Resumo: As relações entre pobreza e miséria com certos tipos de criminalidade é antiga no imaginário social, sendo tal associação objeto de análises por parte de sociólogos. Diante disso, o problema que se apresenta na presente investigação consiste em verificar as relações existentes entre crime e pobreza no imaginário social e na literatura sociológica brasileira. Por sua vez, no sentido de viabilizar um suporte teórico que proporcione bases consistentes de análise, adotou-se o método dedutivo e a técnica de pesquisa bibliográfica, consistindo ainda em uma pesquisa qualitativa. Nesse diapasão, o propósito deste trabalho consiste em esclarecer, para os fins de pesquisa, duas questões entrelaçadas, ou seja, as relações entre crime e pobreza no imaginário social e na literatura sociológica brasileira. Dessa maneira, constatou-se uma associação entre pobreza e crime no imaginário social, baseada em estereótipos. Entretanto, a literatura sociológica brasileira inclina-se em entender que a correlação entre pobreza e crime consiste, ao mesmo tempo, em algo politicamente incorreto e similar ao ato de criar fantasmas. Assim, todos os fantasmas que têm as marcas da pobreza e as mãos criminosas parecem possuir como traço em comum a revolta.
Palavras-chave: Pobreza. Crime. Associação.
Resumen: Las relaciones entre pobreza y miseria con ciertos tipos de criminalidad, es antigua en el imaginario social, siendo tal asociación objeto de análisis por parte de sociólogos. Frente a esto, el problema que se presenta en la presente investigación consiste en verificar las relaciones existentes entre crimen y pobreza en el imaginario social y en la literatura sociológica brasileña. De esta manera, se constató una asociación entre pobreza y crimen en el imaginario social, basada en estereotipos. Sin embargo, la literatura sociológica brasileña, se inclina en entender que la correlación entre pobreza y crimen consiste, al mismo tiempo, en algo políticamente incorrecto y similar al acto de crear fantasmas. Así, todos los fantasmas que tienen las marcas de la pobreza y las manos criminales parecen poseer un rasgo en común: la sublevación.
Palabras claves: Pobreza. Crimen. Asociación.
Sumário: Introdução. 2 Crime e pobreza na conjuntura temática no Brasil. 3 Crime e pobreza: crítica aos antigos enfoques. 4 Imaginário social, crime e pobreza. 5 Críticas à associação entre crime e pobreza. 6 Disseminação de violência e as conflitualidades. Considerações finais. Referências.
Introdução
As relações entre pobreza e miséria com certos tipos de criminalidade é antiga no imaginário social, mas adquire status modernos com as tentativas científicas dos socialistas do final do século passado em demonstrar sua efetividade causal.
No Brasil, as ciências sociais só começaram a se aproximar da referida temática em meados dos anos de 1970, tendo forte influência da publicação da obra Vigiar e Punir de Michel Foucault, cujos esboços foram apresentados pela primeira vez em público em sua viagem ao Brasil em 1973.
Nesse âmbito cognitivo, o problema que se apresenta na presente investigação consiste em verificar as relações existentes entre crime e pobreza no imaginário social e na literatura sociológica brasileira.
Por sua vez, no sentido de viabilizar um suporte teórico que proporcione bases consistentes de análise, adotou-se o método dedutivo, uma vez que partiu de teorias e leis mais gerais para a ocorrência de fenômenos particulares,
Com efeito, trata-se de uma pesquisa qualitativa, já que se buscam percepções sobre a natureza geral de uma questão, de maneira a se permitir o desenvolvimento de conceitos, ideias e entendimentos a partir de padrões encontrados nos dados.
Segundo o procedimento técnico, adotar-se-á a pesquisa bibliográfica, consistente no levantamento, seleção, fichamento e arquivamento de informações relacionadas à pesquisa, com o propósito de enriquecer o debate.
Nesse diapasão, o propósito deste trabalho consiste em esclarecer, para os fins de pesquisa, duas questões entrelaçadas, ou seja, as relações entre crime e pobreza no imaginário social e na literatura sociológica brasileira.
2 Crime e pobreza na conjuntura temática no Brasil
Durante toda a década de setenta (1970), o aumento da violência urbana e o crescimento do crime organizado ganham visibilidade na mídia, bem como na percepção social das populações urbanas, medidas pelas pesquisas de opinião.
De fato, as ciências sociais no Brasil somente começaram a se aproximar da problemática no final dos anos setenta sob a influência da publicação da obra Vigiar e Punir de Michel Foucault, cujos esboços foram apresentados pela primeira vez em público em sua viagem ao Brasil em 1973.
Com efeito, Foucault (1987) desloca estrategicamente os velhos enfoques de causalidade na questão criminal para dentro dos dispositivos que têm o poder de produzir a verdade criminal e de discipliná-la, o que significa dizer que os velhos enfoques (inclusive da própria ciência social) tornam-se problemáticos porque envolvidos no próprio objeto.
Em verdade, para um campo que pouco havia produzido sobre esta temática, observa-se um impacto ocasionado pela obra Vigiar e Punir no Brasil. Os trabalhos, quase todos centrados na questão penitenciária, de Ramalho (1976), Adorno (1980), Pinheiro (1983) e Paixão e Campos (1984) assinalam o início de um investimento sistemático na temática criminal pela sociologia brasileira, já sob o influxo das ideias de Michel Foucault.
Todavia, é no ensaio publicado em 1978 que antecipará, de forma mais rigorosa, o tônus das discussões dos anos oitenta, elaborado por Campos (1978). Assim, o referido trabalho sinalizará, de forma polêmica, o início da crítica das relações implícitas estabelecidas entre o neomarxismo das teorias da marginalidade com as explicações da criminalidade.
3 Crime e pobreza: crítica aos antigos enfoques
A maioria dos trabalhos produzidos em toda a década de oitenta sobre a questão da violência urbana e da criminalidade, mesmo quando não analisado diretamente, apontam suas baterias para a associação, dominante no imaginário da classe média urbana brasileira, assim como no complexo polícia/justiça/penitenciária, entre pobreza e criminalidade.
Dessa forma, a supracitada associação beneficiou-se das ambiguidades das categorias relacionadas, o que permitiu que fosse formulada de diferentes maneiras, inclusive para contextos de pobreza e crime muito diversos em países muito desiguais. Assim, nem sempre a crítica parece considerar essa ambivalência, beneficiando-se, indiretamente, da mesma ambiguidade.
Nesse contexto, Misse (1995) ensina que há três tipos principais de críticas na literatura brasileira: o primeiro, chamado de “brechtiano” ou estrutural, põe a pobreza como uma mediação entre as causas da pobreza e o crime, uma mediação que perde assim, de per si, qualquer poder explicativo, pois a associação passa a ser entre “as margens do rio que aprisionam suas aguas” (a estrutura social que produz a exploração, a pobreza e a revolta) e suas “aguas revoltadas” (entre as quais o crime). A pobreza, por si mesma, não explicaria coisa alguma.
Por sua vez, o segundo tipo de crítica, chamado de relativista, procura mostrar que a criminalidade se espalha igualmente por todas as classes, sendo apenas mais perseguida nas classes subalternas que nas dominantes. Além disso, os pobres, todavia honestos se distinguem a si mesmos dos vagabundos e bandidos tanto quanto um empresário sério e consciencioso se distingue dos estelionatários e corruptos.
Por outro lado, o terceiro tipo de crítica, de base estatística, procura demonstrar o caráter espúrio da correlação entre crime e pobreza pelo cruzamento de dados e a crítica de sua produção.
Misse (1995) ainda explica que concorda com todas elas e que já defendeu em diferentes ocasiões, mas acredita que não encerram o debate e, pelo contrário, criam novos problemas.
4 Imaginário social, crime e pobreza
A crítica da associação entre crime e pobreza, que dá o tom da intervenção sociológica na temática da violência urbana, tem suas próprias razões de estratégia cognitiva. De fato, Misse (1995) alega que, em primeiro lugar, a pobreza ganha tal permanência e abrangência na história do Brasil, não servindo para explicar mais qualquer coisa.
Em segundo lugar, as noções de pobre e pobreza, além dos inevitáveis estereótipos que carregam, tornam-se muito mais maleáveis numa sociedade como a brasileira, marcada por uma das maiores concentrações de renda do mundo, senão a maior de um país industrializado.
Em terceiro lugar, a referida maleabilidade da noção de pobre, no Brasil, inventou uma pobreza muito diversa daquela descrita por Redfield e Lewis em Yucatán, que atravessa completamente qualquer fronteira física, geopolítica ou comunitária, para instalar-se num espaço social suficientemente abrangente para abarcar quase toda a nação.
Nesse contexto, vale ressaltar ainda que Misse (1995) entende ser evidente correlacionar pobreza com crime numa situação dessas não é somente politicamente incorreto, mas também seria o mesmo que criar fantasmas.
Segundo Misse (1995), todos os fantasmas que têm as marcas da pobreza e as mãos criminosas parecem possuir um traço em comum: a revolta. Assim, não é exatamente a pobreza que leva ao crime, mas pode ser a revolta.
5 Críticas à associação entre crime e pobreza
Os principais argumentos críticos à associação entre crimes e pobreza foram levantados principalmente por Campos (1978, 1980) e desenvolvidos, seguido outras metodologias, por Paixão (1983), Zaluar (1985, 1989), Campos (1987), Bordini e Adorno (1989), entre outros. Tanto como estereótipo ou correlação estatística, quanto como adequação causal de sentido ela é efetivamente espúria e socialmente perversa.
Com efeito, Misse (1995) ensina que a crítica é muito bem fundamentada, mas parece se dirigir mais contra o senso comum do que a outras posições sociológicas, ainda que essas pudessem partilhar em parte com o senso comum. Além disso, alega ainda que defende tal perspectiva porque não encontrou nas críticas qualquer referência específica a outros trabalhos em na área, que defendessem uma correlação linear entre pobreza e criminalidade e, por isso, impossibilitou identificar os argumentos combatidos.
De fato, Misse (1995) explica que se as críticas estavam dirigidas ao argumento marxista-estruturalista, a situação se complica, porque esses falavam em efeitos de uma estrutura e se fosse possível uma correlação empírica, essa seria entre estrutura e efeitos, e não de efeitos entre si fora de uma matriz estrutural.
Ademais, Misse (1995) aduz que se a crítica, como entende parecer ter sido, queria atingir os que visualizavam no crime uma estratégia de sobrevivência, ela deveria ter considerado sua relatividade entre as múltiplas estratégias que podem eventualmente incorporá-lo, como também negá-lo, e não considerá-lo como a única ou a principal estratégia de sobrevivência dos pobres.
Nesse sentido, talvez por isso, segundo Misse (1995), a crítica rigorosa atinge mais os estereótipos do que os fantasmas. Outrossim, os fantasmas são as matrizes de hipóteses mais promissoras, pois são constituídos pelas utopias (sociais e pessoais) que, entre outras coisas, transformam os crimes em problemas (inclusive sociológicos).
Diante disso, Misse (1995) averba que a pobreza, como uma categoria analítica que não é, mas que parece possuir indicadores estatísticos e socialmente contaminados, não consiste em qualquer correlação empírica com o crime. No entanto, o fantasma não está dissolvido, uma vez que retorna sem os estereótipos convencionais, com o nome de crime organizado.
Misse (1995) alega não parecer um exagero declarar que o investimento sociológico na questão criminal começa a se afirmar no mesmo período de afirmação do chamado crime organizado, que já existia de longa data, articulado ou não à contravenção, mas que ganha qualificação a partir do final dos anos setenta, particularmente com sua associação com o tráfico de drogas, especialmente da cocaína, conforme Paixão (1992) e Coelho (1992).
Como o crime organizado preferiu as favelas para se instalar e recruta quase todo o seu pessoal ali e nos conjuntos habitacionais pobres da cidade e da Baixada, a associação do crime com a pobreza ganha uma nova dimensão.
Dessa forma, por um lado, a supracitada associação se distingue da convencional, reproduzida nos roteiros típicos da polícia, dos tribunais e da penitenciária. Por outro lado, volta a qualificá-la em continuidade, como se pode perceber nos accounsts explorados em trabalhos separados quase dez anos um do outro, tendo como parâmetro Ramalho (1976) e Zaluar (1985). Nesse contexto, conforme Misse (1995), o que há em comum nesse accounsts e que volta a interligar, mas nunca direta e linearmente a pobreza com o crime, seria a questão da revolta.
Misse (1995) defende que a preocupação, até agora dominante nessa área, em enfrentar o que há de errado na associação pobreza-crime no imaginário social, para além de sua virtude intrínseca, parece que entrelaçou indevidamente problemas de representação, com suas categorias práticas e problemas de explicação. Diante disso, resultou na transferência para um obscuro plano implícito questões decorrentes de uma associação complexa, cuja simplificação, nos discursos sociais, facilita sua falsificação pelo discurso sociológico, particularmente quando este prefere um recorte de denúncia fundada em valores universais, os quais apresentam uma significação cultural para a essa época é irrepreensível, mas que não esconde sua superficialidade.
6 Disseminação de violência e as conflitualidades
O aumento dos processos estruturais de exclusão social pode vir a gerar a expansão das práticas de violência como norma social particular, vigente em vários grupos sociais enquanto estratégia de resolução de conflitos ou meio de aquisição de bens materiais e de obtenção de prestígio social, significados esses presentes em múltiplas dimensões da violência social e política contemporânea, conforme Tavares dos Santos (1999).
Todos os autores salientam a desigualdade social como uma das origens estruturais das violências, enfatizando-se a hipótese de que o empobrecimento e a desigualdade, mas não a pobreza, são os elementos que originam a violência urbana. Com efeito, deve-se adicionar o processo de segregação no espaço urbano, uma vez que registros de mortes violentas revelam maior incidência nos bairros que compõem a periferia urbana, onde são precárias as condições sociais de existência coletiva e a qualidade de vida é acentuadamente degradada.
Há fortes evidências de que o risco de ser vítima de homicídio é significativamente superior entre aqueles que habitam áreas, regiões ou bairros com déficits sociais e de infraestrutura urbana, como sugerem os mapas de risco elaborados para diferentes capitais brasileiras.
De fato, a desigualdade social e a segregação urbana produzem uma exclusão social, marcada pelo desemprego, pela precarização do trabalho, salários insuficientes e por deficiências do sistema educacional.
Em verdade, tais manifestações da violência urbana revelam que, na vida cotidiana, realiza-se uma condensação entre o mal estar da pós-modernidade, como diria Bauman (1998), a violência simbólica, o sentimento de insegurança e o sentimento de medo.
A violência apresenta, além dos custos de dor e sofrimento humano, um componente de mal estar psicológico derivado do medo que inspira e um impacto econômico, pelas vítimas e custos reais, bem como pelos gastos e perdas que a prevenção e o medo obrigam.
No tocante à matriz disciplinar dos estudos sociológicos sobre as conflitualidades, evidencia-se que, no plano teórico, é oportuno reiterar a observação de que se desenvolve uma abordagem inovadora acerca das várias redes de dominação e de violência presentes nas formações sociais contemporâneas, indicando ainda novas possibilidades teóricas para sua compreensão sociológica, segundo Tavares dos Santos (1999).
A novidade analítica que se revela nos estudos componentes deste dossiê reside em uma perspectiva da complexidade, sintetizada por Morin (1986), consistindo em estabelecer que o ato de pensar nunca encerre conceitos, que sejam quebradas as esferas fechadas, que se compreenda a multidimensionalidade, que o pensamento seja com a singularidade, a localização, a temporalidade, que não se esqueçam das totalidades integradoras. Por seu turno, ensina ainda que a totalidade é simultaneamente verdade e não verdade, sendo isso a complexidade, ou seja, a conjunção de conceitos que se combatem entre si.
Tal perspectiva epistemológica se expressa na crítica a algumas abordagens clássicas sobre o tema das conflitualidades e na formulação de novos instrumentos interpretativos, confirmando recente percepção de Adorno e Cárdia (2002) de que vêm avançando rapidamente os estudos e pesquisas que procuram decifrar a violência, as percepções, os fatos, o impacto sobre a justiça, as relações entre cidadania, segregação urbana e violência na sociedade brasileira, bem como as diversas formas e significados da violência para os distintos grupos sociais.
Considerações finais
Constatou-se uma associação entre pobreza e crime no imaginário social, baseada em estereótipos. No entanto, a literatura sociológica brasileira, em uma perspectiva do pensamento de Michel Misse, inclina-se em entender que a correlação entre pobreza e crime consiste, ao mesmo tempo, em algo politicamente incorreto e similar ao ato de criar fantasmas.
Assim, todos os fantasmas que têm as marcas da pobreza e as mãos criminosas parecem possuir um traço em comum: a revolta. Assim, não é exatamente a pobreza que leva ao crime, mas pode ser a revolta.
Entretanto, salienta-se ainda que a literatura sociológica brasileira defende a desigualdade social como uma das origens estruturais das violências, enfatizando-se a hipótese de que o empobrecimento e a desigualdade, mas não a pobreza, são os elementos que originam a violência urbana.
De fato, vale registrar que os estudos sobre sociologia da conflitualidade denotam um vigor investigativo e interpretativo capaz de nutrir uma forte agenda de pesquisas para a sociologia latino-americana.
No tempo infinito da paciência, do diálogo e da mediação dos conflitos sociais, no fragmentado espaço social da América Latina, a disseminação das violências também vem produzindo, para além do desencanto, novas relações de sociabilidade e outras formas de controle social, na esperança, compartilhada pelos autores, de pacificar a sociedade, respeitando as diferenças, reduzindo as iniquidades e as injustiças e reconhecendo a dignidade humana de todos os cidadãos.
Doutorando em Direito Constitucional pela Universidade de Buenos Aires (UBA). Especialista em Direito Constitucional pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Especialista em Ordem Jurídica, Ministério Público e Cidadania pela FESMIP/PB em convênio com o Centro Universitário de João Pessoa/UNIPÊ. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Campina Grande-PB. Professor de cursos preparatórios para concursos
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