataques violentos, que vão desde abusos verbais a agressões físicas são consideradas violações aos direitos humanos.
Neste sentido, o Pacto de San José da Costa Rica protege os direitos essenciais da pessoa humana, devendo os Estados signatários da Convenção respeitar os direitos das pessoas, nele compreendido o direito a liberdade pessoal, a honra e a dignidade, bem como o reconhecimento da personalidade jurídica. Conforme exposto em seu Art, 1º:
”1. Os Estados-partes nesta Convenção comprometem-se a respeitar os direitos e liberdades nela reconhecidos e a garantir seu livre e pleno exercício a toda pessoa que esteja sujeita à sua jurisdição, sem discriminação alguma, por motivo de raça, cor, sexo, idioma, religião, opiniões políticas ou de qualquer outra natureza, origem nacional ou social, posição econômica, nascimento ou qualquer outra condição social. (CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS, 1969).”
O Pacto de San José da Costa Rica demonstra respeito as diversidades, esclarecendo em seu texto que todas as pessoas merecem viver de forma digna. Se tratando de pessoas transgêneros a dignidade é atingida quando cria-se meios para alteração do prenome. Discutir o direito do transgênero no meio internacional indica que a individualidade das pessoas estão sendo respeitadas, tendo como objetivo maior colocar todos os indivíduos em situação de igualdade de direitos e deveres.
A questão dos transgêneros não foi tratada de forma direta pela Constituição Federal de 1988. Contudo, ainda assim ela é chamada de “Constituição Cidadã” por entender que cumpre com o seu papel social quando assegura aos indivíduos utilizar todos os direitos que estão previstos em seu preâmbulo, garantindo a todos o direito a igualdade.
Desta forma, para que os transgêneros não tenham seus direitos fundamentais violados, conforme estabelece o art. 5º da CF, é necessário que ocorra a mudança do prenome e da identidade de gênero no registro civil, independente da realização da cirurgia de redesignação sexual. Desta forma, garantirá ao indivíduo o direito a uma vida digna, respeitando o direito a sua imagem, intimidade, vida privada, personalidade, bem como demonstrando o direito a igualdade. (BRASIL, 1988)
A dignidade aqui exposta vai além de meios extrínsecos, já que será necessário para o transgênero se sentir digno a autopercepção de si mesmo, estando atrelado a sua própria configuração de identidade, e em seguida o reconhecimento da sociedade. (FACHIN, 2014, p.16).
Para Resp. 1008398 SP 2007/0273360-5, Ministra Nancy Andrighi, reconhece:
”DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TRANSEXUAL SUBMETIDO À CIRURGIA DE REDESIGNAÇÃO SEXUAL. ALTERAÇÃO DO PRENOME E DESIGNATIVO DE SEXO. PRINCÍPIO DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA. – Sob a perspectiva dos princípios da Bioética de beneficência, autonomia e justiça, a dignidade da pessoa humana deve ser resguardada, em um âmbito de tolerância, para que a mitigação do sofrimento humano possa ser o sustentáculo de decisões judiciais, no sentido de salvaguardar o bem supremo e foco principal do Direito: o ser humano em sua integridade física, psicológica, socioambiental e ético-espiritual. – A afirmação da identidade sexual, compreendida pela identidade humana, encerra a realização da dignidade, no que tange à possibilidade de expressar todos os atributos e características do gênero imanente a cada pessoa. Para o transexual, ter uma vida digna importa em ver reconhecida a sua identidade sexual, sob a ótica psicossocial, a refletir a verdade real por ele vivenciada e que se reflete na sociedade. (grifo nosso) – A falta de fôlego do Direito em acompanhar o fato social exige, pois, a invocação dos princípios que funcionam como fontes de oxigenação do ordenamento jurídico, marcadamente a dignidade da pessoa humana cláusula geral que permite a tutela integral e unitária da pessoa, na solução das questões de interesse existencial humano. – Em última análise, afirmar a dignidade humana significa para cada um manifestar sua verdadeira identidade, o que inclui o reconhecimento da real identidade sexual, em respeito à pessoa humana como valor absoluto. […] Recurso especial provido. (STJ – REsp: 1008398 SP 2007/0273360-5, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 15/10/2009, T3 – TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 18/11/2009).”
Mesmo posicionamento foi dado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, Resp. 1626739 RS 2016/0245586-9, em relação ao transexual que não realizou a cirurgia de redesignação sexual,
”RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE RETIFICAÇÃO DE REGISTRO DE NASCIMENTO PARA A TROCA DE PRENOME E DO SEXO (GÊNERO) MASCULINO PARA O FEMININO. PESSOA TRANSEXUAL. DESNECESSIDADE DE CIRURGIA DE TRANSGENITALIZAÇÃO. 1. À luz do disposto nos artigos 55, 57 e 58 da Lei 6.015/73 (Lei de Registros Publicos), infere-se que o princípio da imutabilidade do nome, conquanto de ordem pública, pode ser mitigado quando sobressair o interesse individual ou o benefício social da alteração, o que reclama, em todo caso, autorização judicial, devidamente motivada, após audiência do Ministério Público. 2. […] Contudo, em se tratando de pessoas transexuais, a mera alteração do prenome não alcança o escopo protetivo encartado na norma jurídica infralegal, além de descurar da imperiosa exigência de concretização do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, que traduz a máxima antiutilitarista segundo a qual cada ser humano deve ser compreendido como um fim em si mesmo e não como um meio para a realização de finalidades alheias ou de metas coletivas. 4. […] 6. Nessa compreensão, o STJ, ao apreciar casos de transexuais submetidos a cirurgias de transgenitalização, já vinha permitindo a alteração do nome e do sexo/gênero no registro civil (REsp 1.008.398/SP, Rel. Ministra Nancy Andrighi, Terceira Turma, julgado em 15.10.2009, DJe 18.11.2009; e REsp 737.993/MG, Rel. Ministro João Otávio de Noronha, Quarta Turma, julgado em 10.11.2009, DJe 18.12.2009) 7. A citada jurisprudência deve evoluir para alcançar também os transexuais não operados, conferindo-se, assim, a máxima efetividade ao princípio constitucional da promoção da dignidade da pessoa humana, cláusula geral de tutela dos direitos existenciais inerentes à personalidade, a qual, hodiernamente, é concebida como valor fundamental do ordenamento jurídico, o que implica o dever inarredável de respeito às diferenças. 8. […]. 9. Sob essa ótica, devem ser resguardados os direitos fundamentais das pessoas transexuais não operadas à identidade (tratamento social de acordo com sua identidade de gênero), à liberdade de desenvolvimento e de expressão da personalidade humana (sem indevida intromissão estatal), ao reconhecimento perante a lei (independentemente da realização de procedimentos médicos), à intimidade e à privacidade (proteção das escolhas de vida), à igualdade e à não discriminação (eliminação de desigualdades fáticas que venham a colocá-los em situação de inferioridade), à saúde (garantia do bem-estar biopsicofísico) e à felicidade (bem-estar geral). 10. Consequentemente, à luz dos direitos fundamentais corolários do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana, infere-se que o direito dos transexuais à retificação do sexo no registro civil não pode ficar condicionado à exigência de realização da cirurgia de transgenitalização, para muitos inatingível do ponto de vista financeiro (como parece ser o caso em exame) ou mesmo inviável do ponto de vista médico. 11. […]. 13. Recurso especial provido […]. (STJ – REsp: 1626739 RS 2016/0245586-9, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 09/05/2017, T4 – QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 01/08/2017).”
Nessa sequência, ressalta a importância da chamada “Constituição Cidadã’’ que espelhou e impulsionou diferentes movimentos sociais a buscarem a esfera pública para resolver questões que antes eram consideradas apenas no âmbito da vida privada. Podendo confirmar mudanças e transformações, como da equidade de gênero e nos direitos fundamentais.
Mesmo não sendo possível a inclusão da “orientação sexual” e “identidade de gênero” na Carta Magna, em razão das circunstâncias políticas à época serem contra o movimento LGBT, pode-se afirmar em termos gerais, que mesmo com algumas perdas a Constituição demonstrou de forma explicita o respeito aos direitos humanos e ao compromisso firmado em tratados internacionais, auxiliando assim juízes e tribunais a pareceres favoráveis, garantindo a criação de novas leis para respaldar os direitos relativos as minorias sexuais. (CARRARA, 2010, p. 134).
A busca dos transgêneros para alteração do prenome nos registros civis, tornava-se cansativa em razão da morosidade do judiciário em proferir as decisões, seja pelo acúmulo de processos ou pela ausência de lei específica para o caso, vez que via de regra, seguia o princípio da imutabilidade do nome. Contudo, a imutabilidade aqui exposto é considerada relativa, pois conforme interpretação da Lei de Registros Públicos pode ocorrer alteração do prenome em casos que expõe a pessoa ao ridículo, erro, bem como para incluir apelido público. (BRASIL, 1973).
Deste modo, se tratando de indivíduos transgêneros, Fachin (2014, p. 38) defende que o nome é um elemento importante para a formação da identidade pessoal, sendo a pessoa individualizada por ele, devendo sentir-se confortável ao ponto da nomenclatura transmitir a forma como a pessoa se vê e como a sociedade a reconhece.
Portanto, após muitas decisões jurisprudências a favor do tema, foi possível de acordo com a ADI nº 4275-DF, proferida pelo STF, a averbação da alteração do prenome e gênero no registro de nascimento e casamento de pessoas transgêneros por meio do provimento nº 73 de 28 de junho de 2018, utilizando como base a interpretação a Constituição Federal, bem como a opinião Consultiva nº 24/17 da Corte Interamericana de Direitos Humanos, a legislação internacional de direitos humanos, em especial o Pacto de San José da Costa Rica. (BRASIL, 2018).
Conforme exposto no preâmbulo do provimento, o STF interpretou o artigo 58 da Lei 6.015/73 conforme a Constituição reconhecendo por este motivo:
”[…]o direito da pessoa transgênero que desejar, independentemente de cirurgia de redesignação ou da realização de tratamentos hormonais ou patologizantes, à substituição de prenome e gênero diretamente no ofício do RCPN (ADI n. 4.275/DF). (BRASIL, 2018).”
O referido provimento tornou possível a alteração do prenome e gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero por via administrativa, através dos cartórios, desde que o requerente tenha mais de 18 anos e apresente documentação obrigatória, conforme exposto no artigo 4º, § 6º, sendo eles: documentos pessoais; comprovante de endereço; certidões negativas estaduais e federais de âmbito cíveis e criminais, protestos, eleitoral e do trabalho dos últimos cinco anos, também justiça militar se for o caso, bem como é facultado ao requerente juntar laudo médico e parecer psicológico. (BRASIL, 2018).
A falta de qualquer documento listado no artigo 4º, § 6º do provimento nº 73/2018 impede a alteração do registro. Desta forma, cumprindo as formalidades legais, deverá o registrador fazer a averbação que tem natureza sigilosa. Caso o requerente tenha descentes, dependerá da anuência dos mesmos se forem relativamente incapazes ou maiores para que ocorra a alteração em seus registros. Nos casos que houver alteração na certidão de casamento, o requerente dependerá da anuência do cônjuge. Havendo discordância de uma das partes, o consentimento deverá ser suprido judicialmente. (BRASIL, 2018).
Neste sentido, o provimento regulamentou o direito dos transgêneros de seu reconhecimento no meio social, de acordo com a sua própria identidade de gênero, sendo visto de forma positiva pelo movimentos sociais que lutaram para que estes individuos fossem incluídos na sociedade contemporânea de forma igualitária. Deste modo, podem requerer a alteração independente da realização da cirurgia de redesignação sexual, bem como a opção de escolher se preferem ajuizar ação para requerer a alteração ou fazer o requerimento de forma administrativa. A desjudicialização, neste caso, demonstra a preocupação dos operadores do direito em relação as minorias.
O provimento permitiu trazer a dignidade a alguns grupos de pessoas que se sentiam excluídas em razão da sua identidade de gênero; Contudo, para que o direito a mudança de prenome e gênero sejam cumpridas e respeitadas é necessário analisar algumas questões relativas ao provimento.
Conforme parágrafo 2º do provimento, “Toda pessoa maior de 18 anos completos habilitada à prática de todos os atos da vida civil poderá requerer ao ofício do RCPN a alteração e a averbação do prenome e do gênero, a fim de adequá-los à identidade autopercebida’’. Portanto, o provimento exclui as pessoas com deficiência, bem como o menor púbere, seguindo para estes casos a regra geral, devendo ser requerida a alteração via judicial. (BRASIL, 2018).
Por este motivo, o provimento 73/2018, demonstra distração a Lei nº 13.146, de 06 de julho de 2015, que instituiu a inclusão da pessoa com deficiência, assegurando e promovendo condições de igualdade e liberdade, com objetivo de inclusão social e cidadania, conforme expressa no Art. 4°:
”Art. 4º Toda pessoa com deficiência tem direito à igualdade de oportunidades com as demais pessoas e não sofrerá nenhuma espécie de discriminação.
A deficiência não interfere a capacidade civil da pessoa, podendo ela constituir família, exercer direitos sexuais e reprodutivos, conservar sua fertilidade, decidir sobre a quantidade de filhos, bem como ao planejamento familiar, exercer o direito a família, convivência familiar e comunitária. Podendo até mesmo exercer o direito a adoção, guarda ou curatela (BRASIL, 2015).
Contudo, considera-se preconceituosa a exclusão do deficiente do provimento, por entender que o Estatuto da Pessoa com Deficiente busca proteger a igualdade de condições, repudiando a discriminação, demonstrando que a curatela tem por finalidade proteger os atos relacionados a natureza patrimonial e negocial. Diante disso, visão contraria tem o provimento que entende que caso a pessoa não tenha condições de gerir seus negócios, também não terá condições de decidir sobre a sua identidade de gênero. (DIAS, 2018).
O Estatuto da Pessoa com Deficiência tem o condão de proteger e minimizar as desigualdades, provando que o deficiente pode gerir sua vida civil. Portanto, se a pessoa com deficiência pode constituir família, seja por meio do casamento ou união estável ou tomar decisões importantes, como o fato de escolher a quantidade de filhos, fazer planejamento familiar e até mesmo adotar, deveria também, caso seja uma pessoa transgênero, ter o direito de alterar seu prenome e gênero no registro de forma administrativa.
Do mesmo modo, merece atenção a situação dos menores púberes, vez que estes podem ser emancipados e até mesmo se casarem com a outorga dos pais (BRASIL, 2002).
Neste caso, não se sustenta de forma equilibrada a exclusão deste grupo do provimento. Podendo ser constatado e comprovado que o transgênero consegue se identificar como sendo de outro gênero mesmo antes da completude da maioridade, merecendo com a outorga dos pais ter seu prenome e gênero alterado via administrativa, pois dificultando a alteração, permitiria a descriminação. Decisão semelhante à cerca do direito ao nome pode ser demonstrada através da decisão do TRF, 4ª Região:
”DIREITO CONSTITUCIONAL. TRANSEXUALIDADE. CRIANÇAS E ADOLESCENTES. USO DE NOME SOCIAL DO ALUNO EM ESCOLAS. PRINCÍPIO DA IGUALDADE E PROIBIÇÃO DE DISCRIMINAÇÃO POR MOTIVO DE GÊNERO. DIREITOS FUNDAMENTAIS DE LIBERDADE, LIVRE DESENVOLVIMENTO DA PERSONALIDADE, PRIVACIDADE E RESPEITO À DIGNIDADE HUMANA. CONSTITUIÇÃO FEDERAL DE 1988. TRATADOS INTERNACIONAIS. INTERPRETAÇÃO. DEVER DE CUMPRIMENTO DA RESOLUÇÃO Nº. 12/2015/CNCD. 1. […]. 7. Há que se atentar ao dever de proteção integral às crianças e adolescentes, à sua integridade física, psíquica e moral, com a preservação da sua identidade e personalidade, autonomia, e valores – a qual abrange o respeito ao nome com o qual o menor de fato se identifica, sem ser forçado a utilizar, no âmbito escolar, nome que fere sua identidade. 8. Impõe-se a proteção do menor contra violência psicológica ou física advinda do medo e da intimidação, para o fim de forçá-lo a aceitar a intolerância e a discriminação do ambiente escolar. 9. É inadmissível a violação ao direito fundamental à igualdade, uma vez que a resistência enfrentada pelo aluno transgênero deve, nos termos de todos os dispositivos normativos acima mencionados, ser mitigada através de ações assertivas, de responsabilidade da família, da escola e da sociedade, para que a discriminação não mais leve essas pessoas a terem seu futuro ceifado em razão do preconceito de quem deveria zelar pelo seu bom desenvolvimento. 10. Acaso se reputasse aceitável a perpetuação da discriminação sistemática no âmbito escolar de estudantes transgênero, ignorar-se-ia o conjunto do ordenamento jurídico pátrio, que, através de todos os seus níveis normativos, desde a Constituição Federal, tratados internacionais ratificados pelo Brasil, leis e atos normativos reconhecem a relevância do tema da discriminação, inclusive a de gênero, e combate os atos atentatórios aos direitos fundamentais de dignidade da pessoa humana, liberdade, igualdade e busca da felicidade. 11. […]. (TRF-4 – APL: 50104928620164047200 SC 5010492-86.2016.4.04.7200, Relator: ROGERIO FAVRETO, Data de Julgamento: 31/07/2018, TERCEIRA TURMA).”
Para Dias (2018), a restrição torna-se descabida em razão da transexualidade ser manifestada precocemente, causando sofrimento. Considerando também ser um fator que contribui para evasão escolar e consequentemente dificulta a inserção no mercado de trabalho. (DIAS, 2018).
Conforme analisado, uma das melhores formas de evitar a discriminação, bem como respeitar o direito a igualdade e a dignidade seria alterando o prenome e gênero no registro, adequando-o a identidade autopercebida a personalidade do menor púbere.
Uma evolução para este tema, foi a Lei Argentina nº 26.743 de 23 de maio de 2012, onde expressa que toda pessoa tem direito a identidade de gênero, assegurando aos menores de 18 anos de idade, com autorização de seus representantes legais a alteração do registro via administrativa, sendo respeitado deste modo o princípio da capacidade progressiva e interesse superior da criança e do adolescente, recorrendo a via sumaríssima quando houver recusa dos representantes legais. (ARGENTINA, 2012).
De natureza igual, encontra-se a Lei Portuguesa nº 38 de 07 de agosto de 2018, que permite a pessoas de nacionalidade portuguesa com idade entre 16 a 18 anos requerer de forma administrativa o procedimento de mudança de sexo e alteração do nome no registro civil, através de seus representantes legais, mediante relatório de médico ou psicólogo que ateste exclusivamente a capacidade de decisão do menor, sem referências a diagnósticos de identidade de gênero, cumprindo sempre os princípios da autonomia progressiva e do superior interesse da criança constantes na Convenção sobre os Direitos da Criança. (PORTUGAL, 2018).
De outro modo, também dificulta a entrega do direito a alteração no registro do transgênero quando exige de forma obrigatória várias certidões negativas. Conforme indica Dias (2018) “[…] ao exigir um número exacerbado de negativas, parece pressupor uma pretensão espúria do requerente, impondo-lhe um verdadeiro calvário, dificilmente superável por quem, é marginalizado e excluído da sociedade.’’ (DIAS, 2018).
A alteração do registro é realizada pelo próprio requerente que busca adequar seus assentos de nascimento e/ou casamento a sua imagem autopercebida. O artigo 4º do provimento 73/2018, diz que o procedimento é realizado com base na autonomia da pessoa do requerente, devendo este declarar perante o registrador do RCPN o seu desejo de adequação da identidade de gênero ao registro. (BRASIL, 2018).
Com o respaldo do artigo exposto, não é necessária a solicitação de várias certidões negativas, por se tratar de um procedimento provocado pelo requerente, e em casos de comprovação de fraude dos dados informados, o mesmo será penalizado. A obrigatoriedade das certidões provoca dificuldade para o transgênero, tendo em vista, que a pendencia de documentação cessará o direito a alteração.
Essa obrigatoriedade de certidões não foi exigida na Lei Argentina nº 26.743/2012, por entender que a identidade de gênero está ligada ao desenvolvimento da pessoa. Por esta razão, caso a sua imagem autopercebida seja diferente do registro deverá apenas solicitar a retificação registral de forma administrativa, não havendo exigências documentais, nem laudos de tratamentos psicológicos ou médicos. (ARGENTINA, 2012).
Importante ressaltar que na Lei Portuguesa nº 38/2018 dá-se início a alteração mediante requerimento apresentado em qualquer conservatório de registro civil, indicando o número de identidade civil e o nome que o indivíduo deseja ser identificado. Não exigindo outros documentos, por compreender que a mudança de sexo e nome no registro civil não afeta nem altera os direitos e obrigações jurídicas reconhecidas antes da alteração. (PORTUGAL, 2018).
Portanto, nota-se que a exclusão dos deficientes e dos menores púberes, bem como a obrigatoriedade de várias certidões negativas permitem que o provimento não cumpra a finalidade desejada pelo mesmo, sendo ele o direito a não discriminação e a busca da igualdade, pois colocariam esses grupos em situação de desvantagem em relação aos demais.
A luz da Constituição Cidadã, o que se pretende é que todos os indivíduos sejam vistos de forma igual pela sociedade, independente de suas características. Por este motivo, o provimento 73/2018 cumprirá com sua função social quando incluir outras minorias, que no presente caso se tratam dos deficientes e dos menores púberes. Desta forma, poderá se falar que o provimento respeita o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Conclusão
Vivemos em um país com grande diversidade cultural. Todavia, ainda existe muito desrespeito a tudo o que diferente ao “padrão” imposto pela sociedade. Sendo notório, neste caso, as várias formas de preconceitos sofridos pelos transgêneros.
A busca por sua felicidade fez com que os transgêneros procurassem o poder público, por meio de ação judicial a fim de adequar a sua identidade autopercebida a seus documentos. Por esta razão, percebendo o judiciário que o nome e o gênero faziam parte de direitos fundamentais da pessoa humana, e que caso ocorressem uma recusa do processo estariam ferindo o princípio da dignidade da pessoa humana, nele estando o direito a imagem, personalidade, honra, a liberdade pessoal, entre outros direitos, começou a ter decisões favoráveis à cerca do tema.
Entendendo que se tratava de um tema relevante e que haviam muitas dúvidas, já que existiam decisões favoráveis mais não existiam leis, foi promulgado o Provimento 73/2018 pelo CNJ, através da ADI nº 4275-DF, proferida pelo STF, que regulamentou a averbação da alteração do prenome e gênero nos assentos de nascimento e casamento de pessoa transgênero, independente de cirurgia de redesignação de sexo.
O provimento foi considerado um marco para as classes minoritárias que sempre buscaram a igualdade de gênero e o respeito as diversidades. Contudo, mesmo sendo de muita relevância o provimento na vida dos transgêneros, trouxe também problemas, vez que resguardou o direito a alteração administrativa apenas aos transgêneros maiores de 18 anos completos habilitados à prática de todos os atos da vida civil, excluindo as pessoas com deficiência e os menores púberes, bem como impondo um número exorbitante de certidões negativas que dificultam a alteração, pois a falta de um deles impede que seja feita o requerimento.
Deste modo, o artigo exposto buscou o equilíbrio do provimento, inserindo todos aqueles que anseiam a mudança em seu registro. De modo que, a sua idade ou situação permanente ou transitória não o atrapalhe, bem como, seja baseado na autonomia da pessoa, dispensando por sua vez a obrigatoriedade das certidões negativas.
Referências
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